06
— Eu não vou passar por essa humilhação. — Balançou sua cabeça negativamente algumas vezes, enquanto seus dedos se apressaram para discar qualquer número dos seus contatos que o poderia ajudar a sair dessa. — Ah, mas eu não vou mesmo.
Sem sinal. Óbvio.
— Se eu fosse você, parava de tentar medir esforços. — Hyunjin disse simples, erguendo seus braços e colocando uma blusa preta, como se aquele fosse apenas mais um cenário completamente normal de sua vida. Felix gostaria de esmagar seu rosto apenas por existir. — Já passou do horário escolar, não tem ninguém aqui perto. Falando nisso, o quê que você tá fazendo aqui?
— Pra ver você que não é. — Ergueu suas sobrancelhas, ainda olhando para o aparelho em suas mãos. — Esse muquifo de lugar não tem sinal e nem internet?
— É um vestiário, você esperava o que? Porno gratis?
— Você é nojento.
Felix poderia facilmente entrar na lista das pessoas mais azaradas do mundo, entrando na categoria "preso com pessoas incrivelmente insuportáveis e desgracentas" com muita glória e vitória. Talvez fosse ele pagando pelos próprios pecados, seria mesmo o Karma existente? Ou Deus resolveu o castigar por seus erros? Não, Deus teria muito mais a se preocupar agora. Mas Felix nem sequer acreditava nele mesmo, que diferença poderia fazer.
Ou talvez o universo goste da ideia de o fazer trombar com Hyunjin por aí.
Acampamento escolar dos Beersby, sétimo ano, gincana de times, 2019. Vermelho contra azul, duas cabanas inimigas, sendo uma do sétimo e a outra do oitavo. O combo perfeito para a infelicidade de Felix. Presos temporariamente em uma cabana abandonada e distante das demais por descumprimento das regras, depois de Hyunjin bolar um plano "infalível" que consistia basicamente em inundar a cabana vermelha com os demais estudantes dormindo lá dentro.
E Felix, como um bom leonino, deu o troco. Fogo. Pulou uma das janelas quando escutou a risada de Hyunjin e outros alunos do lado de fora da cabana e água entrando por uma fresta entre os grandes troncos de árvore, e então foi o suficiente para o fazer disso uma competição nata, e Lee não sabia o que era perder. Atiçou fogo lá dentro. Uma pena não ter queimado tanto, já que os gritos e a cor quente acordaram os inspetores e a direção.
Hoje Felix percebe como suas ações foram impensadas e imaturas, mas não faria nada diferente.
Passeio escolar de visita até o Metropolitan Museum of Art de Nova York, oitavo ano, dois dias fora. A esse ponto já eram inimigos, o acampamento não tinha sido o pequeno desentendimento deles. Claro que, presos na mesma cabana por semanas também gerou muitas brigas, porém tudo começou bem antes, com pequenas brigas escolares até esse passeio. O dia estava tão lindo! Um verão adorável, o sol escaldante nem tanto, porém um dia perfeito para ser estragado. Quem gostaria de ficar dois dias seguidos olhando para quadros e esculturas de sei lá quantos anos, que valem uma fortuna e depois fazer um trabalho enorme sobre eles apenas para dez pontos? Pregar uma peça parecia muito mais interessante.
Foram precisos doze rolos de papel higiênico (todos que conseguiu pegar nos banheiros) e alguns jatos de água para que chovesse no museu. Bolinhas pequenas que fazemos com papel e água e grudamos no teto do banheiro, sabe? Algumas esculturas também receberam a maravilhosa experiência de serem enfeitadas com tiras de papel; algumas na boca, outras pelo corpo. Hyunjin estava fazendo uma verdadeira obra de arte, digna de museu.
Até o museu virar uma completa bagunça quando Felix se juntou à ele e uma guerra de papel se iniciou e em alguns instantes todos os alunos presentes estavam trazendo o caos à terra. E então tiveram a infelicidade de ter o segundo dia cancelado – assim como os outros passeios marcados para o ano, um grande pedido de desculpas para a gestão do museu e ao todo seis horas de incansáveis de limpeza. Juntos.
Brigas escolares, farpas, tudo era diário para eles mesmos, os professores e diretores e também para os alunos, que adoravam especular e assistir as próximas atrocidades que a dupla problema faria. Até o começo de 2023, quando tudo se acalmou e cada um se virou para algum canto da escola.
Nos primeiros dias, todos ainda esperavam por um novo escândalo. Até mesmo os envolvidos ficavam atentos para caso o outro atacasse do nada – talvez, com o decorrer dos dias, sentissem uma mudança estranha. Lembrando do fato que na maioria das vezes cada um estava pensando em um jeito de acabar com o outro, e na outra metade do tempo fazendo discursos para seus amigos de como se odiavam, não foi estranho apenas para eles.
E ninguém sabia o motivo da trégua. Nem eles mesmos.
— Dá pra calar a porra da boca e tentar achar um jeito de sair daqui?
Foi dito pelo mais novo após alguns minutos torturantes de provocações e frases desconexas vindo de Hyunjin. Não é como se Felix fosse alguém religioso, que tem esperanças fundadas em fé, mas a dúvida o fazia ter a proeza de rezar para qualquer deus existente e materializar aquela fé inexistente que por algum motivo ele ainda tentava acreditar.
— Na verdade eu não tenho muito o que fazer hoje não, então tanto faz. Talvez mais tarde o treinador venha comer alguma aluna, sei lá. — Hyunjin se sentou em um dos bancos compridos e azuis do vestiário, deixando suas pernas largadas e seu corpo relaxado encostado na parede. Uma de suas mãos foi até o cabelo comprido de sua cabeça, levando o comprimento para trás como se ele não fosse voltar logo em seguida para o mesmo lugar.
— Pois eu tenho uma festa para ir, e eu não pretendo perdê-la pra ficar aqui preso com você.
— Jackson te convidou?
Ele riu. — Claro que sim.
— Não sabia que você curtia esse tipo de coisa.
— Como se você soubesse alguma coisa sobre mim.
Agora foi a vez de Hyunjin rir. — Eu sei muito sobre você.
( . . . )
— Me desculpa a demora, amor.
Jisung disse ao abrir a porta do Hyundai Tucson preto, e se sentar no banco da frente, que o aguardava na porta da escola fazia alguns minutos. Seus lábios se juntaram rapidamente em um selinho com os do loiro. — Trouxe chocolate pra ti.
MinHo sorriu e pegou a embalagem vermelha em suas mãos, deixando um beijo de agradecimento nos lábios gordinhos do namorado. — Eai, conseguiu?
— Aham! — exclamou enquanto arrumava sua mochila em seus pés. — fiquei pra escutar um pouco, Felix ficou meio desesperado.
Ele riu.
— Eles tem um passado. — Puxou o cinto e o prendeu na caixinha, sem olhar para baixo. — Me surpreendo eles não terem quebrado a porta no mesmo instante.
— Felix não tem essa força toda — segurou uma risada — Talvez Hyunjin. Mas ele é muito molenga pra isso. Pode me deixar no trabalho hoje, min? Tenho que fazer hora extra essa semana.
( . . . )
O tempo foi se esvaindo assim como a conversa de ambos, que ficaram apenas por suspiros e o barulho que seus próprios movimentos. — Talvez eu saiba um jeito de sair daqui.
— E você só fala agora?
Se indignou.
— Fica quieto e vem logo porra.
Hyunjin disse quando se levantou e começou a andar pelo vestiário, indo para a parte dos chuveiros, que ficava mais adentro. Logo ao lado da última cabine – que poderia facilmente ser o cenário de morte de alguém em um filme porque ninguém usava – eles entraram numa porta onde ficavam vassouras, baldes, panos, tudo o que deveria ser usado para a limpeza dos chuveiros. — Aqui.
A pequena sala tinha pouca iluminação e fedia mais que o vestiário todo. Era meio abafado e tinha claros sinais de infiltração nas paredes, assim como algum tipo de musgo ou rachadura. Quantos fungos alguém aspiraria se ficasse mais de dez minutos ali? Apenas pelo pensamento Felix não cogitou encostar em nada, imagine cogumelos crescendo em seu pulmão. Que nojo!
— Espera, você acha que eu vou entrar ali?
— É a única forma.
Uma janelinha de metal que se parecia muito com um duto de ventilação. Isso explicaria muito o cheiro ruim e a umidade, esse tubo deveria estar desativado a muito tempo. Seus parafusos estavam enferrujados e podia ver algumas teias de aranha também. — O antigo treinador prendia a gente aqui quando perdíamos um jogo muito feio, acho que eu tinha uns onze anos, por aí.
— Como eu era magrelo e não tinha essas belezinhas aqui — Subiu a barra larga de sua blusa e mostrou os músculos que se definiam ali, com um orgulho que Felix achou que iria vomitar. — Eu saía por aí.
— Eu não passo por aí nem fudendo. Meu quadril é largo.
Mentira; Lee só estava com medo de encontrar um rato morto, ou pior, um corpo lá dentro. Ele não se admiraria de encontrar alguém sem vida ali, sua escola tinha um longo histórico de coisas estranhas e bizarras, tipo a cabeça de um veado na diretoria.
Hyunjin se aproximou e colocou suas mãos no quadril do australiano, que supostamente seria a parte mais larga de seu corpo, e as levantou, como se tivesse tirado a medida correta de seu quadril. Felix murmurou um xingamento, não entendendo a onde o moreno queria chegar. Ele então comparou os tamanhos, e mesmo que talvez ele tenha perdido um pouco a medida, ainda sim o quadril de Felix passaria tranquilamente.
— Viu?
— Eu te odeio.
— Saiba que esse sentimento é recíproco. — Ele sorriu cínico, olhando ao redor em busca de uma chave ou qualquer coisa que o ajudasse a desparafusar os parafusos e então Felix conseguir entrar. Ao contrário de Hyunjin, o australiano tentou desenroscar os parafusos com os próprios dedos, o que funcionou nos dois primeiros, já que eles estavam tão velhos que pareciam se esfarelar em seus dedos.
— Vai pegar tétano desse jeito.
Escutou de fundo. — Cala a boca.
— Vem calar. — Riu.
E então Hyunjin encontrou a maldita chave que usava quando menor, escondida entre a fenda do armário de ferro e a parede esverdeada. A fez girar no ar em uma mão, sorrindo, e interviu no que Felix fazia para desparafusar do jeito certo. Jogou o metal velho no chão, tal ação que fez um certo barulho, mas estavam apenas os dois, então isso não importava muito.
— Você vai entrar lá e virar duas direitas, se for para a esquerda vai dar de cara com uma lâmina. Depois uma esquerda e outra direita e ponto, vai sair nas arquibancadas. Depois volta aqui e abre a porta pelo lado de fora. Ou pede ajuda, sei lá.
— Tá, tá bom.
Ele disse e então Hyunjin se aproximou por trás.
— O que diabos você pensa que tá fazendo?
— Te ajudando a subir?
— Não preciso da sua ajuda.
— E você vai entrar lá como? Subindo no balde?
Ele estava certo, e Felix odiava concordar com isso. A altura de Felix não era das mais vantajosas nesses momentos, e o balde não ajudaria muito.
— Tá! Fodasse.
O Hwang riu, flexionando seus joelhos para conseguir levantar Felix e o ajudar a chegar na tubulação. O ergueu segurando um pouco abaixo do quadril, o suficiente para que Felix conseguisse se apoiar e se empurrar para dentro, o que funcionou muito bem. Quando a maioria de seu corpo já estava dentro da tubulação, Hyunjin empurrou suas pernas para que ele pudesse conseguir impulso e se locomover melhor lá dentro, o que recebeu como resposta um xingamento.
O australiano poderia afirmar que não era nem um pouco fácil se arrastar ali, considerando que além desse esforço, ele ainda precisava se atentar às teias de aranha e insetos que encontrou no meio do caminho. Seguiu o caminho que o moreno tinha dito e encontrou o lugar que deveria sair com facilidade. Claro que estranhou, já conhecendo Hyunjin. Mas agora a saída de Hyunjin dependia apenas de Felix, e isso torna tudo mais divertido.
Entretanto, a saída do duto estava fechada, como já era de se esperar. Felix não poderia chutar estando na posição que estava, então teve que voltar um pouco para uma das encruzilhadas e virar seu corpo, para que então conseguisse chutar o metal. E assim fez.
A mini porta saiu voando em um estrondo depois que as pernas de Felix se flexionaram e empurraram-a com toda força. Ele empurrou seu corpo devagar para baixo, caindo de uma distância pequena em cima das arquibancadas de concreto. Feliz e com muito nojo, ele bate em suas vestes, tentando tirar a poeira e qualquer vestígio daquele lugar apertado e imundo que tinha passado. Desceu as demais arquibancadas.
Andando vitorioso pelo ginásio vazio, seus passos ecoavam até a porta azul escuro do vestiário, onde deu algumas batidas e logo a voz abafada de Hyunjin pode ser ouvida. — Abre logo, Lee!
— E se eu não quiser?
Felix pode ouvir sua risada amarga. — Eu faço você se arrepender assim que sair daqui. E pode apostar, eu vou.
— Hm.. — Bateu a ponta de seu pé direito no chão algumas vezes. — Não me pareceu convincente… Boa sorte se acostumando com a umidade, Hwang!
Sorriu travesso quando Hyunjin começou a bater do outro lado da porta e proferir inúmeros xingamentos para Felix, até que algo em específico o fez parar dois passos depois que se afastou da porta.
— Espera! — disse. — Eu faço você sair com Jackson.
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