Parte 2

Os olhos de Victória arregalaram-se quando ela ouviu o barulho das botas do marido aproximando-se. Ela estava de pé, em frente à janela, angustiada e aflita naquelas horas que se passaram. Quando percebeu a presença de Dom Guilherme, ela voltou-se para ele que a fitava de modo inexpressivo.

- Eu não farei nada à senhora - garantiu-lhe. - Só quero que me conte toda a verdade - ele pediu delicadamente.

Cerrando os olhos, ela empertigou-se antes de responder com uma firme convicção.

- Não esconderei nada de Vossa Excelência se me prometer que não fará mal ao cavalheiro que me escreveu a carta.

Dom Guilherme contraiu o maxilar, e aspirou o ar tentando não perturbar-se com a evidente preocupação de sua esposa por outro homem.

- Eu prometo e, por favor, não se refira a mim por títulos. Gostaria que me tomasse apenas por Guilherme - sua voz saiu gentil e calma contrariando a raiva que vinha guardando dentro de si.

Victória o fitou, mas não encontrou sinais de que ele estivesse tentando enganá-la. E apesar de não lhe ter apreço e de se sentir injustiçada por toda situação, pois para ela fora como se ele e seus pais a tivessem tratado como uma mera mercadoria, achou que devia a Dom Guilherme uma justificativa. Até aquele presente momento, ela precisava reconhecer que, ao menos, ele havia sido muito generoso no que diz respeito às obrigações de uma esposa, sem obrigá-la a nada. Sabia que na sociedade em que vivia, com os valores que se conservavam, aquela atitude do esposo era uma prova de um homem que possuía um grande coração.

- Esta carta em suas mãos, ela foi enviada a mim poucos dias antes de eu me casar com o senhor. Jorge, como se chama o cavalheiro em questão, sempre fora meu amigo de infância e crescemos juntos numa pequena e humilde vila aqui do Rio. Papai sempre fora comerciante e por anos economizou parte dos ganhos, pois tinha em mente que um dia seria um grande homem no meio dos negócios. Eu e Jorge, alheios a qualquer possibilidade de separação, nos apaixonados um pelo outro. Então, quando papai ascendeu, nossa família se mudou e eu e Jorge prometemos um ao outro que trocaríamos cartas, promessa que cumprimos até sua interferência. - Ela continuou com certa amargura na voz: - Se não fosse o senhor com sua riqueza e seu título, eu e ele poderíamos estar juntos.

Os lábios de Dom Guilherme ergueram-se para cima num sorriso sarcástico que ele não foi capaz de evitar. Em seu íntimo, questionou-se como alguém que tivera tantas oportunidades para deitar seu amor eterno sobre aquela rosa primaveril poderia tê-la deixado escapar. Mas conteve o impulso de despejar tais palavras e limitou-se apenas a perguntar:

- E por que ele não falou com seu pai? Parece a mim que oportunidades não faltaram.

A constatação de Dom Guilherme a incomodara mais do que Victória gostaria de admitir. No entanto, fez-se altiva e respondeu com o olhar desafiador:

- Ele ia fazer! Estávamos apenas esperando o momento certo, mas o senhor chegou e se colocou entre nós.

- E por que você não disse nada?

- Porque o senhor nunca me perguntou; aliás, só o conheci de fato no dia do nosso casamento. Pulamos a fase do cortejo, não é? - Ela sorriu para ele de maneira sarcástica.

Dom Guilherme mordeu o lábio e deu um passo para ficar mais perto de Victória, mas, instintivamente, ela recuou. Ele, porém, não se deixou abalar por aquele gesto.

- Tenho uma proposta para a senhora... Para nós, na verdade.

Victória ergueu o queixo e o encarou com o olhar inquisidor, esperando que ele continuasse.

- Se eu quisesse, a senhora sabe que teria de me obedecer. Eu sou o seu marido não importando as condições como isso tenha ocorrido. - Victória continuou muda porque sabia que aquilo era verdade, embora fosse uma verdade amarga demais para ser digerida. - E não estou dizendo isso para afligi-la. Só quero que compreenda que desejo que goste de mim sinceramente. Eu tenho sido bruto com minhas atitudes, mas eu quero fazer com que me ame. Dê-me uma chance para conquistá-la.

- Uma chance para me conquistar? - Victória repetiu julgando que não tivesse compreendido o que o marido queria dizer.

- Sim, Victória - confirmou. - Dê-me uma chance para que eu a conquiste. Deixe-me cortejá-la como se fossemos dois namorados que precisassem desabrochar os sentimentos.

Victória permaneceu atenta e Dom Guilherme aproveitou aquele momento em que ela estava distraída como se tentasse assimilar suas palavras, para tocar a mão dela. Dessa vez, ela não rejeitou o toque. Estava muito surpresa com o pedido do marido e sentiu que ele era sincero.

- E o se o senhor não for capaz de me conquistar? - ela quis saber.

- Possuo uma fazenda em São Paulo onde tenho negócios, mas que deixo a cargo de alguém de confiança. Se eu não for capaz de fazer com que me ame, então eu ficarei por lá uma boa parte da temporada e deixarei a senhora em paz, com esta casa. Agora que estamos casados, não há mais nada que eu possa fazer. Um divórcio seria tão ruim para mim quanto para você. As pessoas falariam que não fui capaz de sustentar meu casamento e ninguém a desposaria. Mas, ao menos, posso livrá-la de minha constante companhia.

Victória considerou as palavras que ouvira do esposo. Ela de fato não o amava e não acreditava que um dia algum outro sentimento sobrepujasse aquele que carregava há tempos pelo antigo amante, de quem guardava as mais doces lembranças de risos compartilhados. No entanto, ela tinha consciência de que aquelas eram recordações que deviam ser esquecidas.

- Está bem - ela concordou.

Um sorriso tímido desenhou-se nos lábios de Dom Guilherme e, levando as mãos da esposa aos seus lábios, beijou-as delicadamente.

- Prometo que não irá se arrepender.

Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top