16: Água


No fim das contas, Marco e Theo se deram superbem. Rolou uma pequena briga por território implícita, já que Lia ria muito e flertava de leve com ambos sem perceber, mas, num contexto geral, a conversa entre eles foi tão divertida, que durou até o horário da lanchonete fechar. Susana veio até a mesa e avisou que eles deveriam ir, porque já eram quase sete da noite.

— Não vou pra casa com você, tá? — Avisou Anabel para a irmã, enquanto passava as alças da mochila pelos braços.

— Vai dormir na Lia?

— Não. Vou encontrar o Renan.

— Tá bom. Não fica andando até tarde — pediu Susana.

Anabel se despediu de todos eles, até de Marco, com um abraço apertado, e se foi. Theo disse que ia esperar Susana pra ir pra casa. E com isso restaram apenas Lia e Marco andando a caminho de casa.

— Um rolê com a Anabel, hein? — Disse Marco, depois de algumas ruas andando ao lado dela em silêncio.

— O quê? Eu tava mesmo com ela!

— Você só deixou de fora a parte daquele cara, Theo.

— Ora, ora, quem está subitamente interessado na minha vida. Não que isso seja da sua conta, mas eu não sabia que ele ia estar aqui. Na verdade, a última coisa que passava pela minha cabeça era ver o Theo.

— Tá bom, se você diz. É que quando eu saio com o Nicolas, você fica toda chateada. E, sei lá, vocês pareciam bem próximos, sob o meu ponto de vista.

Lia riu dele.

— Você é ridículo.

— Isso é o que a sua boca diz. Mas, dez minutos depois, ela demonstra algo muito diferente. 

— O Marco tá com ciúme — cantarolou Lia e deu pequenos pulinhos ao seu redor — ai, ai, tão bom quando alguém experimenta o próprio veneno!

— Vem cá sua coisinha irritante — respondeu Marco, puxando-a pela cintura e apertando firme o corpo dela contra o seu.

O sorriso se apagou dos lábios de Lia, e ela suspirou baixinho, sentindo o calor que ele emanava. Lia ficou na pontinha dos pés, apoiando-se nele, e os dois se beijaram, outra vez.

Era como uma droga, ou sei lá. Ela jurava que conseguiria parar qualquer hora que quisesse, mas quando a oportunidade se apresentava, não conseguia se conter e fazia tudo de novo.

O beijo daquela noite foi especialmente especial. Ela não sabia se era porque a essa altura estava ficando boa na coisa, se era porque os dois tinham meio que brigado, ou se era porque já fazia uma semana desde a última vez em que estiveram tão próximos. Tudo o que ela sabia, é que quando estava com ele, sempre queria mais.

Os dois demoraram um bom tempo pra chegar em casa, e só chegaram porque um grupo de pessoas entrou na rua onde estavam e começou a gritar e aplaudir. Marco fez uma mesura, entrando na brincadeira, e Lia riu envergonhada, com o rosto entre as mãos.

Marco a levou até o portão de sua casa, mesmo que sua rua fosse antes, porque estava de noite, e ele queria garantir que ela chegaria bem. Antes de entrar, Lia lhe deu um último beijo, e Marco esperou até que ela entrasse e fechasse a porta atrás de si, para só então ir embora.

Nesse meio tempo, enquanto Lia e Marco davam uns amassos na rua, Theo e Susana tinham uma conversa importante.

Depois que Anabel seguiu por uma rua, e Lia e Marco seguiram por outra, Theo esperou na calçada enquanto Susana juntava suas coisas e trocava de roupa. Quando ela saiu, Theo lhe ofereceu o braço, que ela segurou, como os dois costumavam fazer quando eram pequenos. Os dois alinharam o pé direito um com o outro, e começaram a andar, ritmando seus passos.

Theo conduziu Susana por uma rua que não era caminho para a casa da avó deles, e quando ela o questionou, disse que queria dar uma volta primeiro, antes de ir pra casa.

— Tava com saudade de você — revelou Susana. — Por que você não veio visitar a gente?

— As coisas não estão muito legais em casa, Susan. Eu só tenho dezesseis anos, e tenho que ser o adulto da casa. Meus pais brigam o tempo todo, e ficam se separando e voltando... Eu não tenho recebido muita atenção no meio disso tudo. Tenho lidado com muita coisa sozinho. E, bem, agora pelo menos eu já tenho dezesseis, quando eu tinha onze, doze, era bem pior. Era como se eu nem tivesse pais, ou pior, como se eu fosse o pai, e eles duas crianças brigonas. Eles me arrastaram pra uma cidade nova, do nada, e eu tive que lidar com isso sozinho, sem ter pra onde correr. Na maioria dos dias eu só queria, tipo, colocar minha mochila nas costas e correr de volta pra cá. Mas eu não tinha como. Não tinha pra onde fugir.

— Theo! Por que você nunca me falou nada? A gente era tão próximo!

— Porque você já tinha muita coisa pra lidar também. Seus pais morreram, e tudo, e você se tornou quase uma mãe pra Anabel... Eu não queria te dar mais essa preocupação. E também era por isso que eu não podia voltar pra cá. Minha vó já tinha vocês. E, afinal, meus pais não estavam mortos, então... De certa forma eu tinha conseguido o melhor acordo.

— De jeito nenhum! Não acredito que você viveu isso tudo sozinho!

— Enfim. O negócio é que... Bom... Durante esse tempo, eu experimentei um monte de sensações diferentes, especialmente ruins. E acho que essa mistura de sentimentos dentro de mim causou uma reação no mundo externo.
Susana não entendeu exatamente do que ele estava falando, mas assentiu com a cabeça, querendo saber onde aquela história ia parar.

— Eu comecei a perceber que algumas coisas estranhas aconteciam comigo — continuou ele — mas a gente vai voltar pra isso depois. Essas coisas aconteciam com uma frequência suspeita, o que me levou a querer entender a razão disso tudo. E foi aí que eu comecei a fuçar nas coisas de família que a minha mãe guarda. Sabe? Coisas que eram da sua mãe, da nossa avó e bisavó, e etc. Eu tinha a lembrança de ver minha mãe mexendo em um livro uma vez, do tipo que parece ter respostas que você não encontraria em outros lugares, com encadernação em couro, e tudo o mais, mas não sabia se tinha sido uma lembrança mesmo, ou um sonho. Enfim. Eu fiquei procurando em tudo, até que eu achei o tal livro: ele era real. E, de fato, ele continha as respostas que eu precisava. E foi por esse motivo que eu vim. Eu não sei se essas questões já chegaram até você, mas quero te preparar pra caso aconteça.

Susana tinha entendido apenas parcialmente o que ele estava dizendo.

— Ok. Vem comigo — chamou Theo, guiando-a para uma das praças da cidade, que há muito tempo tinha sido um lugar super badalado, mas, hoje em dia, estava basicamente abandonada. No meio da praça havia uma grande fonte de pedra, que já não funcionava há anos.

— Eu não quero assustar você — disse ele, e essa simples frase apavorou Susana completamente — é que não tem um jeito fácil de fazer isso. Tá bom, vamos lá.

Ele encarou a fonte com toda a seriedade do mundo, como se sua vida dependesse disso. Susana, por sua vez, encarou o rosto dele, depois a fonte, depois o rosto dele de novo. Por alguns segundos, nada aconteceu, e ela quase abriu a boca para perguntar do que ele estava falando, e que tipo de brincadeira era aquela.

Mas antes que tivesse a oportunidade de dizer qualquer coisa, um jorro de água começou a sair da fonte, e foi aumentando, em um fluxo contínuo, até se transformar em uma pequena cachoeira. Susana soltou um pequeno gritinho de espanto. Depois de alguns minutos, toda a fonte estava cheia e a água circulava como nos dias em que realmente tinha funcionado. Theo olhou para ela e sorriu.

Em seguida, olhou novamente para a fonte e a água começou a realizar uma espécie de coreografia com jatinhos ritmados, como a fonte original nunca fez antes. Por fim, Theo ergueu o olhar, e toda a água subiu para o ar – o ar! – e aquela grande poça, que era o suficiente para encher a fonte até a borda, se espalhou em minúsculas gotículas e se dissipou no ar. Não sobrou nenhum rastro de que aquilo acabara de acontecer, bem diante dos olhos de Susana.

— Por acaso eu acabei de sonhar tudo isso?

Theo deu um beliscão no braço dela.

— Ai! — exclamou.

— Acordada — esclareceu Theo.

— Eu quero saber como?

— Acredito que sim, porque tem a ver com você. Com todos nós, na verdade. Agora que você viu com seus próprios olhos, espero que não ache insano quando eu te contar a que a nossa família vem de uma longa linhagem de feiticeiras.

— Feiticeiras? — perguntou Susana, rindo como se tivesse acabado de ouvir a piada mais engraçada de todos os tempos, mas em parte era de nervoso; uma parte dela queria achar aquilo ridículo, mas a outra tinha acabado de ver água brotar e desaparecer a partir do mais puro nada.

— É, mais ou menos. Pessoas com habilidades especiais, se você preferir. Lembra do livro que eu te falei? Então. É sobre a história do “nosso povo”. Bom, reza a lenda que, há centenas de gerações, algumas pessoas da nossa árvore genealógica são capazes de criar e destruir coisas, de um jeito incomum. Como eu acabei de demonstrar. Cada uma dessas pessoas tem afinidade com um elemento diferente. O meu, por exemplo, é a água. Mas existem registros de pessoas que conseguiam dominar o ar, o fogo e a terra também.

Susana apenas o encarava, perplexa. Ninguém nunca a havia preparado para receber esse tipo de informação, e em função disso, ela não fazia ideia de como reagir. Sua primeira reação era simplesmente cair na gargalhada outra vez. Mas não fez isso, por causa da expressão séria de Theo e por causa do que ela tinha acabado de presenciar. Isso não era um tipo maluco de piada, nenhum ser humano conseguiria manipular aquele tipo de evento sem a ajuda de “algo a mais”.

— Vem. Vamos pra casa. Pode levar o tempo que precisar para processar tudo isso, e quando estiver pronta, eu te mostro o livro — sugeriu Theo, ao ver a expressão aturdida da prima. E foi isso que os dois fizeram.

Bom, pelo menos o Theo não é um vampiro, né não?! 😅

E a essa altura acho seguro dizer que nem mesmo eu consigo fugir de um bom romance clichê...

Então, vamos todos parar de negar as aparências e disfarçar as evidências, e ficar livres pra shippar muito e reler várias vezes as cenas do nosso casal!

#Larco vive!!! (Por enquanto).

Obrigada por chegarem até aqui ❤️

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