Capítulo 17 - Armário Assassino (PARTE 1)
Ir para o castigo e encarar Arthur depois do fiasco daquela entrevista era pior do que o castigo propriamente dito, e eu me senti castigada duplamente quando entrei na sala e Arthur já estava lá me esperando.
Ele ainda parecia um pouco irritado, e eu fiquei com medo de que meu professor pudesse estar com raiva de mim por conta daquela entrevista. Eu tinha tanto medo de que ele achasse que Jane estava certa sobre meus sentimentos por ele que eu já sentia meu rosto corar.
— Estou atrasada? — Arthur fez que não com a cabeça e eu suspirei de modo aliviado.
— Hoje o seu castigo é em outra sala. — Arthur se retirou da sala e me chamou para que eu o seguisse. — A diretoria me avisou agora há pouco, por isso não te avisei antes.
— Tudo bem.
Caminhamos até o final do corredor, onde paramos em frente à uma das inúmeras portas existentes no andar. Alguns alunos cumprimentavam Arthur, ao que ele respondia com um sorriso e um aceno educado e simpático. Retirou um molho de chaves que estava preso em uma das divisórias de sua calça e introduziu uma das chaves na fechadura.
— Por algum motivo, Arnaldo quer reativar essa sala novamente. — Ele abriu a porta de uma só vez e abriu espaço para que eu entrasse primeiro — Por ora, faremos uma faxina. Depois irão me passar os próximos passos.
Olhei ao redor para a sala espaçosa e me espantei em como tudo ali parecia abandonado e sem vida. Um espelho enorme estava tampado e haviam vários armários de ferro com prateleiras abarrotadas de caixas de papelão. O chão parecia não ver uma vassoura há tempos e havia poeira por todos os cantos. As paredes estavam descascando e havia indícios de uma infiltração em uma parte do teto.
Arthur pegou os utensílios de limpeza que iríamos precisar e despejou um pouco de água sanitária em um balde que já tinha um pouco de água que ele mesmo havia enchido.
— Você vai limpar comigo?
— Vou. — Ele deu de ombros como se não se importasse em fazer o serviço. — É muita coisa para você fazer sozinha. — Ele arregaçou a manga da camisa social que vestia. Notei que ele estava com uma outra camiseta por baixo.
Arthur começou a varrer e lançou um sorriso para mim, indicando que não ligava. Eu fiz o mesmo que ele, concentrando-me em retirar o excesso de sujeira que jazia no chão daquela sala, retirando as diversas caixas de papelão que estavam espalhadas pelo chão e afastando os armários de ferro com a ajuda de Arthur para poder varrer tudo direito.
Limpamos tudo em silêncio por um bom tempo, até que Arthur retirou o celular do bolso e colocou uma música animada para tocar. Eu e ele nos entreolhamos e começamos a dançar de qualquer jeito ao mesmo tempo em que varríamos o chão.
Notei que meu professor parecia mais leve à medida em que ele relaxava e se descontraía, pois seu semblante já não estava mais carregado de irritação.
Usei o cabo da vassoura como o pedestal de um microfone imaginário enquanto dublava a música com fervor. Arthur riu da minha performance improvisada e fingiu que sua vassoura tinha se transformado em uma guitarra no solo de guitarra que existia na música.
Continuamos limpando o chão com empolgação quando decidi que iria tirar a poeira dos armários. Me abaixei com um pano molhado para tentar retirar uma mancha que havia em uma das prateleiras e ao me levantar, bati com a testa na quina do armário com tanta força que eu caí de bunda no chão.
Que desastre.
— Dianna, você está bem? — Arthur largou a vassoura de qualquer jeito no chão e correu ao meu encontro. Um filete de sangue escorria pela minha testa. Meu professor se abaixou, segurando meu queixo com uma mão e retirando uma das blusas que vestia para cobrir a minha testa e estancar o sangramento.
— Minha testa está latejando, mas acho que estou bem... — Levantei a mão para segurar a camisa dele e as nossas mãos se tocaram. Me assustei com o toque repentino e afastei a mão quase ao mesmo tempo que Arthur, fazendo a blusa manchada de sangue cair no meu colo. — Eu pego. — Levei a blusa à testa novamente, sentindo uma ardência suportável no local.
— Eu acho que tem um kit de primeiros socorros no banheiro. — Ele me colocou de pé e abriu uma porta que tinha ali dentro da sala e que eu desconhecia a existência até então. Ela estava escondida pelo biombo que tampava o espelho.
Entrei no banheiro e me sentei na pia de mármore enquanto Arthur, que estava de costas para mim, fuçava o armário em busca do kit de primeiros socorros que havia falado.
Não pude deixar de reparar na blusa fina que ele usava por debaixo da que estava em minha testa, porque ressaltava alguns músculos de seus braços e as veias do antebraço, além de revelar a parte de uma tatuagem que havia em suas costas.
Quando se virou de novo para mim, com a maleta de primeiros socorros em mãos, meu rosto estava quente e vermelho — e não era por causa do sangue que havia escorrido pela minha testa.
— Tem certeza de que você está bem? Me parece tensa.
— Eu tô ótima. — Abri um sorriso amarelo, totalmente sem jeito, com a sensação de que Arthur sabia exatamente o que se passava dentro da minha cabeça. — Quero dizer, tirando o fato de que eu quase estourei a minha cabeça em um armário assassino. — As palavras mal terminaram de sair da minha boca e eu tive vontade de me esconder de vergonha.
Arthur abriu a maleta, colocando-a ao meu lado na pia de mármore. Ele verificou a validade dos produtos que ali estavam e pegou um punhado de algodão, onde molhou com algo que eu sabia que iria arder muito.
— Eu falei com a Jane. Sobre a entrevista. — Ele retirou a blusa da minha testa de forma gentil e encostou o algodão delicadamente sob meu machucado. — Não foi legal a forma como ela conduziu a entrevista. Deu para ver seu desconforto lá.
— Obrigada... — Mordi o lábio para reprimir o gemido de dor que eu queria libertar. — Bom, eu não quero que pense que eu apoio essa fanfic que ela criou.
Por algum motivo muito estranho, estar tão próxima de Arthur fez o meu estômago se revirar de ansiedade e nervosismo. Meu coração batia de forma mais acelerada do que o normal, e eu tinha quase certeza de que ele não estava assim por conta do susto de ter batido a cabeça tão forte no armário.
Engoli em seco, encarando seus olhos tão límpidos perto do meu. Ele olhava para minha testa de forma concentrada e serena, e pressionava o algodão de forma delicada e gentil para que eu não sentisse arder muito.
— Tudo bem, relaxa.
— Aquela entrevista foi um verdadeiro fiasco. — Só de lembrar, eu já morria de vergonha.
— Acontece.
— Não com você. — Seus olhos se fixaram no meu rosto com curiosidade, e o nervosismo que se apossava do meu corpo só aumentou. — Quero dizer, você sempre foi muito bem articulado nas entrevistas. Não me lembro de ter visto você cometendo alguma gafe.
— Isso porque você não me viu no começo da carreira. Já perguntei à repórter que me entrevistava quantos meses de gravidez ela tinha, sendo que ela nem estava grávida. Meu pai teve que mexer uns pauzinhos para que eles cortassem aquela parte. — Gargalhei com vontade, e Arthur me acompanhou.
— Eu não imaginava que até você cometia essas gafes nas entrevistas.
— E eu não imaginava que você me acompanhava na mídia. — Fiquei séria de repente e ainda mais envergonhada do que antes. O algodão em minha testa ainda era pressionado, mas os olhos de Arthur estavam atentos ao meu rosto. O calor ali dentro era insuportável, e eu não sabia quanto daquilo era influenciado pelo clima.
— Como eu falei para a Jane, eu te admiro muito. — Ele abriu um sorriso. — A minha mãe também gostava muito do seu trabalho.
— Ah, obrigado. Fico feliz em saber disso.
Naquele momento, a temperatura subiu mais alguns graus quando eu notei que Arthur estudava o meu rosto com atenção e curiosidade. Engoli em seco mais uma vez, com um nó na garganta tão grande que achei que fosse impossível de conseguir desatar.
Como se tivesse saído do transe em que nos encontrávamos, meu professor retirou o algodão da minha testa.
— O sangramento parou. Não vai precisar de pontos, mas vou fazer um curativo. — Ele se voltou novamente para a maleta, onde pegou bandaid e um algodão limpo e continuou a limpar a ferida.
— Obrigada.
Meu professor pegou a camisa suja de sangue, abriu a torneira e molhou a parte que não estava suja de sangue. Fiquei sem entender quando ele começou a alisar meu rosto com ela.
— Seu rosto está um pouco sujo de sangue — explicou, quando viu meu rosto assustado. A verdade era que eu sentia um frio inexplicável na barriga.
— Ah...
— Acho que terminamos por hoje. — Arthur colocou o bandaid na minha testa — Amanhã terminaremos de passar um pano nesse chão e arrumaremos um pouco dessa bagunça, se der tempo.
— Tudo bem. — Desci da bancada e me encaminhei até a porta da saída do banheiro. — Obrigada pelo curativo.
— Tem certeza de que está bem?
— Sim, claro.
— Cuidado com os armários assassinos — brincou, me fazendo rir.
— Cuidado com as entrevistas embaraçosas.
— Pode deixar. — O encarei com um sorriso divertido no rosto, vendo que Arthur estava igualmente risonho. Me virei e saí da sala, sentindo-me estranhamente feliz pela primeira vez no dia.
[...]
Dor. Era isso o que eu sentia no momento. Minha unha do dedão do pé não parava de sangrar, mas eu não iria parar enquanto os passos não estivessem perfeitos. Na verdade, era para eu e o Diego estarmos treinando para a avaliação, mas ele estava bastante ocupado no momento lendo as falas do seu personagem para a peça que os professores do CBA estavam organizando.
Os testes haviam sido adiados por uns dias, e ontem, após a entrevista horrível que ainda era maldosamente citada toda a vez que eu passava, os professores anunciaram que iriam nos preparar para uma peça de teatro, bem como Arnaldo avisou que fariam. Eu tinha me esquecido completamente dessa peça. Eles alegaram que seria uma prévia do que é a Broadway e queriam ver se estávamos preparados.
O problema, é que eu não iria participar.
Arthur havia escalado o elenco principal e os figurantes naquele mesmo dia, e eu fiquei decepcionada por não ter sido uma das escolhidas. Aquilo me fez pensar que eu não era nem um pouco boa para estar ali ou até mesmo para chegar à final.
Enquanto muitos da minha turma haviam conseguido papéis brilhantes, o grupo excluído no qual eu começara a fazer parte iria ficar responsável pela iluminação e/ou sonoplastia da peça.
Eu tinha ficado por trás dos refletores. Literalmente.
Pessoas que eram mais desinteressadas do que eu haviam conseguido papéis de figurantes, e eu, não consegui nada.
Cada professor faria uma peça diferente com sua respectiva turma, e o roteiro bem como a história tinha sido redigido pelos próprios professores, e a de Arthur era simplesmente magnífica.
Ela falava de um anjo que tinha perdido sua melodia enquanto observava um humano no qual se apaixonara. Na busca pela sua canção, os dois acabam se encontrando e a história flui de uma forma apaixonante que me deixou completamente encantada.
Diego havia conseguido o papel principal, o do humano. Clara e Marlon também tinham papéis importantes em sua peça e eu, havia conseguido os refletores, mas teria que ficar por trás deles.
— Dianna, Diego pediu para avisar que está na hora do ensaio da peça. — Chamou Clara da porta do estúdio. Fiz questão de esconder a unha machucada com uma meia e me levantei.
— Tudo bem, estou indo.
Recolhi meus pertences e me dirigi até uma das salas de teatro que Arthur havia reservado para nossos ensaios. A maioria da turma já estava presente, e senti o olhar dele em cima de mim quando eu passei.
Eu não conseguia parar de pensar no dia anterior, onde Arthur me fizera aquele curativo na testa. Ainda não sabia bem por que eu me senti daquele jeito, mas desde ontem, toda a vez que eu penso ou vejo Arthur, eu me sinto como se fosse ter uma síncope.
Sentei-me ao lado de Diego, o protagonista. Ele me deu um sorriso e um beijo estalado na bochecha, bagunçando meu cabelo logo em seguida. Comecei a rir, dando um tapa em seu ombro, tentando não lembrar que dos meus amigos, eu era a única que não estava na peça.
— O pessoal da sonoplastia e iluminação pode vir até aqui, por favor — pediu Arthur. — O ensaio já vai começar, e vocês precisam estar em seus postos.
Me levantei junto com os outros encarregados da tarefa — chata — de cuidar dos refletores e do som e comecei a preparar os refletores que seriam usados no primeiro ato.
— Eu já vi várias criaturas magníficas ao longo dos anos. Anjos, Arcanjos... criaturas com um nível altíssimo de beleza, mas nada que se compare a você, humano — disse Ramona, a protagonista da peça. Ela parecia meio sem emoção e essa era um dos melhores diálogos da peça. Não tinha como fazer errado.
A luz que focava Diego e Ramona estava forte o bastante para deixá-los destacados no palco, e de onde eu estava, conseguia ver que Arthur estava completamente decepcionado — para não dizer palavra pior — com a atuação de Ramona.
As cenas em que ela dançava e cantava conseguiam ser melhores do que as que ela precisava atuar, e era óbvio que Arthur já havia percebido isso. Acho que até um leigo perceberia. Era totalmente estranho saber que Ramona ocupava uma das dez primeiras posições do ranking de desempenho com uma atuação ruim daquele jeito.
Nessa hora, Deborah apareceu no ensaio. Arthur não parecia muito contente com o progresso da peça e demonstrou alívio ao ver o Dragão Deborah por ali, o que eu também achei estranho.
Quem é que sente alívio ao ver a Deborah?
Ele se levantou, pedindo para que acendêssemos as luzes principais e foi até ela, que o entregou uns papéis e o puxou pelo braço para um canto da coxia.
Apoiei uma das mãos no ferro da parte superior do teatro e estiquei a cabeça para tentar espiar o que os dois poderiam estar fazendo ali. Claro que eu não obtive êxito, pois eu só conseguia ver metade do ombro dos dois.
A curiosidade de saber qual assunto poderiam estar tratando me consumiu de uma forma bem estranha. Tentei me esticar mais um pouquinho, mas me desequilibrei e fiz com que o refletor se espatifasse no chão com um barulho bem estrondoso.
Todos se voltaram para mim, espantados, e Arthur e Deborah logo entraram totalmente em meu campo de visão.
Claro que ninguém estava me olhando de forma agradável naquele momento.
— Dianna Smith, limpe essa bagunça, sua inútil! — Gritou Deborah, me olhando de modo hostil. Arregalei os olhos e mordi os lábios, sentindo que meus olhos começavam a lacrimejar. Andei com dificuldade quando senti a unha do dedão protestar, porém Arthur me segurou pelo braço quando passei por ele, me freando.
— Ei, não fale assim com a minha aluna. — Arthur lançou na direção de Deborah um olhar repreensivo. — Dianna, deixe isso aí. Vou pedir ajuda a Zilda e ao Saraiva.
Fiz que sim com a cabeça, tentando a todo o custo engolir o choro. Deborah, que não tinha gostado nada de ter sido repreendida, deixou a sala a passos firmes e irritados. Dava para ver o quão insatisfeita ela se encontrava naquele momento e aquilo fez com que eu me sentisse completamente plena e satisfeita.
Arthur saiu da sala para pedir ajuda aos funcionários do time da limpeza. Encarei os cacos do refletor quebrado, aliviada por não ter machucado ninguém.
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