5 | Quase Doce

Minha cabeça deveria estar totalmente nas eliminatórias para o campeonato de natação. Mas, apesar de eu estar dando tudo de mim nos treinos, quando não estou em atividade, me pego viajando nos meus momentos com Clarice. Não consigo deixar de sentir falta das nossas noites juntos, o que é um tanto ridículo já que a gente se vê praticamente todos os dias no colégio. Só que na verdade isso me parece muito pior, já que, quando estamos na sala, me sinto ansioso porque só ficar observando-a de longe não me parece o bastante.

Eu não deveria me sentir assim com relação a ela ou a qualquer outra, mas é inevitável e me estou meio cansado de fingir que não estou nem um pouco interessado em Clarice. Não era para ser assim, mas ela vem fazendo parte dos meus pensamentos há tanto tempo que chega a ser ridículo querer agir como se eu não me importasse.

Estou na mesa do refeitório com os caras da natação, e não consigo tirar os olhos da mesa onde Clarice está sentada com aquela sua amiga, porque eles parecem ter vida própria.

Hoje os cabelos de Clarice estão presos para trás, deixando as bochechas rosadas de seu rosto mais evidentes. Ela parece tranquila com o cotovelo à mesa e a mão no rosto, ouvindo a amiga. Quando ela ajeita a postura e nossos olhares se encontram, Clarice sorri. Eu deveria fingir que não estou nem aí, mas sou incapaz de não corresponder e sei que ela não merece ser ignorada. Clarice merece toda minha atenção. Preciso reprimir o desejo enorme que estou de me levantar e ir até lá apenas para ouvir o som da voz dela me falando sobre Emily Brontë, Shakespeare e Emily Dickinson, por mais que não me interesse por nenhum deles, mas sim pelo movimento de seus lábios, o entusiasmo contido em sua voz e na beleza do brilho de seus olhos.

Mas toda minha distração se perde no momento em que sinto uma mão atingir a parte de trás do topo da minha cabeça. Faço uma careta e vejo Clarice levar uma mão à boca para conter o riso.

- O que você quer? - Lanço um olhar atravessado para Téo, o autor do tapa, enquanto massageio a área que ele acertou.

- Onde é que você tá, Victor? - Samuel, um dos caras da equipe, pergunta com impaciência.

- Eu sei bem onde ele tá, ou melhor, em quem. - Téo exibe um sorrisinho irritante.

Sinto meu maxilar travar no mesmo instante e meu corpo se enrijece.

- Ah, é? - O babaca do Samuel ergue uma das sobrancelhas e vira para trás, buscando a direção do meu olhar. É um movimento inútil. Samuel não tem como saber. Mesmo assim, ele se volta para mim e sorri com cumplicidade como se entendesse tudo.

- As garotas estarão lá também - ele garante.

- As garotas? - Uno as sobrancelhas de forma interrogativa. Não faço a menor ideia do que ele está falando, não pode ser sobre Clarice e sua amiga doida.

- Sim. - Ele joga a cabeça para trás indicando as garotas que estão a duas mesas à frente de Clarice.

Há três garotas ali, entre elas está Luana, que este ano entrou para a equipe de vôlei. Não tenho muito contato com as outras duas que estão ao lado dela, mas Luana e Téo já tiveram um lance. Além disso, minha intuição me diz que os boatos mentirosos a respeito de eu ter rejeitado Bianca porque ela não quis dormir comigo, partiram dela, pois ambas eram melhores amigas antes do baile, e de repente uma já nem olhava mais na cara da outra.

- Elas também vão sair com a gente depois da competição - explica Samuel.

Continuo sem entender o que exatamente aquilo tem a ver comigo e por que seria interessante para mim.

- Bom pra elas. - Dou de ombros.

Samuel permanece com sua sobrancelha erguida, me analisando com seu olhar como se fosse uma espécie de Sherlock Holmes.

- Pode ser no Burgers? É o que estamos perguntando a meia hora - Téo interrompe.

Geralmente, depois das competições, ganhando ou perdendo, sempre vamos a alguma festa na casa de um dos caras, mas a ideia de desviar dessa rotina e ir ao Burgers me parece muito melhor. O lugar é bastante confortável e tem um ar bem bacana.

- Tudo bem.

- Beleza. - Téo Assente.

O foco muda e os caras passam a falar sobre outros assuntos, mas eu permaneço distraído, pensando no que Samuel disse sobre as garotas. Talvez eu devesse convidar Clarice para ir conosco ao Burgers. Essa me parece uma boa ideia, a desculpa perfeita para sairmos juntos e eu não precisar esperar até nossa próxima aula particular para estar com ela.

Quando o sinal soa como sempre, dez minutos antes, para voltarmos à sala de aula, eu me afasto dos caras e tento alcançar Clarice ainda no corredor. Ando ao lado dela, mas nem ela e a amiga percebem minha presença, então pigarreio alto e imediatamente ela olha para mim.

- E aí, Clarice, você vai assistir à competição?

- Ah, não! - A amiga dela reclama parando no meio do corredor e fazendo com que a gente pare também. - Esqueci o trabalho no armário! Vou lá pegar, te vejo na sala - diz para Clarice e pisca.

O rosto dela adquire um tom de rosa que faz um sorriso surgir no meu rosto.

- Ela é sútil - não consigo deixar de dizer quando vejo a amiga se afastar.

- Essa é a Babi. - Clarice revira os olhos.

Nós dois damos risada e voltamos a seguir para a sala, mas sem a pressa dos outros alunos.

- Respondendo a sua pergunta, eu nunca fui a nenhuma das competições do colégio, então... - Clarice não completa, mas sei que isso quer dizer que ela não pretende comparecer à de hoje.

- Sempre tem uma primeira vez - digo, tentando convencê-la.

Assim que chegamos ao corredor, eu paro perto do bebedouro, com a mão espalmada na parede e Clarice recosta o ombro esquerdo ali, ficando de frente para mim e mantendo seus livros junto ao peito.

- Depois eu e o pessoal vamos ao Burgers. Já comeu lá? - Ela faz que não com a cabeça. - Você podia ir com a gente.

- Bom... - Ela morde o lábio e faz uma careta, parecendo sem graça. - É que vai ficar um pouco tarde para eu voltar depois.

Chego um pouco mais perto dela e Clarice se empertiga, mas não recua. Meu sorriso se alarga um pouquinho com sua reação e uma das minhas mãos brinca com a manga da jaqueta dela.

- Eu levo você pra casa.

- Ah, é? - Ela ergue uma sobrancelha.

- Tô falando sério. Posso pedir pro meu motorista te deixar em casa e não vai ser problema algum.

- Ah, ele tem motorista. - Clarice ri como se eu fosse de outro mundo, então se aproxima um pouco mais de mim, me fazendo sentir o perfume gostoso impregnado à sua pele e sussurra quase no meu ouvido: - Riquinho.

Engulo em seco e quase que por um segundo ela me faz esquecer onde estamos. Por um segundo, eu quase envolvo meus braços ao redor dela, puxando-a para mim e pressionando seus lábios contra os meus.

- O que eu posso fazer? - Abro um meio sorriso e ergo os ombros, procurando manter meu autocontrole. - É um defeito que você vai ter que aceitar.

- Talvez...

- Ei, pombinhos - eu e Clarice nos assustamos com a voz de Bárbara e no mesmo instante nos afastamos -, é melhor vocês não ficarem tão pertinho assim, porque se alguém pegar vocês já sabem que podem levar uma suspensão.

A ideia da suspensão parece deixá-la apavorada e Clarice rapidamente se endireita e segue até a sala. Vou atrás dela, mas, antes que eu vá para o meu lugar, Clarice toca minha mão e eu me viro para ela, que me diz as palavras que eu tanto queria ouvir:

- A gente se vê hoje à noite.

*

As eliminatórias para as competições estaduais geralmente ocorrem aqui no colégio Núcleo, pois nós temos a maior quadra de esportes da região. Nossa piscina é bem grande e nossas arquibancadas suportam uma boa quantidade de espectadores. Devido à importância do evento, não só os estudantes, mas também familiares e pessoas de fora podem vir assistir.

Já é de noite. Eu e os caras da equipe estamos no vestiário masculino, prontos para entrar na piscina. Eu e Téo estamos sentados, enquanto Samuel coloca a touca e Jonas se encontra encostado ao armário, os olhos fechados e as mãos unidas. Acho que está fazendo uma oração. Para todos nós é importante vencer, mas para ele é uma questão de também conseguir provar ao treinador que ele não fez uma má escolha ao colocá-lo na equipe onde só o melhor dos melhores do Núcleo competem com as outras escolas.

O treinador repassa as regras, mesmo que já as conheçamos de cor. Ele diz que é bom repetir para que não tenhamos nenhum rompante de loucura e venhamos a quebrar alguma, porque ele pode perdoar muitas coisas, mas quebra de regras não é uma delas.

- Escutem - ele pede, caminhando de um lado para o outro, as mãos cruzadas atrás das costas -, isso não é só sobre vencer para o colégio. É sobre o futuro de cada um de vocês.

O rosto de Samuel se contorce numa careta e eu aperto os lábios para não rir. Ele está nervoso e as palavras do treinador Sérgio o fazem suar ainda mais. Samuel esfrega a testa com as costas da mão e solta o ar silenciosamente, procurando manter o controle, apesar de não ser nenhum novato em campeonatos.

- Essa é uma oportunidade para vocês irem longe e conquistarem o troféu. - Ele para de andar e faz contato visual com cada um de nós. - Deem o melhor de si hoje e esse sonho será possível. Há muito mais fora daqui. Nem todos vocês vão seguir com a natação, sei que têm outros planos, então aproveitem este ano e conquistem essa vitória.

Ele está certo. Se esta for a última vez que estarei competindo num esporte que amo e que, infelizmente, é tão pouco valorizado no Brasil como muitos outros, eu tenho que aproveitar e dar o meu máximo. Quero sair daqui com a melhor lembrança, não posso falhar. É por essa oportunidade que estou me empenhando tanto em conseguir manter minhas notas.

- Então, é isso aí! Sejam os melhores esta noite.

Todos nós batemos palmas e soltamos um grito de guerra. Em seguida, somos guiados até o ginásio. O lugar está lotado. Alunos e familiares dos dois colégios soltam urros quando nos veem. Fecho os olhos por breves segundos absorvendo a sensação. Eu amo isso, amo a eletricidade que emana dos torcedores e a alegria que somos capazes de trazer àqueles que apreciam assistir aos esportes. Eu quero honrar essas pessoas.

Estou agitado e uma adrenalina corre pelo meu sangue. Enquanto faço um aquecimento dos músculos, meus olhos passeiam pela arquibancada à procura de Clarice, torcendo para que ela tenha vindo. Não demora quase nada para que eu a encontre. Ela está de pé, concentrada no apresentador da competição que começa a falar. Não me vê, mas sinto meu coração disparar e sorrio. Ela está tão linda, ainda mais do que já é. A garota parece ter saído de alguma fazenda, pois está usando botas de caubói, vestido florido e uma jaqueta jeans. Nenhuma outra poderia usar essas roupas sem parecer estupidamente caipira, mas, de um jeito completamente único, ficam perfeitas nela.

Estou sorrindo que nem um idiota por saber que ela veio de verdade. Que está aqui só para me ver; porque eu pedi.

Quando a apresentação termina, Clarice bate palmas com os outros. Ela está animada e eu rio daquela alegria inocente. Mas meu sorriso se desfaz quando vejo sua atenção ser roubada por um cara que se aproxima e sussurra algo no ouvido dela. Ela olha para ele com os olhos arregalados e depois o abraça e dá um soco em seu ombro, mostrando que ambos já se conhecem e têm alguma intimidade. Ele parece mais velho. Os cabelos são cheios e castanhos e uma barba rasa se espalha por seu rosto.

O cara que eu desconheço, embora esteja com uma máquina fotográfica pendurada no pescoço, ergue o celular que segura em uma das mãos e tira algumas fotos de Clarice. Ela protesta, cobrindo o rosto algumas vezes e o empurrando, mas dá para ver que não está com raiva. Parece mais envergonhada. Mesmo daqui consigo perceber as nuances em seu rosto.

- Vai, cara. - Téo bate seu ombro no meu e eu chacoalho a cabeça.

Somos chamados para assumir nossas posições. Sigo até onde devo permanecer e tento manter o foco, mas não consigo tirar a imagem que acabei de presenciar da minha cabeça. Por que Clarice estava dando tanta liberdade para aquele cara? Será que eles têm alguma relação? Será que na verdade foi para encontrar com que ele que ela veio? Porque não me parece possível que Clarice tenha vindo me ver, mas não se importou nem um pouco em flertar com outro. Eu não esperava isso dela.

- Você tá bem? - o garoto da outra equipe me pergunta.

Seu rosto parece preocupado e não sei o motivo até perceber que meus punhos estão cerrados e meus dedos brancos com a força que estou fazendo.

- Tô bem.

O garoto assente e mantém a postura.

Respiro fundo, tentando ganhar fôlego e eliminar a sensação ruim que me queima por dentro. Eu não vou deixar que isso me afete.

A competição começa. Teremos o medley, de forma que os quatro estilos de nados serão executados. Téo é o primeiro a entrar na piscina. Ele nada os 5om com rapidez, como se tivesse nascido para isso. Faz o nado borboleta e é muito bom, consegue vantagem para a equipe. Em seguida, é Samuel quem mergulha. Ele também faz um bom tempo e Jonas, na sua vez, consegue impressionar.

Sou o último. Quando Jonas toca a parede, eu mergulho e pego velocidade. Faço meu melhor nado de costas. Os sentimentos são deixados lá fora. Nesse momento sou apenas eu e a água e tudo o que quero e que importa é vencer. É com isso que devo me preocupar.

Acho que eu deveria ficar muito brava com a Bárbara. Como ela pôde ter pedido a Gustavo para que tirasse fotos minhas somente para usá-las contra mim? Hoje pela manhã, quando me viu no corredor com Victor e soube que ele me convidou para ir comemorar depois da competição, ela não parou de me encher, dizendo que meus olhos começaram a brilhar porque eu teria um encontro. Tive que lembrá-la de que não estaríamos apenas eu e Victor, mas o restante dos garotos do time, então definitivamente o convite não era um encontro.

Mas não posso me enganar. Uma parte de mim - uma bem grande, diga-se de passagem - ficou nas nuvens. E agora estou aqui a despeito de qualquer coisa.

Olho para o celular. Nós não combinamos bem onde deveríamos nos ver e Victor não respondeu as mensagens que mandei para o seu WhatsApp. Com certeza ele sequer deve ter visto por estar ainda no clima de vitória e comemorando com os garotos.

Victor foi simplesmente fantástico naquela piscina. Bom, todos os garotos foram ótimos. Mas preciso admitir que mesmo quando eles estavam lá, nadando, eu não conseguia deixar de me concentrar em Victor. Eu nunca o vi daquele jeito... Ele tem músculos fortes e os ombros largos. A maioria dos garotos não tem esse físico. É claro que ele tem uma vantagem sobre eles. Sei que o esporte o ajuda a se manter assim. Porém, não era só na sua aparência que eu estava concentrada. Victor estava tão sério. Imagino que a pressão sobre ele deve ser enorme e o admiro ainda mais por ver como ele sabe lidar bem com isso.

Paro de ficar divagando e decido não esperar muito mais. Sigo até o vestiário masculino. No momento em que estou me aproximando, vejo Victor sair de lá. Ele está usando um jeans e uma jaqueta cinza e se dirige para onde um grupo de outros garotos e as meninas da equipe de vôlei, todos já sem o uniforme, estão reunidos. Ele saca o celular do bolso da calça e franze a testa ao olhar para ele, depois torna a guardá-lo. Acho que está pensando em ir me procurar, por isso, antes que o faça, eu chego mais perto e ele vira a cabeça em minha direção.

- Oi - digo e abro um largo sorriso.

- E aí? - Ele ergue sutilmente as sobrancelhas.

- Tô tão orgulhosa de você! Não acredito que nunca dei um jeito de vir a essas competições antes! É tudo tão emocionante. - Não consigo conter o meu entusiasmo.

Fico esperando que ele abra o seu típico sorriso que faz com que minhas pernas amoleçam, como hoje mais cedo quando achei que fosse me beijar, mas tudo que ele faz é erguer a sobrancelha mais uma vez e assentir de forma quase imperceptível. Pensei que ele estaria bem mais radiante, principalmente depois do seu feito na piscina, mas não é o que parece.

- Parabéns, capitão! - Luana aparece de repente, jogando seus longos cabelos castanhos para trás e colocando os braços ao redor de Victor. Eu me afasto instantaneamente. - Você foi incrível, gatinho!

Ela se distancia de Victor apenas um pouco e, embora ele não corresponda ao abraço, concede a ela o sorriso que me negou. Sinto minha garganta se fechar. É impressão minha ou Victor está me ignorando?

- E a gente? - ouço a voz de Téo soando atrás de mim.

Luana revira os olhos e dá de ombros.

- Desculpe, mas reservei todos os meus abraços pro Victor esta noite.

Olho para Victor, esperando que ele dê um fora nela, que diga alguma coisa que fará com que ela perceba que está perdendo tempo, pois ele não está interessado, mas tudo que Victor faz é me encarar de volta, me analisando com um olhar indefinível.

- Eu só vim te parabenizar - digo tão baixo que sinto vontade de me socar.

Sou muito burra de ter vindo.

- Como assim? - Sinto quando um braço pesado rodeia meus ombros e um forte perfume me envolve. - Você vai com a gente ao Burgers! - Téo sorri para mim com genuína simpatia. - Afinal - ele se dirige aos demais -, esse grupo precisa de um pouco de classe.

- Tá dizendo que não temos classe, Téo? - Luana reclama, levando uma das mãos à cintura e as pulseiras em torno do seu pulso tilintam com o movimento.

- Vamos logo! - Um dos garotos apressa. - Tô morrendo de fome, caramba!

- Relaxa, Samuca! - Téo diz e se afasta de mim.

Ele vai até Luana e a ergue no ar, fazendo-a soltar gritinhos agudos. Ela bate nas costas dele, mas ele não a solta. Todos estão se divertindo, rindo e brincando a não ser Victor, que continua com a cara amarrada.

Vamos até a lanchonete. Eu e Victor estamos seguindo lado a lado, em silêncio, e consigo sentir que há uma tensão evidente pairando sobre nós. Durante o percurso, repasso o dia de hoje, me perguntando se posso tê-lo magoado sem perceber, porque sempre tenho a sensação de que com ele estou pisando em ovos.

- Eu fiz alguma coisa errada? - sussurro para ele.

Victor me lança um olhar penetrante, mas não responde. Em vez disso, ele simplesmente dá de ombros, me deixando no escuro, porque não faço ideia do que isso significa e, ao que parece, ele não tem a menor intenção de ser mais claro.

- Eu vou querer um triplo cheio de molho! - Téo cantarola quando chegamos. Ele segura a porta para que todos passem e eu entro na lanchonete com os outros.

- Vamos juntar algumas mesas e sentar lá no fundo - indica o garoto que, pelo que entendi, deve se chamar Samuel, quando já estão todos lá dentro.

Os meninos vão até lá e eu fico esperando com as outras garotas até que haja lugares para todos.

Enquanto estou aqui de pé, sinto vontade de ir embora. Mas não faço isso. Seria estranho sair agora que acabamos de chegar, então eu apenas me junto aos outros e me sento. Fico entre Téo e o Samuel. Victor está mais para o canto, na parte mais confortável onde a cadeira é revestida por um estofado que dá a sensação de se estar num pequeno sofá. Luana se encontra ao seu lado, falando diversas bobagens. Victor ergue os lábios para algumas coisas que ela diz, mas é fácil perceber que não está a fim de conversar.

Os garotos fazem os pedidos depois que todos decidem o que querem. Permanecemos esperando. É batido dizer que me sinto deslocada, mas não existe outro modo de descrever esse momento. Nenhuma dessas pessoas é minha amiga. Só vim pelo Victor, mas é evidente que ele não está nem aí para mim. Está com raiva de mim e, em vez de ser sincero sobre seus motivos, decidiu me tratar como se eu fosse menos que coisa alguma.

Não demora muito e uma garçonete chega trazendo copos e três garrafas de refrigerante, junto a algumas porções de frango frito e batata. As cestinhas vão passando pela mesa e todos vão pegando um pouco de cada coisa.

- Ah, meu Pai do céu! - diz Samuel ao meu lado, ao dar uma grande mordida num pedaço da coxa de frango. - Comida de verdade! - Ele pega um pouco do refrigerante com o qual se serviu, toma um gole e se inclina, dirigindo-se a mim: - Cara, eu odeio essas dietas que o treinador obriga a gente a fazer para não atrapalhar nosso rendimento. Não tem nada melhor que uma coxa de frango bem fritinha!

Apesar de eu me sentir desconfortável e de haver um nó em minha garganta, consigo rir com sinceridade da sua agonia.

Pego uma batatinha apenas para disfarçar. Luana fala alto e ri e nem me atrevo a olhar para eles de novo. Confiro meu relógio no celular e decido que em dez minutos vou para casa. O melhor é parar de me torturar. Não importa o que eles irão pensar de mim. Aposto que nem vão notar minha saída.

- Téo - eu chamo baixinho quando esses minutos passam. - Pega - coloco na mão dele algumas notas.

Ele me olha com a sobrancelha franzida.

- Mas você mal comeu.

- Eu sei, mas tá tarde e eu moro longe - começo a dizer.

- Entendi. - Téo assente, mas não aceita meu dinheiro. Diz que eu comi como um passarinho e que nem adianta eu tentar insistir, então, mesmo não estando de acordo, não discuto.

Me despeço de Samuel que me lança o mesmo olhar de Téo e de alguns que se encontram próximos a mim. Dou um breve tchau para os outros, mas eles estão entretidos demais para me ouvir.

Ao abrir a porta da lanchonete, sinto o vento frio vir ao meu encontro e me encolho. Aperto a jaqueta jeans, tentando me proteger, mas é inútil. Procuro algum ponto de ônibus. Nunca estive nessa parte de Nova Vitória e estou meio perdida. Em todos os sentidos da palavra. Essa manhã eu estava cheia de expectativas, empolgada, e agora me sinto uma idiota e tudo que quero fazer é chorar.

- Clarice! - ouço um tanto distante e quase estaco reconhecendo aquela voz, mas continuo seguindo em frente e sequer faço menção de olhar para trás. - Clarice - chama Victor dessa vez mais perto.

Sinto sua mão agarrar meu braço e sou obrigada a parar e olhar para ele.

- Eu disse que ia te levar pra casa.

Bufo e balanço a cabeça, incrédula.

- Você quer bancar o cavalheiro depois de ter sido um babaca?

Victor solta uma curta risada.

- Eu sou um babaca?

Engulo os nós na minha garganta.

- Volta pros seus amigos, Victor - é tudo que eu respondo.

Peço para que ele me solte e ele o faz, afastando-se com as mãos erguidas. Vejo que está chateado, o que me deixa ainda mais furiosa, porque ele não tem o direito de se sentir assim. Volto a procurar um ponto e, graças a Deus, não demoro a achar. Me sento no banco e espero. Victor se senta também, um pouco afastado, e somos apenas os dois ali, em um silêncio que grita em nossos ouvidos.

Ficamos parados, estáticos, mas não leva muito tempo até que um ônibus chegue. Esse não vai me deixar quase na porta de casa, mas também não terei que andar tanto para chegar. Me levanto, dou sinal e ele para. Subo, pago a passagem com meu cartão de estudante e sigo até o último banco. Fico surpresa ao perceber que Victor também entrou, mas continuo olhando pela janela quando ele se senta ao meu lado.

- Aquele cara... - Victor começa, hesitante. - Aquele cara que tava com você na arquibancada... Eu vi ele tirar fotos suas. Por que não me contou que tava interessada nele?

- Você tá falando do namorado da Babi? - Minha testa forma um vinco ao olhar para ele. - Eu não tô interessada nele!

- Mas ele tava tirando fotos suas - rebate com uma sobrancelha erguida em sinal de ironia.

- Ela pediu para que ele tirasse fotos minhas. - Eu nem devia ter respondido. Devia tê-lo ignorado como ele fez a noite toda comigo, mas algo dentro de mim não se contém, pois não quer que ele pense que eu gosto de outro.

- Por que ela faria isso? - Ele parece cético.

Reviro os olhos.

- Você sabe que ela é louca! Não parou de ficar me provocando por causa do seu convite e... - Mordo o lábio. Não quero que ele pense que estou interessada em outro, mas também não quero me abrir completamente para ele. Ainda estou muito vulnerável e não sei o quanto posso confiar meus sentimentos a Victor. - Gustavo é como um irmão pra mim assim como a Babi e mesmo que não fosse eu jamais trairia minha amiga.

No curto trajeto que o transporte faz, eu e Victor não dizemos mais uma palavra. Ele fica bastante pensativo. Quando chegamos, eu desço e ele vem atrás de mim e me acompanha até a entrada da minha casa. Paro para pegar a chave que deixei dentro da bolsa. Continuo remoendo os fatos que ele jogou sobre mim e não sei se consigo chegar a alguma conclusão. Não consigo acreditar que um garoto como ele, confiante, bonito e cheio de talentos teria ciúmes de mim. E não é por eu achar que sou pouca coisa. Sei que tenho meu valor e jamais me rebaixaria a pensar que sou menos que qualquer um. É por não conseguir acreditar que ele não saiba tudo que é e o quanto o é.

Destranco a porta e tomo coragem para olhá-lo e me despedir.

- Boa noite, Victor.

- Merda, sou mesmo um babaca - ele diz antes que eu me vire para entrar. - Magoei você por uma bobagem... Eu... Você tinha razão. Sinto muito. Eu sou um tremendo idiota.

Ele está com as mãos nos bolsos da calça, os ombros caídos e os lábios franzidos. Victor parece genuinamente arrependido. Sabe que se comportou mal comigo.

- Boa noite, Clarice - suspira.

Victor dá um passo para se virar e ir embora, mas, antes que o faça, eu toco sua jaqueta e ele para. O tempo parece congelar. Ele está me encarando tão desolado, e mesmo sabendo que ele errou, não consigo deixar de sentir que tenho uma parcela de culpa. Se eu estivesse em seu lugar, talvez também não ficasse confortável com a situação. Provavelmente, detestaria ver uma garota bonita tirando fotos dele do seu celular.

Eu e Victor permanecemos nos olhando. A iluminação alaranjada que vem dos postes mal reflete seus olhos que parecem tão escuros, mas ao mesmo tempo tão transparentes. Ele se aproxima e segura meu pulso que se acelera com seu toque. Usa o polegar para fazer círculos sobre minha pele e tudo gira dentro da minha cabeça. Meu estômago se contrai e faço algo completamente inesperado para nós dois. Ergo os pés para ficar à sua altura e encosto meus lábios suavemente nos seus. Não chega a ser um beijo. É algo rápido, dura apenas um segundo, mas é poderoso o suficiente para liberar uma descarga elétrica por cada terminação nervosa do meu corpo. Victor está de olhos fechados quando me afasto, como se ainda continuasse tentando absorver aquela pequena parte de mim para dentro de si. No momento que volta a abri-los vejo um brilho de esperança atravessá-lo e seu semblante se suaviza.

- Até, Victor - me despeço mais uma vez e um sorriso sutil se desenha em seu rosto.

Entro. Mamãe ainda está acordada quando passo por ela na sala, mas já está usando suas roupas velhas de dormir.

- Como foi lá? - ela pergunta, ajoelhando-se no sofá e descansando o queixo sobre o encosto.

Paro antes de ir ao corredor que leva ao meu quarto e penso sobre tudo o que aconteceu nessas poucas horas.

- Foi bom.

Sorrio. No fim das contas não foi mesmo tão ruim. Agora sei que Victor tem sentimentos por mim e a sensação é ainda mais maravilhosa do que eu poderia sonhar.

- Parece que foi muito mais que isso. - Mamãe ri. - Não vai me contar os detalhes?

- Nãooo - cantarolo, me dirigindo para o quarto e, antes que ela tenha tempo de vir atrás de mim, fecho a porta e grito: - Até amanhã!


~~~~~ ♡ ~~~~~

Oi, amores! Tudo bem com vocês?
Acho que alguém deu mancada, né? Numa situação assim o melhor é o diálogo.

Gostaria também que vocês me dessem um feedback se estão gostando dos pontos de vista e da escrita. Amo quando vocês comentam em cada trecho, mas tudo bem também quem não curte, porém eu ficaria feliz em saber ao final do capítulo a sensação que a história está trazendo só pra eu ter uma noção se está muito ruim lkkkk. :)

Ah, gente, queria mostrar essa lindeza que a Nana fez para o V e a C. Eu amei imenso! A Nana sempre arrasa 💕

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