Capítulo 11 - Humanidade

Eu estava muito feliz. A apresentação de canto foi melhor do que eu tinha imaginado e os professores me parabenizaram assim que terminei de cantar, inclusive o Arthur. Deborah foi a única que ficou enfurecida e não disse nada, mas eu já imaginava que isso aconteceria.

Depois da minha apresentação, ainda haviam algumas pessoas para se apresentar, e Barbara era uma delas. Apesar de ter feito uma ótima apresentação, vi que Barbara entrou na sala em que estávamos chorando. Ninguém pensou em ir até ela consolá-la. Nem mesmo as suas "amigas".

Pensei em ir falar com ela, mas assim que fiz menção de me levantar, os professores surgiram em meu campo de visão.

— Nós ficamos muito contentes em ver o desempenho de vocês no palco. Parabéns, guerreiros, vocês estão no caminho certo. — Leandro demonstrava claramente a sua animação em relação às nossas apresentações. Todos nós começamos a gritar e aplaudir ao mesmo tempo.

— Mas, vocês ainda tem muito pela frente e o resultado desse teste só sairá depois de amanhã. — Tony completou, dando risada quando alguns alunos protestaram choramingando.

— Portanto, aconselho vocês a aproveitarem o dia de amanhã. Vocês ainda não possuem permissão para sair, mas aproveitem para descansar um pouco. Eu sei como a tensão de um teste pode ser fatal algumas vezes. — Bruno estava tão descontraído que acabou fazendo com que todos nós déssemos risada.

— Boa sorte, pessoal! — exclamou Arthur, animado.

— Alguns vão precisar — completou Deborah, rindo de forma maldosa.

Saímos da sala na mesma hora, sentindo a tensão da apresentação se evaporando aos poucos. Clara abraçou-me pelos ombros e Marlon e Diego vieram para o nosso lado.

— Vocês foram muito bem. — Diego se referiu a nós três e nossas apresentações. Não conseguimos ver, mas ouvimos claramente cada um que passou por aquele palco hoje.

— Você também — Eu, Clara e Marlon respondemos juntos e começamos a rir.

— Galera, eu preciso ir. Vou dar uns telefonemas — Diego acenou, já se afastando.

— Eu também vou nessa, vou para a sala de informática entrar na internet e ver as novidades. — Marlon deu um beijo na minha bochecha e percebi uma agitação em Clara no mesmo instante.

— Acho que eu vou com você. — O brilho nos olhos de Clara me dizia que ela gostaria de ter tido aquela ideia antes. Ela me olhou como se perguntasse se eu iria junto. 

Por mais que eu quisesse ver o que estavam falando na internet sobre o concurso e o fã-clube que a Cass e os moradores do meu bairro haviam criado, eu ainda não me sentia preparada para aquilo. Saber que eu agora era famosa me deixava com o estômago embrulhado, principalmente depois que aquela foto minha com o Arthur vazou e as especulações maldosas começaram.

— Eu vou andar por aí. 

Clara assentiu com a cabeça, acenando antes de seguir Marlon pelo corredor. Caminhei um pouco sem rumo e ouvi gemidos e soluços em algum lugar próximo a mim. A princípio, pensei que fosse coisa da minha cabeça, pois o barulho tinha cessado, mas os soluços e gemidos logo voltaram e eu percebi que alguém estava chorando bastante.

Me deparei com Barbara sentada no chão, com as mãos cobrindo o rosto. Ela chorava como se alguma coisa muito ruim tivesse acontecido.

— Barbara, você está bem? — perguntei, me aproximando dela a passos hesitantes.

— Não, vai embora! — Ela gritou, ainda com o rosto coberto.

— O que aconteceu?

— Por que você quer saber? Para debochar de mim? — Barbara tirou as mãos do rosto e me olhou com raiva. Seu rosto estava todo borrado de maquiagem e molhado pelas lágrimas.

— Não, quem tem feito isso ultimamente é você. — Barbara se enfureceu ainda mais com a minha resposta.

— Você acha que sabe tudo só porque os professores te idolatram, mas esse papinho de menina boazinha não me engana! — exclamou, enxugando as lágrimas do rosto de modo irritado. Eu a olhei sem entender do que ela estava falando.

— De onde foi que você tirou que os professores me idolatram? Eu não me faço de menina boazinha. 

— Claro que faz! Você adora se fazer de vítima. Mas não se engane se pensa que vai ganhar o concurso. No final, você vai voltar a ser a orfã de mãe fracassada que sempre foi. Você é tão sem brilho que chega a me dar ânsia de vômito. — A mágoa que eu senti com suas palavras foi tão forte que eu senti vontade de chorar. Eu só queria ajudá-la, mas Barbara era o tipo de pessoa que preferia afastar as pessoas de si mesma para que ninguém nunca pudesse alcançá-la.

— E você é tão fútil e invejosa que vai acabar sozinha e sem amigos. — A olhei com desprezo antes de deixá-la sozinha e sem palavras.

Saí correndo, sentindo muita vontade de chorar. Como uma pessoa como a Barbara conseguia ser tão cruel? Será que ela não entendia que eu realmente sentia falta da minha mãe? Será que ela tinha ideia do quão horrível era não ter a minha mãe por perto?

Fui parar na escadaria escura do prédio do CBA. Ali eu fiquei, com o queixo apoiado no meu joelho, sentindo que algumas lágrimas já escorriam pelo meu rosto.

Ouvi passos se aproximando de mim, mas não tive forças de me levantar e me esconder. Senti que alguém se sentava ao meu lado na escadaria e nem me abalei quando vi que era Arthur que havia se sentado ao meu lado.

— Acho que roubaram a minha ideia. — Arthur disse de repente, dando um sorriso de lado. Eu o olhei de relance, não me importando nem um pouco com o fato de que eu estava chorando em sua frente. Acho que dava para perceber que meus olhos estavam marejados, porém, eu não ligava.

— Eu queria ir para um lugar onde eu não fosse capaz de sentir emoções. — Eu disse subitamente, incapaz de impedir que as palavras escapassem de minha boca. Sempre que eu me lembrava de minha mãe, era como se desencadeasse uma série de emoções diferentes dentro de mim e eu sentia que o chão abaixo dos meus pés fosse sumir e o mundo inteiro desabar. Por mais que ela tivesse morrido há 2 anos, para mim, era como se ontem eu tivesse recebido a ligação de seu falecimento.

— Essa seria uma válvula de escape excelente. — Arthur suspirou de modo contemplativo, olhando para algo distante, algo que ultrapassava aquelas paredes. Talvez ele estivesse se sentindo do mesmo jeito que eu, só que por algum motivo diferente.

Ficamos em silêncio por um tempo que me pareceu infinito, e eu nem considerei estranho o fato de que era Arthur ali do meu lado. Arthur, a celebridade do mundo artístico. Arthur, meu professor.

— Bom, infelizmente não estamos numa droga de seriado. Nessas horas eu queria ser uma vampira para desligar a minha humanidade. — Pensei em todos os personagens de Diários de um Vampiro que não perderam a oportunidade de desligar a humanidade só para pararem de sofrer. 

— O mundo já está cheio de gente desumana, Dianna. — Notei um tom de amargura na voz de Arthur. — As pessoas são tão cruéis que nem precisam ser vampiras para sabermos que desligaram a humanidade.

Arthur realmente estava certo. Eu me encontrava tão transtornada com as palavras de Barbara sobre a minha mãe que me foquei na dor que eu sentia e me esqueci do resto. Se eu fosse uma pessoa sem humanidade como as milhares que já existem no mundo, eu não faria mal só aos outros, também faria mal a mim mesma. 

 — Eu não tinha pensado sob essa perspectiva.

— Vou ter que voltar para o trabalho. — Arthur virou o rosto para mim e eu vi que seus olhos, apesar da tristeza, eram os mais doces que eu já vi. 

— Você vai ficar bem?— Sim, eu vou. Ou pelo menos eu achava que ficaria. Arthur me deu um meio sorriso, se levantou com agilidade e saiu. Fiquei observando-o até que ele sumisse do meu campo de visão e mais uma vez pensei nos vampiros.

Desligar a humanidade estava realmente fora de cogitação.

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