Conexão ღ Capítulo 16
Fevereiro estava faltando poucos dias para acabar, e tantas coisas haviam acontecido naquele mês na vida da Sol. Ela havia mudado tanto em questão de dias, em sua vida havia acontecido tantas coisas que mal poderia organizar em pensamentos, mas o dia especial estava prestes a chegar: Seu aniversário de dezoito anos.
Ela estava radiante assim como toda sua família, que por sinal estava mais estável com base aquele dia se aproximava. Charles não havia mais bebido e sentia cada vez mais os efeitos da abstinência, Isis ainda de férias organizava o jantar de aniversario da sua filha mais velhas e as outras pessoas seguiam os dias sem muitas mudanças.
Sol havia acabado sua ultima aula da sexta-feira, seu aniversario era no dia seguinte e ela estava animada, mais do que o normal. Arrumando seu armário e guardando todos os livros, esperava Cecilia sair do banheiro para que pudessem conversar sobre a noite do dia seguinte, e por falar na ruiva, ela estava seguindo a diante com sua gravidez ainda sem vinculo ou emoção, mesmo que frequentemente ganhasse presentes para o bebê e seu namorado tentasse anima-la.
— Voltei. — Cecilia falou e arrumou a farda. — Essa farda está começando a ficar apertada, que merda, mano.
Sol sorriu ao ver a amiga, tentando levar tudo com naturalidade e demonstrar seu amor pelo bebê que já chamava de afilhado. Sol sentia falta da amiga animada e sorridente como sempre foi. Cecilia não era mais a mesma em tantos aspectos que mal podia listá-los, mas foi assim que tudo aconteceu e nada poderia ser desfeito. Então Sol seguiria ajudando como podia e torcendo para que tudo fosse apenas uma fase.
— Isso significa que meu afilhado está crescendo bem, está fazendo tudo certinho. — Sol sorriu e as duas seguiram para a quadra, conversando longe de todos.
— Aham, estou seguindo as ordens médicas... Hoje tenho consulta com a psicóloga e depois irei pegar o presente da minha melhor amiga. — Cecilia sorriu e agarrou o braço de Sol.
Sol sentiu falta da Cecilia doce e sorridente. Por favor, volte para nós...
— Sabe que sua presença é meu presente, não é? — Sol apertou o braço de Cecilia e sorriram juntas, entrando na quadra.
Sol não teria treino hoje; sua treinadora lhe deu uma folga como presente de aniversário, e ela agradeceu por isso. As meninas subiram alguns degraus da arquibancada e sentaram lado a lado.
— Na minha última consulta com a psicóloga, conversamos sobre a depressão na gestação. Óbvio que ainda não recebi nenhum diagnóstico, mas procurei na internet. — Cecilia falou, e Sol não comentou sobre. — A psicóloga perguntou se eu já ouvi os batimentos e contei que coloquei fones de ouvido para não ouvir.
Sol baixou a cabeça. Ela soube quando isso aconteceu e não escondeu o desapontamento com a amiga, pedindo desculpas em seguida.
— O que acha disso que conversou com a psicóloga? — Sol perguntou.
Cecilia deu de ombros.
— Acho que tenho isso. Tenho todos os sintomas: rejeição do bebê, tristeza persistente, dormir demais, perda de interesse em atividades que eu geralmente gosto, sentimento de culpa... — Ela encarou as mãos e Sol as pegou.
Sol apertou as mãos da amiga e sorriu.
— Vai aceitar ajuda? — Sol perguntou.
Cecilia consentiu. Ela estava com uma rede de apoio grande; provavelmente seus pais já haviam conversado com a psicóloga e Cecilia sabia que eles haviam aceitado a situação completamente.
— Sei que pode não parecer, mas estou tentando. Não colocarei mais fones de ouvido. — Cecilia encarou sua amiga e recebeu um sorriso.
Sol abraçou-a, orgulhosa, mesmo que pudesse parecer que Cecilia não estivesse tentando. O celular de Cecilia tocou e ela levantou para atender. Durante esse tempo, Sol também pegou seu celular para responder Vicente.
Eles estavam conversando cada vez mais. Entretanto, em casa, Sol evitava se mostrar tão apegada ao celular. Afinal, algumas pessoas já haviam percebido e ela sabia que nenhum deles aprovaria sua amizade com alguém que não conhecia pessoalmente.
Sinto muito pelo divórcio definitivo dos seus pais, não minta, sei que não está bem. E sinto muito ter dado um sermão por você fumar Vicente...
Sol era inflexível quando o assunto era vícios, não que ela quisesse ser assim mesmo sabendo que cada um fazia o que queria da própria vida, mas ver o pai tão refém de um vicio havia a deixado traumatizada. Ela admirava Vicente por ele ser tão de boa para fazer sobre tudo na sua vida, ele se abria com facilidade e ela sentia estar em dívida com isso.
Não esquente a cabeça com isso Sol, todos sempre tem a mesma reação. Todos os vícios são algo que trazem completos malefícios para nós, mas a dependência não é algo que podemos dá uma pausa, eu tento me controlar...
Sol sorriu ao ler aquela mensagem, ele realmente levava com leveza assuntos pesados.
Sobre meus pais, eu estou triste sim, mas amanhã é seu aniversário. Não vamos falar de coisas assim, o que vai fazer hoje perto de meia noite?
A menina arqueou as sobrancelhas sem entender muito bem a pergunta. Ela conversava com ele tão concentrada que não viu sua amiga voltar para seu lado.
Nada, apenas vou deitar e esperar chegar o dia seguinte. Por que?
Ah, que bom. Posso te ligar? Quer dizer, não se gosta disso ou se sentiria confortável. Mas seu desenho está pronto e queria explicar como fiz...
Sol tampou a boca com a mão e arregalou os olhos, ela sentiu vontade de sorrir e por um momento pensaria se aquilo era uma boa ideia e respondeu tentando conter sua agitação.
Podemos sim, é... Vai ser bem legal, e todos aqui dormem após as dez.
Cecilia havia sentado e encarava a amiga sorrindo em silêncio. Ela não conhecia a pessoa do outro lado das mensagens com quem Sol conversava tanto, além do que a amiga contava, mas sabia que, repentinamente ou não, ele estava ganhando um lugar especial na vida dela.
— Sol... — Cecilia sussurrou e não foi ouvida. — Solzinha.
A patinadora encarou Cecilia sem jeito, percebendo que havia se perdido na conversa e deixado o tempo passar.
— Oi, nem vi você voltar. Desculpa... — Sol enviou uma carinha triste e Cecilia sorriu.
O celular foi guardado, e Cecilia pensou antes de falar...
— Conversa muito com o Vicente?
Sol consentiu sem hesitar, sabendo que Cecilia não era do tipo que fazia julgamentos.
— Conversamos muito. Muitas vezes, nem precisamos dizer tchau. Ele é muito legal e fala as coisas abertamente, sem receio de que eu vá julgar, sabe? Eu sei que ele não é fake, não se preocupe. — A menina se explicou antes mesmo de Cecilia pedir.
A ruiva sorriu e deu de ombros. Ela acreditava em Sol, mas percebia que havia algo a mais se formando.
— Sei que já falei sobre isso, mas você só o vê como um amigo mesmo? — Cecilia interrogou a amiga. — Eu sei que só faz um mês, mas coisas assim não se pode controlar...
Sol bufou, negando. Como poderia gostar de alguém que ainda não tinha visto pessoalmente? Aquilo era uma amizade saudável, sem espaço para quaisquer sentimentos além disso.
— Ceci, ele é um amigo legal que conheci aleatoriamente. Não existe possibilidade de algo mais, conheço ele há cerca de um mês e nunca o vi. — Sol gesticulou com calma. — Existem pessoas que aparecem em nossa vida de forma aleatória e nos passam uma energia tão boa que criamos uma conexão sem explicação.
Cecilia não falou mais nada, as meninas entraram em um assunto sobre a noite seguinte e como tudo aconteceria, naquele momento as duas iniciaram uma retrospectiva que as fizeram sorrir por longos minutos.
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Naquela noite a família Moreira estava reunida na cozinha como sempre pós jantar, cada um deles estava responsável por alguma parte do simples jantar de aniversário, mas Sol sabia que não ia ser nada simples no final. Luzia fez questão de ser um belo jantar, com direito a um lindo bolo, doces e ela mesma havia bordado flores na barra do vestido da neta. Nicole e Sofia estavam encarregadas de organizar as lembrancinhas do aniversário, Charles e o Cris passaram o dia limpando toda a parte externa da casa e Isis resolveu tudo pela rua.
Todos tinham acabado de jantar, Cristian havia dormido cedo e Sofia assistia na sala. Nicole organizava a geladeira, Isis terminava o tempero de algumas comidas do jantar, Charles beliscava doces sentado a mesa e Sol lavava a louça.
— Não acredito que você fará dezoito amanhã, me sinto velha. — Isis jogou um tempero na carne e fingiu chorar. — É como se pudesse voltar para aquela noite, nossa.
Sol, lavando a louça, sorriu ao ver a mãe nostálgica, e Charles concordou, raspando o pote de doce.
— É uma idade boa, mas traz responsabilidades. Já pode fazer um cartão de crédito, dirigir e ir para festas. — O pai, animado, sorriu e enxugou o suor.
— E pode ser presa também. — Nicole sussurrou, sorrindo para a sobrinha.
— Não farei nada para isso, tia. — Sol negou, e o pai concordou.
Luzia entrou na cozinha após um banho. Ela havia parado de fumar definitivamente depois que sua filha mais nova questionou se queria morrer mais cedo e perder a vida dos netos. Nicole pensou que pudesse ter exagerado, mas foi a última observação que fez a mãe parar e refletir.
— Vocês demoram tanto fazendo as coisas, vamos deitar cedo, pois além de ser um dia especial, arrumaremos tudo. — Luzia foi abraçada repentinamente pela neta.
— Muito cheirosa mesmo. — Sol cheirou a avó, fazendo-a sorrir.
Aquele era o dia a dia de uma família onde cada um tinha suas próprias lutas. Sol podia perceber os tremores do pai e como ele estava sempre com algum doce. Ela sabia que sua insônia, os tremores, as mudanças de humor e o suor eram sintomas da abstinência, e Isis havia alertado a família com antecedência.
— Eu irei mesmo dormir, pois amanhã acordarei a tia de uma pessoa de dezoito anos. — Nicole sorriu e beijou a testa da sobrinha.
— Nós vamos também. Acordarei cedo para começar a preparar algumas comidas. — Ela chamou o esposo, que se levantou. — Boa noite, senhora quase de maior. Não durma tarde.
Isis limpou o rosto da filha e Sol sorriu, avisando que iria para a cama. A enfermeira e seu marido foram para o quarto. A relação deles estava melhor, com Isis vendo o esforço do marido, mas sabia que ele estava sofrendo com todos aqueles sintomas.
Charles deitou na cama, ligou o ar condicionado na temperatura mais gelada e pegou um punhado de remédios que estava tomando para ajudar com os sintomas.
— Está se saindo muito bem, sério. — Isis falou, sentando-se na cama ao lado dele.
Charles sorriu, vendo o alívio no olhar dela. Mas estava sendo muito difícil, uma luta diária contra ele mesmo, especialmente quando precisava sair de casa, muitas vezes preferindo não sair.
— Estou me esforçando, mas ainda quero ir para a clínica de reabilitação. Sozinho, não consigo. — Charles deglutiu os remédios. — Sozinho, quero dizer, sem uma equipe médica e literalmente preso.
Isis esqueceu o que ia dizer e apenas o abraçou com força. Parte dela estava feliz pela decisão do marido, e a outra parte sabia que seria muito difícil viver sem ele por um bom tempo.
— Vamos esperar uns dias após o aniversário da Sol. Ela também precisará digerir algumas coisas e vai precisar de nós dois. Após isso, daremos a notícia a eles. Será uma batalha longa, mas somos uma família, certo? — Isis perguntou, e ele consentiu.
— Não quero ficar longe de vocês... — Disse ele, sussurrando e prendendo o choro. — Isso vai ser tão difícil...
— Não queremos perder você. — Rebateu ela.
Alguns minutos se passaram em silêncio profundo até ele quebrar o gelo.
— Desculpa por não estar bem o suficiente para ser um marido presente... — Ele encarou a esposa, que revirou os olhos. — Você é maravilhosa, sempre foi.
Charles tinha algumas coisas que lhe causavam vergonha, mas Isis sempre o corrigia com um xingamento e o mandava parar de pensar demais. Ela sorria ao ouvir suas palavras doces, assim como fazia na adolescência. Eram em momentos como esse que ela percebia que seu marido ainda era o mesmo, no fundo.
— Charles, um casamento não pode ter o sexo como prioridade; isso é apenas uma parte. Estamos juntos há quase duas décadas, podemos esperar sem problemas. — Ela sorriu e enxugou o suor. — Quer ver os álbuns de fotos?
Ele sorriu e consentiu. Ela saiu da cama para pegar os álbuns, algo que sempre faziam. Eram tantas fotos que não conseguiam ver tudo de uma vez. Hoje, iriam rever o primeiro álbum da filha mais velha, para recordar como suas vidas mudaram após a chegada dela.
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Roendo uma unha, faltavam poucos minutos para seu aniversário e ela sempre ficava ansiosa. Mas, deitada na cama encarando o teto havia uma ansiedade a mais, Sol estava esperando uma ligação após tomar banho e se certificar que seus irmãos estavam em um sono profundo.
Faltavam dez minutos para meia noite, Cecilia já havia ido dormir e nenhuma rede social tinha muito o que fazer, mas ela entrou na conta do Vicente novamente e as publicações não mudavam com frequência. As fotos variavam em ele sozinho, com Joaquim e com Bruno. Algumas de um cachorro branco e muitas coisas sobre o espaço sideral, ela entrou na conta da mãe do menino e a mulher havia feito um story cozinhando ao som de uma musica clássica, Sol visualizou sem receio de ser curiosa.
— Pessoas elegantes, Maria Lilian, uma mulher tão bonita. Como assim ela foi traída? Esse marido é maluco... — Sol falou sozinha. — Já foi a tantos países, é bonita, ouço falar de uma mulher tão boa...
Vicente realmente já tinha falado sobre tudo o que ela via, mas com tanta gente trapaceira no mundo, Sol não se sentia culpada por fazer um papel de detetive.
— Merda, merda. — Sol sentou na cama e deixou o celular cair sobre o colchão. — O que faço?
Ela encarava o celular em cima do lençol, o nome Vicente piscando na tela, e o nervosismo tomou conta do seu corpo. O celular continuava tocando e ela não tinha coragem de atender, um misto de alegria e medo a dominava, até que parou de tocar.
Sol pegou o celular para pedir desculpas a Vicente e pedir que ligasse mais uma vez, mas não precisou. O celular tocou novamente e ela atendeu, colocando-o no ouvido.
Silêncio. Nada foi falado em ambas as linhas.
— Valha meu pai, você é muda e não avisou? — Vicente falou e Sol sorriu ao ouvir sua voz.
Ela sorriu, tapando os olhos, como se já tivesse ouvido aquela voz antes ou de alguma forma precisasse ouvi-la. Seu sotaque era forte, como ela lembrava do sotaque nordestino, e ela sorriu, deixando-o ouvir.
— Qual é, não sou muda, loiro falso. — Ela falou, e ele gargalhou.
Sol sorriu ao achar a risada dele bonitinha.
— Oxe, agora deu, não é falso. Acha que sou fake? — Vicente foi direto, fazendo Sol corar.
Nunca fiz uma amizade assim...
— Não, cara, não acho isso. É que seus pais têm cabelos escuros, seu irmão também. De onde saiu seu loiro? — Sol perguntou, voltando a se deitar na cama.
Vicente sorriu do outro lado da linha, ele deixava claro está mexendo com água e ao mandar seu irmão calar a boca, a fez rir baixinho.
— Minha vó materna é loira, com cabelos ondulados. Meu pai era loiro quando criança... — Ele bufou. — Então meu cabelo é um loiro escuro, mas fotos à luz o deixam mais claro. E o seu sotaque paulista é o único que acho bonito além do meu.
Sol estava gostando de ouvir aquele sotaque tão diferente do seu, e ele era naturalmente direto, falando coisas que a deixavam com vergonha.
— Obrigada pelo elogio, seu sotaque também é muito bonito. É engraçado... — Sol falou baixo, encarando o teto e ouvindo-o respirar.
— Eu sou engraçado ou o sotaque? — Ele perguntou, fazendo-a arregalar os olhos.
Droga, preciso falar menos.
— Os dois. — Sol sorriu, e não ouviu mais nada. — Vicente?
Ela tirou o celular do ouvido e viu que a chamada ainda estava ativa. Percebeu que era meia-noite e sorriu.
— Parabéns pra você, nesta data querida... — Vicente começou a cantar desafinado e parecia bater em alguma coisa para imitar um instrumental.
Sol fechou os olhos, gargalhando o mais baixo que conseguiu, e viu Sofia mexer. Ele ainda cantava toda a canção, e naquele momento, Sol percebeu que eles já tinham uma amizade que parecia antiga.
— Querida Sol, parabéns. Te conheço há pouco tempo e me sinto confortável conversando com você, isso não acontece com qualquer ser humano à minha volta. — Ele sorriu e ela também. — Seja forte e não desista dos seus sonhos...
— Obrigada, sério. Vi que você mandou uma mensagem em PDF, o que é?
— Seu presente. — Vicente falou, e ela se animou.
Sol foi até as mensagens e abriu o arquivo. O desenho era grande e perfeito. Ele havia feito algo ainda melhor do que ela tinha pedido: uma enorme pista de patinação no espaço, com uma arquibancada cheia de planetas, o sol, a lua e várias estrelas assistindo uma menina muito parecida com ela patinar. Ao seu redor, havia uma luz amarela, mais brilhante que o próprio sol sentado na plateia, e uma medalha em seu pescoço.
— Uau, uau, eu... Isso é perfeito, cara. — Sol estava sem palavras. — Você desenha muito bem, eu amei esse presente. Sua assinatura no canto me fez sentir importante.
Vicente sorriu, parecendo sem jeito, e contou brevemente como fez o desenho em seu iPad. A conversa fluiu ainda mais. Eles conversaram sobre a noite no dia seguinte, o fato de ambos usarem óculos, embora Sol preferisse lentes de contato, e Vicente contou sobre ser comparado ao cantor John Lennon por causa dos seus óculos.
Sol escutava muito sobre a vida dele; ele falava bastante e parecia ser extremamente educado, usando termos que indicavam sua educação. Ela percebeu que falava apenas das partes mais banais de sua vida, enquanto Vicente não fazia questão de contar seus dramas.
— Vicente, percebeu que eu falo pouco sobre as coisas difíceis que passo? Fora aquela situação da Cecilia... — Ela perguntou.
— Sim, normal. As pessoas têm tempos diferentes. Não deve ser fácil confiar em uma pessoa que você conhece há um mês. — Ele respondeu com sinceridade.
Sol negou e respirou fundo.
— Não é essa a questão, é que o grande desafio na minha casa há anos pode gerar pena ou julgamentos. Não que eu ache que você seja esse tipo de pessoa... — Ela se explicou, e Vicente concordou com ela.
— Sinceramente, eu julgo algumas coisas, não sou tão perfeito. Essa semana julguei um anel horrível do meu irmão, me perguntei qual era o problema do meu vizinho que passeia com o gato na coleira, e algumas músicas da atualidade fazem sucesso, por quê? São péssimas... — Vicente explicou, e Sol arqueou as sobrancelhas.
Como pode uma pessoa ser engraçada falando tão sério?
— Certo, lá vai: o grande desafio da minha casa há vários anos é com meu pai, que foi diagnosticado como alcoólatra. A luta é muito difícil diariamente. Por isso te falei que não bebo e sou tão imparcial com vícios que cheguei a molhar os cigarros da minha vó com a ajuda da minha vida. — Ela falou, soltando um grande suspiro.
Vicente a ouviu e suspirou.
— Entendo. Imagino o quão grande é a luta de vocês, querida Sol. Foi isso que fez você temer julgamentos? A parte dos cigarros me dói um pouco, mas você está fazendo o correto.
Só isso? Não vai dar alguma opinião ou perguntar detalhes?
— Na verdade, sim... — Sussurrou ela.
Vicente respirou fundo, deixando Sol curiosa sobre o que mais ele iria falar.
— Minha vó paterna tem depressão, meu avô diabetes, e eu fumo há quatro anos. Sabe o que isso tem em comum com seu pai?
Sol negou com a cabeça, e ele continuou.
— Umas são doenças, outras são dependências que também são doenças... Por que alguém julgaria? Isso não tem lógica. Essas três coisas precisam de tratamento, e, claro, os familiares são as pessoas mais afetadas depois do doente. Oxe, você precisa ver minha tia lutando para descobrir onde meu avô esconde os doces, e eu não sei o quão me controlo para não fumar mais desde que minha casa virou um caos. — Ele falou de forma descontraída e bufou.
Sol refletiu, respirou fundo e consentiu.
— Você tem razão, mas muitas pessoas acham que é safadeza ou falta de vontade de parar. — Sol falou.
— Seu pai é uma pessoa boa, eu sei disso pela forma como você fala dele. Mas sabemos que, assim como meu avô e eu, precisamos querer parar. Confio mais que eu e seu pai largaremos nossos vícios primeiro.
Sol sorriu. Assim como era conversar com Cecilia sobre esse assunto, com Vicente também era leve.
— Ué, não tem fé no seu avô? Tadinho... — Sol brincou.
— Menina, você precisa ver quando ele fica bravo. Diz todos os dias que não vai parar com os doces e que ninguém vai impedi-lo. Ele não quer parar...
Eles riram juntos. Vicente era engraçado e nem parecia estar triste com sua casa vazia sem seu pai. Mas era óbvio que ele também estava aos pedaços.
Uma hora, uma hora e meia, duas horas se passaram e aqueles dois conversavam sem deixar o sono chegar. Dividiam fatos da vida, falavam sobre seus irmãos e as coisas que tinham em comum, como serem os mais velhos, seus pais estarem em crise e suas mães serem muito fortes. Eles também não tomavam leite puro, preferiam o inverno e haviam gostado de alguém apenas uma vez, passaram mais alguns minutos listando tudo o que tinham em comum sem perceber o tempo passar e depois falaram sobre as inúmeras diferenças...
A principal diferença entre eles, após um morar no Nordeste e outro no Sudeste, era que Sol acreditava que tudo já estava reservado por Deus para cada vida, e Vicente não acreditava. Mas o que nenhum dos dois poderia mais negar era que aquilo estava longe de ser uma amizade comum. O que ninguém sabia era que, quando aquelas vozes se encontrassem pela primeira vez, o Deus dela e os astros alinhados dele se uniriam para tentar explicar o que seria toda aquela conexão.
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Me apaixonei por esses dois, é isso gente.
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