Capítulo 25 - A Páscoa dos Smiths

A minha pequena interação com Deborah foi o suficiente para que eu chegasse atrasada ao refeitório. Tomei um banho demorado e quando cheguei, meus amigos já tinham terminado de comer e já haviam se retirado do refeitório.

Comi sozinha e em silêncio, com o cansaço dominando meu corpo e com a mente cheia de pensamentos.

Quando voltei para o alojamento, disposta a arrumar as malas, encontrei Clara e Barbara conversando civilizadamente.

— Estamos tentando escolher a música que iremos apresentar na próxima avaliação. — explicou Clara, vendo a minha cara de interrogação. — Por incrível que pareça, a Barbara que deu a ideia de escolhermos a música antes da nossa viagem.

Barbara revirou os olhos.

— Eu voto em Britney Spears. — disse ela, num tom petulante.

— Eu já disse que nós não vamos cantar nenhuma música dela! — ralhou a ruiva, irritada. — Prefiro mil vezes cantar alguma música da Beyonce.

— Se você não gosta da Britney, eu não gosto da Beyonce! — esbravejou Barbara, cruzando os braços.

— Por que não cantamos alguma música de girlband mesmo? — indaguei, me juntando a elas. — Vai ficar até mais fácil de dividir as vozes.

— Até que a Pequena Rebelde pensa de vez em quando. — provocou Barbara, em zombaria. Revirei os olhos.

— Que tal Litte Mix? — sugeriu Clara, com um sorriso enorme no rosto. Ela estava radiante, pois hoje seria uma das entrevistadas do concurso.

— Eu gosto delas... — Barbara estava pensativa.

Depois de muito tempo tentando escolher uma música, decidimos cantar Word Up, da Little Mix. Quero dizer, a música não era exatamente da banda, mas elas regravaram.

Por incrível que pareça, não houve nenhuma briga entre Clara e Barbara, só algumas costumeiras alfinetadas entre as duas.

— Tenho que ir para a minha entrevista! — Clara exclamou, pulando da cama de forma empolgada. — Depois eu arrumo as minhas malas.

— Boa sorte! — desejei, lembrando-me de como a minha entrevista coletiva foi um fiasco.

— Depois eu te conto como foi. — Clara saiu do quarto radiante e animada.

Tirei uma mala que estava embaixo da minha cama e comecei a separar os poucos pertences que eu levaria.

Olhei para Barbara, que estava sentada na cama observando um ponto fixo dentro do quarto. Seu rosto estava repleto de amargura. Fiquei me perguntando se ela tinha para onde ir no feriado.

— Não vai arrumar a sua mala? — perguntei de forma amigável, recebendo um olhar ferino como resposta.

— Isso não é da sua conta! — bradou ela, irritada. — Afinal de contas, não é como se eu tivesse para onde ir. Briguei com a minha mãe por telefone e provavelmente ficarei trancafiada aqui junto com a grande minoria que ficar.

— Ainda dá tempo de mudar de ideia. — Eu continuei com os olhos fixos nas roupas que eu colocava na mala, mantendo o tom de voz amigável. — Você cancelou seu voo?

Eu sabia que Barbara morava em algum lugar do Rio Grande do Sul, e que ela já tinha comprado sua passagem.

— Ainda não — confessou ela, abaixando a cabeça. Coloquei mais algumas mudas de roupa dentro da mala, sentindo o silêncio que havia se instalado dentro do quarto. — Anda, vai em frente, ri de mim.

A voz de Barbara parecia meio melancólica. Lembrei que eu não havia visto suas amigas por perto desde ontem.

— Barbara, eu não sou você. — Eu dei um meio sorriso.

Ela me encarou de um jeito diferente. Não havia petulância e nem a sua costumeira arrogância, o que me surpreendeu bastante.

— Me desculpe por falar da sua mãe naquele dia. Acho que eu peguei pesado demais. Não que eu não tenha pegado pesado outras vezes, mas... — Barbara se remexeu na cama de forma desconfortável.

— Tudo bem, relaxa.

Nós sorrimos uma para a outra. Pela primeira vez em todo o tempo em que estivemos no CBA, acho que aquela foi a primeira vez que a Barbara e eu tivemos uma conversa amigável.

— Acho que eu vou ligar para minha mãe. — Barbara se levantou da cama e se dirigiu até a porta. — Ela disse que iria fazer a minha comida favorita esse ano.

— Boa ideia. — respondi, empolgada. Ela sorriu para mim e saiu do quarto.

Fiquei olhando para a porta assim que Barbara saiu, me perguntando constantemente se aquele diálogo realmente havia acontecido.

[...]

Já era madrugada quando eu acordei. Tanto o meu voo quanto o dos outros alunos sairiam daqui a algumas poucas horas. Eu estava ansiosa em ver meu pai, Cassandra e Lucy novamente, mas não deixei de pensar em Arthur. Nem os treinos incessantes e a ameaça velada de Deborah me fizeram deixar de pensar nele.

Minha mala grande já estava comigo no térreo, enquanto eu e meus amigos esperávamos os ônibus que o CBA tinha alugado para nos levar até o aeroporto. Minha tia insistiu tanto em me presentear com passagem de ida e volta de avião que não tive como recusar. A viagem de ônibus seria mais demorada, mas econômica, mas minha tia queria que eu chegasse rápido e de forma confortável, e sua insistência me convenceu em aceitar o presente.

Olhei para o lado e vi Barbara com uma mala e sorri sozinha, vendo que ela realmente tinha mudado de ideia.

Marlon era o mais desanimado do nosso grupo em ver a família.

— Ânimo, rapaz! Vai dar tudo certo. — Clara sacudiu os ombros do amigo, tentando animá-lo. As pulseiras de ferro em seu braço fizeram um barulho. Ele deu um sorriso sem humor.

Diego já falava com a mãe no telefone. Ele não conseguia conter a animação que sentia em rever a família.

Quando os ônibus finalmente chegaram, nos organizaram em filas e fizeram uma chamada. Eu e meus amigos queríamos pegar o mesmo ônibus, então ficamos juntos na mesma fila. Percebi que haviam poucos alunos que iriam visitar suas casas no feriado. Quero dizer, em vista dos alunos que ainda tinham dentro do concurso, eu achei pouco.

De tempos em tempos, eu olhava para trás, na esperança de ver o Arthur uma última vez antes de ir. Eu sabia que só ficaria fora por três dias, mas eu precisava ver seu rosto. Já tinha me acostumado à sua presença. Eu não podia tê-lo, mas podia falar com ele ou somente olhar para seu rosto e não poder fazer isso antes de ir me deixou um pouquinho melancólica.

Eu gostaria de saber o que eu iria sentir se nossos olhos se encontrassem dessa vez. Mas ele não apareceu, e o ônibus que nos levaria até o aeroporto logo partiu.

[...]

Apesar de ser três horas da manhã, o aeroporto já estava cheio. Eu e meus amigos já apresentávamos sinais de cansaço, afinal, tínhamos acordado bem cedo para estarmos ali. Quando os nossos respectivos voos foram anunciados, eu e meus amigos nos abraçamos.

— Prometam que não vão se esquecer de mim. — Clara pediu, enquanto nos abraçávamos. Nós demos uma risada.

— Só ficaremos fora por poucos dias, não tem como nos esquecermos um do outro. — Diego ajeitou sua mala de mão ainda rindo.

— Vou manter contato em nosso grupo do Whatsapp. Por favor, não me deixem no vácuo. Se a minha família me matar e vocês me ignorarem, vocês serão os culpados. — Marlon avisou, brincando e provocando mais gargalhadas.

— Eu amo vocês.

— Nós amamos você também, Di.

— Feliz Páscoa adiantado para vocês.

Embarquei em meu voo, com um sentimento esquisito dentro do meu peito. Me instalei em meu lugar e coloquei meus fones de ouvido. Pensando nas horas que eu teria dentro daquele avião, acabei adormecendo.

Acordei assim que aterrissei. Meio sonolenta, saí do avião em busca das minhas malas e do meu pai, que disse que me esperaria no aeroporto.

Carreguei minha mala com um pouco de dificuldade, e avistei meu pai parado com um buquê de flores na mão, no meio da multidão. Eu comecei a chorar na hora, e me pus a correr com toda a dificuldade que eu tinha até ele.

Me joguei nos seus braços, sentindo os braços quentes de meu pai me envolverem em um abraço apertado e reconfortante. Como eu tinha sentido falta disso.

— Minha pequena Dianna... — sussurrou papai, afagando meus cabelos com carinho. Percebi que a voz dele estava embargada.

— Eu senti sua falta. — confessei, enxugando as lágrimas que caíram. Ele estendeu o buquê para mim e eu sorri, pegando-o de sua mão e sentindo o cheirinho suave das rosas.

— Eu também senti a sua.

Fomos conversando o caminho inteiro, e quando cheguei em casa, encontrei Cassandra, Lucy, meus tios por parte de mãe e por parte de pai e meus avós por parte de mãe me esperando. A sala estava toda decorada para me receber, e Cass segurava um cartaz que dizia: "Seja bem-vinda, Dianna" que me emocionou ainda mais.

Papai colocou uma enorme mesa no centro da sala que estava regada de comida. Tinha uma travessa com um peru enorme e outra com um frango assado que cheirava muito bem, além de várias outras coisas gostosas, como sobremesas. Não era páscoa ainda, mas a minha chegada era motivo suficiente para um banquete daqueles.

Cass atravessou a sala correndo e me deu um abraço apertado.

— Senti sua falta, vaca! Nem respondeu mais os meus tweets... — Cassandra fez um biquinho dramático que me fez rir.

— Acredite, eu acabaria com todos os caracteres do mundo se eu te contasse tudo o que vem me acontecendo somente pelo Twitter.

Cass deu uma risada.

— Eu me convidei para dormir na sua casa, então não se preocupe que você vai me contar tudinho antes de ir embora de novo amanhã à tarde.

Abracei meus avós, Lucy e meus tios e nos sentamos à mesa para comer. Afinal, eu tinha chegado em casa quase duas horas da tarde, e eu só tinha comido uns biscoitos na viagem.

— E então, Dianna? Como é o CBA? — perguntou Lucy, ansiosa.

Eu comecei a me lembrar de quando cheguei ao colégio, dos ensaios, das aulas... De Arthur. E reprimi o restante dos pensamentos. Limpei a garganta e respirei fundo antes de responder.

— Lá é... Incrível. Os professores são ótimos, só que o ensino e os treinos são bem puxados.

— Eu percebi que você está muito magrinha. A comida que eles servem lá é boa? — perguntou vovó, lutando com o pedaço do frango que estava em seu prato.

— É sim. Nós temos todas as refeições lá no colégio.

— Estamos tão orgulhosos! — exclamou minha tia por parte de pai, falando de boca cheia e me olhando de forma maravilhada. — Adorei ver você na televisão.

— E o fã clube que fizemos tem crescido a cada dia. — completou Cassandra, orgulhosa, bebericando seu suco logo em seguida.

— Sua mãe ficaria orgulhosa, disso não tenho dúvidas. — Vovô sorriu para mim. Eu também sorri, me contendo para não começar a chorar.

Depois de comermos juntos e agradecermos a Deus por todas as coisas boas que nos aconteceram, ficamos conversando. Meus familiares estavam cada vez mais empolgados a cada detalhe novo que eu contava a eles sobre o CBA.

Quando anoiteceu, me despedi dos meus avós, tios e também de Lucy, que me deu um chaveiro lindo de bailarina para colocar no zíper da mochila.

Papai anunciou que iria dar uma passada no supermercado e eu e Cass fomos para o meu quarto. Fazia tanto tempo que eu não entrava ali que um sentimento de nostalgia me atingiu.

Nos sentamos em minha cama e Cass me olhou de um jeito curioso.

— Pronta para me contar as novidades que você não pôde contar para todo o mundo?

Respirei fundo e hesitei, com medo do que Cassandra iria pensar de mim.

— Estou apaixonada pelo meu professor.

— O QUÊ?! — Cassandra arregalou os olhos e cobriu as mãos com a boca, rindo de um jeito histérico. Ela sempre ficava assim quando eu lhe contava algum segredo. — Eu não acredito que esse momento finalmente chegou. Eu achava que isso nunca iria acontecer, já estava pensando na hipótese de ter que adotar cem gatos para viver com você.

— Cass! — ralhei, ficando vermelha de vergonha.

Cassandra e eu nos conhecemos desde muito novas, e ela nunca tinha me ouvido falar sobre meus interesses amorosos. Nunca fui de comentar muito sobre garotos, e sempre que ela tentava arrancar de mim alguma informação, eu sempre me esquivava. Alguns caras chamavam sim a minha atenção, mas eu nunca fiz nada a respeito porque eu precisava focar na minha vida e na minha carreira. Porém, alguma coisa mudou quando conheci Arthur.

De alguma forma, mesmo que indiretamente, eu me permiti conhecer alguém do sexo oposto e me conectar de um jeito que nunca antes havia acontecido.

E eu estava apavorada com tudo isso.

— Eu sabia que tinha alguma coisa entre vocês dois, eu sabia! — Cassandra jogou uma das almofadas que estavam em cima da minha cama, acertando meu rosto. Ela quicava de felicidade.

— Não tem nada rolando entre a gente. É totalmente platônico — expliquei, abaixando a cabeça e encarando as minhas mãos.

— Pode até não ter nada rolando ainda, mas eu sei o que eu vi. Vocês tem uma química do caramba.

— A televisão gosta de manipular as coisas, e o Arnaldo não quer as pessoas shippando a gente. Pode prejudicar a mim.

— Então você não vai investir nele? Tá, eu entendo que ele é seu professor, mas o concurso não vai durar a vida toda.

Cassandra tinha um jeito diferente de ver as coisas. Era uma perspectiva única de observar a vida, mas que não funcionava muito para mim.

— Há muita coisa em jogo. Não vale a pena arriscar a minha carreira por isso. Além do mais, ele já está saindo com uma pessoa.

Meu estômago embrulhou quando me lembrei da mulher linda com quem Arthur saiu. Será que eles ainda estão se vendo?

Será que ele gosta dela?

— Eu entendo seu lado, de verdade. Mas nunca te ouvi falando de um rapaz antes. Eu não sei de muita coisa, mas talvez seja a hora de se permitir viver um romance ou pelo menos beijar algumas bocas por aí.

— Mas...

— O Arthur é proibido, mas os caras gatos que eu vejo nesse concurso não são. Aquele seu amigo Diego é um gato e é outro que parece ter uma queda por você. Eu tenho um faro amoroso incrível, amiga. Você tem dois peixes na sua rede, um tubarão totalmente proibido e um golfinho disponível. Qual você quer pescar? — Eu dei uma risada alta e Cassandra me olhou de forma divertida e um tanto maliciosa.

— Essa foi a analogia mais tosca que eu já ouvi!

— Eu sei! A minha sabedoria é bem peculiar.

Aos risos, eu abracei a minha melhor amiga. Eu gostava da forma como ela via as coisas. Era como se as minhas ações e pensamentos não fossem tão ruins quanto eu pensava. Claro que aquilo não apagou a culpa que residia em meu peito de gostar do meu professor, mas fez com que um pequeno alívio tomasse conta do meu coração.

Ficamos conversando por um bom tempo, o que me fez contar a ela sobre Deborah e Barbara e depois meu pai se juntou a nós.

O cansaço começou a me atingir. Papai percebeu e nos desejou uma boa noite, e Cass e eu adormecemos antes que eu pudesse responde-lo.

[...]

Eu, meu pai, Lucy e Cass já estávamos no aeroporto. Meu dia tinha se passado como um foguete, e eu fiz de tudo para aproveitá-lo. Tentamos aproveitar o feriado de páscoa da melhor forma possível, visitando o estúdio de ballet onde eu fazia aulas junto com meu pai e Cass — Lucy o abriu só para que eu visse a reforma que ela havia feito e matasse a saudade do lugar — e depois tomamos um sorvete.

Quando meu voo foi anunciado, lágrimas preencheram nossos olhos. Abracei fortemente Lucy e minha amiga — que pediu para que eu convencesse o diretor do CBA a aceitar amigos dos alunos lá — e me joguei nos braços de meu pai.

— Eu te amo, papai. — Sorri em meio as lágrimas que já caíam. Papai enxugou as minhas lágrimas e deu um beijo no topo da minha cabeça.

— Eu também te amo, querida. Cuide-se e arrebente. Nós estaremos aqui torcendo por você.

Acenei para todos e caminhei em direção ao meu voo. Não matei toda a saudade que eu podia, mas pelo menos, deu para amenizar um pouco a angustia em meu peito.

Enquanto eu voava de volta para casa, fiquei pensando nas palavras de incentivo de Cass. Talvez ela esteja certa. Talvez eu deva me permitir gostar de alguém.

Cheguei quase de madrugada no CBA, quase junto com meus amigos, que estavam exaustos de suas respectivas viagens. Nós nem conversamos muito, cada um foi direto para seu respectivo alojamento. Amanhã as aulas já retomariam junto com os ensaios da peça de teatro, então seria uma rotina ainda mais cansativa se não conseguíssemos descansar o quanto pudéssemos.

Depois de tomar um banho rápido, eu me deitei na cama e sonhei que beijava Arthur e que era eliminada do concurso.

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