Capítulo 24 - Olhar de psicopata (PARTE 1)

Uma das piores coisas de se fazer parte de um concurso do porte do CBA era a divulgação dos resultados e das pontuações. Eu sempre ficava nervosa demais quando os via, principalmente porque eu não estava nem entre os dez primeiros na minha turma.

Clara e Barbara — que ainda estava com o nariz machucado — pareciam estar tão apreensivas quanto eu.

Por incrível que pareça, a minha agressão à Barbara não fez com que ela prestasse queixa na direção. A única coisa que ela fez depois de perceber que seu nariz estava sangrando foi sair correndo em direção ao banheiro com os olhos marejados. Eu até tentei pedir desculpas, mas ela não me dirigiu a palavra nem para me provocar desde o ocorrido.

Clara e Marlon adoraram a minha atitude, alegando que eu a coloquei em seu devido lugar. Diego disse que eu exagerei, e eu concordava com ele. Se ela tivesse prestado queixa, eu provavelmente estaria em São Paulo agora.

Meu monólogo foi apresentado um pouco antes de acontecer toda a confusão no refeitório, e os resultados já estavam pregados no mural de avisos. O monólogo que apresentei foi sobre Cassie, a personagem de uma série chamada Skins. Interpretei uma cena extra da série, em que ela faz um vídeo de terapia e fala um pouco sobre o que ela gosta e o que ela não gosta.

Acho que eu me saí bem.

Clara e eu andamos de braços dados até o mural de avisos, ambas apreensivas. As pessoas já estavam amontoadas ali, algumas tentando empurrar as outras no intuito de enxergarem alguma coisa.

Nos aproximamos do mural de avisos. Meus olhos seguiram para a turma de Arthur e um suspiro aliviado escapou pelos meus lábios. Eu havia sido aprovada.

Olhei para o ranking de desempenho e percebi que eu tinha subido apenas uma posição nele. De vigésima segunda posição, fui para vigésima primeira, o que não era uma grande diferença para mim.

Marlon e Diego apareceram do nosso lado e logo comemoraram seus resultados, assim como Clara.

— Aprovados! — Marlon e Diego gritaram juntos, atraindo a atenção de alguns bailarinos mais competitivos e antipáticos, que os fuzilaram com os olhos.

— Também estou aprovadíssima! — gritou Clara, provocando Barbara com o olhar. Ela a ignorou, se virando para as suas amigas para dizer que havia subido quatro posições no ranking.

Algumas bailarinas que estavam ao meu redor começaram a chorar, e eu logo associei o choro delas a iminente eliminação. Fiquei surpresa com a quantidade de eliminações que ocorreram nessa última semana, pois parecia que os jurados haviam mandado muito mais concorrentes para casa dessa vez.

Eu e meus amigos caminhamos juntos para nossas respectivas aulas de dança, conversando de forma animada sobre as peças de teatro que estávamos ensaiando.

Me despedi de Marlon e Clara quando eles entraram em sua sala e segui com Diego até a turma de Arthur, sentindo-me nervosa. Eu havia passado parte do dia anterior pensando no que eu poderia fazer para que aqueles sentimentos todos sumissem, mas eu não conseguia pensar em muita coisa.

O jeito foi buscar no Google a solução para os meus problemas. Enquanto eu caminhava pelo corredor, eu passei grande parte do meu tempo livre procurando dicas em um artigo cujo título era "Como superar aquele crush irresistível".

— Nós temos que ficar de olho na Deborah, Dianna. — Diego sussurrou. — Tenho quase certeza de que foi ela que tentou sabotar a nossa apresentação.

Eu tinha medo de acreditar na possibilidade de que uma professora do nível dela queria mesmo me prejudicar. Até porque, era meio surreal que a Deborah quisesse me tirar do concurso por causa de um acidente. Eu não manchei a blusa dela por querer.

— Não é possível que tenha sido a Deborah. Ela não saiu da bancada uma única vez. — observei, ainda olhando para o meu celular, mas sem prestar atenção nas dicas.

Quanto mais eu pensava sobre o assunto, mais a ficha caía. Logo me lembrei da conversa sinistra que a Deborah teve durante a festa de boas-vindas do CBA com um cara misterioso. Lembro que ouvi claramente o que ela dizia, sobre querer uma aluna fora do concurso.

— Ela pode ter mandado alguém para realizar o trabalho sujo. — respondeu Diego, me olhando atentamente. Torci para que ele pensasse que meu nervosismo se devia somente a Deborah e suas sabotagens malucas.

— Isso faz mais sentido.

Entramos em um dos estúdios de dança. O número de alunos em sala havia reduzido bastante agora que os resultados já haviam sido divulgados. Isso prejudicaria um pouco a peça, se algum dos alunos eliminados fizer parte do elenco.

Meus dias estavam tão atarefados que eu tinha me esquecido completamente da peça de teatro. Bloqueei meu telefone com o artigo ainda em pauta e o guardei na bolsa.

Abaixei a cabeça quando passei por Arthur, e pude sentir o peso de seu olhar sobre mim. Fui para uma das barras no fundo e comecei a me aquecer junto com os outros alunos.

— Bom dia, pessoal. — disse Arthur, sério e altivo. Com as mãos nos bolsos da calça, ele começou a se movimentar pela sala. — Como vocês devem ter percebido, o número de alunos reduziu ainda mais nessa última avaliação. As coisas agora começarão a dificultar, e para estender a estadia aqui, vocês terão que provar que são os melhores. A próxima avaliação acontecerá na próxima semana, e será um pouquinho mais complicada. Vocês terão que se unir em trios, e esses trios serão compostos pelas pessoas que vocês dividem os quartos.

Algumas pessoas ao meu redor soltaram exclamações abafadas e começaram a reclamar. Eu fechei os olhos com força, tentando acreditar que isso não passava de um pesadelo, porque se não fosse, eu realmente me mataria. Como eu e Clara iríamos realizar qualquer tipo de apresentação com a Rainha do Gelo mais conhecida como Barbara? Ela nos odeia, e eu ainda piorei as coisas quando bati nela. Mas que droga!

— Essa será a única avaliação da semana, e vocês terão que escolher uma música para cantar em conjunto, como se vocês fossem uma daquelas boybands ou girlbands. Além de cantar, é necessário que haja uma coreografia. Não precisa ser nada muito elaborado. Assistam vídeos de cantores que costumam dançar em suas performances e vocês entenderão o objetivo dessa atividade. Reservem os estúdios para começarem os ensaios. Quanto antes tiverem algo elaborado, melhor a apresentação de vocês irá ficar.

— E quanto aos que já não tem mais colegas de quarto por causa das eliminações? — questionou uma menina bochechuda atrás de mim.

— Esses irão se juntar com algum outro quarto que também esteja incompleto. Vou pedir para que passem o número do alojamento de todos os que estão com quartos incompletos, nós da coordenação iremos organizar os grupos e iremos comunica-los ainda essa semana sobre a formação de cada equipe. Quem tem quarto completo não vai precisar.

Eu e Diego nos entreolhamos. Ele sabia bem o que aquilo significava para mim. Afinal, Barbara não é uma pessoa fácil de se lidar.

Eu estava ferrada.

— Não adianta reclamar, são ordens do concurso. — Arthur replicou, ouvindo as reclamações de alguns alunos de forma impaciente. — Não sou eu quem organizo as provas que vocês terão que fazer. Agora, vamos praticar um pouco de Jazz. Estão todos aquecidos?

Começamos a praticar uns movimentos legais de Jazz. Quanto mais eu dançava, mais a sensação de que meus problemas estavam diminuindo surgia. Foi tão relaxante que eu quase me esqueci que eu estava apaixonada pelo meu professor.

[...]

Assim que as aulas acabaram, fui direto para o quarto tomar um banho. O ensaio da peça de teatro aconteceria depois do almoço, e eu queria conversar com Clara sobre a avaliação que nós teríamos que fazer.

Porém, quando eu entrei no quarto, vi que Barbara e Clara já discutiam isso, só que de uma forma um pouco mais... agressiva.

— Nem morta que eu vou realizar qualquer tipo de avaliação com você! — gritou Clara, atirando seu estojo de maquiagem em cima de Barbara, que recuou, com os olhos arregalados.

O estojo de minha amiga se espatifou no chão, espalhando uma de suas sombras favoritas pelo carpete, o que fez a minha amiga ficar bem mais irritada.

— E você acha mesmo que eu quero fazer qualquer tipo de prova em conjunto com vocês duas? As duas patetas daqui? Faça-me rir, Clara! — debochou Barbara, levantando-se da cama e adotando uma postura de garotinha metida que conseguiu me irritar.

— Você se acha muito superior, não é mesmo, Barbara? Mas quer saber de uma coisa? Você não passa de uma garotinha inútil e clichê, cujo talento é tão pequeno quanto o número de neurônios que existem dentro da sua cabeça! — Barbara ficou tão indignada que abriu a boca, sentindo-se insultada.

— Eu vou te matar! — berrou a loira, agarrando com força os cabelos de Clara.

As duas começaram a se engalfinhar pelo chão, fazendo com que eu arregalasse os olhos. Fechei a porta do quarto, temendo que a discussão das duas chamasse a atenção dos curiosos que andavam pelo corredor.

— Ei, PAREM COM ISSO! — gritei, com medo de me aproximar demais e acabar apanhando também.

— Não se meta nisso, Pequena Rebelde. Todo o mundo sabe que você anda dando em cima do professor Arthur. É a única explicação plausível para ele ter te ajudado na apresentação de dança.

Me senti altamente ofendida com aquela acusação. Apesar dos meus sentimentos, eu nunca dei em cima do Arthur. A nossa relação sempre foi muito respeitosa e eu tinha consciência de que não deveria alimentar meus sentimentos.

Clara rolou pelo chão junto com Barbara, posicionando-se em cima da loira e quebrando meu raciocínio. Minha amiga começou a sacudir sua cabeça como se ela fosse uma boneca de pano. Barbara arranhou os braços de Clara, tentando fazer com que ela largasse sua cabeça, mas minha amiga estava tão raivosa que parecia que iriam sair faíscas dos seus olhos a qualquer momento.

— Não fale assim com ela, sua vadia! A Dianna tem muito mais caráter do que um dia você vai ter.

Barbara deu um tapa no rosto de Clara e aproveitou o momento de choque de minha amiga para inverter as posições e ficar em cima dela.

Andei na direção delas para tentar separá-las, mas Barbara me puxou, e eu acabei caindo por cima de sua barriga, o que fez com que ela urrasse de dor.

— Sai de cima de mim, sua obesa!

— Foi você que me puxou, sua louca!

Ficamos rolando pelo chão por alguns segundos. Ambas ofegantes e descabeladas, até que eu me cansei daquela briga estupida e gritei:

— CHEEEGA!!

As duas pararam de se agredir, assustadas com o grito que eu emiti. O grito veio do fundo da minha alma, e eu tenho certeza de que ele havia chegado até no Japão. Respirei fundo e fechei os olhos, tentando acalmar minha respiração, que estava descompassada.

— Galera, eu sei que é chato trabalhar com quem nós não gostamos, mas não há outra maneira de fazermos essa avaliação. Eu sei que vocês querem passar tanto quanto eu, então é importante que nós adotemos uma postura mais profissional pelo menos nessa situação. Vamos, por favor, deixar as diferenças de lado pelo menos dessa vez?

Clara e Barbara olharam para mim, e pareciam entender o que eu queria dizer. Ambas estavam ofegantes e descabeladas, o que seria bem cômico se não fosse uma situação tão chata.

— Tudo bem. — concordou Barbara, levantando as mãos como estivesse se rendendo. — Mas só farei esse sacrifício porque não há outra alternativa.

A loira se levantou do chão com a mesma expressão azeda que eu já conhecia. Ela foi direto para o banheiro.

— Como se fosse uma dádiva fazer qualquer tipo de parceria com você.

— Chega. — Olhei de forma repreensiva para Clara, que encolheu os ombros de modo arrependido.

— Tá bom, desculpa — pediu, olhando para seu estojo de maquiagem jogado no chão. — Droga, aquela vadia quebrou meu estojo de maquiagem. Lá se vai a minha sombra preferida.

Clara fez um biquinho, olhando com tristeza na direção do seu estojo de maquiagem. Olhei para ela e me esforcei para ficar séria, mas não consegui. Quando eu percebi, estávamos as duas jogadas no chão do quarto, rindo feito loucas.

Barbara saiu do banheiro e nos olhou de forma enojada.

Era uma pena ela não entender como a nossa amizade funcionava. Acho que Barbara nunca teve amigos verdadeiros.


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