Segredos e uma lenda ღ Capítulo 23

Na porta da escola do Bruno se escondendo da chuva, Dani aguardava sua saída pela primeira vez. Ela nunca tinha feito aquilo, mas estava feliz em começar a colocar em pratica algumas coisas que só via em seus livros de romance, mas sem o exagero, claro. O garoto passou a acordar mais cedo para leva-la até a porta do colégio que ficava algumas ruas após a dele e na volta ela esperaria alguns minutos na porta do colégio dele, visto que ele entrava mais tarde e consequentemente saia mais tarde.

As semanas estavam passando, Dani estava se sentindo realizada em muitos aspectos e não via como nada dá errado, seu pai estava bem com seu namoro e sentia reciprocidade em seus sentimentos, seus estudos estavam indo bem na medida do possível e se via colocando em pratica seus sonhos acadêmicos em breve. Com toda certeza, o fato de estar feliz ao lado de alguém, a deixava feliz para fazer muitas outras coisas.

Poucos minutos após chegar, ela observou vários carros parando na porta do colégio, e quando sinal da majestosa escola tocou, muitos alunos saíram rumos aos seus carros sendo guiados por motoristas segurando guarda-chuva, alguns deles até tinham a porta do carro aberta por seus funcionários.

— São da elite mesmo... — Dani cochichou debaixo da coberta ao ver uma menina entregar a bolsa ao motorista.

Ela ajeitou sua própria roupa e olhou para seus cabelos um pouco úmidos no reflexo do celular. Mesmo sem querer, via claramente a diferença entre os mundos que seu pai tanto mencionava. Observou um casal sair de mãos dadas da escola, a menina com marcas na pele segurando a mão de um rapaz igualmente elegante; era impressionante.

Em poucos minutos, viu Bruno sair conversando com um amigo, e uma menina lhe enviou um beijo no ar quando ele se afastou sem retribuir. Dani se via constantemente surpreendida por um novo sentimento: o ciúmes.

— Aí está você. — Bruno correu, limpando alguns pingos da chuva do seu casaco, e sorriu em sua direção. Ela sorriu de volta. — É ótimo que podemos ir e voltar juntos. Nossa, a chuva piorou.

Bruno abraçou Dani com alegria, sendo abraçado de volta, e retirou os pingos de chuva da testa dela com carinho, fazendo-a sorrir.

— Bruninho, meu filho, se ligue. Vai para a pista mais tarde, se a chuva parar? — Um rapaz se aproximou do casal, quebrando o clima romântico. — Opa, desculpe estragar o clima...

Dani encarou o rapaz simpático, que estava acompanhado de uma moça. Bruno tocou na mão do amigo e apresentou Dani.

— Essa é minha namorada, Daniela. — Sorridente, Bruno tocou a cabeça de Dani. — Dani, esses são Pedro e Tália, irmãos gêmeos e meus amigos mais próximos.

— Olá. — Dani sorriu com simpatia e foi cumprimentada de volta.

— É um prazer te conhecer, Dani. Então você é a pessoa que o faz acordar mais cedo... — Pedro, verdadeiramente simpático, sorriu, pegando a mão dela, logo Tália apenas sorriu.

Bruno permaneceu com o braço ao redor dos ombros de Dani enquanto conversava com Pedro, mas ela percebeu alguns olhares de Tália, como se estivesse sendo julgada por suas vestes simples e unhas sem esmalte. Era triste como as diferenças poderiam facilmente se transformar em abismos, mas ela não iria abaixar a cabeça, não tão rapidamente.

— Pedrinho, não sei se vou, mas te falo! — Bruno explicou. — Estou ajudando minha mãe em algumas coisas durante a tarde.

— Beleza, chefia. — Pedro respondeu e correu tentando não se molhar tanto.

Dani acenou quando os rapazes se despediram. Já Tália abriu seu guarda-chuva e saiu andando sem dizer nada, ela percebeu que Tália não havia simpatizado e não entendia o motivo.

— Vamos andando, a chuva vai aumentar. — Bruno falou, surpreendendo-a ao pegar sua mochila e abraçar seus ombros.

A menina surpresa arregalou os olhos e o encarou, em seguida abriu o guarda-chuva.

— O que foi? Não posso mais abraçar minha namorada? — Ele sorriu, e ela consentiu. — Preciso ir abraçado em você debaixo do guarda-chuva.

Bruno, muito mais alto que ela, segurou o guarda-chuva e abraçou seus ombros de uma maneira que a manteve seca. Eles não conversaram durante o caminho, mas o garoto percebeu tudo o que Dani notou. Ele gostaria muito de poder mudar alguma coisa e, mesmo que não pudesse, não deixaria que situações como aquela a magoassem.

Para Marli, a vida seguia como sempre, trabalhando com seu irmão. No entanto, a distância poderia tornar as coisas bem mais difíceis. Muitas vezes, ela não conseguia convencer os clientes em algumas ofertas e precisava recusar uma reunião pessoalmente por estar longe. Eram algumas das adversidades existentes em qualquer trabalho.

— Ângelo, foi complicado. O cliente que me passou insiste em não baixar o preço do couro. Não teremos saída a não ser aceitar o preço ou procurar outro fornecedor.

Enquanto andava pela sala, Marli conversava com seu irmão. Vicente chegou da faculdade alguns minutos após Bruno chegar do colégio. Ele estava igualmente pensativo, como nas semanas anteriores, mas seguia guardando seus sentimentos para si.

— Mãe... — Vicente falou baixo, se aproximando da mãe.

Marli levantou o dedo, pedindo para ele esperar. Ela parecia um pouco estressada, e o garoto apenas se sentou no sofá.

— Irei ligar para o outro fornecedor. Como vou pegar um voo para São Paulo apenas para uma reunião que pode ser feita pelo computador? — Ela gesticulou para o ar, ainda andando pela sala. — Um gasto à toa.

Alguns minutos depois, ela desligou, colocou o celular na mesa e se sentou no sofá para finalmente dar atenção ao seu filho.

— O que houve, filho? — Marli perguntou, respirando fundo.

Vicente sorriu sem jeito, uniu as mãos, prestes a irritar a mãe ainda mais, e ele sabia disso.

— Então, meu pai precisa conversar com a senhora hoje. — Vicente disse, encarando a mãe apática.

Marli bufou de modo imperceptível e se encostou no sofá, em silêncio, o que deixava seu filho confuso. Ele sabia que era provável que, assim como a maioria dos encontros passados, o estresse viria no pacote.

— Qual motivo? Tenho um advogado, um celular que recebe mensagens e dois filhos providos de fala que podem me passar o recado para evitarmos encontros e discussões. — Ela falou seriamente, fazendo Vicente concordar.

Vicente sempre foi o mais culto que pôde em meio à guerra com os pais, mas algumas vezes precisava mostrar seu descontentamento.

— Mãe, estou aqui passando o recado que ele pediu, ou seja, sendo a ponte da relação conturbada de vocês. E eu não gosto de me meter em assuntos das outras pessoas!— Vicente piscou várias vezes e soltou o ar dos pulmões. — Isso é chato, ter que escolher um lado é chato. Tanto é que o Bruno já se recusou a tal missão de troca de recados.

Marli encarava o filho mais velho com sinceridade, como sempre. Ela sabia que Vicente tinha razão.

— Não precisa escolher um lado, Vicente... — Ela sussurrou.

— Ele me pede para passar o recado e fica bravo se eu me nego. Então eu passo o recado e você fica brava porque não quer o recado. Isso não é ter que escolher? — O menino uniu as mãos ao falar com calma, esperando uma resposta, mas não obteve. — Ele está na portaria, aguardando sua liberação, ou não, estou subindo.

Vicente se levantou do sofá e saiu da sala, rumo ao seu quarto. Ele não estava com paciência para muita coisa; sua cabeça estava a mil, como se precisasse pensar em muitas coisas de uma vez. O menino se jogou na cama, sentindo seu próprio mal humor, e respondeu algumas mensagens de Cibele, Joaquim e ignorou as do pai.

Um sorriso leve brotou em seus lábios ao ver a conversa com Sol notificando uma nova mensagem. Ao abrir, viu várias fotos: uma da pista vazia, seus patins surrados e até a foto de um pastel. Eram coisas aleatórias que a menina gostava de mostrar e que ele amava ver, mesmo que ainda estivesse tentando admitir.

Eu adoro fotos aleatórias, o que está fazendo Sol?

Ele digitou e ela visualizou de imediato.

Ah, eu me empolgo hahaha e estou sentada pós treino. Do nada bateu muita saudade do meu pai, não poder vê-lo... E você está um pouco mais sério esses dias, o que houve?

— Como ela percebe isso por mensagens ou apenas por voz?

Sol era atenciosa com a emoção das pessoas, mesmo que estivessem distantes. O pai dela seguia internado; as semanas estavam passando rapidamente e ela o visitava aos finais de semana, sempre contando sobre sua evolução e os dias em que ele não estava bem. Sua mãe seguia trabalhando, e Sol treinava cada dia mais, por horas a fio, como se sua vida dependesse daquilo.

Pode mandar fotos sempre e a saudade é normal, também sinto do meu. E sobre minha seriedade, acho que é o cansaço do dia a dia, com meus pais brigando e acaba sendo uma sobrecarga psíquica...

— Não dá pra explicar tudo, nem eu entendo. — Vicente falou sozinho.

Vicente foi surpreendido com uma selfie da menina com a mão no queixo e sorrindo, ele sorriu de imediato e observou todos os detalhes. Seus dentes eram alinhados naturalmente, seu rosto estava levemente suado e sua sobrancelha grossa destacava seu olhar.

Muito bonita, brilhando como o Sol.

Sol mandou muitas carinhas sorrindo, ele estava falando do seu suor e aquilo a fez rir.

Só você para me fazer rir agora Vicente, sério. Espero que sua cabeça melhore logo, estarei sempre aqui para ouvir seja lá o que for.

Ele mandou uma selfie engraçada, o forçando a ter uma papada e ela respondeu de imediato.

Olha onde o sorvete de quinze reais foi parar hahaha

O rapaz gargalhou ao receber aquela resposta, mal se dando conta que seu mal humor tinha ido embora.

Eu irei desabafar sim, quer dizer, é fácil fazer isso com você e sim, o sorvete foi para minha papada. Hahaha

Vicente de fato era racional demais para perceber o que o destino havia feito em sua vida rapidamente, no momento que ele mais precisava. Ele também estava de fato aprendendo a encarar seus sentimentos, mesmo que fossem tão repentinos.

O menino estava jogado na cama, esquecendo de almoçar, do seu mal humor e de parte do mundo. Ele sentia como se estivesse em outro universo, em meio a uma imensa galáxia e sem pressa para voltar. Logo abriu a rede social dela, e seus storys mostravam fotos com o pai expressando saudades e uma foto da sua vó cozinhando. Ela postou algumas fotos com Cecilia sorridente e Vicente podia ver a barriga da ruiva bem aparente. Passando algumas fotos, ele parou em sua em que Sol estava sentada em um banco aleatório, de short e moletom. Ele imaginou como seria estar sentado ao seu lado, tendo a chance de olhar em seus olhos quando saíssem para tomar um sorvete, quem sabe até andar pelas ruas tumultuadas de São Paulo...

Ele tocou em uma foto sua sorrindo e sorriu também.

— Eu gosto mesmo de você, e sabe o pior? É que sinto vontade de implorar para você gostar de mim também. — Vicente bufou. — Foi tão rápido, é tão estranho e assustador.

O loiro retirou os óculos, encarou o teto e pensou nela mais uma vez, como vinha fazendo há meses, sem conseguir não pensar. Para ele, parecia que a vida estava brincando com sua cara mais uma vez; a sensação de algo unilateral novamente o deixava desanimado.

Retornando a sua antiga casa, Miguel se sentou no sofá e sentiu falta de tudo aquilo, não do conforto material, mas do conforto sentimental. Marli o deixou entrar após pensar nas palavras do seu primogênito, ela precisava de alguma forma encarar de frente seu ex-marido sem cultivar ainda mais toda mágoa ainda alojada em seu peito.

— Obrigado por me deixar entrar. Sei que não precisava, mas vim aqui já que os meninos só vão para minha casa aos finais de semana. — O homem encarou Marli e falou sem jeito.

Ele percebia as mudanças na esposa; ela parecia mais nova, suas roupas haviam mudado e sua agonia tomava conta de seu ser. Miguel não estava em paz desde o dia em que Marli foi assinar o divórcio, mas não era pelo divórcio em si.

— Certo, qual o motivo da sua vinda aqui? — Marli encarou suas unhas e, em seguida, seu olhar alcançou Miguel.

O olhar ainda não era fácil, mas estava menos doloroso.

— É... Queria explicar por que precisei reduzir a pensão dos meninos. — Ele falou baixo, a deixando surpresa. — Depois de todo o escândalo, o escritório não foi mais o mesmo e ainda sigo recuperando minhas coisas.

Marli consentiu, fingindo que já sabia de algo que seus filhos não haviam contado. Conhecendo os garotos espertos, temia alguma briga. Do topo da escada, Bruno observava toda a conversa como se sua vida dependesse daquilo. Ele sabia que sua mãe contaria sobre seu namoro com Dani.

— Não está faltando nada para eles, e sinto muito por suas dificuldades. Já que está aqui, tenho uma informação para passar de antemão. — Marli exclamou e Miguel consentiu.

Ela continuou:

— O Bruno está namorando a Dani. Faz algumas semanas que pediu minha permissão. — Ela encarou seu ex-marido que arqueou as sobrancelhas. — Espero que, quando ele contar, não haja uma reação escrota que vá machucar seu filho.

Uma mãe leoa, essa era Marli.

Miguel passou a mão na barba rala e suspirou. Ele estava sendo o mais cordial que podia para manter uma boa relação com Marli.

— A filha do motorista... — Miguel sussurrou, e Bruno observou. — Eu sempre imaginei outras pessoas para meus filhos...

Bruno estava pronto para descer as escadas, mas pausou os passos quando sua mãe riu e cruzou os braços.

— Quer me fazer rir? — Marli perguntou, e Miguel não entendeu.

— Rir? — Ele a interrogou.

— Em primeiro lugar, ela é, sim, a filha do motorista, mas foi criada com uma educação real, é inteligente, respeitosa, tem visão de futuro e gosta do nosso filho. O problema para você é o fato de ela não vir de uma família rica? — Marli perguntou, e da escada Bruno sorriu. — Em segundo lugar, você tem certeza de que é o melhor para opinar sobre pessoas ideais para se relacionar?

Miguel bufou, sem ter o que dizer.

— Eu sei tudo isso, e a Dani é uma menina ótima e não disse o contrário. — Miguel consentiu. — E pode deixar o passado para trás?

Marli sorriu ironicamente com a declaração dele.

— Perfeito, espero que diga isso ao seu filho. Mais alguma coisa? — Ela perguntou, levantando-se do sofá, e ele permaneceu calado.

Marli estava mais confiante em falar as coisas que precisavam ser faladas.

— Tenho uma pergunta... — Miguel se levantou, com cara de poucos amigos.

Marli o encarou, buscando paciência, e gesticulou para que ele prosseguisse.

— Quando ficou tão próxima do Micael para receber um abraço de consolo às escondidas na escadaria do meu escritório? — ele perguntou, e ela sentiu seu coração acelerar.

Marli tornou-se muda, seu rosto congelou, e ela se perguntou como ele sabia daquele momento; não era como se pudesse explicar. Bruno arregalou os olhos, sem entender muito, mas já havia percebido que Marli começara a conversar mais com Micael. Até então, pensava que fosse por causa do namoro. Mas em sua mente, ele podia claramente lembrar de alguns olhares na mesa quando Micael mencionou o namoro, ou até mesmo quando viu os dois sentados no banco do jardim.

— Por isso está tão bem? Mudou roupas, cabelo e até o batom. Por isso aceitou tão bem o namoro deles? Está saindo com o motorista tão fa...

Marli estapeou a face do seu ex-marido, e ele tocou a bochecha.

— Não ache que sou como as vagabundas que você encontra por aí, me respeite. O Micael trabalha aqui há dez anos, como pode supor tal coisa? — Marli rosnou para Miguel. — Sabe por que ele me seguiu até as escadas naquele dia?

Ela se aproximou do homem, que era bem mais alto, e expôs sua raiva de forma tão clara que Miguel podia ver pelos seus olhos escuros.

— Naquele momento, eu estava em uma crise nervosa, estava em pânico e sentia uma dor absurda por ter assinado o divórcio com uma pessoa que jurou ficar ao meu lado até a morte nos separar e me apunhalou pelas costas. Eu estava exposta, machucada, e ele foi um ser humano empático que me ajudou naquele momento. Mas tudo para você é pervertido, porque você é um. E sobre minha mudança, foi por mim mesma, quando saí da sua sombra.

Marli lançou suas palavras na cara do homem e se afastou, estava nervosa, mas não havia mentido.

— Saia da minha casa e não volte. — Ela abriu a porta e esperou que ele saísse como um furacão.

Do topo da escada Bruno sentia sua mente ferver, não estava conseguindo pensar em muitas coisas e assim que sua mãe apontou na escada o mesmo correu para seu quarto.

Após o jantar, os três meninos arrumavam a cozinha ao som de alguma banda inglesa. Bruno ainda estava pensativo, mas acreditava na explicação da mãe; afinal, seu pai tinha sido um crápula, e ela, naquele dia, chegou em péssimo estado.

— Vicente, ainda tem sabão. — Joaquim devolveu um prato a Vicente.

— Esse sabão não sai por nada, que saco! — Vicente esfregou o prato com fervor, fazendo Joaquim rir, enquanto Bruno encarava a mesa.

Joaquim observava o mais novo pensativo desde o jantar, algo fora do normal.

— Por que o Bruno está assim? — Joaquim cutucou Vicente. — O mais novo casal brigou?

Vicente enxaguou as mãos, desligou a torneira e pegou o pano do ombro de Joaquim. Era difícil saber o que estava acontecendo, mas Vicente conseguiu ignorar a briga dos pais e se sentia aliviado.

— Bruno. — Vicente o chamou. — Está tudo bem?

Vicente se aproximou do irmão mais novo e apertou seu ombro.

— O que é? Sim, tudo bem sim. — Bruno sorriu friamente para os rapazes e saiu da cozinha tentando agir normalmente.

Vicente encarou Joaquim, que deu de ombros. Eles não viam nada de anormal acontecendo para deduzir algo, até porque não seria uma briga dos pais que os deixava tristes como antes.

— Vou falar com ele. — Vicente coçou os olhos lentamente, e Joaquim consentiu.

— Certo, eu termino por aqui.

Vicente sempre foi muito próximo ao irmão, então Bruno precisava mais do que um tudo bem para convencer seu irmão mais velho. Aliás, umas das maiores preocupações de Vicente no meio da guerra dos seus pais era como a cabeça do irmão ia reagir, visto que para algumas coisas Bruno pode ser imaturo.

Ele subiu as escadas sem pressa e no final do corredor, parou na frente do quarto do irmão, onde havia um tapete afirmando que aquela zona era perigosa. Vicente bateu na porta algumas vezes e mesmo sem receber a permissão para entrar, entrou.

O quarto estava menos bagunçado que o normal e Bruno estava deitado na cama com fones de ouvido, o que explicava a ausência de resposta segundos atras. Vicente se aproximou da cama e retirou um dos seus fones se fio, claramente fazendo o garoto o encarar com cara de poucos amigos.

— Que insistente. — Bruno balbuciou, sentando-se na cama.

Sem se importar com a falta de receptividade, Vicente se sentou na cama e bufou.

— Te conheço como a palma da minha mão, tentar esconder as coisas é inútil. Seja o que for, sou seu irmão e quero saber. — O mais velho passou a mão em seus cabelos ondulados e sorriu.

Bruno respirou fundo e desligou sua música. Ele sabia que o irmão não aceitaria ficar sem saber, e de fato o conhecia muito bem, como afirmou.

— Tenho dezesseis anos, e você dezenove. — Bruno afirmou. — Estou na escola e você na faculdade. Tenho cabelos pretos e você loiros. Eu gosto de roupas estampadas e você as odeia. Sou explosivo e você mal fala. — Ele fazia uma contagem dos dedos enquanto era encarado.

Vicente consentiu.

— Por que está listando nossas diferenças? De fato, somos opostos em muitas coisas, principalmente no fato de você saber lidar com seus sentimentos e eu não faço ideia de como fazer tal coisa. — Vicente sorriu, admitindo. — Onde quer chegar?

Bruno negou, sorrindo em seguida. Ele encarava e mexia em suas pulseiras de aço.

— Não quero chegar a lugar nenhum, só fico feliz que é meu irmão e, mesmo sendo tão diferente de mim, não faz disso um grande problema e me conhece tão bem.

Vicente se arrastou da cama e se sentou ao seu lado, encostado à cabeceira. Ele pegou a mão do irmão e deu tapinhas leves.

— As diferenças entre duas pessoas não são empecilhos para sentimentos genuínos; seres humanos são individuais e precisamos estar dispostos a conhecer as particularidades uns dos outros.

Bruno admirava o quão seu irmão era bom com as palavras e queria ser como ele quando fosse mais velho.

— É que nossos pais brigaram hoje, e painho falou algumas coisas que me deixaram bolado, mas preciso conversar com a mãe ou tentar descobrir sozinho. Não quero falar sobre isso sem ter certeza, nem são problemas meus! — Bruno exclamou. — Mas podem afetar minha relação com a Dani.

Vicente consentiu, em sua cabeça martelava o preconceito do seu pai por Dani ser de uma família humilde.

— Não vou ser curioso agora, pois sei que é sua vida íntima, mas sabe que nosso pai tem a mente fechada e é paranoico... Sabe que a Dani é madura, não é? Haja com cautela e atenção para não criar um caos ainda maior. — Ele perguntou, e Bruno consentiu. — Já que estamos aqui, posso dividir meus dilemas?

Bruno consentiu, agora mais leve. Ele sabia que Vicente tinha razão sobre resolver as coisas com cautela, então precisava procurar as pessoas certas sem causar alarde.

— O que houve? — O caçula perguntou. — Me conta, e depois falo o que está na minha cabeça sobre hoje.

— Hummm... Certo. — Vicente retirou os óculos e bufou. — Eu estou apaixonado por uma pessoa que mora a quase três mil quilômetros de mim.

Vicente confessou, e Bruno sorriu, encarando-o.

— Então, gosta mesmo da Sol? Nossa, quando deixou de gostar da Ci?

O mais novo tinha a língua afiada.

— Acho que nunca gostei da Ci, não romanticamente. — Vicente consentiu, explicando. — O que sinto pela patinadora nunca senti antes por ninguém, e me dei conta dias atrás. Estou tão confuso, como aconteceu? Nunca a vi, a toquei ou a beijei. Ela não faz ideia de que gosto dela, como eu iria explicar? Ela ia ficar assustada, me achar um louco...

Bruno ouvia seu irmão falando sobre coisas que ele e Joaquim já haviam fofocado, e tinha em mente que era, de fato, complicado da forma como as coisas aconteceram, mas sem dúvidas eram reais.

— Foi o destino, cara. — Bruno afirmou. — Duas pessoas em lados opostos do Brasil se encontraram em meio a um aplicativo com várias pessoas online ao mesmo tempo e fazem bem uma à outra sem perceberem. Tinha que acontecer, como diz a lenda do akai-Ito... — Ele decretou. — Coisas assim repentinas e verdadeiras são reais; não pode deixar passar.

Vicente encarou o irmão, fazendo suposições, e o cutucou.

— Estamos em um filme? Destino? Lenda? Akai... O quê? — Vicente, confuso, interrogou o irmão.

Bruno bufou e se perguntou como seu irmão podia ser tão racional sem conhecer uma lenda clichê e antiga. Ele explicou que Dani havia mostrado isso e que achou muito interessante. Então, ele pesquisou no celular e começou a ler para Vicente.

— Aqui diz que o akai-ito, ou o fio vermelho do destino, é uma lenda chinesa que afirma que, no momento do nascimento, os deuses amarram uma corda vermelha invisível nos dedos daqueles que estão predestinados a se tornarem almas gêmeas. Dessa forma, aconteça o que acontecer, passe o tempo que passar, as duas pessoas que estiverem interligadas irão se encontrar, não importa o que! — Bruno leu empolgado, e Vicente ouvia sem muita expressão.

Bruno entregou o celular a Vicente, que respirou fundo ao começar a ler um trecho que provavelmente achava uma tolice, mas não foi bem assim.

Ele encarou o trecho do artigo, leu e releu:

—Um fio invisível conecta os que estão destinados a se conhecer... Independentemente do tempo, lugar ou circunstância... O fio pode esticar ou emaranhar-se, mas nunca irá partir. —Vicente leu baixinho, intrigado.

Me digam o que estão achando dessa família ♥

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