Capítulo 32 - Preocupações (PARTE 2)

Acordei durante a madrugada e fiquei me virando na cama por tempo suficiente para fazer um barulho irritante que iria acordar Clara e Barbara em poucos instantes. Fiquei mexendo no telefone com o brilho no mínimo, sentindo-me tentada a me levantar e sair do quarto. Porém, quando me lembrei do dia que fui perseguida ao estar fora do alojamento, desisti da ideia. Achei melhor ficar ali dentro em segurança.

Entrei nas redes sociais e vi várias menções e marcações no Twitter e Instagram. Li algumas e senti o estômago embrulhar, mas não me deixei absorver nada daquilo. Tomei um remédio para dor que fez aliviar o desconforto do meu calcanhar e continuei mexendo na internet, só que decidi que não ficaria nas redes sociais para não terminar sem nenhuma sanidade mental.

Recebi uma mensagem no Whatsapp, o que me fez estranhar. Era quase três da manhã, o que significava que a maioria das pessoas estava dormindo. Eu não tinha uma extensa lista de contatos no telefone e nem muitos grupos movimentados, e não costumava receber mensagens tão tarde da noite.

Abri a mensagem, que era de um número desconhecido e sem foto.

Eu sei que você está acordada.

Me levantei com o coração acelerado, jogando as cobertas para o lado e olhando para a cama onde Barbara dormia feito um anjo. Não poderia ser ela a me mandar a mensagem, Barbara estava dormindo, e a hora dizia que a mensagem tinha sido enviada realmente naquele instante.

Será que havia câmeras no meu quarto ou tinha alguém querendo me amedrontar ainda mais?

Nas pontas dos pés, abri a porta devagar e coloquei a cabeça para fora do quarto. Como eu imaginei, estava escuro o suficiente para que eu tivesse medo, apesar de ter luzes de emergência no teto para iluminar parcialmente os corredores. Se a pessoa queria me atrair para fora do quarto, não iria conseguir. Fechei a porta e voltei para baixo das cobertas, mesmo estando quente o suficiente para que eu não sentisse nem um pouco de frio.

Passei o restante da noite em claro com medo e só consegui dormir novamente uma hora antes de ter que levantar novamente.

Quando o celular despertou, eu tive a impressão de que só fechei os olhos por cinco minutos. Me levantei de forma resignada, quase arrastando meu corpo para fora da cama. Eu sabia que devia estar com os olhos iguais aos de um panda e com o cabelo todo desgrenhado. Ainda bem que eu sabia fazer coque.

— Você está com uma cara horrível. — Barbara comentou, saindo do banheiro já pronta para o dia. Notei que seu comentário não era ácido e provocativo como das outras vezes e sorri.

— Eu sei. — concordei, e a loira me respondeu com uma risada.

Clara despertou no instante seguinte, com a mesma cara de sono que eu. Barbara e ela se entreolharam e notei que o clima não estava muito bom. Ela ainda achava que Barbara poderia ter algo a ver com o vazamento do vídeo. Eu não sabia bem o que pensar, mas sentia que aquilo não tinha nada a ver com a loira. Espero estar certa quanto a isso, pelo menos.

Durante o café da manhã, não senti que as pessoas me olhavam da mesma forma que ontem, mas ainda senti certa hostilidade em relação a alguns alunos. Diego e Marlon chegaram no refeitório e me fizeram rir, o que ajudou a anuviar um pouco as preocupações da minha mente.

Os alunos receberam as notícias sobre a última avaliação que fizemos e eu tive que fingir surpresa. No meio do caos que a minha vida havia se tornado, a informação que Arthur me passara ontem ficara esquecida no fundo da minha mente.

O sinal tocou e fomos para as nossas respectivas aulas do dia. Hoje eu teria jazz e ballet, e lembrar disso me animou um pouco.

Arthur estava com a sua costumeira seriedade quando começou a ministrar a aula, e meu calcanhar começou a doer tanto que eu mal consegui me aquecer na barra.

— A próxima avaliação de vocês será em grupo de cinco a dez participantes de sua escolha. Vocês terão que fazer um número de dança e atuação dessa vez. O número deverá ter de cinco a quinze minutos, e será bem mais trabalhoso. Na aula de teatro eu orientarei vocês melhor sobre a proposta do próximo desafio. — disse Arthur por cima da música clássica que tocava no rádio.

A música clássica e lenta foi substituída por uma mais rápida. Fomos divididos em pequenos grupos, para que não trombássemos uns nos outros. Quando chegou a vez do meu grupo, meu calcanhar já latejava tanto que eu mal conseguia pensar. Eu consegui fazer o começo da sequência sem maiores complicações, mas foi na pirueta em dehor* que eu me desequilibrei e caí no chão.

— Você está bem? — Arthur perguntou, se agachando ao meu lado.

Apertei meu calcanhar e fiz que não com a cabeça. Ele me olhou com preocupação, me pegou no colo e me levou até a enfermaria do CBA. Seu cuidado e preocupação comigo me fizeram esquecer por um instante que eu poderia estar em apuros.

Um médico examinou o meu calcanhar com um olhar sério e preocupado, e eu logo comecei a pensar no pior. Arthur teve que voltar para a aula, mas disse que depois nós iríamos conversar, o que me deixou ainda mais aflita. Tive que sair da escola para fazer alguns exames que demoraram mais do que deveria para ficarem prontos, mas quando os resultados saíram, desejei nunca ter caído no estúdio de dança.

— Eu dei uma olhada nos resultados do seu exame e constatei que você está com uma inflamação no tendão de Aquiles. — informou o médico do CBA, com os exames que eu havia trazido em mãos e anotando algumas coisas num papel.

Arregalei os olhos, tentando conter o nervosismo que já estava começando a se apossar do meu corpo.

— E isso é grave?

— Se você seguir todas as minhas recomendações, isso não se agravará. — Ele respondeu, dando um sorriso confiante. Acho que ele estava tentando me animar, mas não surtiu muito o efeito desejado — Eu vou te receitar um anti-inflamatório e também muita fisioterapia. Você terá que vir aqui todos os dias para tratar do seu calcanhar. Faremos de tudo para que a sua recuperação seja rápida.

— Recuperação? — indaguei, me sentindo cada vez mais aflita sentada ali na cadeira daquele consultório.

Faz tempo que eu não tenho um dia normal dentro do CBA, e eu estava começando a sentir falta disso.

— Você terá que ficar sem dançar por enquanto se quiser se recuperar. Se você forçar ainda mais o seu calcanhar, poderá agravar a sua lesão a ponto do tendão se romper. É preciso que você faça um tratamento para poder continuar dançando sem causar mais danos ao seu calcanhar. Vou escrever na receita algumas coisas que você precisará fazer caso a dor não passe, tudo bem? — assenti lentamente, tentando não ter uma síncope. — Você vai ter que aplicar umas compressas de gelo sobre o calcanhar por oito minutos, e depois fará o mesmo só que sem gelo por três minutos repetidamente até completar trinta minutos por três ou quatro dias até que a dor desapareça. Entendido? — Eu me sentia zonza com tantas instruções, mas o médico me entregou um papel com tudo que eu deveria fazer, o que me deixou um pouco mais tranquila.

— Entendido.

— Venha aqui amanhã a partir das duas da tarde para que possamos começar. Durante esse tempo, você pode assistir as aulas, mas não poderá dançar. Até amanhã, Dianna.

— Até amanhã, doutor.

O meu calcanhar ainda queimava um pouco quando eu saí do consultório. Uma falta de ar começou a tomar conta de mim, me fazendo correr com dificuldade para o banheiro mais próximo. Eu suava frio, e tinha certeza de que estava mais pálida do que um fantasma, mas eu estava com tanto medo que eu não sentia mais coragem de fazer nada.

Apoiei a minha testa na porta de um dos reservados e fiquei inspirando e expirando por alguns minutos. Percebi que comecei a respirar melhor, o que me deixou mais aliviada.

Eu não posso ficar sem dançar. Eu gosto mais de dançar do que de cantar ou atuar. Se eu parar de ir às aulas de dança, ficarei em desvantagem. A próxima avaliação já foi anunciada, e provavelmente eu não poderei participar se ainda estiver desse jeito. Eu tenho que dar um jeito nisso. Já tiraram muitas coisas de mim, não sei se devo deixar que me tirem a dança também.

[...]

— Alô.

— Oi, pai... Como você está? Já recebeu alta do hospital?

Eu estou novinho em folha, querida! Os médicos disseram que eu vou ficar bom logo, só preciso tomar meus remédios direitinho. — disse papai, com a voz forte e ligeiramente animada.

Soltei um suspiro aliviado, feliz por saber que pelo menos havia uma notícia boa no dia.

— Fico feliz em saber disso.

E você, como está? Eu deixei o fã-clube nas mãos da Lucy enquanto eu me recupero em casa. Sua tia está aqui cuidando de mim.

— Eu estou bem. Só estou com saudades de você e do pessoal.

Eu também estou com saudades, minha linda. — Houve uma pausa do outro lado da linha. Meus olhos começaram a marejar, mas tentei me conter. Eu não queria que o meu pai me ouvisse chorando — Você não me parece bem... O que aconteceu, Dianna?

— Nada, eu só... eu só estou com saudades. — Eu disse, empurrando o choro para o fundo da alma. Minha tia e família sabiam dos últimos acontecimentos envolvendo a mim na internet e decidiram que não contariam nada para o meu pai, pois qualquer estresse poderia prejudicar sua saúde ainda mais.

— Tem certeza? Pois se estiver acontecendo alguma coisa ficarei feliz em viajar até aí para resolver.

— Não exagera, pai. Você precisa se recuperar. Eu estou bem.

Eu sabia que estava mentindo para o meu pai, mas era o melhor no momento. Eu não podia preocupá-lo de forma alguma.

— Eu te amo, minha querida.

— Eu também te amo, pai.

Encerrei a ligação e chorei feio um bebê dentro da cabine telefônica.

[...]

Eu estava evitando os meus amigos a tarde inteira. A minha cabeça não parava de trabalhar, e eu não gostava do rumo que os meus pensamentos estavam tomando. Eu tinha tomado os medicamentos que o médico havia passado, e torcia para que a dor no calcanhar passasse logo.

Arthur me mandou uma mensagem pedindo para encontrá-lo em sua sala antes da aula de teatro. Eu tinha muito medo do que ele queria conversar comigo, mesmo imaginando que deveria ser sobre meu calcanhar. A minha vontade de falar disso era quase nula, mesmo sabendo que era necessário.

— O médico do CBA me informou sobre a condição do seu calcanhar. Você está seguindo as instruções dele corretamente?

— Estou.

— Então sabe que não poderá dançar por um tempo.

— Sim... — Meus olhos automaticamente se encheram de lágrimas, mas Arthur e o médico estavam certos. Eu precisava cuidar disso se não quisesse piorar.

— Olha, sei que é importante para você dançar, mas fique tranquila. O médico Saraiva disse que se você fizer todas as recomendações corretamente, logo, logo poderá voltar a dançar. O Arnaldo já está ciente de tudo e você não será prejudicada.

— Mas se eu continuar assim, como vou participar da próxima avaliação?

— Você terá que fazer uma avaliação de teatro ou canto no lugar. Não se preocupe com isso, você será testada da mesma forma. — Fiquei mais tranquila com isso, mas eu ainda me preocupava. Eu queria me recuperar logo, então faria o máximo de esforço possível para seguir todas as instruções do médico do CBA.

— Obrigada.

— Como você está? — Seus olhos buscaram os meus enquanto eu fazia um esforço absurdo para fazer as lágrimas que embaçavam a minha visão retornarem para o lugar de onde vieram.

— Já estive melhor. O que me consola é que o meu pai teve alta no hospital e está se recuperando bem.

— Essa é uma ótima notícia. — Abri um sorriso fraco em concordância com ele, e um silêncio se instalou entre nós. Não era um silêncio desconfortável, mas o peso de seu olhar sobre mim fez com que algo na minha respiração ficasse levemente acelerada.

— Eu preciso ir agora, tenho que colocar gelo no calcanhar e fazer um repouso. — Ele fez que sim com a cabeça e eu me levantei.

— Se cuide, Dianna.

— Obrigada, Arthur.

Saí da sala do meu professor sentindo meu coração estranhamente mais leve, mesmo que eu ainda estivesse lutando contra as malditas lágrimas.


*pirueta em dehor: é a pirueta que gira para fora. O corpo se transforma para a perna levantada, por isso, se o dançarino gira sobre o pé direito, o dançarino se vira para a esquerda.

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