Capítulo 35 - A Alegria antes da Dor

No dia seguinte, Arthur e eu acordamos bem cedo. Não conversamos muito durante o café da manhã, mas eu resolvi contar a ele que eu tinha recebido alta. Ele achou estranho, já que eu ainda sentia muitas dores no tornozelo e disse que iria averiguar a informação com o médico, mesmo sabendo que eu tinha um documento assinado pelo mesmo confirmando a minha alta.

De qualquer forma, achei melhor que ele verificasse mesmo a situação. Não queria me prejudicar ainda mais por conta de uma negligência médica. Além do mais, era legal ver o quanto Arthur se preocupava comigo.

Ele estava meio distante desde o beijo que trocamos. Não aprofundamos o gesto, mas foi tão intenso que eu quase consigo sentir seus lábios sobre os meus. Toquei meus lábios involuntariamente, enquanto sonhava com desfechos bem mais interessantes para aquela noite.

O carro de Arthur fora para a oficina e quase duas horas depois, o veículo já estava pronto para seguirmos viagem, que foi estranhamente silenciosa. Era constrangedor tanto para ele quanto para mim estar nessa situação, pois não sabíamos como agir um com o outro.

Nós chegamos ao CBA por volta das onze da manhã. O trânsito ainda estava um caos por conta da tempestade do dia anterior, mas ainda não havia chovido. O verão já tinha acabado, porém, o tempo continuava quente e nublado.

Arthur parou o carro no estacionamento e desligou o som. Pousei a mão na maçaneta para sair do carro quando Arthur me freou.

— Dianna... — Me virei para ele, imaginando o que meu professor falaria. — Acho que precisamos conversar sobre o que aconteceu na outra noite. Você pode me denunciar para o Arnaldo, se quiser. Eu te peço desculpas se exagerei ou...

— Você não precisa pedir desculpas de nada. — falei, sendo sincera pela primeira vez e me surpreendendo em como não tive tanto medo de admitir. — Eu quis tanto quanto você.

— Eu sei, mas isso não pode mais se repetir. Eu sou seu professor e nós dois já estamos na corda bamba muito antes disso tudo acontecer. O melhor a fazer é fingir que aquela noite nunca existiu.

Como eu poderia ser capaz de agir como se nada tivesse acontecido se era uma das únicas coisas que se passava pela minha cabeça? Eu não conseguia mais reprimir o que eu sentia, por mais que eu lutasse contra isso, mas eu sabia que Arthur estava certo. O concurso ainda era a minha prioridade. Voltei para a escola por conta de meu pai, e eu preciso honrar sua vontade me dedicando cem por cento ao concurso. Não havia espaço para namorar ou me apaixonar, e era exatamente isso o que eu havia feito.

Uma parte de mim quis discordar de Arthur. Mesmo sem saber bem o que ele sentia, desejei dizer a ele sobre meus sentimentos. Tudo dentro de mim gritava por ele, e parecia que algo ainda mais poderoso tinha acendido dentro de mim quando nos beijamos. Era como se tivesse despertado um monstro que outrora estivera adormecido dentro de mim. Porém, a outra parte, a mais sensata, fez exatamente o que Arthur me pedira.

— É, você está certo. — Abri um sorriso que com certeza não chegou aos meus olhos. — Aquela noite nunca existiu.

Abri a porta do carro e saí antes que Arthur dissesse mais alguma coisa.

[...]

Ao chegarmos no CBA, fomos recebidos por muitos olhares curiosos. A maioria dos alunos não sabia que havíamos saído, mas com certeza estranharam Arthur não ter dado aula pela manhã e ainda aparecer ao meu lado depois de tudo. A entrevista ainda não fora ao ar, e eu já podia imaginar as inúmeras especulações que surgiriam pelo caminho.

Dai-me paciência.

Senti o toque da mão de Arthur em meu ombro e me virei.

— Vamos ver o doutor Saraiva para esclarecermos sobre o seu tornozelo.

Ao chegarmos no consultório do médico, fomos barrados por Arnaldo, que estava misteriosamente calmo, apesar de termos passado a noite fora da escola e juntos. Aparentemente, ele havia compreendido a situação, embora estivesse meio insatisfeito. Provavelmente estava se perguntando quanto tempo levaria para os outros alunos começarem a levantar novos rumores sobre seu filho e eu.

O médico Saraiva estava mais branco do que papel quando nos viu. Seus olhos eram meio arregalados naturalmente, mas ele parecia ainda mais assustado que o habitual. Ele explicara a Arthur praticamente a mesma coisa que disse a mim no dia que me deu alta, mas Arthur parecia ser infinitamente mais desconfiado do que eu, de modo que o doutor Saraiva teve que ficar um bom tempo tentando explicar as suas razões para ter me liberado do tratamento. Ele já estava ficando impaciente quando Arthur se deu por satisfeito. Ou quase, já que quando saímos do seu consultório, meu professor ainda não parecia totalmente convencido.

Como eu tinha perdido as aulas matinais, fui direto para o refeitório encontrar meus amigos, pois já era hora do almoço. Me despedi de Arthur de forma rápida e meio constrangida enquanto ele ia para o lado oposto.

Fiz a minha bandeja de comida e só encontrei Clara no refeitório. Ela tinha acabado de se sentar com sua bandeja na mão. Seus olhos brilharam assim que me viu.

— Amiga! Fiquei preocupada quando você não voltou ontem. Está tudo bem?

— O Arthur me beijou! — Foi a primeira coisa que anunciei antes mesmo de me sentar.

— O QUE? — Ela arregalou os olhos azuis.

— Shhh! Fala baixo.

— Desculpe, foi a emoção do momento. Mas me conta isso melhor que eu já estou surtando aqui. — Clara largou o garfo no prato de qualquer jeito, focando-se inteiramente em mim.

Contei a ela tudo o que aconteceu desde que eu e Arthur saímos do CBA ontem. Atenta, Clara permaneceu focada no que eu lhe contava como se fosse o enredo de um best seller mundial.

— Estou feliz que você tenha tido alta, mas ainda estou focada na parte em que você dormiu no mesmo quarto que Arthur! — A ruiva deu pulinhos na cadeira, empolgada. — Vocês se beijaram! — Os olhos dela brilhavam tanto que eu tive vontade de gargalhar.

— Arthur e eu concordamos em fingir que nada disso aconteceu.

— Entendo os motivos de vocês, mas eu acho que isso não vai dar certo. Dá para sentir de longe a eletricidade que existe. É só uma questão de tempo até cederem novamente e eu não vou julgar se isso acontecer.

— A minha prioridade ainda é o CBA, Clara. Por mais que eu queira, eu vou ter que ser forte.

— Pois então eu te desejo boa sorte, porque vai ser doloroso ter que ignorar a existência do seu professor gato.

Como se por uma força do destino, Arthur entrou no refeitório junto com Bruno. Meu coração disparou na hora em que olhei para ele, com os cabelos esvoaçantes e bagunçados daquele jeito charmoso de sempre. Bruno lhe contara uma piada e meu professor ria de uma forma que era rara de se ver.

Clara reparou na direção do meu olhar e com um sorriso malicioso, me provocou:

— Boa sorte, gata. Você vai precisar.

[...]

Como meu tornozelo estava melhor, resolvi participar da próxima avaliação em grupo. Por sorte, ainda tinha vaga no grupo dos meus amigos, que não hesitaram em me acolher. Gabriela, a tal crush nova de Marlon também estava no nosso grupo, o que fez meu amigo surtar com mais uma oportunidade de se aproximar dela.

O problema, é que nós estávamos sem ideias para o nosso número, o que deixava tudo extremamente frustrante. Essa avaliação parecia bem mais difícil e complexa do que achávamos que seria, e a nossa criatividade não estava ajudando como deveria. O nosso nível de entrosamento também não era dos melhores, pois haviam três pessoas em nosso grupo que nós não tínhamos muito contato. Eram dois garotos da turma da Deborah e uma menina da turma do Bruno que não pareciam querer muita conversa conosco.

— Acho que nós precisamos sair daqui. — Clara sugeriu, se levantando com a graciosidade de uma felina.

— Sair? Nós não podemos sair! — Barbara estrilou — E eu reservei o estúdio pelo resto da tarde, nós não podemos mexer no cronograma dessa forma.

— A nossa fonte de inspiração precisa ser encontrada, e eu tenho certeza de que não a encontraremos aqui.

— Eu concordo. — Eu me levantei também. Os outros, mais relutantes e desanimados do que eu, também se levantaram, inclusive a Barbara.

Nos dirigimos para fora do CBA aliviados por ainda estarmos dentro do horário permitido para saídas.

— Para onde nós vamos? — Diego parou ao meu lado e olhou diretamente para Clara.

Mas Clara também não sabia para onde ir.

— Não acredito que saímos da escola à toa! — exclamou Marlon, irritado.

— Não foi à toa, eu estou pensando. Me deixem pensar! — pediu Clara, colocando as mãos na cabeça.

— Não precisamos nos estressar. — Gabriela abriu um sorriso confiante. — Eu conheço um lugar perfeito para nós.

Marlon parecia um cachorro babão e foi o primeiro a seguir a loira. O trio que estava conosco também se juntou a nós. Dava para ver que era mais por falta de opção do que qualquer outra coisa.

Gabriela nos conduziu numa caminhada de quase vinte minutos a um dos lugares mais lindos e escondidos que eu já havia visto em toda a minha vida.

Havia um jardim florido e um gramado verde vivo que fez os meus olhos brilharem. Também havia uma lagoa que ficava linda com os fracos raios de sol que a iluminavam. Assim que avistamos esse lugar, nós soubemos que era aqui que criaríamos a nossa próxima apresentação.

Eu e Marlon começamos criando algumas ideias, e como eu tinha trago meu celular, comecei a fazer um pequeno esboço do roteiro de ideias da nossa apresentação. Barbara já pensava nas músicas e nas coreografias junto com Clara e Diego enquanto Gabriela e o trio novato pensava em como seriam construídas as falas que já tínhamos criado para o nosso número.

O nosso entusiasmo era tão grande que a atmosfera parecia estar modificada. Eu consegui esquecer dos meus problemas e pela primeira vez no dia, me foquei no que realmente importava.

Ficamos lá quase a tarde inteira, e quando nos cansamos, ficamos sentados lado a lado observando o pôr do sol. Marlon e Gabriela, que pareciam mais próximos do que nunca, caminhavam e conversavam como se fossem amigos de longa data. Eu e Clara, que observávamos com afinco o pseudo casal, demos um sorriso cúmplice.

Diego também parou ao nosso lado com um sorriso no rosto, observando o tal trio composto pelos três góticos mais quietos e criativos que eu já havia conhecido. Eles eram legais e simpáticos, e haviam contribuído para que nosso número ficasse mais legal. Agora, eles jogavam um jogo que só eles pareciam entender.

— Vem, vamos dançar, Di! — Clara se levantou, puxando-me pela mão logo em seguida.

Marlon, que havia se aproximado de nós com a Gabriela, colocou uma música agitada para tocar. Logo, todos nós, até mesmo o trio de góticos, estávamos dançando loucamente pelo gramado. Nossos passos de ballet eram genuínos e leves, mas felizes ao mesmo tempo.

Barbara fez uma série de piruetas e Diego a seguiu, e logo todos fazíamos uma série de piruetas desconjuntadas por conta do acesso de riso que nos atingiu.

— Vou colocar uma música do My Chemical para tocar! — anunciou Gil, um dos góticos alunos da Deborah.

E ali, no meio daquele lugar mágico e inspirador, eu sabia que eu tinha muita sorte de estar rodeada por tantas pessoas boas.

Estava tão bom ficar ali que perdemos a noção do tempo e tivemos que correr de volta até o CBA para que chegássemos antes do toque de recolher.

Paramos dentro do colégio faltando exatamente um minuto para que o toque de recolher iniciasse. Esbaforidos, paramos todos para recuperar o fôlego. Eu estava risonha e feliz, com as bochechas coradas pela corrida feita. Meus amigos pareciam partilhar da mesma alegria.

— Aquela ali não é a sua amiga? — Barbara me cutucou, apontando para uma Cass perdida e desolada no meio das escadarias do CBA.

Meu coração gelou quando nossos olhares se encontraram. No mesmo momento eu soube que havia alguma coisa errada.

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