6 | Quase Doce
Se eu pudesse descrever minhas ações de ontem, eu poderia resumir tudo em uma única palavra: patéticas. Não posso acreditar que eu tenha me enganado daquele jeito e agido de uma forma tão imatura. Mas foi complicado observar Clarice com aquele cara e pensar que eles estavam flertando. A ideia de que ela estivesse interessada em outro me deixou simplesmente maluco. Eu agi como um idiota e, apesar do que eu e Clarice tivemos naquela despedida, não sei como será o clima entre nós hoje. A noite foi longa, e ela pode ter usado esse tempo para pensar que não vale a pena sequer me dar aulas. É possível que tenha se arrependido do nosso momento e não queira mais me ver.
Me recuso a continuar com esses pensamentos. Visto meu uniforme, desço as escadas e vou direto para a sala tomar o café antes de ir para o colégio. Todos já estão reunidos. As crianças estão sentadas ao lado de Lídia e Clóvis está na ponta da mesa.
- Bom dia - cumprimento educadamente.
- Bom dia! - a pequena Maia é a que responde com mais entusiasmo.
Eu deposito um beijo na testa de Maia e me sento na cadeira ao lado. Depois de alguns segundos, meu pai se dirige a mim:
- Como foi seu dia ontem, filho? - Ergo minha cabeça para encará-lo com um ar entediado. Ele não se abala, leva a xícara de café até os lábios e mantém contato visual comigo.
Estendo uma mão para pegar o pão que está na cesta e a outra para pegar a faca, tirando um pouco de geleia com ela e espalhando pelo miolo.
- Bom - digo sem acrescentar maiores detalhes e dou uma mordida grande no pão a fim de tentar evitar que ele tenha chance de me fazer mais perguntas, mas o plano não parece surtir efeito.
- Ainda está tendo aulas com aquela sua amiga?
Faço que sim com a cabeça.
- Está conseguindo aprender muita coisa?
Mais uma vez apenas balanço a cabeça.
- Não prefere que eu contrate uma profissional para te ajudar?
Dessa vez mexo a cabeça de forma negativa. Se depender de mim, esta conversa será um monólogo, pois não estou nem um pouco a fim de gastar saliva com ele.
- E as competições da sua escola? Quando começam?
Tomo um gole do meu suco de goiaba antes de responder. Está difícil engolir isso e não estou falando exatamente do pão.
- Já começaram.
- E como foi?
- Ganhamos. - Dou de ombros.
- Ah, Victor, queria muito ter visto você competindo. - Lídia sorri para mim e se volta para o meu pai. - Não acha que deveríamos assistir aos próximos? Poderíamos levar as crianças!
- Eu quero! - Maia se agita e me olha com aquele sorrisinho infantil e animado. Pedro também se mostra interessado e cutuca a mãe.
- É uma ótima ideia, meu bem. - Clóvis oferece a ela um sorriso e um olhar cheio de ternura. Ela coloca a mão sobre a dele e ele a acaricia.
Aquele gesto me desperta uma sensação estranha e uma imagem semelhante, mas em um ambiente diferente, se forma em minha mente. Pisco tentando compreendê-la, mas é algo tão rápido que eu não tenho certeza. É como se eu tivesse tido um déjà vu. Ou talvez não tenha nada a ver com déjà vu e essa seja apenas uma lembrança, apesar de eu não me recordar de já ter vivenciado essa cena em algum momento da minha vida. Só que há tantas coisas das quais eu não me lembro que é difícil discernir.
- Victor - Clóvis me desperta e eu olho para ele -, nos avise quando forem competir novamente - sua voz soa como se realmente fosse importante para ele participar de algo em que eu esteja envolvido.
- Tá. - Jogo a cabeça para o lado e me inclino para olhar a hora no relógio da sala de visitas, então me levanto e me despeço fitando especialmente Clóvis: - Até mais tarde e... Pai - esboço um meio sorriso -, obrigado pelo súbito interesse no meu dia.
Ele sorri de volta, mas consigo perceber que é um sorriso forçado e que ele está se esforçando para não perder a paciência comigo. Eu aceno alegremente para todos e saio fora dali. Acho que se Clóvis não fosse exímio nos negócios e eu um bom nadador, talvez pudéssemos ser grandes atores. Ele com certeza ganharia um Oscar.
*
Não vejo Clarice em lugar algum e ela não é garota de chegar atrasada. Quando a primeira aula se inicia e olho para o lugar em que ela sempre se senta, vejo que a amiga louca está sozinha e a carteira dela vazia. Alguma coisa deve ter acontecido para ela não vir hoje.
- Ei, V - Téo chama minha atenção enquanto a professora de história passa alguns slides que mais me dão sono do que atiçam minha curiosidade -, vai ter uma festa lá na casa do Jonas esse final de semana.
- É mesmo? - Me reclino descontraidamente na carteira.
- Você vai, né?
A professora olha em nossa direção com uma careta e Téo se afasta de mim. Quando ela se volta para toda a turma de novo, espero alguns minutos até que ela torne a estar entretida em dar sua explicação e me inclino para Téo.
- Quem vai pra lá?
- Todo mundo, cara. As meninas da equipe de vôlei, os caras dos times... tipo, geral do último ano foi convidado e até umas garotas bonitas do segundo. - Téo curva a sobrancelha daquele jeito malicioso e eu faço que não com a cabeça, rindo.
- Tá - ergo o ombro -, vou estar lá. A que horas...
- Teófilo e Victor! - Somos interrompidos e Téo faz uma careta. Ele odeia ser chamado pelo nome inteiro. - Eu realmente vou ter que separar vocês como se vocês estivessem numa turma da pré-escola?
- Deixa o casal, professora - grita Luana lá do fundo.
- Ah, qual é, Lulu - Téo se vira em sua carteira -, eu te pedi pra manter meu caso de amor com o Victor em segredo.
Eu me viro para ela, entrando na brincadeira e balanço a cabeça como se estivesse decepcionado com ela por não guardar "nosso segredo". A turma toda solta uivos entrando na brincadeira também e um caos se instala na sala, deixando a professora completamente maluca.
*
Perguntei à Clarice no Whatsapp se está tudo bem, mas até agora ela não me respondeu e pelo que vi desde ontem quando me mandou a última mensagem, ela ainda não entrou no aplicativo. É ridículo demais imaginar que ela não tenha vindo por minha causa, mas me sinto um tanto culpado, então espero Bárbara ir até seu armário e sigo até ela.
- Oi. - Coço a nuca e sorrio, apoiando as costas contra o armário.
- E aí? - Ela sequer dirige seu olhar a mim, apenas continua guardando seus livros.
Essa garota maluca sempre teve esse jeito frio ou Clarice disse algo sobre nós a ela? Talvez ela saiba como fui babaca ontem à noite. Ou não. Porra, eu estou parecendo uma garota com todas essas paranoias.
- Por que sua amiga não veio?
Bárbara olha para mim como se eu tivesse algum problema mental.
- Você sabe que eu e ela não somos gêmeas siamesas, né?
Reviro os olhos.
- É, Bárbara, pode acreditar que eu sei. - Meço ela com um olhar de desdém, mas em vez de se sentir ofendida, ela parece não se importar e continua me fitando com aquele jeito irritante. - Eu só achei que sendo melhor amiga dela você saberia me dizer.
Ela faz um pequeno estrondo ao fechar o armário e olha para mim com um sorriso que deixa evidente o quanto eu a estou incomodando.
- Eu não sei por que ela não veio e ela não responde minhas mensagens. - Então, num gesto avaliativo, Bárbara cruza os braços e morde o interior da bochecha. - Por que tanto interesse no paradeiro da Lilica? O que é que tá rolando entre vocês?
Se Bárbara está me perguntando isso é porque não tem ideia da nossa briga, o que é bom e me deixa em vantagem com ela.
Sorrio de canto e me inclino para me aproximar de Bárbara que mantém sua pose, então digo num sussurro provocativo:
- Não é da sua conta.
Ela se inclina um pouco mais e rebate com o mesmo tom:
- Não fica se achando, não, ela me conta tudo.
Solto uma risada de puro desdém e me coloco em frente à Bárbara.
- Parece que nem tudo, ou você saberia como a nossa noite terminou.
A expressão de Bárbara muda e ela avalia a minha frase que com certeza deve ter soado um pouco mais do que o que realmente foi, mas se ela conhece Clarice tão bem como eu imagino, sabe que não houve nada de mais. Ainda assim, acho melhor eu não continuar aqui ou posso acabar falando mais do que devo e não quero me complicar com a Clarice. Sei que elas devem ser do tipo que contam tudo uma para a outra, e não quero dar margem para que essa garota tenha algo negativo para falar de mim, então brinco com ela:
- Não leva pro lado pessoal, mas é que agora a Clarice gosta mais de mim. - Ergo a sobrancelha.
Bárbara solta uma risadinha irônica e dá dois tapinhas "amigáveis" no meu ombro.
- Você vai ter que comer muito arroz e feijão pra me alcançar, garotinho.
- Obrigada - a moça agradece ao pegar a sacola da minha mão.
- Imagina! Por favor, volte mais vezes! - Sorrio para ela e estendo o cartão da loja, que é azul e decorado com a imagem de uma silhueta feminina em estilo vitoriano. - Você também pode ligar se quiser reservar algo.
- Ok. - A moça se despede e meus olhos seguem seus passos até a saída.
Levo as mãos aos ombros quando me encontro só e faço uma automassagem. Estou aqui desde cedo. Mamãe acordou péssima e não conseguiu parar de espirrar a manhã toda. Sua cabeça e seu rosto também estavam doendo muito a ponto de fazê-la colocar tudo para fora. Eu não ia deixá-la cuidar da loja nesse estado e sozinha. Quando notei como ela estava mal, disse a ela que faltaria ao colégio hoje e a ajudaria aqui. Minha mãe relutou um pouco com receio de que eu pudesse me prejudicar, mas é apenas um dia. De qualquer forma, pego a matéria com a Babi depois e desse jeito eu não vou me perder com o conteúdo.
Como tudo está calmo, eu vou até a salinha dos fundos para verificar se minha mãe está melhor. Assim que entro, vejo-a deitada sobre o pequeno sofá, os braços e as pernas longas para fora e há vários lencinhos espalhados pelo chão.
- Ahhhhh - ela reclama -, eu detesto essa merda de sinusite!
- Mãe!
- Ah, filhaaa! - ela volta a reclamar. - Merda não é palavrão! Sociedade, merda não é palavrão! Parem de ser tão sensíveis.
Dou risada. Só mesmo uma mãe como a minha para falar assim. É um pouco engraçado como as coisas funcionam em casa. Claro que minha mãe é ótima e muito responsável. É o melhor exemplo que tenho na vida e eu gostaria de ser como ela quando tiver um filho. Mas às vezes ela diz e age como uma adolescente rebelde. Eu entendo. Meus avós sempre a prenderam muito e mamãe se sentia tão sufocada em casa, sem direito a viver a sua vida, mesmo que fosse uma boa garota, que acabou se casando cedo demais e depois ela engravidou e não pôde aproveitar muita coisa. Mamãe sempre me diz que não sente nenhum arrependimento quanto às suas escolhas mesmo que as coisas não tenham dado certo com meu pai, pois me ter foi a melhor coisa que já aconteceu a ela. Como eu poderia não cuidar e me importar com alguém que eu amo e me ama tanto assim?
- Você está melhor? - Eu me aproximo dela e coloco a mão em sua testa para conferir se ela não está com febre. Graças a Deus, ela não está.
- Um pou... um pou... - ela solta outro espirro e mal consegue terminar o que ia dizer.
Minha mãe geme impaciente e, ao tentar se levantar, percebo que está um pouco grogue. Certamente são os efeitos dos remédios que ela tomou.
- Não, senhora! Fique aqui. Eu vou dar um jeito de trazer um chá pra você. Você não devia nem ter saído da sua cama, essa salinha cheia de coisas e poeira só vai te fazer ficar pior!
- Clarice, não posso te deixar sozinha na loja. Seria exploração de menor.
Rolo os olhos. Penso em responder, mas ouço o sino da porta tocar.
- Vou voltar. - Olho para ela. - Fique quietinha aí! É sério!
Ela murmura algo incompreensível e fecha os olhos. Acho que mesmo que quisesse ela não conseguiria ir a canto algum.
Suspiro e a deixo ali. Quando volto para o balcão, me deparo com Babi. Ela está em frente a uma das prateleiras, olhando, com curiosidade, um barquinho feito de madeira. Bárbara conhece a loja, pois já veio aqui algumas vezes e em todas sempre fica admirada com os artefatos.
- Então, Sra. Clarice Lima de Castro, você não foi ao colégio hoje. - Ela caminha até mim, se aproximando do balcão e me examina com os olhos. Acho que está conferindo se estou bem.
- Tive que cuidar da minha mãe.
- O que há com ela?
- Amanheceu com a sinusite atacada.
Bárbara franze os lábios e faz uma careta.
- Melhoras pra ela.
- Obrigada. Quer vir pra cá?
Ele faz que sim e entra. Vou até o cantinho, pego uma das cadeiras altas e coloco-a ao lado da minha no caixa. Eu me sento, mas Bárbara se recusa a fazer o mesmo e permanece de pé. Ela coloca a bolsa sobre o balcão, tira o caderno de lá e me explica por cima quais foram os conteúdos de hoje.
- Vou deixar o meu caderno com você para que você possa copiar minhas anotações.
- Obrigada, Babi. - Sorrio, mas ela não sorri de volta e nem diz nada. Bárbara fica me olhando, séria. Paro para refletir que, desde que chegou, ela não sorriu e nem brincou. - O que foi? Se você não quiser me emprestar eu vou entender...
- O que rolou entre você e o garoto riquinho? - ela dispara e cruza os braços.
Minha testa forma um vinco. Como assim o que rolou comigo e Victor? Por que ela está me fazendo essa pergunta?
- Se você não quer me contar, então tá, eu já vou indo. - Ela dá de ombros e pega sua mochila do balcão, fazendo menção de ir embora.
- Babi! - Salto da cadeira e seguro o braço da minha amiga. Ela para e joga sua mochila de volta no balcão
Olho para os lados. Mamãe está dormindo, porque se dopou de remédios, mas fico constrangida de que ela acorde e ouça minha conversa.
- Não aconteceu nada. A gente só... Nós só tivemos um quase beijo - sussurro.
- Como assim um quase beijo? - As sobrancelhas dela se unem. - Me explica direito como é um "quase beijo". - Bárbara faz as aspas no ar com os dedos.
- Nós só encostamos os lábios um no outro, foi bem rápido, até mais que um selinho...
- Uau! - Babi solta um uivo. - Vocês dois são estranhos. Por que ele não te deu um beijão de língua?
Volto a me sentar na cadeira e mordo o lábio inferior. Se ela soubesse o que aconteceu acho que conseguiria compreender melhor a situação, mas apesar de Bárbara ser minha melhor amiga e eu contar tudo a ela, não estou muito disposta a falar sobre o episódio na lanchonete. Tenho certeza de que se Babi souber o que houve, ela vai julgar o Victor e isso é tudo o que eu não quero. Ele errou, mas não é como se eu não tivesse tido uma pontinha de culpa. Fora de contexto a coisa toda realmente pareceu ser mais do que foi.
- É que, na verdade, fui eu que tomei a iniciativa de quase beijar ele, então acho que ele não quis ser... hum... inconveniente. Mas como é que você tá sabendo que rolou algo?
- O seu namoradinho jogou isso na minha cara. - Bárbara bufa.
- O quê? Por quê? - Quero entender as circunstâncias em que isso ocorreu, pois não faz sentido para mim que ele tenha simplesmente ido até ela para contar sobre o episódio.
O semblante de Bárbara se suaviza um pouco.
- Ele tava preocupado, já que você não apareceu hoje e não respondeu as mensagens que ele enviou de manhã, então veio me perguntar se eu sabia o que tinha acontecido. Ele nem falou o que houve, só deixou no ar para me provocar porque, você sabe, às vezes eu sou um pouquinho grossa.
- Um pouquinho? - Rio do eufemismo.
Ela revira os olhos, mas sua postura não continua desdenhosa por muito tempo. Ela recosta o quadril no balcão e me lança um olhar gentil.
- Eu tenho que admitir... Acho que ele tá mesmo interessao em você.
Sou incapaz de conter o sorriso que se forma em meus lbios. Não quero parecer uma dessas garotas sonhadoras, mas acho que quando o garoto por quem você nutre sentimentos nota a sua ausência e procura saber se você está bem, fazendo seu coração explodir dentro do peito, é permitido que você se dê ao luxo de parecer um pouco boba.
- Você podia ter mandado uma mensagem - Bárbara aponta.
- Eu tentei, mas a internet lá de casa tá uma porcaria e meus créditos venceram.
Acho sinceramente injusta essa ideia de colocar créditos no celular e ainda ser obrigada a usá-los num período determinado de tempo, que geralmente é curto, porque eu raramente tenho motivos para gastar os meus antes do prazo, mas inacreditavelmente, quando estou sem eles, me parece que sempre surge uma situação em que eles me são muito úteis.
- É uma pena, Lilica, mas pensa pelo lado positivo - Bárbara mexe a sobrancelha esquerda duas vezes igual as pessoas fazem quando querem insinuar algo -, a saudade aumenta o amor.
Dou risada. Bárbara atravessa o balcão e pega a mochila quando já está do outro lado. Ela me dá um "tchau" e se retira, enquanto eu fico aqui, pensativa.
Ele sentiu minha falta.
Victor sentiu minha falta.
*
Chacoalho meus cabelos molhados em frente ao espelho e começo a secá-los com o secador. O movimento na loja hoje foi tranquilo e eu pude usar o tempo livre para copiar a lição que os professores haviam passado, mas não consegui parar de me perder nas imagens de Victor. O sorrisinho dele, o corpo forte e definido e os olhos azuis escuros, a forma tão franca como ele sempre me encara como se quisesse me desvendar, descobrir os recônditos do meu coração. Talvez eu esteja viajando, mas tudo que vi nele até agora indica que existe um sentimento inegável entre nós. Nossa conexão é latente, mas real. Eu posso sentir, mesmo que ele não a deixe evidente.
Coloco o secador na cômoda, pego meu celular e o acendo apenas para constatar que a minha internet continua uma droga. As mensagens dele chegaram, mas não estou conseguindo enviar nenhuma e como consta que eu as visualizei, ele vai pensar que eu o ignorei de propósito.
Penso em usar o celular da mamãe, mas isso já é muito desespero. Eu e Victor não somos namorados, então seria muito estranho que eu fizesse algo assim. Além do mais, ela já está dormindo e não irei entrar em seu quarto sorrateiramente para pegar o aparelho.
Tiro o roupão e coloco meu pijama de flanela. Pego um livro na estante para ler sentada em meu pufe, mas um vento frio faz os meus pelos se arrepiarem e eu vou até a janela para fechá-la. A noite está linda, e a rua sem quase movimento a não ser por um casal que passeia pela calçada e um garoto que está em frente ao nosso portão. Ele está de cabeça baixa, por isso não consigo ver seu rosto, mas parece estar usando uma jaqueta do Núcleo. Aperto os meus olhos para enxergar melhor, quando meu celular toca e eu dou um pulo com o susto.
Vou até a cama onde o deixei, e, quando olho no visor e vejo que é o nome de Victor que está brilhando, caio sentada no colchão.
- Vi-Victor?
- Clarice. - A voz de Victor é ainda mais rouca ao telefone e eu prendo a respiração por alguns segundos, tornando a soltá-la bem devagar logo em seguida.
- O-oi, Vi-Victor.
- Oi. Você já tá em casa?
- Si-sim. - Quero me socar por estar gaguejando assim.
- Você tá ocupada?
- Hã... Não.
- Estou em frente à sua casa. Você pode descer aqui?
- Claro, eu... Me dá dois minutos.
- Ok.
Estou com as mãos trêmulas. Victor nunca veio fora do nosso cronograma, então sei que essa visita não tem nada a ver com as aulas que tenho dado a ele. Caminho até a porta do quarto, passo pelo corredor, mas quando estou na metade das escadas, eu me lembro de que estou usando pijama de flanela e volto para colocar um vestido. Me olho mais uma vez no espelho só para garantir que minha aparência não está assustadora e fico grata por ter lavado os cabelos e os secado, pois meus cachos estão bem definidos e não parecendo um ninho de passarinho como costumam ficar depois de um dia inteiro.
Assim que chego ao portão e o abro, dou de cara com Victor que está com as mãos nos bolsos da calça e de cabeça baixa. Ele a ergue assim que percebe minha presença e seus olhos azuis e intensos se fixam nos meus. Eu poderia dizer que meu coração saiu do meu peito nesse momento, mas acho que, na verdade, o coração de Victor foi que entrou pela minha boca, juntando-se ao meu, pois minhas batidas são tão fortes e rápidas que tenho certeza de que sozinho o meu não seria capaz de bater assim.
Ficamos algum tempo olhando um para o outro até que tento disfarçar um pouco do constrangimento que ele sempre me causa quando me olha como se eu fosse a garota mais interessante que ele já viu.
- Ei, o senhor não gostaria de entrar e tomar uma xícara de café?
Victor franze a sobrancelha, avaliando o meu convite estranho até perceber a referência.
- Não seria muito incômodo? - Ele sorri, ficando ereto e segurando um chapéu imaginário.
- De maneira alguma. - Uno as mãos, entrelaçando os dedos e bato os cílios de forma graciosa. - Queira entrar, por favor.
- Depois da senhora. - Ele segura o portão para que eu passe na frente.
Faço com que ele me siga até a sala. Eu o convido para sentar no sofá e me sento ao lado dele.
- A xícara de café era brincadeira, mas se você quiser eu posso mesmo preparar uma.
- Não, obrigado - ele agradece. - Você tá bem? - pergunta com uma voz suave.
- Sim, é que mamãe ficou doente e eu tive que ajudar na loja e depois, quando cheguei em casa, tentei responder sua mensagem, mas minha internet tá uma droga. - Entorto o lábio evidenciando meu desgosto.
- Ela tá melhor? Fiquei muito preocupado, e depois de ontem... - ele não completa, deixando a frase no ar.
- Você achou que eu não tinha ido hoje por causa do que aconteceu?
- Claro que não. - Victor dá um meio sorriso debochado. - Eu não sou tão pretensioso.
- Eu não quis soar acusatória...
Me encolho e nós dois ficamos em silêncio por alguns segundos.
- Desculpa se pareci grosseiro, eu só não quero que você ache que sou um riquinho mimado que pensa que o mundo gira ao meu redor.
Solto o ar num suspiro e franzo o lábio, mas a verdade é que, olhando para o Victor, percebo que ele está sendo sincero e sou incapaz de permanecer brava.
- Tudo bem.
Sorrio e Victor sorri de volta.
- Na verdade, além de saber como você tava, eu queria te fazer uma pergunta.
- Uma pergunta?
- É. - Victor se inclina para frente, fazendo com que suas costas fiquem curvadas, descansa os cotovelos nas coxas e começa a estralar os nós dos dedos. - Eu sei que me comportei igual a um idiota ontem depois do campeonato, mas - ele volta a me olhar -, eu queria muito que você fosse a uma festa comigo. Eu prometo te tratar bem e ser a companhia que você merece.
- Uma festa?
Ele faz que sim com a cabeça.
- Vai ser na casa do Jonas, um dos meus colegas da equipe de natação, amanhã à noite.
- Amanhã à noite? - Estou começando a me sentir como um papagaio e isso está ficando um pouquinho ridículo.
- Eu sei o que você tá pensando, mas se for o caso eu posso pedir à sua mãe pessoalmente pra ela deixar você ir e eu trago você pra casa antes da meia-noite, Cinderela.
Ele curva os lábios para cima e eu sorrio junto.
- Eu preciso pensar, príncipe emburrado - dou ênfase ao emburrado e ele ri.
- Me dá uma chance de provar que não sou tão sério assim. - Victor me lança um olhar terno. - Eu te ligo pra saber o que você decidiu.
~~~ ♡ ~~~
Oi, amores! Não resisti! Realizei meu sonho de fazer referência ao Chaves kkkk Piegas, mas eu sou piegas mesmo.
Gente, me digam o que vocês estão achando da Babi? Deu pra notar que ela e o V gostam de se alfinetar kkkk Clarice vai ter trabalho.
Obrigada a quem chegou até aqui e, por favor, votem e comentem, façam essa autora feliz!
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