Capítulo 45 - Ao que precede a queda

Me encarei no espelho pela milionésima vez tentando me sentir pelo menos apresentável. Meu cabelo parecia ter escolhido justamente aquele dia para não colaborar, e eu resolvi prendê-lo em um rabo de cavalo alto que também não me agradou. Arranquei a blusa que estava vestindo, soltando um grito de frustração logo em seguida. Justamente naquele dia as roupas resolveram não ficar boas em mim.

Os meus encontros com Arthur começam hoje à tarde, e era por isso que eu me sentia tão ansiosa e agitada. Fazia um bom tempo que não ficávamos sozinhos, e apesar de saber que nada iria acontecer entre nós, principalmente agora que ele estava com a Carmen, eu ainda queria me sentir pelo menos um pouco mais bonita e apresentável do que o normal, o que era bastante idiota, mas que eu também não conseguia evitar.

Abri meu armário e peguei outra peça de roupa. Aquela era mais confortável, e se eu precisasse dançar, ainda estaria bonita. A vesti rapidamente e me senti parcialmente satisfeita com o resultado. Passei uma maquiagem leve e discreta e soltei os cabelos pela quadragésima vez, jogando-o para o lado e tentando me acostumar com toda a sua rebeldia. Soltei um suspiro e olhei para o relógio. Estava na hora de ir.

Peguei a minha bolsa de pano com os meus itens de dança e joguei um elástico para prender o cabelo dentro dela. Praticamente corri para fora do quarto, sentindo que quanto mais eu chegava perto de vê-lo, mais meu coração acelerava.

O encontrei parado em frente à janela do estúdio de dança que ele tinha marcado o nosso primeiro encontro. Ele observava o campus do CBA, e eu fiquei me perguntando em que ele estaria pensando naquele momento. Bati na porta e entrei de forma relutante na sala, sentindo-me nervosa quando Arthur desviou os olhos da janela e me encarou.

— Chegou bem na hora. — Ele sorriu, encarando seu relógio de pulso. — Se aqueça, hoje nós teremos uma aula de dança contemporânea e um pouco de Street Dance.

Eu assenti, correndo para a barra do estúdio de dança. A animação de saber que eu dançaria dois ritmos distintos hoje me fez esquecer do nervosismo que eu sentia.

Meus amigos e eu tínhamos marcado de sair mais tarde, e eu estou morrendo de saudade deles. Tentei me focar na animação que eu sentia de poder encontra-los, mas a verdade é que eu me sentia constrangida em estar a sós com Arthur depois de tanto tempo.

Arthut ficou calado enquanto eu me aquecia. Ele ligou o rádio e colocou um instrumental para tocar. Anunciei que meu aquecimento tinha terminado, e ele assentiu, diminuindo o volume da música.

— A dança contemporânea foi um dos ritmos que pouco teve destaque durante o concurso, e eu vejo que você tem muita aptidão para essa modalidade. — observou Arthur, concentrado. Eu o via como uma pessoa diferente. Ele não era mais aquele professor carrancudo. Apesar de ainda demonstrar seriedade em quase tudo o que fazia, ele ainda era muito justo e profissional.

— Sim, eu gosto tanto de dança contemporânea quanto gosto de ballet. E eu aprendi a gostar de Street Dance aqui no CBA. — Arthur assentiu minimamente com a cabeça. Ele aumentou a música novamente.

— Vamos, dance comigo. — Arthur estendeu a mão para mim e eu não hesitei em segurá-la. Eu me controlei ao máximo para não surtar quando senti o calor de sua mão na minha, e começamos a nos mover pelo estúdio de dança.

Arthur me conduzia numa lenta e intensa dança, com passos que destacavam o contemporâneo do jeito que eu gostava. Eu sabia que ele queria que eu me sentisse segura a dançar com um par assim como eu dançava esse ritmo sozinha. Os passos surgiam subitamente sem prévio planejamento, e eu percebi de uma forma admirada que nós funcionávamos muito bem juntos.

Ele abriu um sorriso satisfeito ao ver a minha performance. Eu realmente tinha evoluído ali dentro de uma garota insegura e desastrada para uma garota confiante e com passos precisos. Eu tinha orgulho de mim, e tenho certeza de que Arthur também tinha.

Dançamos a música inteira, e quando nós paramos de frente um para o outro, ofegantes, foi como se nunca tivéssemos nos distanciado.

Arthur se separou de mim, deixando-me com uma sensação estranha. Aquele distanciamento era necessário, ele era apenas meu professor, mas eu não conseguia entender como é que ele podia agir tão melhor do que eu a respeito de tudo. Ele colocou um hip-hop para tocar e arregaçou as mangas.

Comecei a rir.

— Você vai dançar também?

— Qual a graça? Acha que eu não sei dançar Street Dance? — Ele indagou, risonho.

— Eu só não imagino você dançando isso.

— Então prepare-se para se surpreender. — Ele deu um mortal para trás e mexeu todo o seu corpo como aqueles caras dos filmes. Abri a boca, surpresa, e quando dei por mim, eu tinha me juntado a ele.

Antes de sair do CBA, Diego tinha me ensinado o princípio do Street Dance, e apesar de não ter tanta ginga como a maioria dos dançarinos desse estilo, tenho que admitir que eu não era tão ruim assim.

Arthur e eu dançávamos e nos divertíamos ao mesmo tempo. Tratei de executar os passos de dança que Diego me ensinara junto com outros que eu tinha visto em filmes, e me impressionei com a habilidade que eu tinha adquirido.

Meu professor e eu continuamos dançando, e a atmosfera de alegria que nos envolveu foi tão grande que eu sorria. A música acabou, e meu professor caminhou até sua bolsa, retirando de lá um pequeno livro. Ele se virou para mim com esse livro em mãos.

— Amanhã eu quero que você me traga a Cena do Pássaro completa. Caso consiga passar nessa etapa, avançaremos para ensaiarmos o seu número da semifinal. — Arthur me entregou o livro, que já estava marcado na página da tal cena.

— Mas...

O apertei entre meus dedos, sentindo a capa dura entre minhas mãos. O livro era pequeno e fino, e eu me senti meio incerta quando olhei para meu professor.

— Sei que você já fez isso outras vezes, mas confie em mim. — Arthur pediu, de forma confiante. Ele me olhava de um jeito tão compenetrado que a minha alma se aqueceu.

— Eu confio.

— Bom, por hoje é só. Amanhã nos encontraremos aqui nesse mesmo horário. — Arthur recolheu seus pertences e afagou meu ombro com carinho antes de sair. Fiquei me sentindo um pouco vazia, quando fiquei ali sozinha. O Arthur realmente parecia ter me esquecido, e aquilo me doía mais do que eu gostava de admitir.

Uma mensagem em meu celular me fez lembrar que eu tinha um encontro com os meus melhores amigos. Abri um sorriso e me senti um pouco melhor ao pensar que os veria novamente.

[...]

Eu usava sandálias de salto plataforma e andava de braços dados pelas ruas do Rio de Janeiro com Barbara. Nós duas, lindas e plenas, tiramos algumas selfies enquanto caminhávamos ao encontro de nossos amigos. Marlon tinha marcado de nos encontrar em um dos melhores pubs da cidade, e eu aceitei de bom grado. Não era o tipo de lugar que costumo frequentar, mas faz tempo que eu não sou mais a mesma Dianna que entrou no CBA.

Encontramos Clara, Marlon e Diego sentados em uma das mesas no fundo do pub. Tocava uma música indie dentro do estabelecimento, e eu fiquei animada quando os três nos viram e se levantaram para nos abraçar.

— Eu senti tanto a falta de vocês! — Clara se levantou, agarrando a mim e a Barbara ao mesmo tempo. Marlon e Di se juntaram a nós no abraço, e eu logo me esqueci de todas as minhas preocupações.

Nós nos sentamos e pedimos uma pizza para comer e refrigerantes, e enquanto esperávamos a nossa comida, nós colocávamos o papo em dia, ou pelo menos tentávamos, já que a maior parte das nossas interações e novidades eram despejadas em nosso grupo do Whatsapp.

— Marlon, e você e a Gabriela? Como estão? — Marlon abriu um sorrisinho ao ouvir a pergunta de Barbara.

— Nós decidimos seguir rumos diferentes. — Ele deu de ombros — Não ia dar certo de qualquer jeito. Era só curtição.

— Mas... — Diego ponderou, tentando entender o nosso amigo confuso.

— Eu sou bi, mas confesso que gosto muito mais de homens do que de mulheres. — esclareceu, fazendo com que Clara soltasse um muxoxo.

— Fiquei decepcionada. Achei que com a Gabriela fora do caminho você me daria uma chance.

— Você sempre terá uma chance, baby. — Marlon piscou para Clara e se debruçou sobre a mesa. Ele puxou a nuca de Clara e lhe beijou. Eu e meus amigos começamos a rir e gritar, perplexos.

— Realizei o meu sonho! — exclamou Clara quando os dois se separaram.

Olhei para Diego, e ele não parecia nem um pouco incomodado com a situação. Ambos pareciam bem confortáveis ao lado do outro, mas eu sentia que havia algo acontecendo.

— Eu soube que amanhã a antiga banda dos professores do CBA vai se apresentar escondido do Arnaldo em um pub muito popular. — Barbara informou, empolgada, e ao olhar para Clara percebi que ela também sabia disso.

Me senti feliz por Arthur fazer o que realmente gosta, mesmo que seja escondido de seu pai. Tenho certeza de que quando Arnaldo descobrir que não ficará nada satisfeito. Porém, apesar de me sentir feliz, eu também me sentia estranha. Eu sempre soube a falta que a banda fazia para o Arthur, e saber que ele não se importou de me convidar para assistir ao show fez com que algumas feridas que ainda não tinham cicatrizado novamente se abrissem.

— Achei que você soubesse. — Clara disse com um olhar de preocupação no rosto.

— Claro que sabia. O Arthur me falou hoje durante a aula. — Menti, e por um momento eu achei que ninguém iria acreditar. Meus amigos olharam bem para o meu rosto como se me analisassem, e eu tratei de ficar neutra, colocando as minhas habilidades em atuação para trabalhar.

— A PIZZA CHEGOU! — Marlon gritou, fazendo com que meus amigos esquecessem o assunto. O garçom nos serviu e colocou os copos e o refrigerante em cima da mesa para nós enquanto eu soltava o ar que eu estava prendendo.

Depois de comermos, tiramos algumas selfies empolgadas e ainda conversamos por mais um tempo antes que eu e Barbara fôssemos embora. O toque de recolher do CBA agora era mais rígido, e eles tinham aumentado em 70% a vigilância do local por conta da Deborah, que ainda estava desaparecida.

Tomei um banho refrescante e coloquei um pijama. Barbara praticava yoga no chão do quarto enquanto eu lia a Cena do Pássaro do livro que Arthur havia me emprestado. A cena era intensa e difícil, e eu fiquei me perguntando o que ele tinha em mente com aquilo.

Adormeci com o livro em meu colo.

[...]

No dia seguinte, eu não estava mais tão empolgada como gostaria para encontrar Arthur, pois a minha parte ressentida e birrenta ficava mal toda a vez que lembrava que hoje a banda dele faria um show em um pub e eu não tinha sido convidada.

— Está pronta? — Barbara perguntou, terminando de prender seu cabelo. Ela estava divina e radiante pelas aulas com Bruno.

— Sim, estou. — confirmei, terminando de colocar um grampo em meu coque.

Nós duas saímos de nosso alojamento e fomos conversando até chegarmos em nosso destino. Barbara tinha aula com Bruno na sala de música, e eu iria me encontrar no mesmo estúdio do dia anterior com Arthur.

— Decidi sair com o Bernardo, aquele menino que eu estou conversando.

— Não acredito! — exclamei, embasbacada. — Você está enrolando ele há meses!

— Eu sei, mas ele é tão gatinho, talentoso e inteligente que não deu para resistir. Nós vamos sair para comer. Espero que ele seja legal.

Bernardo era um cara lindo de morrer da turma da Barbara. Infelizmente, ele havia sido eliminado junto com Clara, mas ele morava relativamente perto do CBA, o que facilitou um pouco dos dois marcarem o encontro. Acho que o fato de ele ter sido eliminado fez minha amiga sentir falta dele, fazendo com que ela finalmente lhe desse uma chance. Fiquei feliz por ela.

A loira se despediu de mim e eu continuei a minha caminhada. Me assustei ao ouvir vozes alteradas na porta do estúdio onde Arthur estava me esperando.

No entanto, não consegui ouvir o que discutiam, só avistei a silhueta de uma Carmen transtornada caminhando de forma dura pelo corredor oposto ao que eu me encontrava. Caminhei até o estúdio e encontrei Arthur vermelho. Ele parecia meio nervoso.

— Oi, com licença. — Bati na porta e entrei. Arthur me olhou daquele mesmo jeito sério de sempre e assentiu minimamente com a cabeça.

— Você gravou a Cena do Pássaro?

— Sim. — Eu disse, me posicionando de forma altiva em sua frente. Arthur não parecia querer jogar conversa fora, então decidi ir direto ao ponto.

Comecei a entoar o monólogo daquela cena, tentando transmitir toda a dor que aquela cena me passou. Arthur me observava de forma atenta, e eu tratei de deixar de lado todos os meus pensamentos, principalmente os ressentimentos e a cena da Carmen e do Arthur da mente. Me concentrei somente em mim, e na cena que eu fazia, me desligando de tudo ao meu redor.

— Você está perfeita, Dianna. — Arhur abriu um sorriso — O que achou dessa cena?

— Achei intensa e triste. A personagem tem uma vida muito trágica e eu senti a dor dela nessa cena.

— Que bom, porque esse será o seu número da semifinal. Quero dizer, esse ato e o ato anterior. Será um musical de 5 minutos, com um pouco de dança, canto e atuação.

— O que? — estrilei, sentindo-me nervosa só em pensar em apresentar um número tão difícil.

— Vai amarelar? — Arthur levantou uma das sobrancelhas para mim de um jeito bem irônico.

— Não é isso! — exclamei, fazendo meu professor soltar uma risada — É que é um número muito arriscado.

— Se você atuar lá naquele palco do jeito que atuou agora, tenho certeza de que você vai ser uma das finalistas desse concurso. — Meu coração tamborilou com a confiança que Arthur tinha em mim. Tentei não demonstrar que havia me abalado, mas acho que não deu muito certo.

— Tudo bem, mas temos pouco tempo para ensaiar.

Arthur se aproximou de mim, parecendo mais à vontade e relaxado.

— Relaxa, os bailarinos que estudam não CBA já sabem esse número. Você terá pelo menos quatro ensaios com eles, e ensaiará individualmente antes disso. São poucas falas, só se concentre em colocar sua alma nisso e tudo vai dar certo.

— Então podemos começar a passar as falas e a música? — perguntei, me sentindo empolgada ao me imaginar no meio dos bailarinos experientes dentro de um mini musical. Era quase como se eu já estivesse na Broadway!

— Claro!

[...]

Após o ensaio, eu caminhei de forma saltitante até o meu alojamento. Barbara ainda não tinha voltado, provavelmente estava comprando algo no shopping para o encontro com o Bernardo.

Amanhã pela manhã eu tinha mais uma consulta com o fisioterapeuta e uma com a psicóloga do CBA. Depois de todas as coisas que me aconteceram, Arnaldo me fez ir a uma. Confesso que a terapia tem me feito melhor do que eu esperava, e eu já não me sentia mais daquela forma ansiosa de antes. Claro que eu ainda tenho recaídas de vez em quando, mas com a ajuda da terapeuta, eu conseguia driblar melhor isso.

Às vezes eu gosto de pensar que a Deborah desistiu de me perseguir, que decidiu viver a sua vida às escondidas, e que nunca mais vai cruzar o meu caminho. Porém, quando eu estou completamente sozinha e meus pensamentos vagueiam até ela, uma escuridão consome todo o meu peito.

Deitei de barriga para cima na cama e fiquei me perguntando se um dia aquela sensação iria passar. Eu não costumava falar muito desse mal pressentimento para a terapeuta, porque não era uma coisa que me atrapalhava em minhas atividades, apesar de acontecer com frequência.

Fechei os olhos e pensei em meu número da semifinal. De alguma forma, pensar nisso fez com que um calafrio subisse à minha espinha.

Era como se eu estivesse antecipando a minha queda.

Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top