Capítulo 12 - A Sombra

— Quem vocês acham que vai ser entrevistado primeiro? — Clara fez um rabo de cavalo nos fios ruivos e se curvou sob a plataforma da entrada do CBA para esticar a coluna.

— Não sei, queria que fosse eu. — Marlon suspirou alto. — Mas acho difícil que me escolham de primeira. Estou começando a achar que sou bom demais para essa escola.

— Ouvi dizer que a escolha vai ser feita por sorteio. — Diego coçou a testa e se curvou ao lado de Clara na plataforma. Alguns garotos que passavam deram uma boa olhada na bunda de Clara e quase deram de cara em um dos murais de avisos.

— Pior ainda! — Marlon estrilou, arregalando os olhos de forma teatral. — Nunca ganhei nem uma pulseira em uma rifa, quem dirá um sorteio desses!

O motivo do alvoroço de Marlon se devia ao fato de que o CBA anunciou naquele dia que iria fazer uma entrevista com os alunos que seria transmitida em rede nacional. Eles iriam selecionar três participantes por semana — ou mês, ainda não sei ao certo — para uma entrevista coletiva afim de que os telespectadores nos conheçam melhor.

Me dava um frio na barriga só de pensar na possibilidade de passar por isso, pois eu morro de medo de acabar falando alguma besteira influenciada pelo nervosismo e acabar sendo cancelada na internet.

Sem contar que a minha experiência com entrevistas não é muito legal, levando em conta tudo o que ocorreu com o professor Arthur no dia que Barbara postou uma foto nossa muito comprometedora na internet, com uma legenda mais comprometedora ainda. Tudo bem, eu não tinha falado mais do que meia dúzia de palavras, mas eu ainda não havia me acostumado com aquelas câmeras em cima de mim.

A única coisa boa naquela história toda é que eu provavelmente não serei entrevistada. Existem muitos concorrentes talentosos que se destacaram demais nas apresentações, e se eles forem sortear mesmo, as chances de que eu seja uma das três selecionadas é mínima. Se eu fosse boa em matemática, com certeza calcularia a probabilidade exata de algo assim acontecer, no entanto, não é preciso ser um gênio para saber que as chances de eu ser entrevistada agora são quase nulas.

— Acho que o resultado da avaliação de canto já saiu. — Vi um grupinho que estava um pouco à nossa frente correndo para o mural de avisos do corredor adjacente. Aquela comoção toda não devia ser por alguma coisa boba.

Eu e meus amigos seguimos o grupinho como se estivéssemos prestes a tirar nossos pais da forca.

Porém, quando estávamos prestes a chegar, Clara deu um esbarrão no professor Leandro, que teve que segurá-la para que ela não caísse em cima dele.

— Me desculpe. — Era a primeira vez que eu via Clara com vergonha de alguma coisa. Com as mãos enroscadas na nuca do professor, notei que suas bochechas estavam tão vermelhas quanto a cor do seu cabelo. Leandro também parecia constrangido e meio afetado por aquela proximidade.

— Tudo bem, senhorita Vasconcelos, não se preocupe. — Ela retirou as mãos de cima dele e sorriu. Parece que o sorriso de minha amiga surtiu algum efeito, pois Leandro ficou encarando o rosto dela de uma forma meio engraçada. — Eu... preciso ir. Os resultados já foram lançados no mural. Podem ir lá conferir. — Leandro disse, recomposto, dando um sorriso meio envergonhado. Nós assentimos, e meu coração acelerou com o nervosismo que senti quando ele falou que os resultados já haviam sido divulgados.

Eu e Clara praticamente corremos, e encontramos com Marlon e Diego, que estavam irritados pela aglomeração que estava na frente do mural onde os resultados haviam sido pregados.

— O pessoal vê a nota e fica tampando o mural! — reclamou Marlon, berrando para quem quisesse ouvir. — Ei, tem gente querendo ver o resultado, caramba! Se vocês já viram, saiam do caminho, seus idiotas!

Algumas pessoas olharam feio para Marlon, enquanto eu, Clara e Diego prendíamos a risada. Por sorte, os gritos de Marlon foram suficientes para que alguns dos estudantes amontoados na frente do mural de avisos nos dessem licença.

Me dirigi até a folha da turma do Arthur com as mãos trêmulas e procurei pelo meu nome naquela lista imensa.

Quase gritei de alívio quando vi que havia sido aprovada, mas fiquei meio para baixo quando vi que eu estava em 42° lugar no ranking de sua equipe em relação ao desempenho.

Como não havia feito a apresentação de dança quando era para eu ter feito, os professores tiveram que descontar alguns pontos. Eles queriam ser justos, mas na verdade, não foram. Se quisessem mesmo justiça, falariam para o diretor sobre a Deborah. Se eu falasse algo, ninguém acreditaria em mim, mas o Arthur é filho do dono dessa escola e a sua opinião conta muito.

De qualquer forma, não adiantava mais chorar pelo leite derramado. O importante é que eu havia sido aprovada.

Muitos concorrentes começaram a chorar, principalmente os que não haviam sido aprovados, ou os que não estavam satisfeitos com suas colocações no ranking de desempenho. Confesso que eu também não estava muito feliz, e comecei a me perguntar se o palco era realmente o meu lugar, e se o CBA iria mesmo me ajudar a realizar os meus sonhos.

Existia uma infinidade de pessoas mais talentosas do que eu nesse lugar. Talvez eu não seja o que eles estão procurando. Talvez o pouco talento que eu tenho não seja suficiente para conseguir um pequeno espaço naquele imenso palco.

— E aí, amiga, você passou? — perguntou Clara para mim.

— Sim, e vocês?

— Passamos também! — responderam meus amigos em uníssono.

Sustentei meu sorriso de falsa empolgação por um tempo maior do que eu esperava conseguir. Minha alegria para com os meus amigos era real, eu realmente estava feliz que todos nós havíamos passado, mas a decepção que senti ao ver que eu estava tão embaixo no ranking de desempenho me fez ver que eu precisava me esforçar mais.

— Gente, depois eu encontro vocês. Vou fazer algumas coisas. — Meus amigos continuaram olhando os resultados dos rankings de desempenho, distraídos, e eu me dirigi até o meu alojamento. Coloquei um collant, meia e sapatilha e levei meu celular para a secretaria, onde reservei um dos estúdios de dança para treinar.

Hoje os professores tinham nos dado o dia livre por conta do resultado das avaliações. Muitas pessoas foram eliminadas hoje e teriam que deixar à escola, então as coisas só voltariam ao normal amanhã.

Abri a porta do estúdio de dança que eu reservei, calcei as sapatilhas e coloquei uma música para tocar enquanto prendia o meu cabelo.

O teatro e o canto sempre foram as coisas que eu mais dominava, apesar de eu não ser perfeita em nenhum dos dois — e eu sabia que nunca seria — mas a minha relação com a dança, para mim, sempre foi de amor e ódio.

Comecei a me aquecer e logo depois treinei bastante na barra. Fiquei tanto tempo treinando que nem percebi a hora passar. Minha testa pingava suor, e eu senti que a exaustão já começava a me dominar.

Me joguei no chão do estúdio e fiquei ali, respirando fundo. O teto do CBA era bem branquinho, e eu notei que a lâmpada daquela sala estava prestes a queimar, pois a luz piscava algumas vezes. Se eu tivesse medo de filmes de terror, com certeza me imaginaria em um naquele instante.

Sempre gostei de imaginar histórias na minha mente, mas desde que eu vim para o CBA, eu não tinha imaginado nada. Acho que a pressão constante desse lugar me impedia de sonhar acordada, mas ali deitada, com uma das minhas músicas favoritas tocando, foi quase impossível não pensar em alguma coisa. Fechei os olhos e a primeira coisa que vi foi o rosto do professor Arthur. Abri os olhos, assustada...

E encontrei o professor Arthur parado no batente da porta me chamando.

— Você me assustou! — Coloquei a mão no coração e me sentei, sentindo-o bater acelerado dentro do meu peito. Acho que no fim das contas eu tinha um pouco de medo dos filmes de terror.

— Você está aí há mais de cinco horas. — Arregalei os olhos, chocada. — Está na hora de fechar o estúdio.

— Acho que perdi a noção do tempo. — Olhei a hora no celular e vi que já estava quase anoitecendo. Caramba, eu estive tão imersa em mim mesma e nas minhas cobranças internas que me esqueci de tudo.

Me levantei e comecei a guardar as minhas coisas sob o olhar observador de Arthur. Quando me aproximei dele para sair do estúdio, Arthur me fez parar.

— Você está certa em treinar, só tome cuidado para não acabar exagerando. Aquele ranking não define o talento de ninguém, você sim. Treine com sabedoria e moderação. — Fiz que sim com a cabeça, ainda sentindo-me surpresa por ter me deixado levar pela minha própria cobrança.

Arthur realmente estava certo. Como sempre.

Senti meu celular vibrar e percebi que o wifi da escola estava finalmente funcionando bem. Quase caí para trás quando vi a quantidade de menções e seguidores que eu havia conseguido. Eu tinha cerca de 90 seguidores no Twitter, e agora, mais de 1.500 pessoas me seguiam.

Respondi algumas pessoas carinhosas que já se nomeavam meus fãs, e vi alguns vídeos meus dançando que vazaram na internet. A maioria era de antes de eu entrar no CBA, mas havia um em especial, aquele que eu tropeço na aula de Arthur, que também é muito popular.

Decidi dar atenção ao meu Facebook e aceitei a solicitação de amizade do meu pai, já que ele não tinha Facebook antes de eu entrar no CBA. Depois, curti o meu fã-clube, que já tinha muitas curtidas também. Meus olhos se encheram de lágrimas quando vi Lucy, papai e Cass tão empenhados em divulgar a minha participação no concurso em suas respectivas redes sociais.

Enquanto conversava com Cass pelo Whatsapp e respondia as mensagens do grupo que meus amigos do CBA tinham feito, — eles estavam preocupados com o meu sumiço — eu vi Deborah do outro lado do corredor me encarando. A professora me olhava de um jeito tão raivoso que eu quase me encolhi quando passei por ela.

Por mais que eu tentasse, não conseguia pensar em nenhum motivo que pudesse explicar a implicância absurda que aquela mulher tinha comigo. Não podia ser só por conta daquele incidente com o café do primeiro dia, tinha que ser algo mais, só não sabia o que.

Cheguei ao meu alojamento ainda pensando em Deborah e encontrei Clara e Barbara, cada uma deitada em sua respectiva cama, mexendo em seus celulares. O wifi do colégio realmente estava funcionando bem e todos resolveram aproveitar.

Falei com Clara e fui tomar um banho, pois eu estava muito suada. O verão do Rio de Janeiro era superior ao de São Paulo, e eu ainda estava me acostumando com o calor em excesso. Os alojamentos não dispunham de ar condicionado como os estúdios e as salas de aula, somente de ventiladores de teto.

Tomei uma ducha gelada que relaxou todos os meus músculos e me fez sentir o cansaço do treino excessivo de mais cedo. Eu não pretendia treinar tanto, mas a minha mente só pensava na minha colocação no ranking. Por sorte, Arthur me alertou. Eu não devia exagerar tanto.

Fechei o registro do chuveiro, me enxuguei e vesti uma roupa fresca e confortável. Meu estômago roncou, mas só de pensar em sair daquele alojamento o meu corpo já reclamava. A comida teria que esperar até o dia seguinte.

Me deitei e fiquei trocando mensagens com Clara por Whatsapp, já que Barbara estava ali e segundo a ruiva a energia ficava muito pesada na presença da loira. Também era meio chato conversar perto de Barbara pois ela sempre dava um jeito de ser inconveniente e implicante.

O cansaço me venceu não muito tempo depois que me deitei em minha cama.

Acordei no meio da madrugada com a barriga roncando de fome. Fiz de tudo para voltar a dormir, mas a minha barriga parecia um motor de carro problemático. Levantei-me da cama e meus pés logo se chocaram contra o chão frio. Saí do quarto de fininho e me dirigi até o refeitório do CBA na esperança de que conseguiria encontrar alguma coisa para comer.

A escuridão e o silêncio eram as minhas únicas companhias, e além da lanterna do celular, eu me guiava pelas luzes de emergência em neon que estavam pregadas em ambos os lados das paredes do colégio. Desci às escadas em direção ao refeitório, pensando em como a escola parecia sombria e assustadora à noite.

A frustração tomou conta de mim quando cheguei ao refeitório e vi que as portas estavam trancadas. Minha barriga roncou ainda mais alto, como se estivesse me culpando por ter deixado o cansaço vencer a fome. Dei meia volta, sentindo a frustração me dominar e ouvi um barulho atrás de mim. Virei para trás, com medo de que fosse algum zelador, mas não vi nada de anormal. Uma das luzes de emergência piscava de forma frequente, indicando que não demoraria muito para queimar e havia uma vassoura apoiada de qualquer jeito em um canto.

Também avistei a sombra de uma pessoa escondida no vão entre a porta do refeitório e a parede.

Dei um passo para trás, nervosa. A pessoa saiu das sombras e eu só consegui ver a sua silhueta, mas eu duvidava que fosse o zelador pelo moletom preto e o capuz em sua cabeça. Comecei a correr pelo corredor e logo me joguei em direção às escadas, mesmo sem saber direito o que estava acontecendo.

Ouvi a porta da escada de emergência bater e entendi que o meu perseguidor tinha acabado de entrar pelo mesmo lugar que eu. A adrenalina da corrida não me fez sentir o cansaço do exercício forçado de subir aquele lance de escadas, e eu me joguei de forma esbaforida em direção a porta vermelha da saída de emergência, que me levaria de volta até o andar dos alojamentos. A porta abria para o mesmo lado que eu e tive que jogar meu corpo para trás para poder abri-la. Meu coração disparou quando vi que meu perseguidor estava prestes a me alcançar e me lancei com tudo para fora dali.

Só que não foi suficiente.

A mão da pessoa chegou a se arrastar pelo meu pulso, no entanto, eu fui mais rápida e me desvencilhei antes que ele conseguisse me agarrar e me puxar.

Um leve alívio preencheu meu peito quando eu vi que tinha conseguido me desvencilhar do meu perseguidor e trombei com o zelador, que andava distraído com uma lanterna na mão.

— Você não deveria estar aqui, mocinha. — repreendeu-me, e eu percebi que quem quer que estivesse me seguindo tinha sumido.

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