O Adeus ღ Capítulo 42
O céu estava nublado, e prestes a cair a maior chuva dos últimos tempos do lado de fora do prédio de tratamento ao câncer, um lugar que Cecilia nunca cogitou estar aos dezoito anos ou em idade alguma.
O câncer em Cecilia era bastante agressivo e havia se espalhado rápido de forma descontrolada, ele tirava seus dias pouco a pouco sem que ela ao menos percebesse, tirando o momento quando buscava força para as mínimas coisas e não achava, em questão de dias tudo parecia se agravar, a deixava longe das pessoas queridas e claro, da sua amada filha.
Deitada em uma cama de hospital com uma cânula de oxigênio ao nariz e ainda mais aparelhos fixados ao seu corpo, ela sentia frio e se lamentava por ter trazido todas aquelas pessoas tão cedo até o hospital. Assim como os médicos, Cecilia percebia sua força indo embora ao ponto de apenas sentir vontade de dormir, ela também sentia saudade da sua filha e vivia segurando uma foto das duas juntas em um ensaio do primeiro mês da bebê feito ali mesmo no hospital.
No grande sofá ao lado da sua cama, Sol dormia encostada ao ombro do namorado que também se mantinha de olhos fechados, Cecilia sentia-se aliviada quando os via juntos, sabia que aquela pessoa pacata cuidava da sua amiga muito bem e a fazia feliz.
Saber tudo da vida aos dezoito anos era impossível, mas aquela menina naturalmente ruiva e genuinamente feliz sabia que havia conhecido parte dela e vivido uma vida incrível, deixando no mundo sua melhor parte, sua única filha.
Um enfermeiro entrou no quarto devagar e logo Cecilia sorriu a mostrando que não estava dormindo.
— Como a senhorita está hoje? — O rapaz sorriu, segurando uma bandeja. — Esse cabelo rosa é definitivamente o melhor.
Cecilia sorriu, tocando a peruca e estendeu o braço. Ela já sabia que, pela manhã, alguém observava seus sinais vitais.
— O rosa é o melhor mesmo e me sinto mole de ontem para hoje. Sabe quando a gente está com um resfriado brabo? — Ela fez uma careta. — Também me sinto enjoada demais.
O enfermeiro consentiu e, mesmo com a máscara, Cecilia percebeu que ele estava sorrindo.
— Mas você irá melhorar em breve, não se preocupe. — Ele sussurrou. — O enjoo é efeito do tratamento, mas com esses remédios aqui, boa parte dele irá passar.
O rapaz rapidamente verificou os sinais vitais de Cecilia e administrou alguns medicamentos. Em silêncio, Cecilia encarava o teto, deixando algumas lágrimas caírem. A dor em seu coração era milhões de vezes maior do que a física.
— Deseja algo? — Ele sussurrou, cobrindo o braço dela e finalizando a visita.
Cecilia sorriu, consentindo.
— Tempo. — Ela sussurrou, e ele se aproximou.
O enfermeiro engoliu em seco, escondendo o quanto seu coração também doía ao vê-la naquela situação.
— Senhorita, se eu pudesse, faria isso por todo esse hospital. — Ele sorriu, e ela consentiu.
— Então me faz um favor? Dentro daquela mala tem uma pasta com papéis e um estojo. Pode me trazer? — Ela pediu.
Assim ele fez, elevou a cabeceira da sua cama e ficou feliz ao vê-la buscando forças para ler, escrever ou até mesmo pintar. Logo o enfermeiro saiu do quarto, e ela pôde passar um tempo dentro da sua própria mente, sem lágrimas.
♥
— A mamãe não quer que você vá para casa. — Cecília sorriu para a filha. — Está mais gordinha, e quem escolheu essa roupa linda? Foi o papai?
Liz ainda não sorria muito, mas mantinha os olhos arregalados ao ouvir a voz da mãe e soltava alguns sorrisos, fazendo os corações ao seu redor sorrirem. Catarina e Fábio, sentados no sofá, sorriam ao ver as duas interagindo, e Júnior, ao lado, enchia a namorada de informações sobre Liz.
— A visita à pediatra foi muito boa, ela está se dando bem com o leite artificial e ganhou um peso bom. Eu estou dormindo todos os dias com ela na casa dos seus pais, mas ela não gosta do berço. — O rapaz negou. — Ontem acordei umas cinco vezes, e ela só dormiu na cama comigo, colada a mim. E minhas irmãs ligaram por vídeo de novo para vê-la...
Cecília sorria com a forma engraçada que Júnior explicava como dormia encolhido. Ela fazia tantas perguntas que ele acabava percebendo que muitas das coisas já tinha contado.
— Você a registrou, né? — Cecília perguntou.
Júnior encarou os pais dela disfarçadamente; eles sabiam que aquilo começou a acontecer por causa da metástase.
— Sim, amor, tudo certinho. — Júnior, mesmo de máscara, sorriu.
A ruiva deglutiu seco e sorriu, segurando a mão do namorado.
— Não esqueça da Disney todos os anos, a mesma foto no mesmo local.
Júnior bufou, negando em seguida.
— Sem assuntos pra baixo, tenho certeza de que iremos todos juntos. Por que fica se excluindo dos nossos planos, palhacinha? — Ele tocou na peruca rosa, e Cecília sorriu.
— Eu te amo, Júnior. — Ela sussurrou, balançando Liz lentamente.
Catarina e Fábio deixavam lágrimas caírem silenciosamente ao verem aquela cena.
— Eu também te amo, senhorita Cecília, te amo desde a primeira vez que te vi. — Ele sorriu, apertando sua mão.
A porta do quarto se abriu e Sol sorriu ao ver as pessoas lá.
— A madrinha mais bonita do mundo chegou. — Ela sorriu ao avistar Liz.
— A mãe é ignorada. — Cecília brincou e todos riram. — Tudo bem, aceito isso.
Júnior deu espaço para Sol se aproximar da mãe e da filha, e Sol abraçou Cecília juntamente com Liz.
— A noite é sua, Sol? — Catarina perguntou.
— Sim, é a noite das garotas, como sempre. — Sol sorriu, e Cecília levantou os polegares.
Durante a noite, Cecília recebeu algumas visitas, incluindo pessoas da casa de Sol, sua avó e Laís, que sempre estava lá. Cecília conhecia as pessoas que sempre estavam ao seu lado, e outras, mesmo que não estivessem presentes, enviavam lindas mensagens de carinho, flores e cartões com boas vibrações, como o diretor da sua escola.
Ela sentia o calor das pessoas todos os dias, o calor que estava em seu corpo — bom, era suficiente.
Sol se arrumou para dormir com Cecília aquela noite. Já estava tarde e elas assistiram a mais um filme de sua lista juntas. As meninas assistiam filmes juntas sempre que Sol dormia no hospital e frequentemente levavam reclamações das enfermeiras, pois o sofá misteriosamente amanhecia grudado na cama, mas elas não davam muita atenção a isso.
— Quer mais um filme hoje? — Sol perguntou, ainda sentada ao lado da amiga.
— Não sei, solzinha. — Completamente deitada na cama, Cecília não estava animada. — Me sinto fraca agora.
O coração da Sol estava apertado, sua amiga estava pálida e suas mãos estavam geladas.
— Ao longo do dia de hoje, meu corpo parece que não reagiu bem. — Cecília explicou após o silêncio da amiga.
Sol prendeu o ar nos pulmões, segurando o choro quando Cecília deixou cair uma lágrima junto a um sorriso frio. Elas se entendiam pelo olhar. Sol deitou a cabeça na barriga de Cecília, após ela mesma pedir, e conversavam sem se encarar.
— O Vicente é um amor de pessoa, não é? — Cecília perguntou. — Hoje ele disse que iria estudar para uma prova que fará no mês que vem, para poder adianta-la e ficar mais com você.
Sol consentiu, sorrindo.
— Ele não foi meu primeiro amor, mas será o último. — Sol sorriu ao sentir a mão da amiga tocar sua cabeça. — Sério, nem é exagero.
Cecília consentiu.
— Sol, torço para que fiquem juntos para sempre. — Cecília falou. — Torço para que casem, viagem e, quando a Liz estiver maior, levem-na para passear juntos.
Sol levantou a cabeça, e Cecília apertou sua mão.
— Torço para que você seja a melhor patinadora do mundo e abra uma grande academia de patinação. — Cecília sorriu, sonolenta. — Torço para que encontre uma amiga tão boa quanto eu...
Sol negou, apertando sua mão.
— Você é minha única amiga, a única no mundo. — Sol resmungou.
Cecilia deixou uma lagrima cair.
— Me prometa que não irá desistir de nada. — A ruiva pediu. — Que sua vida será linda e feliz, e que não perderá a fé na vida.
— Ceci... — Sol sussurrou, e Cecília bufou. — Não se preocupe, apenas os remédios te deixaram um pouco mole. Amanhã você acordará dando pulos...
Cecília a encarou seriamente, e Sol consentiu.
— Tá bom, eu prometo o que quiser. — Sol consentiu..
Sol sentia seu coração bater tão forte, e suas mãos suavam tanto que ela apenas concordou. Percebia que, nos dias em que Cecília estava um pouco mais debilitada, ela falava coisas em tom de despedida.
Cecília esticou seu dedo mindinho, e Sol fez o mesmo, cruzando-os.
— Promessa feita. — Cecília, ainda deitada, sorriu.
— Promessa feita. — Sol sorriu e apertou o dedinho dela.
♥
Aos dezoito anos Cecilia partiu em um dia de sol com poucas nuvens no céu, após lutar bravamente contra o câncer e infelizmente não o vencer. A menina falante e alegre adormeceu segurando a mão da sua melhor amiga, partiu sentindo-se em paz ao saber que todas aquelas pessoas permaneceram unidas o tempo inteiro como uma família.
Ela deixou sua filha e dona do seu amor mais profundo, uma parte sua e segundo ela a parte mais bonita da sua curta vida, Cecilia sabia que Liz seria cuidada por pela aquela pessoa que havia a amado profundamente, Junior. E mesmo sabendo que o rapaz não iria esquece-la facilmente, pedia a Deus em orações para que seu coração fosse acalentado e logo pudesse amar outra vez.
Ela deixou seus pais, seus melhores amigos e sabia que suas vidas não seriam mais a mesma, mas tinha certeza que os corações de Catarina e Fabio iriam ser curados com ajuda de Liz ao vê-la crescer saudade e sorridente como a mãe. Cecilia era a única filha do casal, era com certeza a melhor escolha feita por aquelas duas pessoas que sentiam ter pedido totalmente o sentido da vida, com uma dor nunca sentida ou imaginada. Ela deixou avós carinhosos que se perguntavam se tinha feito tudo pela neta, eles tinham.
Ela se foi deixando a vida de todas aquelas pessoas em um completo escuro, deixou diversos corações partidos que ansiavam todos os dias por seu sorriso largo e radiante, como sua melhor amiga que sentiu um buraco abrir no chão e foi engolido por ele. Sol perdeu seu brilho naquela manhã quando lentamente a respiração da sua amiga se foi e seus olhos fecharam em um sono profundo, a menina que recebeu o nome da estrela mais brilhante do céu, estava no escuro.
A pedido de Cecilia a cerimônia de velório não aconteceu, e ela pediu que seu enterro fosse rápido, para pessoa mais intimas, silencioso e em um cemitério onde apenas as lapides ficavam aparentes sob a grama verde. As pessoas de preto e nenhuma conseguindo segurar as lágrimas se despediram dela, seus pais estavam abraçados ao lado do padre e ao lado do Junior tampando o rosto em um choro alto, Sol encarava o caixão sem conseguir chorar, falar ou piscar os olhos, ela era abraçada por Vicente que não continha as lagrimas.
A família Moreira deixava clara sua tristeza com lagrimas incessantes, colegas e funcionários da escola seguravam rosas de cabeça baixa, o padre pediu que todas aquelas pessoas dessem as mãos e assim foi feito, Sol encarou o padre e tio de Cecilia abrir sua bíblia e em seguida seu olhar foi de encontro a lapide da sua amiga, com Vicente segurando sua mão e sua mãe a outra.
- Pai Santo, Deus eterno e todo poderoso, nós vos pedimos por Cecilia minha sobrinha a quem chamastes deste mundo após uma luta incessante por sua vida, oráramos para que a conceda a luz e a paz. -O padre falou, de olhos fechados.
Catarina chorava baixinho, ela chamava o nome da sua filha e apelidos carinhosos que fazia aqueles corações doerem de forma unanime.
-Pedimos com todo nosso coração que a sua alma nada sofra, nosso Deus dos céus, santo e tremendo é o teu nome. Dai-nos conforto, especialmente para a família nesse momento de tristeza. Oramos pelo o conforto que só o Senhor pode dar.
Sol deixou uma lagrima cair, e outra e mais outra. Seu coração doía e seu peito estava partindo-se ao meio, ela não queria aceitar ou entender e pela primeira vez na vida se perguntou que Deus era aquele e o que ele ganharia com toda aquela dor.
Com base o padre falava, o caixão baixava lentamente e as pessoas responsáveis pelo cemitério se preparavam para arrumar a grama ao redor. O padre deu lugar de fala a Fabio, e todas as pessoas encararam aquele pai, emotivo e abatido.
— Minha querida Ceci, somos gratos pelo tempo que você esteve em nossas vidas e por me ensinar a ser um pai. Que nós sigamos seu exemplo, sendo felizes, sorrindo, vivendo a vida da melhor forma. Não se preocupe, cuidaremos da Liz e ela crescerá cercada de amor.
Fábio não aguentou mais falar; ele entrou em um choro alto, fazendo Isis tampar os olhos com as mãos. Naquele momento, quem era pai e mãe podia sentir aquela dor.
— Filha, a mamãe te ama muito, mesmo. — Catarina enxugou as lágrimas, sorrindo. — Obrigada por lutar, meu amor. Obrigada por ser minha filha, por ser a melhor filha, amiga, namorada e mãe. Precisamos te deixar descansar agora, não é? Volte para nós quando puder, em outras vidas ou nesta, a mamãe está esperando por você...
Catarina foi abraçada pela mãe em completo desespero, e Júnior jogou uma rosa no caixão e apoiou os joelhos no chão. Ele não conseguia falar, o rapaz estava em choque, recusando qualquer tipo de toque.
Sol se soltou de Vicente e, em silêncio, se aproximou do caixão. Todas aquelas pessoas sentiam a dor dela pela perda da sua melhor amiga. Ela se agachou, encarando o caixão, e sorriu.
— Ceci, não se vá. — Sol pediu. — Eu não sei como farei sem você. Pode voltar? Ainda não é a hora, amiga...
Vicente fechou os olhos, deixando uma lágrima cair, e encarou Isis quando o caixão chegou ao chão. Luzia orava baixinho, pedindo a Deus que acalmasse o coração da sua neta. Ela sabia que, a partir dali, uma batalha contra o luto começava, uma batalha árdua e dolorosa.
— Tudo bem, não se preocupe, tá bom? A sua dor passou... — Sol sussurrou, jogando no caixão um ursinho em formato de chaveiro. O ursinho sorridente pousou ali perfeitamente. — Esse foi o primeiro presente que trocamos e precisa ficar com o seu. Eu te amo, Ceci.
Sol se levantou, encarando a foto de Cecília na lápide, e saiu de perto do caixão. Nesse momento, todas as pessoas ali jogaram flores e pétalas, em uma chuva de palmas.
A menina das fitas não via nada ao seu redor a não ser o sorriso dela. Sol não ouvia mais nada a não ser sua voz a chamando de "solzinha" e não sentia mais nada além do seu abraço caloroso, da forma como ela agarrava seu braço e das suas mãos frias naquele maldito dia. A partir daquele momento, Sol não sabia mais quem era, o que faria ou como sairia do buraco escuro em que estava após, em questão de meses, perder sua melhor amiga.
♥
Esse foi o nosso adeus para a querida Ceci...
Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top