Capítulo 3 - Eu vi um Dragão

Respirei fundo e olhei dentro dos olhos verdes de Deborah com um misto de medo e inveja. Ela era uma professora muito bonita e bem sucedida. Já havia ouvido falar dela em algumas matérias que saíam nas revistas que mamãe costumava ler.

Seus cabelos eram mais loiros e mais curtos do que os de Barbara, e Deborah tinha um rosto fino e perfeito. Seus cabelos curtos e repicados lhe davam um ar mais formal e sofisticado. Desvencilhei-me de suas mãos fincadas em meu braço e dei alguns passos para trás.

— Professora, eu sinto muito por mais cedo. — Eu disse, nervosa e aflita. — Mas eu preciso ir para o estúdio de dança.

— Você não vai a lugar algum! — exclamou, levantando o braço para tentar alcançar o meu, mas eu fui mais rápida do que ela e me esquivei.

Antes que ela pudesse tentar fazer mais alguma coisa, me virei e saí correndo sem saber se eu estava indo na direção certa. Eu esperava que sim, pois agora não dava mais para voltar atrás. Tinha um dragão bloqueando o corredor e esse dragão se chamava Deborah.

Pude ouvi-la berrar alguns xingamentos enquanto eu me afastava e rezei para que aquela mulher me esquecesse de uma vez por todas. Eu não ia aguentar essa perseguição descabida.

Parei em frente a uma porta de madeira e respirei aliviada quando vi a plaquinha que indicava que ali era o estúdio de dança 210 pregada na parede.

Abri a porta com desespero e afobação e senti que todos os concorrentes — inclusive Arthur e Bruno — viraram a cabeça na minha direção. Ou seja, eu tinha cerca de 1.000 pessoas me encarando. Ao perceber isso, eu me encolhi e entrei timidamente no estúdio.

— Achei que o diretor tivesse sido bem claro em relação aos quinze minutos correspondentes para trocar de roupa e vir para cá. — Arthur se virou, sorrindo ironicamente para mim. Meu coração quase parou quando vi que ele me olhava.

— Desculpe, eu tive um pequeno desentendimento com a professora Deborah. — justifiquei-me, vendo o olhar de divertimento que alguns lançavam em minha direção em contraste com os que me encaravam de modo assustado. Não sei se tinham medo de que Arthur se voltasse para eles, ou se só davam graças por não estarem no meu lugar — Isso não vai acontecer novamente.

Arthur me analisou dos pés à cabeça. Ele parecia fazer aquilo com afinco e determinação, como se estivesse ponderando se valia a pena eu estar ali. Fiquei envergonhada com sua atenção, porque eu sabia que a ganhara de forma negativa. Seu olhar definitivamente não era de interesse, até porque, ele era meu professor, e não havia motivos para que existisse algum tipo de interesse amoroso entre nós. 

No entanto, no fundo de toda aquela análise, tinha outra coisa em seu olhar que não consegui reconhecer, algo frio e ao mesmo tempo quente, que me aconchegava de uma maneira estranha e misteriosa. 

 — Achei que você ia me dar uma resposta atravessada. — Franzi o cenho, tentando entender o fundamento daquele comentário. Ele abriu um sorriso meio cáustico e irônico que me fez ter vontade de me esconder em um buraco.

— E porque eu faria isso?

— Não é isso que garotas rebeldes como você fazem? — Ele perguntou, colocando as duas mãos nos bolsos da calça. Ninguém ousou interrompê-lo. — Se atrasam, gostam de quebrar as regras e responder os professores?

— N-não é n-nada... — gaguejei, nervosa demais para conseguir formular uma frase coerente.

— Irei deixar passar o seu atraso dessa vez, Pequena Rebelde. — Arthur me interrompeu, uma vez que eu não conseguiria completar a frase. A gagueira só piorava ainda mais a situação. Do que ele me chamou?

— Eu não fiz por mal.

— Quero que saiba que o CBA é comprometido com os alunos que se dedicam verdadeiramente e que querem aprender. Se você acha que não consegue, melhor desistir agora. — Ao olhar em seus olhos, eu percebi que Arthur não enxergava potencial em mim. Era como se eu fosse uma parede, e ele não esperasse que eu fizesse nada além do esperado. Tipo, ficar ali parada. 

 Engoli o choro porque eu não queria que todas aquelas pessoas vissem o quão fraca e patética eu poderia ser.

— Isso não vai mais se repetir, eu prometo.

Olhei para as pessoas ali paradas. A maioria tinha um sorrisinho no canto dos lábios, mas notei que outras ainda tentavam entender o que diabos estava acontecendo. Tentei localizar Clara no meio da multidão, mas não obtive êxito em minha busca. Teria sido bom ver um rosto amigo.

— Peço por gentileza que se junte aos outros para podermos começar o teste. — Fiz o que ele me pediu, torcendo para que a terra me engolisse na primeira oportunidade. Sério, se alguém me dissesse agora que está sorteando passagens só de ida para Marte eu seria a primeira a participar do sorteio.

Clara parou do meu lado e afagou meu ombro. Ela me olhava de modo compassivo, e eu me senti um pouco melhor sabendo que tinha seu apoio.

— Dividirei vocês em dois grupos para o teste. Quinhentos ficarão aqui e a outra metade aguardará em uma outra sala com Leandro e Tony, que irão comandar o restante, para que o risco dos outros saberem o que faremos aqui vazar seja preservado. 

Arthur e Bruno dividiram os dois grupos. Arthur fez questão de que eu ficasse no primeiro grupo e ainda me colocou na primeira fileira junto com um monte de pessoas que eu nem conhecia. Clara e Barbara ficaram no segundo grupo. A ruiva me desejou boa sorte e saiu junto com o restante dos concorrentes.

Uma jovem vestida com roupas parecidas com as nossas entrou na sala. Ela seria uma das instrutoras que o Arnaldo havia mencionado mais cedo. Bruno colocou uma música eletrônica para tocar e a jovem começou a se mover rapidamente, dançando pelo estúdio.

— Prestem muita atenção no que a Lena está fazendo pois vocês farão o mesmo. — avisou ele, aumentando o tom de voz por causa da música.

Me concentrei na garota e em seus movimentos, balançando meus pés devagarinho para poder gravar seus movimentos e poder executá-los com perfeição.

O garoto que estava ao meu lado foi o primeiro a imitar os movimentos que a Lena fazia e assim, várias outras pessoas começaram a executar a coreografia também. Arthur olhava para todos os alunos atentamente assim como Bruno. Eles me intimidavam tanto que eu fui uma das últimas a começar a imitar os movimentos de Lena.

Cada pessoa tem um jeito próprio de dançar e de interpretar cada passo e movimento. Eu tenho algumas dificuldades e sei que sou um tanto afobada enquanto danço, mas eu tenho talento. Se eu não tivesse, não teria sido uma das 1.000 selecionadas.

Arthur falou algo no ouvido de Bruno, que assentiu positivamente com a cabeça. Logo em seguida, Arthur apontou para a garota que dançava a minha esquerda e mais umas dez pessoas ou mais. Ele ordenou que elas parassem de dançar.

— As pessoas que eu apontei, podem voltar para casa. Vocês estão reprovados. — Todos soltamos exclamações e muitos de nós perderam a concentração com aquilo. Os eliminados começaram a reclamar, mas deixaram a sala com o sentimento de decepção e vazio dentro do peito. — Continuem dançando! — ordenou Bruno.

Fizemos o que ele ordenara, fazendo a sequência gigante de passos que Lena já havia parado de fazer. Senti que Arthur me olhava e temi que ele me eliminasse também. Afinal, eu havia lhe passado uma péssima impressão. 

 Dei um giro e fiquei me perguntando se eu sobreviveria nessa escola até o final do dia colecionando tantas más impressões.

Eu estava suada e meus pés doíam. Eu ainda estava no maldito teste com mais de 30 pessoas. Uma quantidade considerável de competidores havia sido aprovada e uma parte maior acabara sendo eliminada. Eu não aguentava mais dar rodopios e piruetas e Arthur parecia perceber, pois continuava mandando que continuássemos fazendo a maldita sequência.

Bruno desligou a música e eu e os outros paramos, ofegantes. Arthur deu alguns passos para a frente e sorriu. Mas não era um sorriso simpático ou alegre. Era um sorriso fechado, daqueles que você via que a pessoa se esforçava para esboçar. Ele apontou para cerca de dez pessoas. Eu fui a décima primeira. 

Meu coração acelerou e eu senti vontade de chorar novamente. Eu com certeza estava eliminada.

— As pessoas que eu apontei podem voltar para os seus alojamentos. Vocês estão aprovadas. — O encarei com um misto de surpresa e alegria. — Ao saírem, vocês encontrarão Lena com uma prancheta. Peço que deem seus nomes completos a ela antes de se dirigirem aos seus alojamentos. Amanhã será pregado no mural de avisos do primeiro andar uma folha contendo a turma que cada um de vocês ficará. Boa sorte e parabéns!

Os dançarinos ao meu redor comemoraram e eu saí do estúdio sorrindo de felicidade.

O grupo de Clara e Barbara seria o próximo, porém, como Arthur dissera, não vimos o próximo grupo quando saímos do estúdio. Provavelmente fariam a avaliação com Tony, Leandro e Deborah.

Uma fila enorme se formou na direção de Lena, que anotava os nossos nomes com muita concentração. Dei meu nome para ela quando chegou a minha vez e fui correndo para o meu alojamento com medo de esbarrar com Deborah no caminho. Por sorte, não encontrei com o Dragão e não esbarrei em mais ninguém que pudesse ter o desejo de me atormentar.

Entrei em meu alojamento e me joguei na cama. Minhas roupas ainda estavam espalhadas pelo chão, devido ao desespero em me vestir para a avaliação. Soltei o ar pesadamente e fiquei encarando o teto do CBA, as roupas colando de tanto suor. O alívio de ter sido aprovada ainda preenchia o meu peito, mas o medo do que ainda estava por vir não me largava de jeito nenhum. 

Eu estava apavorada só de pensar na possibilidade de ficar na turma da Deborah. E na turma do Arthur. Sei que ambos não foram com a minha cara e me farão desistir do concurso. 

 Tenho certeza de que o Arthur me deixou por último junto com os outros por algum motivo. Toda a vez que eu o pegava olhando para mim, eu avistava a sombra de algo que eu não pude reconhecer. Talvez ele ainda duvidasse do meu potencial mesmo tendo me aprovado hoje.

Se a Cassandra ou o meu pai tivessem me dito que eu enfrentaria tudo isso quando eu chegasse aqui no CBA, eu não teria acreditado. Além do mais, eu nunca fui o tipo de garota que arrumava confusão. O jeito que Arthur estava me chamando, Pequena Rebelde, me desagradava um bocado. Nunca fui para a detenção ou fiquei de castigo por mau comportamento quando eu ainda estava no ensino médio e nunca fui o tipo de garota que gosta de quebrar as regras. Eu nunca tive coragem de matar aula e sempre fui a aluna mais quieta da turma.

O apelido que ele me dera não era nada mais do que uma ironia.

A porta se abriu e Clara entrou, cantarolando.

— Adivinha quem vai continuar no concurso? — perguntou, sorrindo e dando pulinhos pelo quarto. — Eu!

 — Que bom, Clara! — Me sentei em cima dos meus pés na cama, sorrindo de volta para ela. — Parabéns!

— Obrigada! Nossa, estou muito feliz que você tenha passado também. Achei que o Arthur fosse te eliminar pelo lance do atraso. — disse ela afobada, sentando-se de frente para mim na cama de Barbara. 

 — Nem me lembre disso! — exclamei, passando as mãos pelo rosto de tanto nervosismo. — Foi horrível, ele me deixou por último com mais de trinta pessoas de propósito. Eu não aguentava mais fazer aquela sequência.

— Acho que ele vai pegar muito no seu pé se você for pra turma dele — observou, roendo a unha do polegar.

— A Deborah também não foi muito com a minha cara — confessei, colocando uma mecha do meu cabelo para trás da orelha.

— Aquela mulher é uma vaca! Ela não vai com a cara de ninguém, Dianna. Sem contar que vive dando em cima do Arthur. — Clara estava ficando com o rosto vermelho de tanta raiva.

— Como você sabe disso? — O Google é uma ferramenta de pesquisa muito eficaz, sabia disso? Antes de me inscrever nesse concurso, eu procurei todo o tipo de informações possíveis sobre o CBA e seus professores. Dizem que a Deborah e o Arthur tiveram um caso há alguns anos. Para ele, não era nada sério, mas para ela, eles iriam se casar e ter mais de trinta filhinhos. — Fiquei surpresa com aquela informação. Eu não fazia ideia de que por trás de toda aquela fachada de superioridade e beleza existia uma mulher rejeitada.

— Fala sério! — falei, embasbacada.

— Dizem que ela é obcecada por ele e é totalmente idiota com os seus alunos. Todos a odeiam. Ninguém a suporta, nem mesmo o Arthur Delícia Nogueira. — Clara esboçou um sorriso malicioso enquanto olhava para cima.

— Arthur Delícia Nogueira? — Levantei uma das sobrancelhas, dando uma risada.

— Ah, fala sério. Ele é um pedaço de mal caminho, Dianna! — Ela se abanou com as duas mãos e simulou um ataque cardíaco logo em seguida.

— Ele é um idiota! — Me joguei na cama, irritada. Todos os sonhos adolescentes construídos com Arthur no fundo de minha imaginação foram estilhaçados naquele momento. — Eu não me atrasei porque eu quis, foi tudo culpa da Deborah.

— É, mas ele não acreditou nisso. — Ela ficou séria de repente. 

— E aí, o que você vai fazer se for para a turma dele ou para a turma da Deborah?

— Vou amarrar uma corda no meu pescoço e me enforcar como fizeram com Joana d'Arc. — Ela franziu o cenho, olhando-me com uma expressão estranha no rosto.

— Ela não morreu queimada?

— Morreu? Ah, tanto faz. De qualquer forma, acho que eu me mato.

— Quer uma ajudinha? — Clara perguntou, jogando o travesseiro da cama de Barbara no meu rosto.

— Não, obrigada. — Devolvi a travesseirada em Clara, que se esquivou dando altas gargalhadas. Barbara entrou, olhando-nos de forma enfurecida.

— Que bagunça é essa aqui na minha cama? — perguntou, irritada. Mesmo com toda a tensão do momento não pude deixar de reparar que mesmo suada, Barbara continuava impecável. Nenhum fio de cabelo seu parecia estar fora do lugar.

— Não acredito que você foi aprovada! — Clara não deixou de demonstrar sua decepção.

— Pois é, acho que vocês terão que aprender a conviver comigo. — respondeu para Clara antes de se virar para mim e esboçar um sorriso irônico. — Não é mesmo, Pequena Rebelde?

Engoli em seco, encarando-a com um pouco de incredulidade. Será que era assim que as pessoas estavam me chamando pelos cantos? O maldito apelidinho que Arthur colocara em mim já havia se espalhado pelos corredores enormes do CBA? 

Além de ter que enfrentar a fúria de uma professora apaixonada e rejeitada, eu ainda tinha na bagagem um professor que parecia duvidar de mim e uma loira azeda aspirante a Barbie no mesmo quarto que o meu.

Onde eu arranjo uma corda aqui no CBA?

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