23 | Quase Doce

CLARICE

Estamos finalmente livres. Depois das provas finais fomos liberados para nossas férias de quinze dias. Eu estou tão empolgada que mal consigo conter a ansiedade enquanto faço as malas com a ajuda da minha mãe.

O pai do Victor tem uma casa na praia. Fica um pouco longe de Nova Vitória, em Maresias, mas vamos de carro, então será um passeio interessante. Fiquei muito contente quando minha mãe me deixou ir com ele e sua família. Será nossa primeira viagem juntos e eu sinto que será uma oportunidade de podermos ficar ainda mais unidos. Queria muito que mamãe pudesse ir também, e confesso que não queria deixá-la aqui sozinha na loja, já que está novamente sem funcionário, mas, por incrível que pareça, julho é uma época em que as vendas caem, pois a maioria das pessoas também viaja para cidades praianas ou turísticas, então o movimento é bem mais fraco.

- O que acha desse vestido? Vou colocar na mala também. - Ela tira do cabide um vestido florido, de alcinha, que bate no meio das minhas coxas.

- É um pouco curto, mas acho que Victor não vai se importar, só sua família vai estar lá - digo animada. Estou sentada na cama, colocando alguns itens em meu nécessaire.

- Hum... - Minha mãe se aproxima da mala, dobrando o vestido. ­- Então ele implica com a sua roupa?

Eu me remexo na cama como se sua pergunta fosse uma agulha que tivesse me espetado.

- Você sabe que nunca me senti confortável com roupas mais curtas. É uma coisa minha.

- Mas não foi o que você disse. - Não estou olhando para ela, porque não quero ver sua expressão reprovadora, mas imagino que esteja com uma sobrancelha erguida enquanto me encara.

- Eu me expressei mal.

- Clarice...

- Que sede! Vou tomar água - eu a corto, me levantando para sair do quarto.

- Também me deu sede - ela diz vindo atrás de mim.

Descemos as escadas até a cozinha. Pego a jarra na geladeira e ela dois copos. Eu os encho e bebemos em silêncio, encostadas à pia.

- Sabe, Clarice - droga, eu amo minha mãe, mas detesto quando ela pega coisas pequenas e transforma em um grande caso -, eu confio muito em você e na sua personalidade, então, faça um favor para si mesma, certo? Você já é uma garota incrível, por isso não mude seu jeito de ser e nem abra mão das coisas que aprecia por um garoto. Gosto muito do Victor, ele não é mau, mas não deixe as inseguranças dele te moldarem.

- Mãe, não acha que tá dramatizando um pouco?

- Pode ser, mas nunca é demais dar um bom conselho.

Eu sorrio e balanço a cabeça apesar da sensação ruim que suas palavras me deixaram. Digo para mim mesma que não é pelo Victor e sim por mim. Sempre fui mais tímida e reservada e não acho que há nada de errado nisso.

- Você precisa de protetor! - Minha mãe muda de assunto para o meu alívio. - Vou comprar um na farmácia antes de os pais do Victor virem te buscar.

Nós duas voltamos para o quarto e continuamos arrumando minhas malas, esquecendo o que acabou de se passar. Vejo quais roupas mais devo colocar ali, quais livros devo levar, embora minha mãe insista que com tanta diversão dúvida que terei tempo para ler. Mesmo assim, como uma boa leitora, estou sempre prevenida!

*

Não sei nada sobre marcas ou modelos de carro, mas o do Clóvis é grande e espaçoso, tendo lugares suficientes para todos nós. O cheiro aqui dentro é perfumado e está bem fresco com o ar condicionado ligado. A viagem está uma delícia, mas o que mais estou gostando é de ver como Victor e o pai estão interagindo. Eu os vi sorrir diversas vezes enquanto brincávamos tentando rimar "eu vejo com meus olhinhos" com algo na estrada (tendo em vista que só tinha montanhas e árvores, garanto que não foi assim tão fácil). Maia e Pedro também estão se comportando apesar das pequenas briguinhas durante o percurso (nada que Lídia não fosse capaz de apaziguar logo). Ela também tinha feito sanduíches e salgadinhos para que nós comêssemos e Clóvis nem se importou se iríamos sujar os bancos.

- É só mandar lavar depois - disse piscando para nós. Estranho, mas acho que Lídia achou isso bem sex, pois lhe deu aquele tipo de olhar e se inclinou para beijar sua bochecha. Ela parecia mais radiante que nunca e eu imaginei que o acontecimento era inédito para todos e uma coisa como essa viagem jamais havia acontecido antes.

Eu me sentia da mesma forma. Só saí de Nova Vitória para passear uma vez e a recordação não era das melhores.

Meu pai e mamãe estavam sempre trabalhando, mas eu me lembro quando ambos conseguiram tirar uma semana de folga no período do Natal e fomos para Santos. Papai tinha alugado um carro e levamos horas para chegar. O sol estava muito forte e não paramos para comer, pois meu pai queria chegar o mais rápido possível. Eu passei mal no caminho e acabamos indo parar no hospital. Tive que ficar à tarde toda tomando soro, pois estava muito desidratada.

Me senti muito culpada por estragar a viagem e por ver meus pais discutindo, minha mãe dizendo que eles deveriam ter pego a estrada de madrugada e não à tarde como ele insistiu. Quando saí de lá, o clima estava tão ruim que eu só queria chorar. No dia seguinte, os dois me levaram à praia. O mar era imenso e lindo e a areia úmida e suave, mas havia tanta gente que foi difícil achar um lugar em que pudéssemos colocar nossas cadeiras e guarda-sóis. Aquilo deixou meu pai nervoso e durante os próximos dias nós ficamos no pequeno apartamento e só voltei à praia no nosso último dia, porque mamãe bateu o pé.

Ela deu jeito de achar um canto confortável para a gente e ficou me olhando enquanto eu me divertia pegando conchinhas. Estava triste, queria que eu tivesse tido uma experiência melhor e pude ver isso no olhar dela mesmo que ela sorrisse tentando esconder.

Hoje eu sei que não tinha sido culpa minha. Meu pai era muito difícil e a relação deles já não era tão boa.

Chacoalho a cabeça. As novas lembranças serão infinitamente melhores, porque estou em boa companhia, penso olhando para Victor. Ele está com os olhos fechados e a cabeça encostada à janela de vidro, respirando levemente. Me dou conta de que está dormindo assim como todos os outros a não ser por mim e, óbvio, por Clóvis. O único som que ressoa no carro é do ronco franco de Lídia e da canção que sai do rádio. É um pouco difícil ouvir porque está baixinho e também há o barulho do vento já que estamos quase no limite máximo permitido pela pista, mas posso distinguir um ritmo conhecido e de repente percebo que o que está tocando é The Power Of Love. Eu amo essa música, mas acho que todos que já viram De Volta Para O Futuro devem amar também. Começo a cantarolar e mexer os ombros porque é simplesmente impossível não fazê-lo.

- Gosta de música antiga - Clóvis diz de repente e eu olho para ele que sorri sutilmente para mim através do retrovisor.

- São as melhores.

Ele balança a cabeça concordando.

- Você já foi à praia?

- Uma vez, mas eu era muito pequena.

- Vai gostar muito de Maresias - me garante. - A casa é bem arejada e tem piscina. Quando não quiserem tomar banho de mar, terão outras opções. - Ele dá a seta e diminui a velocidade para entrar numa curva à esquerda. Então volta a me olhar através do retrovisor. - Victor está muito animado por ter você conosco. Você faz bem para o meu garoto.

Você faz bem ao meu garoto. Ouvir isso faz eu sentir um friozinho gostoso no estômago e um orgulho se apossar de mim. Não falamos nada depois, mas não consigo parar de sorrir pensando nas palavras de Clóvis. Queria poder tatuá-las só para mim para que eu pudesse ficar olhando para elas.

Quando chegamos ao nosso destino, todos já estão despertos. As crianças são as primeiras a tirarem o cinto de segurança e pularem do carro. Eu e Victor saímos depois. A praia não fica muito longe da casa de forma que dá para ver o mar. É impressionante e Maia e Pedro ficam fascinados.

- Não é demais, Clarice! - Maia dá pulinhos de alegria. - Você me leva?

- Eu também quero ir! - diz Pedro.

- Depois nós vamos lá - Lídia responde por mim. - Agora estamos todos cansados e precisando de um banho.

As crianças fazem uma careta triste, pois estão muito ansiosas, o que é totalmente compreensível, porque até eu estou.

- Se sua mãe deixar eu e o Victor levaremos você e seu irmão à noite, mas só para olhar.

- Jura? - os dois perguntam.

Eu assinto e ela volta a dar pulinhos com Pedro seguindo o mesmo embalo.

Assim que atravessamos o portão eu não me surpreendo de ver o quão grande e incrível é a casa, e fico completamente encantada. O exterior é de telhas, rodeada de lindas palmeiras e um jardim com vasos enormes com Espadas de São Jorge. Por dentro, é ainda mais impressionante. Victor me mostra cada canto dali como fez quando fui conhecer sua casa em Nova Victória. Os móveis são de madeira, mas não são nada extravagantes. O sofá é de um bege muito delicado e as almofadas da mesma cor são decoradas com um bordado em fios dourados. O lustre de cristal pendurado acima de nós me chama atenção, pois os cristais têm formato de folhas e as janelas de vidro vão do chão ao teto.

- Você vai amar isso, linda - Victor diz, segurando minha mão e me guiando para o andar de cima.

Subo as escadas em espiral, me segurando no corrimão e perco o fôlego quando entramos no cômodo especial. Ele tinha razão. Minhas palavras não seriam suficientes para fazer jus ao quanto esse lugar é lindo e acolhedor. Há uma espécie de sofá de chão, um tapete felpudo e branco, redes para relaxar, além de uma cadeira envolta numa espécie de globo aberto. Ela está suspensa por uma corda amarrada a uma viga no teto e já consigo me ver aconchegada naquele cantinho, lendo um bom livro. As pilastras são envolvidas por folhas e galhos verdes com rosas vermelhas e me sinto quase como se eu estivesse numa ala feito para Bella. Mas não é só isso que me encanta. Eu me aproximo mais das janelas e coloco a palma da minha mão sobre o vidro como se pudesse tocar a paisagem, pois daqui posso ver ainda mais nitidamente o mar, as pessoas deitadas sobre a areia, algumas caminhando pela orla. O sol está baixo e as nuvens começando a ganhar um tom laranja. Eu nunca presenciei o pôr do sol desse jeito.

Victor abre uma das janelas. Um vento gostoso sopra meu rosto e meus cabelos. Fecho os olhos e sinto seus braços fortes me rodearem.

- Esse tempo aqui com você - ele sopra em meu ouvido com uma voz rouca e suave - será o paraíso. Nosso paraíso. - Ele desliza os lábios carinhosamente pelo meu pescoço e minha nuca se arrepia com esse contato lento.

Mas o fato é que estou toda suja da viagem e não quero que seja esse o cheiro ou o gosto que ele tenha de mim.

- Sabe o que seria um Paraíso agora? - eu gemo e giro para ficar de frente para ele.

Victor ergue uma sobrancelha interrogativa.

- Um banho. Preciso urgentemente de um banho.

Ele ri.

- Certo, vamos resolver essa questão.

*

Pegamos nossas bagagens no porta-malas e Lídia me mostra o quarto em que vou dormir.

- Clarice florzinha - Lídia sorri docemente para mim -, você se importa de dividir o quarto com a Maia? Ela é tão pequena, não gosto que fique sem companhia, ainda mais que essa menina morre de medo de insetos e é inevitável não aparecer alguns por aqui.

- Ei - a garotinha protesta -, eu não tenho medo de insetos. Você tá enganando a Clarice. - Ela direciona à mãe um olhar atrevido. - Eu ouvi quando a senhora falou pro papai "não podemos arriscar que Victor faça visitas notur..."

- Nós já entendemos, Maia! - Lídia a corta com o rosto vermelho. - E o que eu falei sobre ficar ouvindo a conversa dos adultos, mocinha? - Ela balança o dedo indicador.

- A senhora disse que eu não devia ouvir escondida, mas eu tava na sala, bem à vista de todoooo mundo. - Ela ergue as mãozinhas.

Não consigo me segurar e acabo rindo. Lídia balança a cabeça e resmunga que Maia é muito espertinha.

- Tudo bem, Lídia, eu vou gostar de dividir o quarto com essa menina linda.

Lídia suspira ainda parecendo um tanto constrangida.

- Muito obrigada, Clarice. Vou trazer um colchão para a Maia - avisa.

- Por mim, essa cama é bem grande. - Eu me esparramo sobre a cama de casal e Maia se junta a mim. Fico de lado, com os cotovelos sobre o colchão e a mão sustentando a cabeça. - Podemos dormir juntas se você não se importar.

- Vai ser divertidíssissimo! - Ela concorda.

- Tem certeza, Clarice? Olha que a Maia é pequena, mas vale por três de tão espaçosa.

- Ai, mamãe, como a senhora exagera!

- Ah, então eu tô mentindo? - Ela cruza os braços.

Maia se senta e balança as pernas para frente e para trás.

- Exagerando um pouquinho. - Fecha o indicador no dedão formando um círculo.

- A gente dá um jeito nisso. - Pisco para a pequena.

- Então está bem. - Lídia agradece. Antes de atravessar a porta e sair, para no limiar e se volta para mim. - Sobre o que a Maia disse agora a pouco...

- Tá tudo bem, eu entendo. - Sei que Lidia só está preocupada comigo e eu aprecio isso. - E de verdade eu tô feliz de não ficar sozinha em um quarto tão grande e não tem melhor companhia que a Maia.

- Você é uma querida - ela diz com carinho e me dá um sorriso muito doce.

Eu e Maia ficamos sozinhas no quarto. Eu ajudo a arrumar suas roupas e deixo que tome banho primeiro. Aproveito para arrumar as minhas coisas também e assim que ela sai do banheiro é a minha vez.

Aproveito a água do chuveiro que cai morna sobre meu corpo, pois ficar tantas horas sentada é bastante exaustivo. Ao sair, coloco uma roupa fresca e desço para a sala. Lídia e Clóvis pediram algumas pizzas para o jantar e meu estômago ronca quando sinto o cheiro da mussarela e dos outros sabores subindo até meu nariz. As crianças já estão em volta da mesa e Lídia lava alguns copos e pratos enquanto Clóvis ajuda, secando-os e colocando-os à mesa.

- Tem algo que eu possa fazer? - pergunto, juntando-me a eles.

- Pode servir as crianças?

Faço que sim para Lídia e pego um cortador de pizza. Maia e Pedro escolhem entre os sabores disponíveis e eu coloco uma fatia no prato de cada um, depois abro um guaraná e sirvo os copos. Clóvis e Lídia se sentam à mesa para comer também e em seguida Victor aparece.

- Não acredito que vocês começaram sem mim. - Ele puxa a cadeira ao meu lado e põe a mão no coração. - Até minha namorada.

- Namoro, namoro, comida à parte, querido - brinco, pegando um segundo pedaço de mussarela.

- É isso aí, Príncipe Emburrado - Maia provoca com a boca cheia.

- Príncipe Emburrado? - Lídia questiona. Ela se inclina para puxar a garrafa de guaraná e colocar mais da bebida em seu copo.

- Isso. - Ela balança a cabeça efusivamente. - Clarice é a Cinderela e ele o Príncipe Emburrado. Né, Clarice?

Estou morrendo de rir e Lídia suspira, dizendo o quanto aquilo é romântico.

- Você não consegue ficar quieta, né, Pentelha? - Victor joga uma azeitona no prato de Maia que está do outro lado da mesa.

- Eca, Viii! - ela reclama, jogando a azeitona de volta.

Pedro entra na brincadeira e taca suas azeitonas no prato da irmã, que tenta acertá-lo, mas acaba mirando em Clóvis. Todos param de comer e ficam em silêncio enquanto Clóvis pega o fruto na mão e lança um olhar sério por sobre a mesa. Ele se vira em direção a Maia que se encolhe, então abre a boca e quando parece que vai lhe dar uma bronca, ele se volta para a esposa e a acerta.

- Seu filho da mãe! - xinga, mas está rindo. Todos estamos, na verdade.

Ela faz que irá acertá-lo e mira em mim e uma guerra de azeitonas se inicia.

*

Na nossa primeira noite, fiz o que havia prometido e, junto com Victor, eu, Maia e Pedro fomos à praia. Não entramos no mar, mas molhamos os pés na parte rasa. A água estava morna, pois, apesar de estarmos em julho, o inverno parecia não ter chegado aqui e o clima era muito agradável.

Caminhamos ouvindo o barulho das ondas e observando os irmãos de Victor brincarem catando as conchinhas que encontravam pelo caminho. Vez ou outra Victor chamava a atenção dos dois para que não se afastassem demais e quando eles encontravam alguma coisa diferente e iam mostrar para ele, Victor exibia interesse como se as descobertas fossem as mais interessantes do mundo. Eu não cansava de imaginar o quão bom pai ele seria e, como sempre, meu coração se enchia de amor.

Depois daquela noite, nós voltamos mais vezes; algumas com Lídia, Clóvis e as crianças e outras apenas eu com Victor ou Maia. Já havia se passado uma semana e a cada dia que o regresso chegava mais perto, eu começava a sentir saudades das manhãs de sol à orla da praia, das conversas divertidas com Lídia, a gentileza inglesa de Clóvis e as travessuras de Pedro e Maia.

Hoje só estamos eu e Victor em casa, pois os outros foram ao mercado no centro e eu e ele optamos por ficar por aqui.

Ergo meus olhos do livro para observar Victor que se encontra na piscina. O dia está quente e estou usando um maiô branco com uma sainha, mas não quis entrar na água. Na verdade, preferi ficar aqui sentada, com as pernas esticadas sobre a cadeira, debaixo do guarda sol, desfrutando de um copo de limonada e um bom romance de época investigativo.

- Tá lendo o que, Linda? - Victor sai da piscina e se aproxima, pegando uma toalha no espaldar da cadeira.

- Romance. - Viro a capa para ele, feliz que essa seja apenas uma casa vitoriana e não aquelas imagens de casais super sensuais que geralmente essas edições de banca gostam de usar.

Ele ergue as sobrancelhas e eu o observo. Victor está mais bronzeado e as gotas de água brilham sobre sua pele, percorrendo seu corpo musculoso, os fios de seus cabelos úmidos muito mais dourados sob a luz do sol. Ele passa as mãos sobre eles, então os chacoalha, fazendo pingar um pouco sobre mim.

- Ei, garoto! - eu protesto, fechando meu livro.

- O quê? Não quer se molhar? - Victor chega bem perto de mim e esfrega os cabelos no meu pescoço.

- Sai daqui, Victor! - Eu afasto sua cabeça para longe de mim e me levanto. - Você é terrível, riquinho.

Ele sorri fazendo uma covinha aparecer e abre a boca para retrucar, mas repentinamente fica quieto e faz sinal de que está ouvindo algo.

- Tem um celular tocando.

Ao prestar atenção, ouço uma musiquinha abafada e me dou conta de que é o meu. Corro até a sala e largo meu livro sobre a mesinha de centro para procurar meu aparelho sobre os móveis e debaixo das almofadas. Fico nervosa porque não o encontro em lugar algum até que Victor entra pela porta e olha entre os vãos do sofá. Ele faz que não com a cabeça e estala a língua ao encontrá-lo. Ao me entregar o celular, eu o pego e mostro a língua para ele.

- Oi.

- Demorou muito! - reclama minha mãe com o ar desconfiado. - Tava aprontando o que, menina?

Reviro os olhos enquanto me dirijo à cozinha para pegar um copo de água gelada.

- Tomando sol e lendo.

- Que nerdice - ela bufa.

- Nada como sua própria mãe fazendo bullying com você.

Ela me ignora.

- E aí, quando é que vocês voltam?

- No sábado. - Faço biquinho ao pensar que só faltam quatro dias. - E como vai tudo por aí? Tem sido tranquilo na loja?

Enquanto ela me conta as novidades, abro a geladeira e tiro uma garrafa de vidro de lá, pego um copo na lava louças e o encho. Vejo Victor vir até a cozinha e meus olhos caem para meu livro em suas mãos. Ele se inclina sobre o balcão e começa a folheá-lo.

- E é isso - ela finaliza. - Por sorte, eu tinha a notinha aqui ou aquela maluca ia insistir que dei para ela o troco errado.

- Incrível como sempre tem alguém querendo se aproveitar.

Minha mãe diz mais alguma coisa, mas mal consigo prestar atenção. Victor está com a boca aberta e de início eu não entendo, mas logo meu rosto começa a esquentar, porque sei exatamente o que chamou sua atenção.

Meu Deus, aquelas cenas... Geralmente eu sempre pulo as cenas picantes, pois estou mais interessada no desenrolar dos outros aspectos da trama, a revelação dos mistérios, mas ele não vai deixar isso passar.

- Clarice! - ele fala baixinho em um tom malicioso. Seus olhos se arregalam e ele abre um sorriso safado.

- Larga isso! - Eu abano a mão e peço silenciosamente. Eu me aproximo dele tentando tomar o livro de volta, mas ele é mais alto e o ergue no ar, sem tirar os olhos das páginas.

- Você tá me ouvindo, Clarice?

- Sim, mamãe. - Não é mentira, eu estou ouvindo, só não estou conseguindo focar e fazer com que as palavras dela façam sentido.

- Não parece - reclama. - Bom, vou deixar você com sua diversão nerd. Tchau, amorzinha, e juízo. - ela enfatiza. - Te amo.

- Também te amo - digo e desligo. - Victor, me devolve! - Jogo o celular sobre o balcão e fico na ponta dos pés, tentando puxar o braço dele para baixo. É inútil, nem preciso dizer.

- Caramba, Clarice! - Ele dá uma risada sonora. - "Ele a fez arder em chamas e conheceu a flor do seu desabrochar, tomando-a para ele com fogo e paixão enquanto ela o envolvia em..."

- É sério, Victor, me devolve! - Eu bato em suas costas, irritada e ele se encolhe. - Você é muito infantil!

Victor fecha o livro e o deixa sobre o banco ao seu lado. Sua expressão travessa muda e seus contornos masculinos tomam uma forma diferente. Ele se aproxima e com o braço puxa minha cintura, fazendo meu corpo se chocar contra o dele. Seus olhos focam na minha boca e o seu dedão delinea o meu queixo e depois o meu lábio inferior. Minha pele formiga com seu toque.

- Estou me perguntando - ele fala baixinho, a voz rouca, a ponta de seu nariz roçando o meu - se sou capaz de te fazer arder em chamas.

Eu pisco. Aquilo é tão inesperado que jogo o pescoço para trás e rio.

- Ah, não, é sério?

- Você achou isso engraçado, é? - Ele balança a cabeça e ergue a sobrancelha como se tivesse sido desafiado.

Sua boca vai de encontro a base do meu pescoço e seus dedos fazem caminho através das minhas costas que se arqueiam em resposta. Elas sobem pelos meus ombros e nuca, entrelaçando-se nos fios dos meus cabelos.

- Sabe - sua voz ainda rouca contra minha pele arrepia minha espinha -, se pudesse, eu manteria você aqui só para mim e nunca mais te dividiria com ninguém.

- Do que você tá falando? Eu sou toda sua e você não tem que me dividir. - Já não estou mais rindo quando ele volta a descer sua mão até a pele exposta das minhas costas.

Com seus lábios, ele trilha um caminho até meu queixo e me beija por toda parte, então me olha com um olhar sofrido.

- Ah, Clarice, se você pudesse estar dentro de mim saberia tudo o que eu sinto de uma maneira que nem todas as palavras poderiam expressar. - Ele encosta os lábios em meu ombro e diz baixinho: - Eu não sou nada sem você. Por favor, nunca me deixe.

Quero pedir para que não fale desse jeito, porque odeio que ele pense assim. Mas não posso culpá-lo ou repreendê-lo quando sei que ele não confia em si mesmo por causa de todos os traumas que carrega. Ele acha que vou deixá-lo, mas eu o amo demais para não lutar por ele.

Eu me afasto, apenas o suficiente para tomar seu rosto em minhas mãos e o faço olhar para mim.

- Não tem nem chance de isso acontecer, Victor Walter Villela. Eu amo você.

Fechando os olhos, Victor me envolve em seus braços firmes e seus lábios cobrem os meus. O beijo é intenso e profundo. Cada parte do meu corpo que é tocada por ele queima e dói com o desejo de mais.

Victor se pressiona contra mim e um gemido escapa da minha garganta. Suas mãos agarram minhas coxas e me impulsionam para cima e meus quadris encontram a superfície fria do balcão. Ele se coloca entre minhas pernas, que se envolvem ao seu redor com naturalidade e eu me agarro ao seu corpo como se não pudesse viver sem ele. Minhas mãos passeiam por suas costas largas, seus músculos duros e levo minha palma ao seu peito. O coração dele está tão acelerado quanto o meu e sua pele se arrepia quando eu devolvo sua carícia, deslizando meus dedos pelo seu abdômen. Eu já nem sei mais onde estou, que horas são ou mesmo que dia é hoje. Tudo que sei é que a sensação que ele desperta em mim é mais do que uma ardência ou chamas. É tudo junto e mais um pouco.

- Clarice - ele sussurra, sua voz com um toque de urgência. - Quero tanto você.

- Victor...

Ele pega todas as minhas ideias com mais beijos e eu não existo, sou apenas argila sendo moldada por suas mãos habilidosas. Sua língua explora minha boca, minha língua, minha alma. Seu perfume me impregna e me deixa embriagada, fazendo meu mundo inteiro girar e despertando todos os meus sentidos de uma só vez. Nunca senti Victor tão intensamente como agora. Minha mente sussurra bem baixinho que não quero as coisas desse jeito, que vou me arrepender, mas simplesmente não consigo empurrá-lo para longe de mim e afastá-lo. Estou tão fundida a ele que sinto como se me separar dele fosse me machucar. Me entregar a ele seria tão ruim? Talvez eu devesse. Talvez nada seja mais importante do que fazê-lo entender que eu o amo completamente e o quão valioso ele é para mim.

Não há mais ninguém a não ser nós dois. Nós dois e um som que aos poucos me faz recobrar os sentidos.

- Victor.... O meu... celular...

- Deixa - ele sussurra e continua tomando minha boca como se o mundo fosse acabar amanhã, como se eu fosse única.

Eu obedeço, pois não quero mais nada além de estar em seus braços, sentindo-o, mas o som insistente continua me provocando e meus olhos se abrem completamente. Eu me inclino mais para trás, empurrando seus ombros.

- Pode ser importante. É sério.

Com um suspiro frustrado, encosta a testa no meu ombro e aperta as duas mãos na quina do balcão, ainda me mantendo presa entre seus braços. Ofegante, eu me estico e pego meu celular. É uma vídeo chamada de Bárbara. Ajeito os cabelos e me recomponho antes de aceitar.

- Oi! - Aceno com a mão para ela.

Victor aparece na tela com uma careta.

- Timing perfeito para ligar, Babi - diz mal-humorado, passando as mãos pelos cabelos desalinhados.

- Atrapalhei alguma coisa? - Ela bate os cílios com uma graciosa ironia. - Pois saiba que eu não sinto muito.

Ela mostra o dedo do meio das duas mãos para ele e Victor retribui.

- Eu tenho mais um aqui, querida - ele provoca.

- Que nojo. - Barbara simula que está prestes a vomitar. - Seu namorado é um seboso, Lilica.

- Vamos, parem com isso! - eu repreendo os dois. - Me diz como você tá?

Bárbara arruma o coque frouxo. Está de pernas cruzadas, sentada no chão, com o cotovelo sobre o colchão. Ao fundo, a parede exibe um papel de parede rosa com estampa de flores, uma decoração feita pela mãe dela que ela nunca conseguiu superar.

- Bem e você? Aproveitando muito?

Victor sorri de canto e minhas bochechas pegam fogo, pois ainda não me recuperei do que acabou de acontecer aqui.

- Tem sido bom. Maresias é um lugar bonito e as praias são fantásticas.

Pulo para o chão e me afasto um pouco, precisando de ar e espaço. Uso a desculpa de que quero mostrar a casa para ela e filmo o cantinho da leitura em que fiquei relaxando durante esse tempo. Termino o nosso tour do lado de fora, exibindo para ela a paisagem do jardim e das palmeiras.

- Eu me sinto em um conto de fadas. Sinceramente? Nada pode estragar essas férias, estão sendo mágicas.

- Que bom, Lilica, é um lugar lindo, realmente. - Ela abre um sorriso para mim e mexe em seu coque frouxo novamente. - Então não vou mais tomar seu tempo. Mas... - Bárbara sacode um dedo para mim - tenha juízo e não vá fazer nada do que vá se arrepender.

Um sentimento estranho toma conta de mim, pois já é a segunda pessoa que me diz isso hoje e depois daquilo é quase como se ela soubesse o que estava prestes a acontecer.

- Lilica, tá mesmo tudo bem?

Apesar da sensação angustiante que me toma, consigo disfarçar e mantenho um tom animado:

- Sim e você não tem que se preocupar com nada.

- Se cuida então. - Ela joga um beijo para mim.

Nos despedimos e eu fico ali, pensando. Onde eu estava com a cabeça? Ia jogar fora meus planos por um momento com Victor. Estou ficando louca, deixando que os problemas dele sejam mais importantes que tudo em que acredito.

Como vou te salvar sem me perder, menino bonito?

Ouço o barulho de vozes vindo de dentro da casa que me diz que já não estamos mais os dois sozinhos. Isso é bom.

Procuro espantar aquela tristeza repentina e ponho um sorriso no rosto. Entro e vejo Maia sentada no banco alto, mexendo em algumas sacolas que estão sobre o balcão.

- A gente trouxe sorvete de Tamarindo - eu a ouço dizer a Victor.

- Mas tem mesmo gosto de Tamarindo? - ele brinca e a menininha coça a cabeça sem entender a referência.

Eu me aproximo deles.

- Vamos ver se o de tamarindo é bom. - Pego duas colheres na gaveta e entrego uma a Maia. Experimento a massa. O sabor meio azedinho faz uma careta involuntária se formar em meu rosto.

- Pela sua cara não parece bom - Victor aponta.

- É meio estranho - admito. Pego mais um pouquinho e levo a colher em direção a Victor que abre a boca e o experimenta.

Ele não esboça nenhuma reação enquanto avalia o sorvete com ar pensativo.

- E aí?

- Não é tão ruim.

- Hum.... - Maia coloca a língua pra fora. - É ruim demais sim, Vi.

- Vocês não têm o paladar refinado como o meu - Victor brinca.

Eu e Maia fingimos estar ofendidas e fazemos cócegas nele, até Victor se encolher todo. Durante o restante da nossa estadia, faço o possível para não ficar a sós com ele e nos envolvemos em todas as atividades em família e passeios, mantendo assim meu corpo e pensamentos sãos de seu doce domínio.

____

Esse capítulo de fato é novo, gente. Ele ficou meio grandinho. Vocês acham que quando eu for publicar deveria repartir? Me digam o que estão achando, se sentem diferença na vibe ou na escrita. Se ainda tem alguém por aqui, me dê esse help para eu saber kkkk

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