9 | Quase Doce
Jogo a mochila no chão, me sento em uma das cadeiras dispostas em frente à sala da vice-diretora onde, pela fresta da porta, vejo meu treinador, ela e mais um casal conversando. Cruzo o calcanhar direito no joelho esquerdo e espero até que o treinador saia de lá. Pego discretamente o celular no bolso da jaqueta e olho a hora. Estou esperando há trinta minutos. Não sei por qual motivo, mas algo sério deve ter acontecido para que o treinador tenha pedido para me liberar da primeira aula e tenha pedido que eu viesse até a secretária para conversar.
Ontem foi um dia cheio tendo que tirar fotos e responder as perguntas previsíveis da jornalista. Fiz o melhor que pude. Fui sincero com relação a não me importar que Clóvis tenha se casado novamente e quando respondi que gostava muito da Lídia e que considerava seus filhos como meus irmãos de verdade, porque, bom, para mim eles são. Quando a pergunta foi direcionada a como era minha relação com meu pai, precisei fazer algum esforço para não mandar a real para ela, e contar que nós simplesmente não tínhamos uma relação. Em vez disso, respirei fundo e, por incrível que pareça, me lembrei do jogo do contente que a Clarice havia me ensinado. Procurei ver o lado bom de toda sua ausência. Quem diria, não é que essa coisa até que dava certo?
Disse para a repórter que nossa relação era boa, que quase nunca brigávamos - não é de todo mentira, afinal, não se briga com quem não se vê; contei que meu pai apoiava meu sonho de ser um grande atleta da natação - para ser justo, ele nunca foi às minhas competições, mas jamais me impediu ou me proibiu de nadar. Ele nunca falou que esperava que eu seguisse alguma carreira grandiosa ou que desejava que eu gerenciasse sua empresa de equipamentos de segurança. Eu não sei se isso é bom ou ruim, porque pode significar que ele apenas não se importa. A verdade é que eu acho realmente que ele não está nem aí para o que vou fazer e por mim tudo bem. Finalizei com a linda frase "se não fosse por ele, eu não seria quem sou". De certa forma, não acho que seja mentira, então, obrigada por isso, Clóvis!
Entrelaço meus dedos e os levo para trás da cabeça, fechando os olhos. Depois de todo aquele circo, ainda sobrou tempo para comprar o presente que eu estava louco para dar a mim e a Clarice. Meus lábios se erguem quase que instantaneamente quando penso no quanto ela vai ficar surpresa. Imagino seu sorriso lindo se abrindo e seus olhos castanhos brilhando, seus braços ao meu redor e minhas mãos segurando sua cintura fina, enquanto nossos corpos permanecem colados. Consigo visualizar minha boca cobrindo a sua, depois descendo lentamente por todo seu pescoço...
- Victor - meu sorriso morre e meus olhos se abrem assim que ouço a voz da vice-diretora me chamando -, pode entrar, o treinador está esperando.
Faço que sim e me levanto, enquanto, segurando alguns papéis, ela segue pelo corredor junto com um cara que parece bastante indignado.
Caminho até a sala com uma sensação esquisita no estômago. O treinador está em pé, olhando algo no celular e quando me aproximo, faço um ruído com a garganta e ele se vira para mim de imediato.
- Entra, filho - pede e, apesar de seu tom soar firme, percebo que seu semblante é hesitante.
Engulo em seco porque eu acho que nunca o vi assim. Entro e ele faz um gesto para que eu me sente. Olho para as paredes que são brancas, mas cheias de diplomas e há um quadro pendurado na lateral com uma frase motivadora. No canto, ao lado da janela acortinada, há um gaveteiro de madeira e sobre a mesa se encontram objetos como um porta-canetas colorido, pastas, clipes e um grampeador cor de rosa. Por algum motivo o treinador ainda não disse nada e quando ergo meus olhos para ele, eu o encontro pensativo, mas ele logo sai do transe e balança a cabeça.
O treinador puxa a cadeira ao lado da minha e se senta. Ele me entrega seu celular e eu franzo a testa sem entender nada da situação.
- Quero que veja isso - ele aponta para a tela do seu aparelho que está pausada em um vídeo.
Pego o celular, toco na tela, dando o play e uma gravação começa a passar. Uma compreensão vai me atingindo e eu fico paralisado com o que estou vendo. Téo e mais alguns caras estão cada um com uma garota, sentados na beira de uma grande piscina, passando um comprimido uns para os outros. Não parece ser na casa do Jonas, mas pela forma como estão bêbados não duvido que isso tenha acontecido no dia da festa. Os caras devem ter achado que era uma boa ideia sair de lá e irem para outro lugar para curtirem um pouco mais e usar porcarias.
Meus olhos se fecham por alguns segundos e fico enjoado. Por mais que eu já saiba o que vou ouvir e o que está prestes a acontecer, me nego a aceitar.
Que porra é essa, Téo?
- Filho, eu vou te perguntar isso só uma vez e quero que você seja honesto comigo, ok?
Engulo em seco e abro os olhos. Assinto, encarando o treinador que exibe uma expressão séria.
- Sei que teve uma festa e quero saber se há alguma chance de outro vídeo assim com você e mais alguém da equipe aparecer?
- Não... - Ppigarreio, tentando fazer com que minha voz não soe tão aguda. - Não posso falar pelos outros, mas saí da festa cedo e tava com uma garota. Não voltei depois.
- Certo - ele diz perceptivelmente aliviado. - Vocês andam sempre juntos e alguém cogitou a ideia de que pudesse ter mais desses - ele refere-se ao vídeo. - Imaginei que você não seria tão estúpido, mas também jamais esperei isso de Téo.
Sinto como se tivesse perdido a voz novamente, por isso me mantenho calado.
- Essa filmagem foi postada ontem e veio parar em nossas mãos hoje pela manhã através do treinador do colégio adversário.
Me lembro do homem que saiu da sala e de como ele parecia aborrecido.
- Mas isso não foi dentro da escola!
- Eu sei - o treinador concorda. - Mas eles estavam com a jaqueta do colégio e colocaram a integridade do Núcleo em jogo. - O treinador me encara com firmeza. - Hoje foi pedido um teste para ver quem está limpo e quem não, pois estão colocando em dúvida também a integridade dos atletas do Núcleo. Se o Téo ainda estiver com essas porcarias no sangue, eu não tenho o que fazer. Mas de qualquer forma, ele será suspenso por algum tempo, pois os pais dele estiveram aqui e disseram que não vão dar permissão para que ele participe das próximas competições.
- Porra! - Balanço a cabeça e me levanto, indignado, jogando o celular do treinador na mesa. - Eles não podem fazer isso com o Téo!
- Victor... - ele começa, se levantando, mas estou puto demais para ouvir qualquer coisa que ele diga.
- O Téo cometeu um deslize, mas é o melhor nadador que essa equipe tem! Por que você não lutou por ele? Não é justo despachar o cara só porque ele cometeu um erro num ambiente fora do colégio!
- Escuta, garoto, você precisa se acalmar. - O treinador olha para a porta como que para garantir que não há ninguém vindo, se aproxima de mim, segura meus ombros e vejo em seus olhos que para ele é tão difícil quanto para mim aceitar essa situação. - Droga, aquele menino é de ouro. Mas você sabe que não tenho controle sobre isso. Sempre peço para que vocês não e metam em confusão, e Téo estava ciente de que temos uma competição se aproximando, não devia ter se metido com coisas tão estúpidas.
Ele me solta e se afasta, apoia uma mão na mesa e esfrega a testa com a outra.
- Aquele garoto pisou feio na bola e infelizmente as consequências são essas.
- Mas não é justo, ele...
- É assim que vai ser, garoto - ele me corta e se volta para mim de uma forma que me faz entender que essa conversa já está encerrada. - Só queria que você estivesse a par do que vai acontecer e saber que não fez parte disso. Você já pode voltar para sala e pode pedir para ele vir até aqui.
Não consigo acreditar no que está acontecendo. Só quero pegar o desgraçado que gravou esse vídeo e socar a cara dele até quebrá-la.
- Agora, filho - a voz do treinador me acorda.
Pego minha mochila e saio da sala, arrasado. Faltam só alguns meses para nos formarmos e estar aqui, ganhar os troféus para este colégio é a melhor oportunidade que temos, pois não sabemos como será o futuro e a sorte que teremos. É possível que nada seja tão glorioso como a vibração das competições, toda a adrenalina circulando por nossas veias enquanto lutamos pelo primeiro lugar.
Paro na porta assim que subo as escadas e chego à minha sala. Relutante, entro. Tudo está quieto e, por um momento, acho que todos já sabem, mas quando olho para as mesas, percebo que os livros estão abertos e que provavelmente eles devem estar concentrados respondendo aos exercícios. Sigo até a professora e aviso que dessa vez o treinador quer falar com o Téo. Ela não parece contente, mas permite que eu vá até ele e peça para ele ir até a sala da qual acabei de vir.
- Aconteceu alguma coisa? - a pergunta é feita num tom baixo, mas devido ao silêncio muitos erguem as cabeças em nossa direção.
- Melhor ele te dizer.
Não quero deixar meu melhor amigo preocupado, mas acho que seria errado ao menos não prepará-lo para saber o que o espera, então me inclino e falo perto do seu ouvido para que só ele consiga ouvir:
- Vocês tinham mesmo que filmar?
Téo arregala os olhos. Ele engole com dificuldade, pega suas coisas e o vejo caminhar lentamente para sair da sala. Me sento e abro numa página qualquer. Finjo me concentrar como todos os outros, mesmo que minha cabeça não tenha espaço para nada nesse momento a não ser ao fato de que meu amigo está muito, muito ferrado.
Victor não olhou para mim em nenhum momento desde que entrou. Não sei o que está acontecendo. Domingo não recebi qualquer mensagem sua desejando que eu tivesse um dia bom ou mesmo um "boa noite" e não sei bem como me sentir a respeito. Não faço ideia se devo ficar preocupada ou se ele está em silêncio porque não quer que eu interprete nosso beijo como algo que vai nos levar a um nível ao qual ele não está disposto a chegar.
Olho para o lugar em que está sentado. Victor permanece com a cabeça baixa e passando a caneta entre os dedos. Me parece distraído com alguma coisa e eu me pergunto se tem relação com a equipe. Vi quando ele chegou, mas não entrou. Não tinha entendido por que ele não estava na aula, mas quando apareceu e em seguida o Téo saiu, liguei os pontos. Talvez eu devesse perguntar o que está havendo, mas e se ele achar que estou fazendo isso apenas porque quero alguma coisa com ele? Fico apreensiva que ele pense que o estou pressionando, mas não sou o tipo de garota que gosta de fazer joguinhos e de ficar escondendo os sentimentos porque tem medo de levar um fora.
E eu não vou esconder. Assim que conseguir um momento com ele, nós iremos conversar. Se Victor não quer nada sério comigo, é melhor que eu saiba logo de uma vez.
- O que houve com ele? - Bárbara sussurra para mim e olha para Victor, indicando que é dele que está falando.
- Não sei - digo meio desanimado.
Ela franze a testa e me fita como se estivesse encucada com o comportamento dele.
Apesar dessa situação com Victor, estou feliz que Bárbara esteja conversando comigo e tenha me perdoado, pois quando chegou aqui estava bastante chateada por eu não ter mandado mensagem para ela falando sobre a festa e sobre eu e Victor termos nos beijado. Não fiz por mal. Estava louca para contar pessoalmente e ver sua cara, por isso adiei dizer tudo pelo celular, mas parece que agora eu e Victor somos assunto, o que me deixa desconfortável. Nunca fui pivô de nenhuma fofoca. Não é que eu seja uma garota invisível, mas minha vida escolar sempre foi bem normal. Ao que parece isso acabou de mudar, pois, como minha amiga falou, estavam comentando que "o capitão da equipe de natação estava enfiando a língua na garganta de uma tal garota na festa", um baita exagero.
Procuro não ficar pensando nisso e nem em Victor. Tento focar na aula e na correção dos exercícios, mas meu cérebro parece incapaz de obedecer aos meus comandos, pois a todo o momento minha cabeça se move, levando meus olhos até ele e meus pensamentos viajam, tentando decifrar o mistério em torno do que se passa na mente desse garoto.
Finalmente a hora do nosso intervalo chega e os alunos se apressam em sair da sala. Vejo Victor fazer o mesmo e se afastar bem rápido. Bárbara ergue uma sobrancelha ao me encarar.
- Caramba, seu namoradinho tá mais estranho que o normal.
Sou obrigada a concordar.
Recolho meu material e Bárbara faz o mesmo com o seu. Ela me acompanha até meu armário, pois quero pegar um pouco de dinheiro e comprar algo, já que não trouxe nada de casa para comer. No caminho até lá, ela me conta alguma coisa sobre o Gustavo e o almoço que tiveram com os pais dele. Apesar de ouvir o que ela diz, sinto dificuldade em entender suas frases. As palavras não fazem muito sentido na minha cabeça, porque estou longe daqui.
- Alô, florzinha, tem alguém aí? - Bárbara estala os dedos em frente ao meu rosto e eu pisco os olhos, aturdida.
- Desculpa, Babi, hoje eu tô sendo uma companhia péssima. - Sorrio pesarosa para ela.
- Sem essa, florzinha - ela sorri e me dá um soquinho no ombro, me tranquilizando.
Retribuo o sorriso, mas volto a ficar séria quando vejo Victor. Ele está caminhando depressa e acho que não nos vê, porque está olhando ansioso para as portas que levam às escadas e dão acesso ao jardim de trás. Quando ele passa ao meu lado, percebo que não tenho muito controle sobre meus movimentos. Mal me dou conta quando minha mão agarra a manga da sua jaqueta, e o gesto o faz se voltar por apenas um segundo em minha direção.
- Clarice, depois...
É tudo que ele diz antes de se virar novamente e desaparecer.
- Que idiota!!! - Bárbara faz um grunhido.
- Ele deve estar com pressa pra resolver algum assunto importante - digo à minha amiga ao fechar o armário e acredito mesmo nisso.
- Tá, mas ele não podia parar um segundo e ser gentil em explicar? Isso foi grosseiro! Ainda mais vindo de um garoto que te beijou numa festa e nem sequer te mandou uma mensagem no dia seguinte pra saber como você tava!
Minha única resposta é um suspiro. Não quero discutir com ela e, ainda bem, Bárbara não insiste no assunto. Em silêncio, vamos até o refeitório. Entramos na fila e pegamos as bandejas para nos servirmos, mas, sendo bem honesta, sei que não vou conseguir comer muito. Estou inquieta e isso me tira o apetite.
- Não fica assim, Lilica. - Bárbara desliza a mão pelo meu braço num gesto carinhoso.
- Lilica? - Levo um pequeno susto ao ouvir a voz do Samuel soprar em meu ouvido.
Me viro na fila com os olhos arregalados e ele abre um grande sorriso para mim. Eu nem havia notado a presença dele atrás de mim e isso é meio desconcertante.
- Você me assustou! - reclamo.
O sorriso dele se alarga mais e seus olhos castanhos me encaram com divertimento.
- Desculpa, Lilica - provoca -, não foi minha intenção. Não vai contar pro V ok? Não tô a fim de apanhar - ele brinca, olhando para os lados como que para garantir que Victor não está por perto.
Bárbara solta um riso de deboche ganhando a atenção de Samuel, que a encara com um olhar interrogativo.
- O quê? O V e você não estão juntos? - Ele parece confuso.
- Como? - Bárbara responde no meu lugar, colocando uma mão na cintura e estreitando os olhos. - Para eles estarem juntos, ele precisaria falar com ela, coisa que ele parece incapaz de fazer!
Às vezes eu só queria bater com força na cabeça da minha amiga. Olho feio para ela, que põe a mão na cintura.
- Desculpa, Lilica, mas é a verdade.
- E obrigada por espalhar pra todo mundo! - rebato, irritada.
- Relaxa, Lilica! - Samuel toca meu ombro. - O V sempre foi muito na dele e acho que nunca teve um relacionamento sério, só precisa de uns toques. Talvez eu possa até ajudar. - Ele pisca um olho para mim e varre os cabelos curtos e escuros com os dedos.
Por algum motivo, algo me diz que essa parece uma péssima ideia.
- Muito obrigada, Samuel, mas eu dispenso.
- Você que sabe. - Ele pisca mais uma vez.
Chegamos ao caixa, pesamos nossos pratos e pagamos. Samuel segue para a mesa em que está reunida a maioria dos garotos da equipe de natação e eu e Bárbara seguimos a procura de uma que esteja vaga e nos sentamos. Depois de comer o pedaço de bolo de milho e beber o achocolatado, digo a Bárbara que preciso ir à secretaria. Quero ver se consigo me matricular nas aulas de LIBRAS. Espero que ainda tenha vaga disponível para essa matéria. Estou mesmo muito empolgada em fazer essas aulas extracurriculares e preciso me distrair ou vou acabar ficando maluca.
- V, é melhor você voltar. Já basta uma pessoa encrencada - diz Téo soltando o ar com frustração.
- Não tô com cabeça pra assistir aquelas aulas chatas de biologia. - Faço uma careta. - Volto na hora do treino.
Ficamos em silêncio, olhando para o lago, debruçados sobre a pequena ponte de madeira do parque, que fica a algumas ruas do colégio. Não foi difícil saber onde Téo estava, mas eu precisava ser rápido e aproveitar que os homens que reabastecem o restaurante do colégio não estavam lá, ou não poderia sair pela porta de entrega. Pouca gente sabe, mas temos um macete para conseguir abri-la, isso claramente até alguém descobrir e consertá-la.
Levanto os olhos para o céu. O sol está começando a ficar forte, apesar de as árvores ainda fazerem sombra sobre nós, mas nenhum dos dois tira a jaqueta.
- A gente nunca foi disso, então... Por quê? - É a única coisa que consigo perguntar. Ainda não acredito que Téo não vai mais poder competir.
Sei que esse tipo de coisa rola nas festas, não é como se não acontecesse na nossa frente o tempo todo, mas eu e o Téo sempre ficamos longe de qualquer tipo de droga.
- Sei lá, cara, eu tava muito bêbado e... - Ele dá de ombros. - Só parecia legal naquela hora.
- Legal? Sério? - Rio sem humor.
Mas essa nem foi a coisa mais idiota que ele me disse hoje. O pior de tudo foi saber que a merda do vídeo foi parar no Instagram porque eles mesmos o colocaram lá. Estavam chapados demais para pensar e simplesmente achavam que ninguém ia falar nada a respeito. É muita burrice e eu queria dar um soco no meu amigo por ter participado daquilo, mas ficar condenando Téo pela idiotice que fez não vai ajudar. Ele sabe que pisou feio na bola e já basta todas as consequências que está sofrendo, porque competir e estar na equipe é tudo para ele assim como para mim. - Podia ser pior, V.
- Podia?
Téo se vira, encosta as costas na parede da ponte, cruzando os braços e os calcanhares e tenta soar confiante.
- Não fui expulso e o treinador disse que quando minha suspensão acabar posso voltar a frequentar as aulas se meus pais deixarem.
Passo as mãos pelos cabelos.
- Você teve sorte, Téo. - Eu me viro para ele, que me encara de volta. - Você podia ter se ferrado muito mais que isso e não tô falando só do time.
- Foi vacilo, não vai acontecer de novo - ele me garante. - Eu tô mal pra cacete, não vou mentir, mas eu mereci e não adianta ficar me lamentando.
Ele tem razão. Ficar lamentando não vai ajudar ou mudar coisa alguma. Se ele diz que não vai mais fazer isso, acredito nele.
- Quer fazer o quê agora? - pergunto para ele, me endireitando.
Sinto o calor aumentar e dobro as mangas da jaqueta para cima. Téo sorri, aponta com a cabeça para o outro lado da ponte e meu olhar segue aquela direção. Há duas garotas lindas dividindo um banco. Ambas são loiras e também usam uniforme, uma saia de prega e blusa branca com o símbolo do colégio ao qual pertencem. Olham para nós com evidente interesse, e cochicham uma com a outra, soltando risinhos.
- Não vai rolar. - Balanço a cabeça em negativa.
- Vai dispensar duas gatas como aquelas? - Téo dá risada. - Pelo visto seu lance com a professorinha é sério.
- Pode crer.
- Quem diria - ele continua rindo -, pra quem não queria se envolver. Já era, cara, você tá perdido.
Se isso é estar perdido, eu não quero nunca mais me encontrar. A Clarice me faz bem e seria besteira eu tentar me afastar dela quando tudo que quero fazer é o contrário. Não era o plano, mas aconteceu e sei que posso dar conta de continuar focando no meu objetivo e ainda conseguir manter o que a gente tem um com o outro.
- Não vou cortar seu barato, Téo, vai lá. - Ergo uma sobrancelha. - Quem sabe você não consegue as duas.
Téo se desencosta da ponte e solta um assovio, olhando para o céu como se estivesse imaginando a cena.
- Parece tentador - ele expele o ar como se lamentasse o que vai dizer -, mas vou me punir um pouco mais e, em vez de tentar a sorte com aquelas duas gatas, vou te deixar me pagar uma Coca bem geladinha. - Ele sorri para mim, passa um braço ao redor do meu ombro e bate no meu peito com a mão espalmada.
- Que altruísta da sua parte. - Sorrio, irônico.
Pegamos nossas mochilas. Téo dá uma última olhada para as duas garotas e joga um beijo no ar para elas, enquanto nos afastamos, e vejo o rosto de ambas se tornar pura confusão.
*
Estamos todos esperando no vestiário, depois de fazer os testes, quando sinto meu celular vibrar no bolso da minha jaqueta. Eu o pego e vejo que é uma mensagem, dizendo que já posso ir buscar o que encomendei. Pensei que isso demoraria muito mais, mas até que foi bastante rápido. Pretendo ir buscá-lo quando sair do treino.
Sento no banco e me abaixo para desamarrar os tênis. Ainda estamos na metade do dia e praticamente não fiz nada, mas o estresse da manhã foi tão desgastante que já estou exausto e sinto como se minha cabeça fosse explodir.
- E aí, V! - Samuel me cumprimenta ao sentar ao meu lado.
- E aí, Samuca - retribuo e nós dois batemos os punhos.
- Como estão as coisas, cara? - ele pergunta.
Uma droga, só que não digo isso, até porque não quero que ele pergunte o motivo, então apenas respondo que está tudo bem.
- Ei, V - Samuel se abaixa e começa a desamarrar seus tênis também -, você e aquela menina da festa, a Clarice, ainda tá rolando alguma coisa?
A pergunta faz uma sensação estranha passear pelo meu peito até o estômago, aumentando as pontadas ali. Por que ele está interessado em saber disso?
- Tá, sim. - Faço questão de mandar um olhar direto para ele quando digo: - Fica longe dela.
Os olhos castanhos de Samuel se estreitam um pouco e ele se ergue.
- Não tô interessado na sua garota. - Ele solta uma espécie de risada, tira a jaqueta e a joga ao seu lado. - Mas se vocês estão juntos é melhor ela saber.
- Como assim? - Não estou gostando nada dessa conversa.
- Cara, ela deu a entender que não havia nada, então acho que não sabe como anda a situação entre vocês.
- E como ela deu a entender isso?
Em vez de responder minha pergunta ele apenas balança a cabeça e sugere:
- Só esclarece as coisas com ela, V, ou alguém vai acabar tirando ela de você.
Apesar de ter dito que não está interessado em Clarice, fico em dúvida sobre como devo interpretar suas palavras. Seria uma ameaça? E por que ela deu a entender que não estamos juntos se me beijou na festa?
A boca de Samuel se abre para dizer mais alguma coisa, mas ouvimos a voz do treinador, que pede nossa atenção e somos obrigados a nos levantar e seguir até onde ele está. Todo mundo da equipe já se encontra ali, esperando, então o treinador começa a falar. Ele não esconde o motivo de os testes estarem sendo feitos e aproveita esse momento para nos lembrar sobre a importância de nos mantermos limpos de "substâncias ilícitas" como colocou. Dá para ver que praticamente o time todo fica chateado com essa situação e dá para entender o motivo. Téo sempre foi bacana com eles. O cara tem carisma e é um grande amigo. Está sempre ajudando os outros nadadores, dando dicas e conselhos para eles.
O discurso do treinador termina e é possível sentir o clima ruim que se instala. Ainda assim, ele faz questão de nos incentivar e, apesar do meu estado de espírito estar uma merda, me junto a ele e digo aos caras palavras encorajadoras, tentando amenizar a atmosfera. Alguns perguntam quem irá substituir Téo nas competições, mas ainda não há nada decidido, embora o próximo campeonato seja daqui a duas semanas.
- Caramba, mano, que droga - Samuel lamenta quando seguimos para a piscina.
- É, que droga.
Não estou com humor para lidar com ele, então não dou trela para que fale mais. Também não converso muito quando Jonas vem até mim. Só quero que esse dia acabe logo. Estou chateado pelo Téo e decepcionado com a Clarice por ela não ter dito ao Samuel que estamos juntos. Achei que aquele beijo havia significado alguma coisa mais profunda para ela. Mas eu sou mesmo um idiota romântico por pensar assim.
Tento dar o meu melhor na piscina, mas meu rendimento está bem abaixo. Minha cabeça lateja com força e meu estômago está revirado. Não me sinto nada bem para continuar. Peço para o treinador me liberar e para que me deixe ir para casa. Ele diz que tudo bem, posso sair se algum responsável vier me buscar, e eu ligo para Lídia. Peço para que ela fale com a escola e mande o nosso motorista.
Quando entro no vestiário, sequer tomo uma chuveirada. Apenas me seco e me visto, deixando para tomar um banho em casa, porque é o único lugar em que quero estar agora. Pego minha mochila e saio logo dali. O treinador sugeriu que eu passasse na enfermaria, mas não vou fazer isso. Caminho pelo corredor, com o celular em mãos, olhando minhas mensagens, mas paro ao ver que Clarice não foi para a loja da mãe. Ela está pegando alguns livros no armário, mas ao notar a minha presença para o que está fazendo para me olhar. Ela parece contente em me ver, mas ao mesmo tempo fica confusa. Tranca o armário e vem até onde me encontro, chegando bem pertinho de mim.
- Você tá bem?
Ela está segurando os livros que pegou, mas os coloca em um dos braços e estende uma mão para tocar meu rosto. Não me afasto. Deixo que me toque. A sensação quase me faz esquecer que estou magoado, porque a pele dela é tão quente, macia e gostosa de sentir, que me faz lembrar do quanto sua boca também é. O perfume de cereja que vem dos seus cabelos, misturado ao perfume do seu pulso que parece ser uma fragrância floral, me deixa louco para puxá-la e beijá-la com tudo que tenho de mim para dar, só que me contenho. Faço questão de lembrar a mim mesmo que para ela nós não somos nada além de amigos. Amigos que se beijaram. Só isso. E se não fosse assim, ela não teria negado nosso lance para o Samuel.
- Tá fazendo o que aqui?
Clarice encolhe os ombros parecendo surpresa com o tom sério que uso para fazer a pergunta e recolhe sua mão.
- Minha mãe contratou alguém para cuidar da loja e agora estou livre para fazer as aulas extracurriculares de LIBRAS.
- Hum...
O silêncio recai sobre nós. É desconfortável e incômodo, mas eu não ligo. Estou decepcionado demais. Clarice parece ansiosa, então é a primeira a quebrar aquela quietude.
- O que tá acontecendo, Victor?
- Eu só achei que você fosse diferente das outras, Clarice - digo e mal reconheço a tonalidade patética com que as palavras saem da minha boca.
- Como é? - ela arqueja. Seu rosto é tomado pela surpresa e ela me olha como se não entendesse o que quis dizer com aquilo.
- As outras... Elas só querem estar com o capitão da equipe de natação pra estarem por cima e agora que você conseguiu vai dar bola pro Samuel? Eu não achei que você fosse assim.
- Por que tá dizendo isso sobre o Samuel? - Ela parece meio chocada ao perguntar e isso me faz rir com desgosto.
- Disse pra ele que a gente não tava junto.
- Eu não disse isso pra ele! - ela protesta.
- Você deu a entender, o que meio que dá no mesmo, né?
Percebo o peito de Clarice subir e descer num ritmo acelerado. Ela está com raiva e o jeito com que se altera mostra que estou certo.
- Nós não estamos juntos, Victor! Eu não tenho como adivinhar as coisas quando você simplesmente não me fala nada e me deixa confusa, pensando a respeito do que realmente quer!
Lágrimas enchem os olhos dela, mas ela é boa em contê-las.
- Tenho que voltar pra aula e você tá me atrasando, então licença.
Ela passa ao meu lado e segue seu caminho. Fico ali, sentindo a raiva se acumular dentro de mim misturado a uma sensação horrível de angustia. Odeio saber que fiz a Clarice se sentir mal de novo e agora eu me pergunto se o fato de ela dizer que não estamos juntos é culpa minha. Será que eu a fiz pensar de alguma forma que não queria nada sério com ela?
Merda. Por que tem que ser tão complicado?
________
IMPORTANTE
Juntos e Shallow Now fez sentido agora, gente? Kkkkk
Brincadeiras a parte, queria pedir desculpas por não ter respondido os comentários no capítulo anterior. A situação é a seguinte: fim de semestre e está tudo muito corrido pra mim. Estou tendo que correr atrás de algumas coisas da faculdade de forma que não estou conseguindo me concentrar em mais nada.
Eu faço Letras e, na verdade, o curso em si já acabou, mas tiveram coisas que eu não consegui fazer e deixei para o final e agora tenho que resolver para conseguir no semestre que vem continuar viva (mamis já ameaçou minha vida :'C ) e pegar meu diploma. Assim, vou dar um tempo em QD.
As postagens voltarão normalmente lá pelo dia 16, mas prometo que quando eu voltar vou tentar compensar demorando menos pra liberar capítulo novo. Vocês me perdoam? E no próximo também vou continuar com as homenagens ❤
Não desistam de mim ❤❤❤
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