14: Seis dias, sete noites

— Pra quem há dois dias atrás não gostava de ninguém, até que você tá bem saidinha — sussurrou Anabel no ouvido de Lia, durante a aula de matemática, após ouvir o relato do que aconteceu no dia anterior, depois que eles foram embora.

— Bel eu não sei o que tá acontecendo comigo. De verdade. Há alguns dias nem passava pela minha cabeça me envolver com alguém, muito menos com ele. É que o Marco desperta em mim essas coisas que eu nem sabia que existiam, é insano.

— Lia tá namorando! — Cantarolou Anabel, baixinho.

— E você o Renan? O que aconteceu depois do fiasco da calça manchada?

— Ele me levou em casa! Tá certo que a Susana tava junto no caminho, mas depois que ela entrou, a gente conversou um tempão — Bel não conseguia esconder a alegria na voz.

— Finalmente esse casal vai acontecer, aleluia! Eu não aguento mais, quatro anos de agonia!

— E o que você sentiu só foi a ponta do iceberg do que eu senti — garantiu Anabel.

O sino tocou, assustando um pouco as duas. Elas juntaram suas coisas e saíram. Quando chegaram no portão, Lia viu Marco do outro lado da rua conversando e rindo, com um menino do último ano, um tal de Nicolas, em frente ao carro dele.

Os dois estavam a menos de um palmo de distância. Primeiramente, que tipo de pessoa tinha acesso a um carro aos dezessete anos? Dirigir com essa idade era até ilegal! Mas enfim. Segundo, que tipo de pessoa ia pra escola de carro?

Isso meio que violava o código subentendido de uma cidade de interior, onde todo mundo, literalmente todo mundo, ia pra escola a pé.

Sério, ninguém ia nem de bicicleta. Lia morava na última rua da cidade, e mesmo ela ia a pé. Sabe quando você cresce o suficiente pra ir pra escola sozinho, e quem vai com a mãe é visto como um bebê gigante e é zoado por isso até o fim dos tempos? É tipo isso.

Se uma pessoa não vai pra escola a pé, automaticamente surgem as questões: ela é boa demais para andar, como nós, meros mortais? Por acaso na família dela o dinheiro dá em árvores? Ninguém quer atrair esse tipo de atenção. Bom, ninguém exceto Nicolas, pelo visto.

Enquanto Lia ponderava essas coisas em sua cabeça, Marco atravessou a rua e disse para ela:

— Ei, Lia. Tudo bem se eu não voltar pra casa com você hoje?

— Claro — respondeu. Mas não estava nada bem, e nem ela sabia porquê.

— Ok. Te vejo depois — ele plantou um beijo rápido na bochecha dela, e saiu correndo de volta. Entrou no tal carro, com o tal cara, e se foi.

— Você entendeu o que acabou de acontecer aqui? — perguntou, para Anabel.

Mas quando olhou para o lado, ela também já estava longe, conversando com Renan, que tinha uma das pernas dobradas para trás, encostada no muro, a alguns metros de distância.

— Deixa pra lá — disse Lia, para si mesma, e seguiu pra casa sozinha.

Passou o resto do dia no ateliê, ajudando sua mãe com a criação de seus novos projetos; graças a isso, não teve tempo para falar com nenhum de seus amigos, nem para pensar em Marco.


💋💋💋


Na terça de manhã, Lia faltou aula. Era uma ironia, porque nem nos episódios de pesadelos da semana anterior ela tinha faltado. Não sentia mais a opressão que os pesadelos traziam, pelo menos não como antes, e desde o dia em que eles queimaram “o Khaifawe” no Bosque, não voltou a sonhar com ele. Contudo, simplesmente não sentia vontade de falar com ninguém naquele dia.

A tarde que passou com sua mãe a fez perceber o quanto queria um tempo em casa, sozinha. Então, decidiu fazer uma pequena faxina em seu quarto, separar roupas que não queria mais e papéis que não iria precisar.

Quando seu despertador tocou, às 6:20, mandou uma mensagem para Marco avisando que não iria hoje. Por mais que ela estivesse chateada com ele, sem razão aparente, não era grossa. Não iria deixá-lo esperando, e fazer com que se atrasasse.

Dormiu outra vez, e quando acordou, por volta das 10h, ele havia respondido com “ok, obrigado por avisar. Você tá bem?”. Lia respondeu com um simples “sim” e um emoji de polegar pra cima.

Ela tomou café com calma, tomou um banho, pra acordar, e fez fitagem em seu cabelo com a maior paciência do mundo. Começou a tirar suas roupas do armário e separá-las em pilhas, quando ouviu Marco chamando seu nome no portão. Lá se ia seu dia sozinha.

— Oi — cumprimentou ela, abrindo passagem para que Marco entrasse.

— Oi. Vim ver se tava tudo bem. Eu sei que você disse que estava bem, mas..., eu moro na rua de baixo, achei que não custava nada garantir. Depois daquela história toda de Khalifawe, e tal.

— Agradeço a preocupação — ela disse, ríspida — a boa notícia é que eu não voltei a ter pesadelos. Tá tudo bem mesmo. Só queria um tempo pra relaxar.

— Ah. Ok então. Eu posso ir, se você quiser.

— Não precisa. Você pode ficar e me ajudar na empolgante tarefa de dobrar roupas.

Marco riu e a acompanhou até o quarto, onde se sentou na poltrona, e Lia continuou dividindo as peças.

— E aí, qual é a sua com aquele cara, Nicolas? — ela não conseguiu se conter e perguntou, tentando parecer casual.

— Ah, nada. De repente as pessoas parecem interessadas em mim. Deve ser aquele lance de carne nova.

— Eu disse — lembrou Lia — ele parecia mesmo interessado em você. De um jeito, sabe, diferente.

— A fim de mim, você quer dizer? — perguntou Marco, e Lia fez uma expressão um pouco carrancuda demais, o que o levou a acrescentar: — É com isso que você está chateada?

Ela largou as camisetas que segurava e se virou de frente para ele.

— Olha, Marco, eu gosto muito de você. Eu já gostava mesmo antes da gente ficar, e tal. Por isso, eu vou ser  sincera, ok? Eu não quero ser aquele tipo de pessoa que fica fazendo joguinhos de adivinhação. Então, acho que a sua resposta é sim. Acho que eu fiquei sim um pouco chateada de ver como vocês dois estavam próximos, e... Como ele encostava em você de um jeito sugestivo... E como nós nunca realmente conversamos sobre as coisas. Tipo, eu não sei se você realmente gosta de mim, eu não sei o que a gente tem, eu nem sabia que você gostava de meninos... Parte de mim diz que eu estou sendo ridícula, e que um beijo não é um contrato de casamento, nem nada. Mas a outra parte insiste em ficar emburrada, e eu não sei porquê!

— Vem cá, senta aqui — convidou ele, puxando a cadeira da escrivaninha para perto da poltrona onde estava, e Lia se sentou. — Você tem razão sobre a parte da gente não ter conversado sobre as coisas. Sinto muito. É que o fim de semana foi tão legal! Faz tempo que eu não me sentia assim com ninguém, se é que algum dia eu me senti. Acho que eu só fiquei apreensivo de começar a falar e acabar com o momento, sabe?

— Sei, eu também.

— Tá, então vamos do começo. Bom, de fato eu gosto de meninos também. E é verdade que tem uma coisa rolando entre mim e o Nicolas. Nós não ficamos — confessou ele — nada físico aconteceu. Semana passada ele puxou assunto comigo algumas vezes no intervalo, nós conversamos, e de repente a conversa meio que virou um flerte. Ontem ele me chamou pra comer alguma coisa depois da aula, nós fomos, e passamos a tarde nesse clima. Mas foi só.
 
— Mas Marco — começou Lia com a voz um pouco embargada. — Se tava rolando um lance com ele semana passada, por que você me beijou no fim de semana? E se rolou todo esse momento especial com a gente, por que você voltou a sair com ele depois?

— Olha, eu sinto muito. De verdade. Eu juro que não pensei que essa história ia te afetar. Até porque não rolou nada com ele.

— Então o que rolou entre a gente foi legal, mas não legal o suficiente?

— Não, Lia! De maneira nenhuma! É claro que foi especial! É só que... Eu tenho quinze anos. Não posso fazer esse tipo de compromisso agora, entende?

— Não muito, na verdade.
Marco suspirou longamente.

— Às vezes eu fico olhando os meus pais, e outros adultos. Eles sempre têm tantos problemas pra resolver, contas pra pagar, trabalho pra fazer. Eles não saem, não têm amigos, não se divertem. Deve ser tão exaustivo ter uma vida assim... Eu fico pensando... Um dia, muito em breve, essa pode ser a minha vida também, e provavelmente vai ser. E eu não quero olhar pra trás e pensar que eu perdi a oportunidade de fazer algo que eu queria, sabe?

— Eu entendo a ideia geral. Mas não entendo esse ponto de vista, exatamente, porque, pra mim, ficar com você é ganhar uma coisa, e não perder outra.

— Desculpa, Lia, mais uma vez, me desculpa. Eu não queria ser essa pessoa pra você, juro que não passou pela minha cabeça como isso poderia te afetar. Talvez a gente não devesse ter ficado, afinal de contas.

— Ah, quê isso, não precisa exagerar também. Foi legal — ela tentou rir, mas seu coração estava um pouquinho partido. — Eu não tenho o direito de cobrar nada de você, a gente nunca firmou um compromisso um com o outro. Só... Dói um pouco saber que minhas expectativas eram grandes demais. E aquele foi o meu primeiro beijo, sabia?

— É? — Ele se mexeu na poltrona, chegando mais perto dela. Seu cheiro era irritantemente bom, e os cachos da sua franja estavam modelados de forma perfeita, como se ele também tivesse feito fitagem mais cedo.

— Eu não quis dizer nada na hora. Achei que ia soar bobo e infantil, e eu estava certa. Agora que eu disse em voz alta, soou tão estúpido quanto na minha cabeça.

— Se serve de consolo, o seu primeiro beijo foi infinitamente melhor que o meu.

— Conte mais.

— Eu tinha onze anos...

— Onze? Meu Deus, Marco! É isso que vocês crianças da cidade grande ficam fazendo?

— Basicamente. Enfim. Foi no intervalo da aula, atrás da sala onde eu estudava, num desafio. E foi horrível. Eu não tinha ideia do que fazer, estava com nojo, e umas vinte outras crianças esperavam pra saber como foi.

— Que horror!

— Pois é. Ah, foi com uma menina, como de costume. Só por volta dos doze é que eu comecei a perceber que quando passava Seis dias, sete noites na Sessão da Tarde eu reparava tanto no Harrison Ford quanto na Anne Heche.

Lia riu alto.

— Isso também aconteceu com você? Achei que só eu reparava no Harrison todo molhado naquela praia, com a roupa grudando no corpo, e tal.

— Eu diria que aquele filme é um divisor de águas pra todos nós, e talvez nosso primeiro contato com o conceito de sexualidade.

— Por que você tem que ser tão incrível, Marco?

— Porque se não fosse o meu carisma, eu nunca teria chance com meninas bonitas como você.

— Seu maldito — disse ela, levantando-se e puxando Marco pelo braço, até os dois ficarem de pé ao lado da cama. Tirou os óculos, dobrou-os, e os guardou seguros na caixinha sobre a mesa de cabeceira.

Ele sorriu, maroto, com seus dentes brancos e alinhados, e a encostou com cuidado contra a parede. Seus rostos se aproximaram em câmera lenta, quando ele perguntou, baixinho:

— Tem certeza?

— Ah, cala a boca. Mais tarde eu me arrependo — confirmou ela, e o beijou com vontade.

Oi gente, como foi o fds de vocês?

Quase que vcs ficam sem capítulo hoje, pq eu simplesmente ESQUECI que era domingo!!!

Mas a espera valeu a pena ❤️
Esse capítulo é tudo pra mim!!!

Sentem aqui, vamos conversar!

O que vcs acharam desse tal de Nicolas?

Ahhhh e tô curiosa pra saber: como foi o primeiro beijo de vocês?

O meu foi um desastre total. Aconteceu com o meu primeiro namorado (que mais tarde descobri ser mega abusivo), debaixo do sol do meio dia.

Pra completar a cena, tínhamos acabado de sair da aula, e eu tava com muito calor de calça, aí entrei em casa e vesti literalmente a primeira roupa que vi pela frente...

...era uma saia BALONÊ LARANJA FLUORESCENTE!!!!

Enfim, tudo o que podia acontecer de pior aconteceu kkkkkkk

No mais...

Obrigada por terem chegado até aqui 💗

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