Capítulo 27 - Insônia
Depois que a Cass me ligou dizendo que papai tinha passado mal, eu praticamente surtei. Eu tive que insistir muito para que Arnaldo me deixasse voltar para São Paulo, e ele só permitiu por causa de Arthur, e ainda impôs uma condição: A de que eu voltasse dentro de dois dias para o colégio.
Ele havia conseguido um voo de última hora para mim e ainda arcou com os custos da viagem. Eu o agradeci, mas Arnaldo dispensou meu agradecimento como se não estivesse fazendo nada demais.
Depois disso, arrumei minha mochila como um furacão com alguns poucos pertences e parti para chamar um Uber sem falar direito com ninguém. Eu me sentia tão desnorteada que eu não conseguia prestar atenção em absolutamente nada que acontecia ao meu redor, e eu também não queria acabar com a alegria dos meus amigos tagarelando sobre os meus problemas.
— Dianna, eu vou te levar até o aeroporto. — Arthur surgiu de repente ao meu lado. Eu estava na calçada em frente ao CBA, com o celular na mão, já entrando no aplicativo do Uber.
— Não precisa.
— Claro que precisa. Não vou te deixar gastar dinheiro com Uber, está muito caro.
— A gasolina também. — Arthur me encarou de um modo que não dava abertura para contestar. Ele fazia questão de me dar a carona, e eu não ia insistir em não aceitar.
Entendendo meu silêncio como uma concordância, Arthur me conduziu até o estacionamento da escola. O seu carro era um dos poucos que ainda se encontrava ocupando uma das vagas, pois o restante dos professores havia saído para comemorar o sucesso das peças de teatro.
A adrenalina do meu protagonismo já havia sido sufocado pela preocupação, de modo que aquele acontecimento parecia agora um borrão distante, quase que um sonho bom que eu tive enquanto dormia.
O trajeto até o aeroporto foi em grande parte bastante silencioso. Arthur entendia que eu não conseguiria conversar muito, e respeitou meu silêncio.
Ao chegarmos, ele me acompanhou até a hora em que meu voo foi anunciado.
— Fique tranquila, vai dar tudo certo. — Arthur pôs uma das mãos em meu ombro e somente aquele simples gesto já foi capaz de atenuar o turbilhão de emoções que brigava dentro de mim.
— Obrigada pela carona e pelo apoio. — Ele deu um sorriso que claramente dizia que não precisava agradecer e eu me virei em direção ao portão de embarque com pressa, como se somente meus passos fossem fazer eu chegar ainda mais rápido em São Paulo.
Quando o avião aterrissou, um pouco depois de uma hora de viagem, já eram quase sete horas da noite. Peguei um Uber até o hospital em que meu pai havia sido internado, com o coração acelerado de medo. Cass me dissera que ele estava estabilizado, porém, não me dera maiores informações sobre o que tinha acontecido.
Enquanto eu entrava no hospital, afoita e desesperada, eu senti como se um flashback estivesse passando diante dos meus olhos. Era como se eu estivesse revivendo momentos de terror estando ali dentro.
Lembrei-me de minha mãe, e do quanto ela tinha sofrido antes que a morte a levasse, e meu coração se apertou dentro do peito. As lágrimas escorriam pelo meu rosto incessantemente, enquanto as imagens do corpo já sem vida da minha mãe entravam nesse mesmo hospital.
Me debrucei no balcão da recepção do hospital assim que voltei a realidade, perguntando pelo meu pai.
Ouvi atentamente as informações que a recepcionista me passava, e apertei os lábios em uma linha fina, tentando conter o choro. Fiquei um pouco mais calma quando ela me disse que meu pai estava bem, mas que só o médico poderia me dar informações mais precisas sobre o caso.
Ela me indicou a sala de espera — que era onde todos estavam aguardando por notícias — e eu segui suas instruções para chegar até lá.
Encontrei Cass e Lucy sentadas uma ao lado da outra na sala de espera, e minha tia Darcy em pé, andando de um lado para o outro. Assim que Cass me viu, praticamente saltou da poltrona e me abraçou.
— Como ele está? A recepcionista disse que ele está bem, mas eu quero ter certeza. — indaguei, desfazendo o abraço. Lucy e tia Darcy também vieram me abraçar.
— Os médicos fizeram alguns exames, mas eles ainda não têm certeza do que pode ter acontecido para que o seu pai desmaiasse. Os médicos suspeitam de algumas doenças, mas só um diagnóstico mais preciso fará com que eles descubram o que há com o seu pai. — explicou Lucy, afagando a minha bochecha.
O médico, que segurava uma prancheta, apareceu em meu campo de visão. Ele tinha acabado de sair do quarto onde o meu pai estava, e seu semblante se encontrava desprovido de emoções. Ele caminhou em minha direção e esboçou um pequeno sorriso, que por algum motivo me fez lembrar do Dr. Carlisle de Crepúsculo, só não me pergunte o porquê.
— Olá, eu sou o Doutor Hiago. Você deve ser Dianna Smith. — Ele tentou adivinhar, ainda com o sorriso no rosto. Acenei de forma afirmativa com a cabeça, e nos cumprimentamos com um aperto de mão.
— Sim, sou eu. Como o meu pai está?
— Seu pai está bem melhor, mas ainda estamos fazendo alguns exames e ele terá que ficar em observação por mais alguns dias. Ele está acordado, você quer vê-lo?
Balancei a cabeça várias vezes de forma positiva, e o médico logo sentiu a urgência que havia no meu olhar.
— Quero, por favor.
O Doutor Hiago indicou a porta do quarto do meu pai com a mão e eu caminhei rapidamente até lá. Assim que entrei, encontrei o meu pai de olhos abertos, e todo entubado. Haviam fios em seu peito, em um de seus pulsos, e um fio preso em seu nariz.
Corri até a sua maca e o abracei com cuidado, depositando todas as lágrimas que eu havia tentado prender do lado de fora do hospital. Papai colocou uma das mãos em minha cabeça, fazendo um carinho naquela região. Aquele gesto me confortou muito.
Eu estava com tanto medo de perdê-lo que sinto que devo desistir do concurso para poder cuidar do meu pai. Não posso deixá-lo, ele precisa de mim.
— Querida... Você não precisava ter vindo. — sibilou papai, com a voz baixa e contida. — Eu estou bem.
Levantei a cabeça para olhá-lo e segurei a sua mão, as lágrimas ainda rolando pelas minhas bochechas.
— Mas é claro que eu precisava, papai. Eu fiquei preocupada... — fiz uma pausa e soltei um suspiro. — O que aconteceu?
— A Lucy me encontrou desmaiado na cozinha de casa. Eu tinha acabado de chegar do trabalho, e estava planejando cozinhar uma lasanha, mas comecei a sentir fortes dores e uma tontura que não permitiu que eu ficasse de pé. Ela tinha ficado de ir até lá me entregar umas roupas, e estranhou quando eu não a atendi.
Papai afagou meu queixo com carinho e eu sorri, ficando séria logo em seguida.
— Pai, acho melhor eu voltar para cá definitivamente para cuidar de você. Eu não me importo de sair do CBA, eu posso muito bem voltar a treinar na minha antiga academia de ballet e...
— Nada disso! — exclamou papai, me interrompendo. — A Lucy e a sua tia Darcy estarão cuidando de mim no tempo em que você estiver fora, não se preocupe. O que eu quero mesmo é te ver lá naquele palco, dançando, cantando e fazendo tudo aquilo que você sempre sonhou. Dianna, eu nunca te apoiei como a sua mãe te apoiava, e agora sinto que é meu dever te dar todo o amor e suporte que você precisa para seguir em frente com isso.
Eu abri um sorriso largo e apertei com força a mão de meu pai. Ele sorriu de volta, e com a mão livre enxugou uma lágrima que rolava pela minha bochecha.
— Mas pai...
— Eu vou ficar bem, minha princesa. Eu só quero que você seja forte. Lute pelos seus sonhos, e não deixe que ninguém os destrua. "Abra as suas asas, minha pequena borboleta" Lembra? Era isso o que a sua mãe lhe dizia quando você queria desistir. — lembrou. Seus olhos ficaram marejados quando citou mamãe na conversa. — Sei que você pensa que tem sonhos muito grandes, mas eles são seus sonhos e ninguém pode tirá-los de você. Querida, acredite na magia. Seus sonhos estão lá no CBA, e eu não vou permitir que você desista deles agora. Afinal, eu criei um Facebook só para administrar o seu fã-clube, e isso seria muito injusto. Eu paguei muito caro pelas aulas de informática.
Gargalhei quando ouvi o que papai tinha dito, e ele sorriu de modo satisfeito quando viu que suas palavras haviam surtido o efeito que queria. Fiquei emocionada e o abracei forte novamente. Cortava o meu coração vê-lo naquele estado, uma vez que os médicos ainda não sabem o que o papai tem.
O que me resta é ter esperança e fé.
Fechei meus olhos e apertei ainda mais meus braços no corpo de meu pai, pedindo silenciosamente a Deus que tudo desse certo, e aproveitando o abraço aconchegante e cheio de amor do senhor Smith, o homem que me criou e que eu amo mais do que qualquer coisa que possa existir.
Eu não vou sair do CBA porque essa é a vontade do meu pai, mas se eu vou ter mesmo que voltar para lá, vou precisar ser forte. Muito forte.
[...]
Abri a porta da minha casa e me joguei no sofá. Já era tarde da noite quando deixei o hospital, e eu só queria descansar. Papai teria que ficar internado por mais alguns dias, e minha tia acabou ficando com ele. Lucy tinha ido resolver algumas coisas da sua academia de ballet e Cass foi para a sua casa estudar para um concurso que ela havia se inscrito. Ela até que queria me fazer companhia, mas eu achei melhor que ela estudasse. Eu ficaria bem sozinha.
Tomei um banho quente e demorado que relaxou meus músculos tensos e comi um pão com mortadela para atenuar a fome. Agora que eu vi que meu pai estava bem, a tranquilidade se apossou do meu corpo e o cansaço também, de modo que fui obrigada a me arrastar até meu quarto, onde me joguei de qualquer jeito na cama.
Porém, o sono não veio.
Minha mente não parava de trabalhar, até que eu tive o ímpeto de pegar o celular para checar as redes sociais e me distrair um pouco.
Vi que as peças haviam sido suficientes para fazer um leve burburinho na mídia, e eu perdi a conta de quantos seguidores eu ganhei e de quantas postagens eu fui marcada. Haviam fotos, gifs e até vídeos meus circulando pela internet, o que me assustou um pouco. Não estava acostumada a receber tanta atenção.
Depois, respondi as mensagens preocupadas de Clara, Diego e Marlon e me diverti com os seus respectivos status. Eles foram comemorar com a galera, e pareciam felizes e animados. Eu havia tirado várias fotos e postado alguns status, mas não consegui participar da comemoração por conta do que havia acontecido com o papai. Pensar nisso me fez ter mais uma enxurrada de pensamentos ruins e preocupados sobre o estado de saúde dele.
Até que eu recebi uma mensagem de um número que eu não tinha salvo em meus contatos.
21 9*******
Boa noite, Dianna!
Desculpe pela hora. Tomei a liberdade de conseguir seu número, pois fiquei preocupado.
Como está o seu pai?
É o Arthur aqui.
Meu coração quase deu um solavanco no peito quando eu vi que era Arthur me mandando mensagem. Salvei seu número com as mãos trêmulas.
Dianna:
Boa noite!
Obrigada pela preocupação.
Papai está bem, falando a beça kkkk
Mas os médicos ainda não sabem o que ele tem =(
Vão ter que fazer alguns exames para ver se acabam detectando o que causou o desmaio.
Arthur:
Fico feliz que seu pai esteja bem.
Me avise se precisar de alguma coisa.
Você está mais calma?
Dianna:
Estou, só não consigo dormir...
Acho que foi a agitação do dia.
Foram fortes emoções kkkkk
Arthur:
Kkkkkk Eu sei bem como é.
Também estou sem sono.
Dianna:
Já contei carneirinhos e não deu certo.
Isso nunca funcionou comigo.
Arthur:
Kkkkk
Ei, quer que eu te ligue? Talvez assim o sono venha.
Encarei o celular por uma infinidade de segundos, o coração retumbando dentro do peito. Ouvir a voz de Arthur era tudo o que eu queria, e só depois de ele ter sugerido a ligação foi que eu notei que era isso o que eu precisava para melhorar meu dia.
Dianna:
Claro!
Um pavor tomou conta de mim quando respondi a sua mensagem, pois eu morria de medo de falar alguma idiotice. Arthur era muito maduro, e apesar de nossa diferença de idade ser bem pouca, eu ainda me considerava um pouco imatura para muitas coisas. E se ele percebesse isso? Tudo bem, não é como se a gente fosse namorar ou algo do tipo, mas de algum modo, pensar em cometer uma gafe por telefone me apavorou.
Sua ligação chegou no instante seguinte e eu tive que respirar fundo antes de atender.
Tentei fazer uma voz meio polida e despreocupada quando o atendi, mas ela saiu um pouco rouca pelo cansaço.
— Talvez assim a gente consiga desacelerar a mente. — Foi o que ele disse quando atendi ao telefone.
— Pelo visto não foi só eu que tive um dia agitado. — brinquei. Arthur coordenou uma peça de teatro e ainda auxiliou na peça dos outros professores, o que por si só já dava um baita trabalho.
— O café excessivo também ajudou a me manter alerta, confesso. — Eu podia vê-lo deitado em sua cama, sem camisa e esparramado de qualquer jeito nos lençóis, o cabelo meio desarrumado e os olhos fundos. Senti que ele sorria do outro lado da linha e isso foi reconfortante para mim.
— Você não foi comemorar com os outros?
— Eu até dei uma passada lá, mas não estava no clima. Fiquei feliz por tudo ter corrido bem com as peças de teatro, mas não o suficiente para comemorar.
— Espero que eu não tenha arruinado a sua noite. — Arthur me dera carona até o aeroporto. Durante esse período, a galera marcou de sair para comemorar, inclusive os professores (até mesmo Deborah resolveu comemorar com o pessoal) e tive medo de que eu tivesse estragado a oportunidade de Arthur de se divertir.
— Claro que não... Fiquei preocupado com você sim, mas eu já não estava no clima antes de você receber aquela ligação.
— Você está bem?
Arthur ficou em silêncio por algum tempo. Conseguia ouvir sua respiração suave, e quis muito estar ao seu lado naquele momento.
— Engraçado, você é a única que tem me perguntado isso ultimamente. Quero dizer, a única que pergunta com a intenção de saber se eu realmente estou bem, e não como uma mera formalidade.
— Isso ainda não responde à minha pergunta. — respondi, meio risonha para que ele não achasse que eu havia sido grossa. — Você está bem?
— Já estive melhor. Só um pouco pensativo sobre algumas coisas. — Ouvi seu suspiro do outro lado da linha e mordi o lábio, tentando pensar em algo bom o suficiente para dizer. — Vou tocar violão.
— Não vai acordar a galera?
— Eu vim para a minha casa. Eu moro sozinho, não sei se você sabe.
— Eu não sabia.
Meu professor passava tanto tempo dentro do colégio e dormindo no alojamento que as vezes eu me esquecia de que ele também tinha sua casa fora dali.
Ouvi um barulho ao fundo e um som de chiado e logo o som das cordas do violão penetraram meus ouvidos. Arthur tocava uma música do Bruno Mars que eu amava.
— Eu amo essa música.
— Eu também.
Parecia que eu estava sonhando. Arthur começou a cantar a música, e sua voz linda e afinada, apesar do cansaço do dia a dia, encheram a minha alma de sentimentos bons e reconfortantes. Eu me sentia tão em paz quando falava com Arthur que chegava a ser estranho, e tive medo de que toda essa paz fosse atribuída somente aos sentimentos que tenho nutrido por ele.
Sua voz relaxou minha mente, que antes trabalhava de forma descontrolada, jogando todos os tipos de pensamentos — bons e ruins — dentro da minha cabeça. Era como se a música que ele cantava tivesse calado todas as vozes que habitavam dentro de mim.
Fiquei em silêncio apenas apreciando a melodia e o som da sua voz, vez ou outra lhe acompanhando fazendo segunda voz, mas a sonolência começou a amolecer os meus sentidos.
Arthur percebeu que eu havia ficado estranhamente quieta de repente e parou de tocar.
— Acho que o sono finalmente chegou para você.
— Sua voz me acalmou... — Eu disse, grogue de sono, ficando desperta pelo susto de ter dito aquilo em voz alta. Fiquei com tanta vergonha de ter confessado que sua voz fora um calmante que meu primeiro ímpeto foi colocar o travesseiro na frente do rosto.
— Tocar violão e cantar sempre me acalma. — Ele bocejou. — Parece que vamos conseguir dormir antes de uma hora da manhã.
Tirei o travesseiro do rosto e esbocei um sorriso sonolento.
— Já é um bom começo. — bocejei também. — Qualquer minuto a mais de sono já me deixa revigorada.
— Boa noite, Dianna. Obrigado por me fazer companhia esta noite.
— Eu que agradeço. Você foi a cura da minha insônia.
Ele deu uma risada, o som saiu meio rouco por conta da sonolência que o atingira também.
— Disponha sempre.
— Boa noite.
A ligação foi encerrada, e eu fiquei encarando a foto de Arthur por infindáveis minutos antes de me entregar de vez à sonolência.
Ter insônia nunca havia sido tão interessante.
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