Capítulo 48 - Ganhando as Asas
A Barbara não venceu o concurso. Ela ficou em segundo lugar, e Fernando foi o grande ganhador. Ele sempre ficava entre os dez melhores no ranking de desempenho, e sempre foi meio nariz em pé por causa disso.
Duas semanas tinham se passado desde que o concurso do CBA acabou, e desde então eu tenho me dividido em ajudar Lucy com a academia de ballet, ajudar Cass a parar de enrolar o professor Tony — os dois estavam conversando desde que ela apareceu na boate no dia da despedida do Marlon — e em pensar no que fazer com a minha vida.
Lucy tinha me pedido para dar algumas aulas para crianças iniciantes no ballet, pois a professora delas estava de licença por alguns dias. Eu ganhava uma grana pelo serviço e me divertia ensinando crianças fofas e ainda praticava um pouco de ballet no meio do processo, o que para mim era realmente maravilhoso.
O desejo de seguir a carreira artística ainda pulsava vivo dentro de mim, mas eu não tinha mais forças para correr atrás desse sonho, então quando eu não estava lecionando ou cuidando de meu pai e agindo como cupido de Cass, eu ficava pensando. E, quando eu não estava pensando demais, eu estava na internet procurando notícias sobre ballet, teatro, Broadway ou sobre a banda de Arthur. Engraçado como essas palavrinhas eram a chave para a minha insônia, mas eu realmente não conseguia me controlar.
Eu não falava com o Arthur há muito tempo, e eu quase não o via nas redes sociais. Os meus haters se calaram com o tempo, e a internet se tornou um local um pouco mais amistoso novamente.
Agora que os haters não me importunavam mais como no começo — a repercussão do que ocorrera naquela semifinal me assombrara por muito tempo — eu parei de ficar procurando meu nome no Google e nas redes sociais para procurar outras coisas, o que era preocupante, já que eu não conseguia dormir durante esse processo.
Eu e os meus amigos do CBA temos nos falado quase sempre. Eles voltaram para suas cidades de origem, mas já tinham alguns projetos em mente. Barbara foi para Londres um pouco depois de retornar à sua cidade natal, pois ela tinha conseguido uma audição para entrar na Academia de Dança de Londres e estava se preparando para conseguir um contrato com eles.
Eu ajeitava as minhas sapatilhas de ballet no estúdio de Lucy quando Cass chegou esbaforida no estúdio de dança. As crianças já tinham ido embora, mas eu ainda estava ali, perdida em meus pensamentos.
— Até que enfim eu te achei! — Ela entrou no estúdio afobada e ofegante — Tem uma moça refinada na sua casa procurando por você!
— Moça? Que moça? — Me levantei do chão com as sapatilhas em mãos, com medo de quem poderia ser aquela mulher. Eu já tinha falado com a polícia sobre Deborah, então quem será que estava me procurando?
— Vem logo! Estou sentindo cheiro de notícia boa no ar! — Ela saltitou e me puxou pelo braço até estarmos do lado de fora. A brisa da tarde refrescou meu corpo, e eu fui relaxando aos poucos.
Quando chegamos em minha casa, papai oferecia biscoitos amanteigados para a visita. Meu queixo caiu quando eu vi quem estava na minha casa.
— Jessica Parker! — exclamei, observando a mulher alta de cabelos crespos se levantar e apertar a minha mão. Ela era uma das artistas mais consagradas da Broadway — agora uma das diretoras executivas do lugar. Basicamente, Jessica era uma das que decidiam quem entrava na Broadway e quem saía, assim como ajudava na criação das peças e musicais. Apesar de morar nos Estados Unidos, ela tinha nacionalidade brasileira, e falava o português de forma impecável.
— Prazer em te conhecer, Dianna. — Ela sorriu, exibindo dentes extremamente brancos e alinhados.
— O prazer é todo meu!
Jessica se sentou novamente no sofá, e eu me sentei em sua frente. Papai e Cass se sentaram ao meu lado. Ele oferecia seus biscoitos amanteigados para a minha amiga, e Jessica já tinha devorado dois enquanto eu me sentava.
— Eu vim aqui pessoalmente te parabenizar por suas performances no CBA. A sua última apresentação me encantou e me emocionou de verdade. Você é uma artista completa. — Jessica sorria com sinceridade, e eu achei que fosse delirar de tanta emoção. Eu a admirava demais, e ainda não podia crer que ela realmente estava ali na minha frente.
Jessica era famosa por procurar talentos, e não media esforços para fazer pessoas talentosas serem reconhecidas no meio artístico. Eu nunca pensei que ela apareceria na porta da minha casa, e fiquei encarando-a sem saber como me expressar em sua frente.
— Nossa, eu nem sei o que dizer! — exclamei, porque realmente não sabia mesmo. Eu nunca fui boa em receber elogios, e ser elogiada por uma das pessoas que eu mais admirava elevava ainda mais a minha falta de jeito.
— Nós queremos que você faça parte do elenco fixo da Broadway. — Jessica disse, sem rodeios — Se aceitar, terá um contrato e participará de peças e musicais conosco.
— Isso é sério mesmo? — indaguei, sentindo que tudo aquilo era surreal demais — Desculpe perguntar, é que parece um sonho isso tudo.
Jessica abriu um sorriso confiante para mim.
— Você tem um grande potencial, Dianna Smith.
Papai segurou minha mão com firmeza e Cass segurou a outra. Eles queriam que eu aceitasse.
— Tudo bem, eu aceito!
Pela primeira vez em muito tempo, eu senti que tomava a decisão certa.
[...]
Eu andava pelas ruas de Nova York com uma mistura de felicidade e excitação que mal cabia dentro de mim. Observei todos os lugares que eu passava de uma forma maravilhada, e a todo o tempo eu pensava em me beliscar para comprovar de que tudo isso era mesmo real.
Digitei uma mensagem para Clara e guardei o celular no bolso. Era o meu primeiro dia como integrante da Broadway, e eu já tinha até assinado meu contrato. Clara e eu iríamos dividir um apartamento, já que ela iria começar a gravar uma série em breve. Os sets de gravação ficavam perto de nosso apartamento, e a ruiva estava tão empolgada quanto eu com a chance de protagonizar uma série.
Deixei meu pai com o coração na mão, e prometi que se fizesse sucesso na Broadway, que iria trazê-lo para Nova York junto comigo.
As ruas de Manhattan estavam cheias naquela tarde. Caminhei até a rua onde ficava a sede da Broadway e entrei admirando cada canto do lugar como se eu fosse uma criancinha descobrindo a magia do natal.
Jessica me abordou assim que cheguei e me levou até uma sala ampla e arejada, onde outros integrantes se encontravam. Ela me apresentou a todos os diretores e membros e apesar de sentir alguns olhares céticos em cima de mim, percebi que grande parte do elenco parecia não ter preconceitos comigo.
Ela me explicou como funcionava tudo ali, e eu fiquei tão empolgada que prestei atenção em tudo o que Jessica me dizia com os olhos vidrados. Os outros diretores também foram gentis comigo, e vez ou outra respondiam as minhas dúvidas.
Recebi o roteiro da primeira peça e eu quase tive uma síncope. Eu não conseguia disfarçar o quão empolgada eu me sentia em estar ali. Percebi que o vencedor do CBA também estava na sala. Ele era um dos que me olharam de forma hostil, mas eu estava tão feliz que eu senti que nada nesse mundo seria capaz de me abalar.
Saí da Broadway com o roteiro da primeira peça que eu participaria, e encontrei Clara me esperando do outro lado da rua.
Seu cabelo era tão ruivo que às vezes parecia loiro, e seus olhos claros irradiavam tanta felicidade quanto os meus.
— Não acredito que estamos mesmo em Nova York. — Clara estava prestes a ter uma síncope.
— Nem eu! — exclamei, agitando na frente de seu rosto o roteiro da peça que eu iria participar — Precisamos visitar o Central Park!
Apesar de ser americana por parte de pai, eu só tinha ido em New Haven, cidade natal de papai. Não conhecia muito os EUA.
— Queria que os nossos amigos estivessem aqui. — Clara suspirou, com um olhar sonhador no rosto. Eu soube pela minha pesquisa que a banda do Arthur começou a fazer um burburinho internacional no mundo musical. Eles estavam adquirindo mais fama a cada dia, e meu peito se encheu de orgulho e saudades do Arthur. — Estou tão feliz por você, amiga!
Diego e Clara oficializaram o namoro, mas Barbara e Bernardo decidiram se separar, já que a loira havia conseguido o contrato com a Academia de Dança de Londres. Ela estava prestes a se tornar uma das bailarinas principais da companhia.
Marlon começou sua própria Academia de dança no Brasil. O diferencial de sua academia é que ele vem acolhendo pessoas que sofreram/sofrem com racismo, homofobia, bullying e etc. Marlon, com uma pequena equipe, começou a ensinar dança para essas pessoas, e sua academia também tem sido muito procurada pelos resultados positivos que seu trabalho tem colhido constantemente.
Diego começou a sua própria banda de rock no Piauí. Ele alcançou muita visibilidade no CBA, e me dissera que já tinha algumas gravadoras interessadas em suas músicas. Ele e Clara lidavam bem com a distância.
Nós todos iremos nos encontrar assim que conseguirmos, já que Barbara, Marlon e Diego estão um pouco longe de nós.
— Eu sinto a falta de todos eles. — Suspirei, e Clara se perdeu em pensamentos. Eu sabia que ela também sentia falta deles e do seu namorado.
— Você tem falado com o Arthur? — Clara perguntou, com uma pontada de insegurança em seu tom de voz.
— Não nos falamos tem algum tempo. — Eu disse, ainda me sentindo estranha com toda a distância. Ficamos muito tempo separados durante o CBA, e quando nós nos reconciliamos, eu quebrei seu coração. Eu sabia que ele poderia estar magoado, e seu orgulho, ferido.
— E você está bem com isso? Quero dizer, agora que a Deborah cagou no segredo de vocês e bateu as botas, eu pensei que você finalmente ficaria com ele. Você não o ama mais? — Desde que eu contei a Clara sobre o que eu tinha decidido em relação ao Arthur, que a minha amiga se sente confusa. Ela não entendia porque eu tinha jogado tudo para o alto uma vez que o segredo foi descoberto.
— Não é que eu não ame, Clara. Eu só acho que esse não é o nosso momento. Preciso priorizar a minha carreira agora. Se nossos caminhos se cruzarem novamente um dia, eu estarei pronta. — expliquei, encarando de forma distraída as ruas de Nova York. Era tanta coisa para assimilar que meus olhos se perdiam no meio de tanta informação. Era maravilhoso.
— E se ele arranjar outra?
— Bom, eu já pensei nessa possibilidade e se isso acontecer, estarei bem com isso. É inevitável, Arthur não vai ficar me esperando para sempre.
Nós duas suspiramos ao mesmo tempo. Eu quase podia ouvir as engrenagens do cérebro de Clara trabalhando para entender a minha decisão.
[...]
2 anos depois.
Teatro principal da Broadway, Manhattan
A primeira coisa que me veio em minha cabeça foi a voz de minha mãe. Ela me dizia que estava feliz por me ver ali no palco, no meio dos refletores, dançando do jeito que me fazia voar desde que eu era apenas uma garotinha.
Eu finalmente tinha conseguido as minhas asas, asas essas que eu lutei muito para conseguir. Eu chorei por isso, sangrei por isso e sofri por isso. As asas significavam não só o meu sonho, mas significavam liberdade. A minha liberdade. Liberdade de fazer o que nasci para fazer, e, sobretudo, ser feliz.
Eu sempre sentiria falta de minha mãe, afinal, ela foi meu alicerce nos meus melhores e piores momentos. Ela não merecia o fim que teve, mas eu sei que ela está em paz, e isso faz com que uma tranquilidade que antes não existia preencha o meu coração.
Eu estava no centro do palco, recebendo os aplausos do fim de mais uma peça da Broadway. Eu segurava um buquê de flores muito bonito, assim como os meus colegas de palco tinham ganho. Os refletores jogavam a luz em cima de nós, e eu sorria para a plateia.
Reconheci o rosto de meu pai entre a multidão, e mesmo com a iluminação precária, consegui ver o sorriso dos meus melhores amigos: Cass, Clara, Barbara, Marlon e Diego.
Um pouco mais ao fundo, eu percebi algo que fez meu coração se revirar de um jeito diferente: não era somente a emoção de estar ali em cima recebendo os aplausos por uma das muitas peças que eu já tinha protagonizado. Não, era algo maior, que fez todo o meu interior estremecer.
Primeiro, eu achei que estivesse imaginando coisas, afinal, já tinha se passado um bom tempo desde que eu dei as costas para ele do lado de fora do CBA. Achei que nunca mais nos encontraríamos, ainda mais com as turnês exaustivas de sua banda rodando o mundo. Por um momento eu realmente achei que a minha cabeça estava me pregando uma peça.
Mas eu não estava louca. Era realmente Arthur ali.
Ele me olhava de um modo orgulhoso, e me aplaudia com tanto vigor quanto meu pai estava me aplaudindo naquele momento. Meu coração disparou, e eu soube que em algum lugar no fundo da minha alma, que nós nos encontraríamos outra vez.
Arthur me olhou fixamente e eu retribuí o olhar.
Com o interior queimando em ansiedade, nós sorrimos um para o outro.
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