Capítulo 5 - Entre pliés, relevés e tweets escondidos
Meu corpo estava encharcado de suor. Enquanto eu realizava a sequência que Arthur nos mandara fazer, eu tentava limpar a minha mente de todo tipo de pensamento. Eu precisava de toda concentração possível para poder executar com o máximo de perfeição tudo o que ele nos pedia.
Eu já estava acostumada a treinar daquele jeito, pois o ballet sempre exigiu muito de mim, mas a pressão recaía sobre mim sempre que eu lembrava que aqui eu estou em constante observação tanto pelo Arthur quanto pelos outros competidores.
O estúdio de dança era gigantesco e mesmo assim, parecia pequeno e estreito para oitenta pessoas.
Haviam boatos circulando pelos corredores de que a segunda avaliação ocorreria naquela mesma semana. Ninguém desmentia, mas também não havia uma única pessoa capaz de confirmar aquela informação.
Diziam que era porque ainda haviam muitos concorrentes e poucos professores para muitos alunos. Se aquilo era verdade, ninguém sabia. Só o que sabíamos é que o CBA é uma caixinha cheia de surpresas.
— Dianna, faça os passos com mais calma e leveza. — pediu Arthur assim que parei para descansar. Ele estava sentado numa cadeira acolchoada. Sua postura era reta e impecável.
Ele observava a todos os seus alunos de onde estava e anotava algumas coisas em uma prancheta.
Acho que a essa altura ele já havia percebido a minha dificuldade na dança.
Todo o mundo tem algum tipo de dificuldade, ou se depara com algum obstáculo no meio do caminho. Mesmo que a genética te ajude e você tenha talento, sempre vai haver algo que precisamos consertar.
No ballet, sempre fui hostilizada porque a minha estrutura corporal me favorecia. Sempre provei a todos que tinha talento, mas desde antes da morte da minha mãe, existiam algumas coisas que eu tinha dificuldade de executar e aprender.
Quando a minha mãe morreu, essas dificuldades se atenuaram e eu passei por diversas fases dolorosas em minha vida. A primeira foi a iminente tristeza e o isolamento. Passei 1 semana sem vontade de voltar ao estúdio de ballet para dançar.
Quando finalmente voltei ao estúdio, meu jeito de dançar já havia mudado. Lucy percebeu. Todo o mundo percebia.
Antes eu dançava com alegria. Um pé após o outro, um giro após o outro. Um levantar de braço para logo depois o outro. Após a minha mudança, tudo parecia totalmente fora do eixo e desconexo.
Meus pés se atrapalhavam. Meus braços pareciam querer me afogar em minha própria insanidade. Porém, não era por querer. Dançar sempre foi uma das minhas maiores paixões e isso não mudou com a morte de minha mãe.
Mas eu mudei, assim como a minha forma de dançar.
A segunda fase foi a da raiva.
Eu já não me atrapalhava, mas eu parecia ter perdido a essência que mamãe dizia que eu tinha. Eu não dançava mais com leveza.
Dançava com raiva, brutalidade. Fiquei um bom tempo sem dançar ballet porque achava muito lento e travado para se dar bem com as minhas atuais emoções.
E quando a última fase veio, parecia ser uma mistura das outras duas. Da tristeza e da raiva. Raiva do motorista embriagado que bateu no carro da minha mãe. Tristeza por saber que eu nunca mais a veria ou sentiria o seu perfume.
Eu nunca mais consegui recuperar a minha essência. Tampouco, a leveza que a maioria dos bailarinos tinham. Eu dançava com ênfase, com amor, mas também dançava com brutalidade, com força, de um modo afobado que me prejudicava mais do que ajudava.
A única coisa que sobrou da velha e antiga Dianna foram os meus sonhos. Mamãe sempre me disse para não desistir deles.
E somente porque ela me pediu, eu continuei sonhando.
— Tudo bem, eu vou tentar. — Sei que isso é uma tarefa praticamente impossível, porém, não posso deixar de tentar.
Voltei a fazer a sequência, tentando controlar meus instintos naturais e os pensamentos sobre minha mãe. Vi que não deu certo quando olhei na direção em que Arthur estava sentado. Ele me olhava profundamente, como se estivesse ponderando alguma coisa. Acho que devia estar estranhando a forma como estava executando a sequência que ele preparou e praguejei as minhas gerações por ter me distraído daquela forma.
A porta do estúdio se abriu e dois câmera-man surgiram gravando o que fazíamos enquanto uma mulher, que segurava um microfone, falava tão rápido que era difícil acompanhar tudo o que ela dizia sem se perder no meio do caminho.
Vi uma das amigas de Barbara (que infelizmente estava na mesma turma que eu) ajeitar o cabelo e desamassar a roupa enquanto voltava a dançar com mais energia do que antes, o que era totalmente desnecessário.
Infelizmente, ela não era a única a se exibir.
Os outros bailarinos começaram a fazer a sequência de Arthur de um jeito totalmente exagerado. Eu não estou brincando. Eles começaram a improvisar viradas estratégicas de cabelo e alguns garotos davam mais giros do que eu gostaria de ter contado.
Fiquei por um bom tempo parada no meio daquele "Fogo Cruzado do Exibicionismo" sem saber o que fazer. Não sabia se recomeçava a fazer a sequência exatamente do mesmo jeito que eu fazia antes ou se seguia a mesma linha que os outros e dançava de forma totalmente exibicionista.
Arthur levantou uma das sobrancelhas para mim ao ver o quanto eu estava perdida no meio de toda a minha indecisão. As câmeras começaram a nos filmar e por um bom tempo eu fui a única que continuei parada sem fazer nada.
Decidi voltar a fazer a sequência, no entanto, o nervosismo acabou me atrapalhando e eu tropecei em meus próprios pés ao dar um giro mal executado. Cambaleei para o lado e inspirei profundamente, tentando me concentrar.
Respirei fundo e retomei de onde eu tinha parado, executando cada passo já gravado em minha mente da mesma forma que eu fazia antes dos câmeras-man chegarem. A mulher continuava falando sobre os concorrentes e sobre como a turma do Arthur transbordava energia, mas a maioria das coisas que ela dizia acabava sendo abafada pelos acordes da música que tocava no rádio.
Todos continuaram repetindo a sequência incansavelmente e quando os câmera-man e a mulher se retiraram, nós paramos, ofegantes.
Arthur desligou o rádio e o sinal indicando que a aula havia acabado tocou.
— Parabéns pelo desempenho, pessoal! — Seu rosto estava sério. — Todos estão liberados. — Eu já me dirigia ao cabideiro para pegar minhas coisas quando ouvi a voz de Arthur novamente. — Dianna, espere, por favor.
Estagnei no meio do caminho, com o coração já acelerado de medo dentro do peito. Os outros bailarinos pegaram suas coisas e foram embora. Percebi que alguns me davam olhadelas de canto ao passarem por mim.
Quando o mar de concorrentes finalmente se foi, Arthur se encostou no batente da porta, mas não a fechou. Tentei controlar as minhas emoções, mesmo tendo quase certeza de que Arthur podia sentir o meu medo de longe.
— Você foi a única que não se exibiu para as câmeras — observou, me olhando intrigado. — Posso saber o porquê?
— Eu não vejo a necessidade de me exibir e muito menos de fazer alguma coisa somente porque a maioria está fazendo também. — Dei de ombros, olhando-o diretamente nos olhos.
— Essa é uma atitude muito... diferente do que estamos acostumados por aqui. — Arthur pendeu a cabeça para o lado para me observar de um ângulo diferente. Minhas bochechas ficaram coradas.
— Eu não estou aqui para fingir ser algo que eu não sou — murmurei, torcendo para que ele não notasse as minhas bochechas vermelhas.
— Mas você deveria saber que aqui dentro vale tudo — Arthur rebateu, e eu fiquei me perguntando onde ele queria chegar com essa conversa. — Às vezes temos que nos submeter a algumas situações para que possamos ser vitoriosos.
— Prefiro continuar com as minhas próprias convicções — Levantei o queixo para parecer uma garota mais astuta e corajosa. Teria funcionado, se o meu queixo não estivesse tremendo tanto.
Arthur se aproximou um pouco de mim. Ainda era uma distância segura e ele não me encarava da mesma forma ameaçadora que a Deborah, mas senti que ele tinha um interesse em mim. Não um interesse amoroso, mas acho que ele nunca tinha visto alguém que não tivesse interesse em se exibir para as câmeras.
— Você é autêntica, mas tome cuidado. As coisas por aqui não funcionam do jeito que você pensa. — O encarei de modo confuso. Ainda conseguia sentir aquela vibração meio quente e meio fria que me perseguia no fundo da minha mente e que só aparecia quando Arthur me olhava.
— O que quer dizer com isso? — Minha voz estava trêmula, baixa e um pouco esganiçada.
— O que eu estou querendo dizer é que apesar do seu talento, você ainda tem um longo caminho pela frente. Eu vejo que você possui medo de se arriscar e isso pode te prejudicar aqui dentro.
Cass costumava me chamar de "Menina Inocente" porque eu sempre deixava as pessoas me fazerem de boba. Quando descobriam a minha fraqueza, usavam isso contra mim em benefício próprio. Apesar de não ter dito nada, eu sabia que Arthur havia percebido que eu tinha um problema chamado ingenuidade.
Para completar o bônus, eu nunca havia namorado. Com vinte anos na cara e eu não sabia nada sobre o amor a não ser o que via nos livros ou na televisão.
— Entendo seu ponto, mas eu não vou me exibir para as câmeras. — Dei o assunto como encerrado. Peguei as minhas coisas e saí da sala antes que Arthur pudesse dizer mais alguma coisa.
[...]
A internet do CBA era uma droga. Percebi isso no momento em que tentei acessar a página inicial do Twitter e fiquei esperando por longos 5 minutos até que a página fosse totalmente carregada.
Quando finalmente consegui entrar, fiquei assustada com o número de seguidores que eu havia ganho desde que cheguei aqui no CBA. Mentions de pessoas desconhecidas marcando-me no primeiro vídeo oficial do CBA, que mostrava um pouco de cada turma dançando e se alongando juntamente com as apresentações do primeiro dia, deixaram-me meio eufórica e assustada.
As pessoas realmente levavam a sério aquele programa. Por um momento, senti a minha privacidade ser violada. De certa forma, ela realmente estava, afinal, era como se eu estivesse dentro de um reality show, já que milhares de pessoas no Brasil inteiro estão acompanhando o concurso do CBA pela internet e pela TV a cabo.
Aquilo era fascinante e meio constrangedor.
Tá, era muito constrangedor. Afinal, eles mostraram exatamente a parte em que eu tropeço nos meus próprios pés tentando dar um giro. Minha cara de assustada também não contribuiu muito para que as pessoas simpatizassem comigo.
Porém, muitos resolveram me seguir mesmo assim.
Aposto que todos esses seguidores acessaram a página oficial do colégio na internet e coletaram as informações referentes aos alunos e concorrentes que ainda faziam parte do concurso. Meu nome estava lá também, suponho, com meu link do Twitter para que as pessoas pudessem me seguir.
Mandei um tweet desesperado para Cassandra, sentindo a saudade se apertar quando vi que ela tinha trocado a sua foto de perfil.
Ela sorria na foto, segurando o urso de pelúcia que eu dei para ela no Dia do Amigo do ano passado. Meus olhos se encheram de lágrimas quando me dei conta da vontade que eu tinha de desabafar sobre como era difícil estar ali sem ela ou meu pai. Também queria poder falar mal dos concorrentes que insistiam em rir de mim sem eu ter feito nada, e da professora chata que pegou no meu pé durante meu primeiro dia aqui.
Mas eu não podia. Não pelo Twitter.
Além do mais, se eu ligasse para ela para contar como minha estadia no CBA não estava indo tão bem quanto eu queria, ela ficaria preocupada e frustrada. Afinal, eu tenho certeza de que não é isso o que ela espera ouvir de mim. Fizemos muitos planos e sonhamos por muito tempo, especulando o que aconteceria assim que eu pusesse os pés neste lugar. Nada do que pensamos se tornou real. Eu não me preparei para o pior. Eu realmente não sabia que Deborah e os outros alunos implicariam tanto comigo. Muito menos que seria motivo de piada para todos ali, principalmente para uma loura oxigenada que dividia o mesmo quarto que eu.
Cass me respondeu 1 minuto depois, eufórica e animada:
@dreamsbefore Hey GIRRRRL! Estou com saudades de você! Estou desesperada, me dê notícias suas!
@pinkandblack Eu também!! A internet aqui está caindo toda hora e eu ainda não consegui usar meu celular, ele está sem sinal.
@ dreamsbefore Por que demorou tanto para vir falar comigo, hein? Estou há 2 dias esperando alguma ligação, zap ou sinal de fumaça, sua besta!
Ouvi um barulho lá fora. A porta da sala de computadores permanecia fechada, só eu estava ali dentro. Já passavam das 22:00 e eu sabia que não era permitido usar o computador nesse horário, mas eu não ligava. Se eles não queriam as pessoas entrando, então que tratassem de trancar a porta, certo?
Mesmo assim, não pude evitar desligar o monitor e me agachar na cadeira que eu estava sentada, inclinando um pouco a cabeça para o lado para enxergar quem era a pessoa que estava acordada, zanzando pelo corredor. Pela porta daria para ver, já que metade dela era feita de madeira e vidro.
Prendi a respiração quando vi a cabeleira loira de Deborah parada de costas para a porta e arregalei os olhos quando vi Arthur com ela. Os dois estavam discutindo, dava para ouvir de onde eu estava que Deborah parecia tão enfurecida quanto Arthur. No entanto, esse último parecia manter o controle, apesar da forma com que ele trincava o maxilar mostrar que ele estava a ponto de explodir.
— Você deveria me amar! Me amar! — disse Deborah acusadoramente, empurrando Arthur pelo peito. Ele nem se mexeu, já que bater não deveria ser uma das habilidades de Deborah. Aqueles braços magrelos pareciam não possuir muita força para esmurrar homens másculos daquela forma.
— Nós já conversamos sobre isso, Deborah! — rosnou ele de volta, retirando as mãos de Deborah de cima de si. A professora parecia tão fraca e vulnerável, choramingando por causa de um homem, que eu me peguei sentindo muita pena dela. — Eu não amo você! Me esqueça, viva a sua vida!
— Você vai se arrepender das palavras que acabou de proferir, Arthur! — exclamou, enxugando as lágrimas dos olhos. Meu professor permaneceu sério e frio, fitando-a com os olhos mais duros que eu já havia visto em toda a minha vida.
Então, Deborah saiu correndo, deixando um Arthur mais aliviado para trás. Ele suspirou, saindo do meu campo de visão e eu, liguei o monitor novamente, vendo que Cass havia deixado milhares de mentions em meu twitter:
@dreamsbefore Cadê você?? Já saiu? =(
@dreamsbefore Volte aqui agora, cadela! Se você não me deixar a par de tudo o que está acontecendo aí eu JURO que invado essa escola!
@dreamsbefore Eu vou atrás de você até no quinto dos infernos, VACA!
@pinkandblack Amiga, vou ter que sair. Não posso explicar agora. Mas vou te mandar um zap ou te ligar amanhã. Mande beijos para todos. Amo você <33
Desliguei o computador e saí de forma abrupta da sala, tropeçando em meus próprios pés e esbarrando em um corpo, que me fez cambalear para o lado.
Arthur estreitou os olhos em minha direção assim que viu que a pessoa que havia trombado nele era eu.
Droga, acho que sou a garota mais azarada de todos os tempos.
Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top