21 | Quase Doce
- O Treinador vai te tirar da liderança desse jeito - diz Téo quando saímos da sala.
Vou acabar me dando mal, mas não quero arrastar isso por mais tempo.
- Eu preciso fazer uma coisa.
- Mas tem que ser hoje? - ele insiste.
Faço que sim e me encosto na parede, esperando até que a andança dos alunos para cá e para lá se acalme, então vou até meu armário para pegar minhas coisas. Chamo um Uber para me levar para casa e fico pensando no que vou dizer para Lídia quando chegar e ela me ver, mas então me lembro que hoje é quarta-feira e Lídia já havia avisado que ia ao salão retocar o cabelo. Sei o quanto ela demora quando está lá, por isso não me preocupo muito.
Como eu pensei, não há ninguém em casa. A barra está limpa e eu vou até os fundos onde está o violino da mamãe e o pego. Levo o instrumento para casa, carregando-o até meu quarto e o troco pelo meu.
Tenho o meu violino há muito tempo. Eu o tiro do estojo e sorrio ao me lembrar de quando o comprei. Eu estava sonhando com ela, linda em um vestido longo e azul, os cabelos compridos e ondulados, soltos até metade das costas. Minha mãe estava de olhos fechados, em pé, no meio da nossa sala e o som que saia do seu violino me pareceu mágico. Eu devia ter uns doze anos e sofria com a falta de lembranças e o silêncio do Clóvis com uma força tão arrebatadora que não sabia muito bem como me livrar daquilo. Então, eu olhei para ela e seu rosto reluzente me fez perceber que se havia algo que podia aliviar um pouco da solidão que eu sentia aquilo era a música.
No dia seguinte, pedi ao nosso motorista que me levasse a uma loja em que vendessem instrumentos musicais. Achávamos que não havia nenhuma em Nova Victória, e estávamos prestes a sair da cidade e procurar em outro lugar quando, ao errar uma rua, nos deparamos com uma pequena lojinha e na vitrine sorriu para mim o violino mais lindo que eu já tinha visto. Nem dava para estacionar por ali, por isso desci e combinamos que meu motorista daria a volta pelo quarteirão, até lá eu já estaria com o instrumento em mãos.
Sorrio. Do mesmo jeito que naquela época o violino foi meu remédio, hoje espero que ele possa ser o de outra pessoa.
Pego o endereço de Nathan que guardei na gaveta e o coloco no bolso traseiro da calça. Guardo meu violino no estojo, desço as escadas até a sala e abro a porta de vidro.
- Victor? - Meu coração dispara com o susto. O que meu pai está fazendo aqui?
- Oi. - Eu me viro ainda meio tonto e o vejo parado perto das escadas, vestido com seu terno de trabalho.
Os olhos de Clóvis recaem rapidamente no instrumento que estou carregando e ele junta as sobrancelhas em sinal de curiosidade.
- Você não tinha que estar na escola?
- Tinha - admito.
Ele cruza os braços e ergue a sobrancelha. Não parece bravo, apesar da pose. Na verdade, seus olhos parecem brilhar em divertimento.
- Certo, acho que estou um pouco confuso aqui. - Ele exibe uma expressão pensativa. - Você tinha que estar na escola, mas está matando aula e notei que tem um violino com você. O que você acha que um pai deveria fazer nessa situação?
- Ele seria um pai muito legal e fingiria que não viu nada? - Sorrio para ele, mas meu pai eleva tanto sua sobrancelha que se não fosse fisicamente impossível eu diria que ela é capaz de chegar ao topo da sua testa. - Olha - esfrego a nuca meio sem graça -, eu não sou de fazer isso. É só que eu preciso ir a um lugar e não queria esperar.
- Lugar? Que lugar? - ele parece interessado.
- Na casa de um dos alunos que eu ajudo na igreja. Ele não têm ido às aulas porque teve uma enchente na casa dele e o violino foi perdido.
- Vai dar o seu violino pra ele? - Há um tom surpreso em sua voz.
- Vou sim. Por favor, não me diga pra não fazer isso.
- Não direi. - Ele abre um pequeno sorriso. - Mas quero que você me leve junto.
Não faço objeção quanto a isso apesar de surpreso com o fato de ele querer me acompanhar.
O motorista da família nos leva para o endereço indicado. Atravessamos Nova Victória até chegarmos à cidade em que Nathan mora. Percorremos as ruas até encontrarmos o seu bairro. Casas simples, ruas estreitas e pouco cuidadas são as primeiras imagens que vejo. Paramos num portão de ferro, numa casa bastante pequena. Há um carro velho na garagem e somos recebidos por cheiro de comida sendo preparada, e pelos latidos de um cachorrinho peludo, que não parece nada contente em nos ver. Procuro por uma campainha, mas não acho, então faço do jeito tradicional e chamo pelo nome do garoto.
Uma mulher morena, de estatura baixa, cabelos cacheados, usando um avental e um pano de prato nos ombros aparece. Ela manda o cachorrinho ficar quieto e, ao se aproximar e nos examinar, seu rosto adquire um ar de desconfiança. Ainda assim, ela é simpática e sorri para nós.
- Em que posso ajudar?
- Meu filho veio dar uma coisa ao seu - diz Clóvis quando fico mudo.
- É, isso - confirmo um pouco tímido.
Ela une as sobrancelhas como se estivesse tentando avaliar se somos de confiança, mas um instante depois Nathan surge e grita meu nome.
- Victor! - Ele corre para o portão e sorri. - Mãe, é dele que falei. - O garoto puxa o avental dela e aponta para mim. - Ele me ajuda a entender aquelas nota difícil!
- Ah, sim, você é o famoso Victor então! - O sorriso agora é genuíno e ela abre o portão para nós. - Entrem e não se preocupem com o Tobias - ela diz, referindo-se ao cachorro. - Ele não vai morder vocês.
A dona da casa dá ordens para o cachorro se manter afastado, e ele se esconde em sua casinha enquanto eu e meu pai entramos.
A mãe do Nathan nos acomoda em sua sala, fazendo com que sentemos em seu sofá forrado com uma estampa floral. O cômodo é tão pequeno que os espaços entre a mesa de centro e os outros móveis são bem apertadinhos. Com meu violino, eu acabo obstruindo a passagem de modo que para chegar ao outro sofá a mulher e o Nathan dão a volta.
Apesar de insistirmos em não querer incomodar, ela prepara um café e nos traz alguns pãezinhos de queijo e pedaços cortados de bolo de milho num prato.
- Desculpa não ter algo melhor para servir - ela diz, colocando tudo na mesinha de centro à nossa frente.
- Não precisa se preocupar conosco - meu pai soa gentil e pega um pedaço do bolo de milho.
A televisão está ligada, com o som baixinho, num programa com uma apresentadora de cabelos longos e o tema do dia, que aparece numa faixa azul na tela, é algo sobre mulheres que pegam o marido das amigas como uma espécie de favor para que eles não tenham outras amantes aparentemente menos confiáveis. Algumas pessoas parecem um pouco agitadas ali. Uma delas se levanta e coloca o dedo na cara da outra que fica de pé também, o que faz com que a apresentadora vá até elas e tente acalmar a situação. É tudo tão ridículo que chega a ser curioso.
- Victor - o garotinho se senta ao meu lado, no braço do sofá, e eu acordo do transe daquele programa bizarro -, quer ver minha coleção de carrinhos?
- Ah, filho - a mãe reclama, murmurando entre dentes -, o quarto tá uma bagunça!
Ele revira os olhos.
- Escuta, carinha, não posso ficar muito tempo, mas te trouxe uma coisa. - Bato no estojo preto. - Um passarinho me contou que você estava querendo um violino novo e eu trouxe.
Ele parece não acreditar e me olha como se a qualquer instante eu fosse dizer que é apenas brincadeira, mas quando vê que não faço nada disso, Nathan abre a boca e olha para a mãe.
- Mãe! O Victor tá me dando um violino!
- Não podemos aceitar - ela diz fracamente, e esfrega as mãos no avental, fitando o filho com os olhos marejados.
- Você deve. - Clóvis coloca o copinho de café na mesinha e sorri para ela. - Não fará falta para nós. Aceite o presente do meu filho para o seu.
Lágrimas começam a escorrer pelas bochechas da mulher. Ela ri e chora tudo ao mesmo tempo. Quando ela se levanta eu e meu pai fazemos o mesmo. A mãe de Nathan vem até mim e me abraça com força.
- Nathan, diga a ele querido o que você pediu ontem quando estava orando ali de joelhos. - Ela aponta para um canto da sala, perto da parede, onde consigo ver a marca da altura em que a água chegou e meu coração fica pequeno dentro do peito, imaginando o desespero desses dois.
O garoto, que nesse momento está sentado no chão, abrindo o case, levanta os olhos e sorri para mim.
- Pedi pra Deus me dá um violino.
- E Ele leu seu coração mesmo antes de te ouvir. - Sorrimos um para o outro e me sinto feliz e preenchido de um jeito que mal consigo explicar. - Escuta, carinha - sussurro um pouco mais baixo -, só não conta pra ninguém que fui eu que te dei. Isso fica entre nós.
Nathan assente, tira o violino do estojo e se levanta, correndo para mostrar o instrumento para a mãe, que tem o rosto iluminado pela alegria do filho.
O menino toca algumas músicas que aprendeu e fala cheio de energia sobre sua ansiedade para voltar a frequentar as aulas.
- Aquela menina faz bem a você - Clóvis comenta quando estamos no caminho de volta para casa.
- Você não faz ideia - digo a ele pensando que jamais teria um momento como esse se não a tivesse conhecido.
Saco o celular do bolso da calça. A essa hora a Clarice já está saindo do colégio e espero que tenha visto minha mensagem avisando para ela não se preocupar, mas que precisei sair mais cedo. Decido ligar para ela assim que chegar é exatamente o que faço no conforto do meu quarto.
Clarice não atende minha primeira ligação nem visualiza minhas mensagens. Acho estranho e tento mais umas cinco vezes sem obter resultados. Ela deve estar no banho, só pode ser isso.
Ligo meu notebook enquanto dou um tempo até tentar de novo e aproveito para dar uma lida no trabalho de História, mas não consigo me concentrar. Olho para a hora no canto do relógio, depois para o violino da minha mãe em pé, ao lado do guarda-roupa.
Clóvis e eu conversamos muito pouco sobre ela depois da revelação. Eu disse que já sabia tudo que precisava saber, mas se eu for ser honesto comigo, eu gostaria de entender por que ela nem tentou me levar com ela, se pensava ou falava de mim para o cara por quem ela decidiu nos deixar. Queria perguntar o nome dele para o Clóvis e quase o fiz. Só que não seria certo com meu pai e agora que as coisas estão funcionando entre nós não quero acabar com isso. Sei que meu interesse só iria chateá-lo.
Dez minutos já se passaram e não resisto a tentar mandar novas mensagens para Clarice e ligar, mas continuo na mesma. Será que alguma coisa aconteceu? Estou ficando realmente tenso. O percurso da escola para a casa da Clarice não é um caminho longo, mas algo pode ter acontecido.
Nervoso com a possibilidade, fico ligando na esperança de ela atender, mas quando não acontece eu decido usar o último recurso que é ligar para a mãe de Clarice e ela atende no segundo toque.
- Oi, Victor - a voz da Verônica soa do outro lado da linha.
- E aí, Verônica, desculpa te incomodar, mas a Clarice tá por aí? Liguei pra ela umas mil vezes e ela não atendeu. Tô preocupado.
- Ela tá sim, tá do meu lado. Vou passar pra ela.
Solto o ar aliviado, mas também um pouco aborrecido por ela me fazer ficar desse jeito.
- Oi, amor! - ela me cumprimenta com uma vozinha alegre.
- O que aconteceu que você não atendeu nenhuma das minhas ligações?
- Nossa - ela diz em resposta ao meu tom de voz ríspido. - Eu tô no mercado com a minha mãe, ela decidiu fazer compras e eu acabei esquecendo meu celular em casa.
- Tá mesmo no mercado?
- Nãoooo, Victor, eu tô com meu amante e chamei a minha mãe pra gente sair os três juntos.
Fico mudo ao telefone tentando processar a ironia dela. Clarice nunca me tratou assim e, apesar de reconhecer que a pergunta foi mesmo idiota, fico chateado por ela ter sido tão grossa.
- Desculpa - pede Clarice com um suspiro -, você foi um fofo de se preocupar comigo e não quero brigar com você. - Ela soa mais animada. - Escuta só essa novidade: meu pai vai se casar.
- Sério? - Ela responde que sim. - E você tá bem com isso?
- Ah, eu tô, sim. Se ele tá feliz, devo ficar também.
- Você é muito legal - digo, pensando no quanto Clarice é bem resolvida com essas questões de família.
Conversamos por pelo menos uma hora e meia e depois ela se despede de mim, dizendo que vai ajudar a mãe a pôr as compras nas sacolas.
Deito sobre os travesseiros e cubro os olhos com o braço dobrado. Estive tão apreensivo que fiquei com dor de cabeça e só quero descansar antes de voltar e revisar mais um pouco do trabalho de História. Agora que estamos há pouco tempo de entrar nas provas de final de semestre e entrar de férias não posso dar bobeira.
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Oi, pessoal! Demorei, mas cheguei!
ヽ(^o^)丿 ( pequena_e_pandinha liberou o monstro agora das carinhas com símbolos kkkkk)
Fiz a prova domingo e acertei 44 de 60 (te odeio, matemática), mas ainda vem outros concursos por aí e tô pegando firme nessa matéria para tentar de novo, afinal, sou Brasileira e BRAZEL não desiste fácil.
(/◕ヮ◕)/
Obrigada a todos que oraram por mim!
Talvez demore um pouco para o próximo capítulo sair, mas não desistam de mim
(ಥ﹏ಥ)
Vou me esforçar para valer a pena!
Obrigada a quem continua aqui! Amo o carinho de vocês ٩(♡ε♡ )۶
PS: desculpem os erros neste capítulo, fiquei com preguiça de consertar kkkk
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