14 | Quase Doce

- E aí, o que tá achando das aulas extracurriculares? - Babi me pergunta.

Estamos sentadas na primeira fileira das arquibancadas, esperando nosso momento de entrar na quadra. A aula de hoje é uma partida de futebol e, ao contrário do que as pessoas possam pensar, eu não odeio esportes. Embora eu não seja fã deles do tipo que prática todos os dias, eu me divirto muito nessas aulas de educação física e futebol é sem dúvidas o meu jogo favorito.

- Está sendo tud... - não completo a frase e solto um gritinho quando percebo a bola vir em nossa direção.

Eu e Babi conseguimos nos desviar antes de sermos atingidas, jogando nossos corpos para o lado. Minha amiga levanta, faz uma cara feia e franze o nariz quando Téo se aproxima ao seu lado para pegar a bola.

- Por acaso você é cego?! Olha onde você joga essa merda! - reclama Babi.

- Pimentinha, meus movimentos são friamente calculados. - Téo dá um sorriso exibindo sua fileira de dentes brancos e perfeitos.

- Tá com problemas de memória, garoto?! - Ela cruza os braços, fitando-o com o olhar inflamado e ele ergue o canto dos lábios para cima num meio sorriso provocativo. - Meu nome é Barbara. B-Á-R-B-A-R-A - ela soletra lentamente como se ele tivesse problemas mentais e não fosse capaz de entender de outra forma.

- Ah, é? Tá bom, Pimentinha, vou me lembrar disso da próxima vez. - Ele morde o lábio inferior e lança uma piscadela para ela enquanto se afasta.

Visivelmente contrariada por não ter conseguido irritá-lo, ela revira os olhos e torna a sentar. Inspira fundo, então coloca um sorriso no rosto e se volta para mim.

- Continuando...

Levo alguns segundos para me lembrar sobre o que estávamos conversando.

- Ah, as aulas! Eu tô gostando, sim. O professor pediu que a gente criasse uma poesia. É um projeto bacana, as melhores serão enviadas para uma editora que vai organizar uma coletânea chamada "Os Sentimentos Mais Sinceros". Vai ter arte e, claro, as ilustrações em libras. Quero fazer algo digno. - Não escondo minha empolgação.

Seria um sonho ver um poema meu em algum livro que eu pudesse tocar, cheirar e colocar na estante.

- Isso é o máximo, Lilica. - Ela se mostra animada por mim. - Você vai conseguir, tenho certeza.

- Espero que sim.

A professora dá uma pequena pausa para a turma. Os alunos se espalham para descansar um pouco. Para o descontentamento de Bárbara, Luana se senta bem ao meu lado. A semana toda ela se mostrou bastante interessada em manter uma relação de amizade comigo. Tem sido interessante tê-la por perto. Bárbara não gosta dela, mas até agora Luana tem sido bem bacana. Não acho que um dia nós três seremos melhores amigas, mas vejo como uma coisa boa essa interação.

- Caramba, que calor! - Ela se abana com as duas mãos como se isso fosse diminuir a temperatura do seu corpo. - E aí, Clarice, já pensou se vai lá em casa? - ela me perguntando e sorri, agora alisando o cabelo que está preso num rabo de cavalo.

Droga. Apesar de termos nos falado a semana inteira, esqueci completamente do seu convite.

- Ah, sinto muito, Luana. Estou com a cabeça tão cheia dos estudos que não me lembrei de pedir.

- De estudos, hein? Sei... - Ela curva a boca num sorriso ligeiramente malicioso. - Bom, parece que serei eu e eu. - Ela esfrega as mãos na parte da coxa que não está coberta pelos shorts e o sorriso se torna um pouco mais fraco, embora continue lá.

- As outras meninas não vão?

- Pois é. - Luana ergue os ombros. - As meninas cancelaram, preferem ficar com os caras e, bom, minha mãe viaja muito e mais uma vez ela não vem pro fim de semana. Ficou todos os dias fora e quer passar um tempo com o namoradinho dela.

Não me passa despercebido o modo como ela pronuncia namoradinho. É notável que provavelmente ela não gosta do cara. Deve ser muito ruim quando a única pessoa com quem você pode contar não está por perto para você e te deixa tão sozinho. Mesmo Luana não merece algo assim.

Olho para Bárbara que revira os olhos e a imita, alisando os cabelos e mexendo os lábios de um jeito dramático. Dou uma cotovelada em suas costelas para que ela pare antes que Luana veja.

- Se quiser você pode dormir lá em casa - eu acabo convidando.

- Sério? - ela e Bárbara perguntam ao mesmo tempo, mas cada uma com um tom diferente. Bárbara parece chocada e Luana animada com a ideia.

- Eu quero! - Ela se joga em meu pescoço. Bárbara está de queixo caído enquanto me olha. Ela move os lábios sem emitir som, me perguntando "como assim?" e eu apenas a respondo com um sorriso amarelo. - Vai ser superlegal! - diz Luana ao me soltar. - Prometo que vou me comportar!

Bárbara ainda parece estupefata. Ela se recosta na arquibancada. Está balançando a perna e sei que só faz isso quando se sente muito incomodada.

- Mas tem uma coisa, Luana. - Ela ergue as sobrancelhas com interesse. - Bárbara tem que vir junto. Ou não será uma festa de verdade apenas com duas pessoas.

- Isso, que ideia maravilhosa, Clarice! - Luana cruza as pernas e entrelaça as mãos no joelho. Seu rabo de cavalo balança quando ela entorta um pouco a cabeça e encara a Bárbara.

As duas estão sorrindo uma para a outra e de repente eu me sinto como se estivesse num fogo cruzado. Nenhuma delas parece muito receptiva de verdade a passarem um tempo no mesmo ambiente sem serem obrigadas. Mas se vou ser legal com a Luana, ela tem que saber que eu não venho sozinha. Bárbara faz parte do pacote e quem for minha amiga vai ter de ser amiga dela também.

- Eu vou amar ir nessa festinha, Clarice - ela diz e nem está olhando para mim. Seus olhos estão presos nos de Luana com um brilho de desafio.

- Pera - Luana se ajeita -, mas a gente vai depois da comemoração, né? E a Bárbara não assiste as competições - enfatiza fazendo um biquinho.

- Sempre tem uma primeira vez, queridinha - Babi responde.

Antes que elas possam continuar com a animosidade, os alunos são chamados para voltar ao jogo. Dessa vez eu e Bárbara somos chamadas e posicionadas na quadra como zagueiras.

- Que loucura é essa, Lilica? De repente você teve o cérebro fritado? A gente estudou um tempão com a Luana e em todos esses anos ela mal deu um bom dia pra gente, agora você vai levar ela pra sua casa? Isso tem alguma coisa a ver com o Victor? Quer ser amiga dos amigos dele agora, fazer parte do seu círculo maravilhoso de idiotas?

- Não é loucura, Babi, e para de ser tão mal-humorada! - Meus olhos buscam Victor que está sentado, com os cotovelos apoiados no banco de cima. Assim que nossos olhares se cruzam, ele sorri e eu me distraio por alguns segundos. - Você devia se esforçar para ser amiga dele. O Victor é legal e eu amo ele. Você mais do que ninguém sabe o quanto eu desejava que ele olhasse para mim e agora em vez de ficar feliz você fica implicando comigo. Eu te amo, mas isso é um saco!

Os ombros de Bárbara caem e os traços de seu rosto de suavizam.

- Desculpa, Clarice - ela pede e vejo que está sendo verdadeira. - Eu até gosto do Victor, sabe? Mas implicar com ele torna meu dia tãoooo melhor. - Acabo rindo alto de como ela diz aquilo e de como seus lábios formam um biquinho doce. - Mas a Luana... Você tem um coração muito nobre, florzinha, e as pessoas podem decepcionar bastante. Tá na cara que ela tá interessada em alguma coisa. Só toma cuidado, tá bom?

- Você vai estar lá, lembra? Vou ter você para me proteger.

Pego a mão dela e ficamos sorrindo uma para outra como as melhores amigas que somos. Deus não poderia ter colado alguém melhor no meu caminho e tenho certeza disso sempre que vejo como ela cuida de mim e como não deixa que qualquer tipo de orgulho estrague nossa relação. Ela não se importa em admitir quando está errada e é firme quando está certa, mas em todos os casos sempre me respeitando.

- Qualquer coisa a gente enche a calcinha dela de formigas. Formigas nas partes baixas sempre resolvem tudo. - Ela franze o nariz e eu rio.

O apito soa e o jogo inicia. Eu e Bárbara nos afastamos e cada uma vai para o seu canto. Os demais começam a correr. A bola demora a chegar por aqui, mas quando chega, para nos pés de Bárbara. Ela corre pela quadra, para o lado do gol, driblando o time adversário, porém perde a bola para Téo, que faz marcação em cima dela e a toma de volta, chutando-a para longe.

Quando volta para trás vejo que minha amiga está possessa.

- Argh, esse garoto tirou o dia pra me irritar! - ela praticamente ruge quando toma sua posição novamente. Do jeito que está olhando para as costas do Téo fico até impressionada que ele não esteja em chamas.

- Ele é do time adversário, você queria o quê? Que ele te deixasse marcar um gol no time dele? - Rio.

- Ele saiu do ataque e veio atrás de mim só pra impedir meu gol, Clarice! - ela protesta. Mas ele não perde por esperar!

A disputa continua e na primeira oportunidade Bárbara consegue tomar a bola do adversário. Quando menos esperamos, essa garota consegue driblar todo mundo que está em seu caminho e marcar um gol. O time inteiro urra, comemorando e corro até ela para abraçá-la. Ela solta um grito de vitória e quando cruzamos a quadra para retomar nossas posições, ouço-a provocar Téo:

- Pega essa, babaca. - Babi exibe discretamente o dedo do meio para ele.

Ele não se abala com a provocação, na verdade, aquilo parece até diverti-lo muito.

- Pimentinha, parece que mais alguém está com problemas de memória.

- Ah, claro, que mancada a minha. - Ela bate com o punho na testa. - Desculpa, Teófilo.

Ele solta uma gargalhada de novo com aquele jeito de que está achando uma experiência engraçada, o que só a aborrece ainda mais, mas Bárbara não o provoca de volta. Tudo que ela faz é sorrir como se fosse rasgar os cantos dos lábios e só por isso sei que o restante dessa partida promete ser bem interessante. Téo que se cuide ou ele vai acabar se dando bem mal.

- Terra chamando Téo? - Dou um tapa na cabeça de Téo. Já deve ser a quinta vez que ele se afasta do grupo e eu sei que é para olhar o celular. Ele pode até não estar mais competindo, mas nem por isso vou deixar esse cara levar uma suspensão e perder mais treino do que já perdeu com toda aquela história. Se o treinador ver o que ele está fazendo vai pirar e Téo ainda tem chance de conseguir ser um nadador profissional, não vou deixar ele ferrar com tudo. - O que é que tem de tão interessante aí? - Pego uma toalha e me sento ao seu lado.

Téo se assusta e enfia o celular entre as dobras das toalhas que estão perto dele.

- Nada, já tô voltando.

- Qual é, Téo, ainda tá bolado por que seu time perdeu lá na quadra?

- Eles tiveram sorte.

- Três gols são sorte? - Levanto a sobrancelha, irônico.

Téo fez um gol, mas perdeu para a outra equipe que marcou três sendo todos os gols da amiga louca da Clarice. Nunca tinha visto aquela garota jogar daquele jeito e tenho que admitir que a menina é boa pra caramba.

- Detalhe, V, detalhe... - Ele faz um gesto de desdém com a mão.

- Tá bom. Se você tá dizendo... - Ergo as mãos. - Agora, falando sério, você sabe que o treinador tem contatos e pode indicar a gente pra algum olheiro, não fica dando mancada.

- Não vou, V. - Ele estala os dedos, se inclina para frente e o sorriso desaparece do seu rosto. - É só que... Sabe quando você não tem muita certeza de nada? Às vezes eu tenho essa sensação.

- Como assim? Você não quer mais isso? - Indico o ambiente ao nosso redor.

Ele se mexe no banco como se estivesse sentado sobre pregos. Não entendo. Até algum tempo atrás eu achava que ele queria ser profissional, mas então ele de repente joga tudo por água abaixo fazendo coisas idiotas e agora parece não estar nem preocupado em ser afastado de novo.

- É claro que quero, mas... - ele hesita.

- Fala - incentivo. Olho para o treinador e ele ainda está ocupado com os outros garotos. - Manda.

- Tô preocupado, é só isso.

Sua resposta não me diz muito e eu continuo olhando para ele, esperando que seja menos vago.

- Esquece. - Téo abre um sorriso e dá uma tapa nas minhas costas. - Diz pro treinador que eu já volto, vou lá dentro guardar isso aqui, mas essa parte você pode ocultar.

Faço que sim sem esconder o meu descontentamento. Estou desconfiado que algo esteja acontecendo com ele, mas não consigo definir o que seja. Eu poderia dizer que é possível que alguma garota tenha a ver com a maneira estranha como Téo está agindo, mas se fosse algo tão bobo ele provavelmente me contaria. Será que está com problemas em casa? Faz um bom tempo que não o visito. Com os dias corridos, aulas, treinos e o auxílio na igreja eu mal tenho tempo e quando tenho procuro me dedicar a Clarice. Sei que ele entende, porque também tem seus próprios afazeres, mas talvez devêssemos ter a noite dos caras como antigamente: passar a noite toda jogando videogame e comendo besteiras. É, depois combino tudo com ele.

Volto para a piscina antes que o treinador venha me puxar pela orelha. Ele já está com aquele olhar desconfiado e não quero dar motivos para que chame minha atenção. Téo retorna poucos minutos depois e dessa vez coloca mais foco no que está fazendo.

As horas passam depressa e quando percebo já estou no vestiário, tomando um banho rápido para voltar para casa. Eu me troco e, ao sair do vestiário e seguir até o corredor, encontro Clarice me esperando encostada ao seu armário, com a mochila em um dos ombros, e olhando algo em um caderno que está segurando. Eu me aproximo e ela levanta os olhos como se sentisse minha presença, então abre aquele sorriso lindo para mim.

- Você vai amanhã, né? - Entrelaço nossos dedos e dou um beijo rápido em seus lábios. - Você é meu amuleto da sorte, linda.

- Ah, é? - Ela ergue a sobrancelha. - E como você fez todo esse tempo sem mim?

- Eu me pergunto a mesma coisa - digo e a encosto ao armário, beijando-a.

Clarice solta um gemido baixo e protesta, ainda sorrindo em meus lábios:

- Eu vou perder o ônibus desse jeito.

- Eu te levo pra casa - murmuro, acariciando a pele da sua cintura por baixo da camiseta branca.

Clarice tira minhas mãos da sua cintura e empurra meu peito com delicadeza.

- Não, senhor riquinho.

Ela ajeita a mochila e pega minha mão, me fazendo caminhar até o ponto de ônibus com ela. Detesto que ela não me deixe levá-la para casa, mas Clarice diz que prefere assim, pois não quer abusar da boa vontade dos Villela, o que é uma besteira, mas respeito a decisão dela. Confesso que, embora eu queira passar cada segundo com ela, parte de mim aprecia o quanto essa garota é independente e firme. Quando chegamos, eu jogo as costas contra o muro e Clarice se aconchega a mim. Passo meus braços ao redor dela e enterro meu nariz em seu pescoço.

- Fiz um poema para o projeto de LIBRAS. Ele é bem curto, mas eu gostei - ela me conta empolgada.

- Ah, é? - pergunto, provocando-a com meus lábios em sua nuca. Clarice se arrepia e eu sorrio. Gosto do efeito que causo nela.

Clarice dá uma risadinha e se vira, ficando de frente para mim. Ainda assim, eu não a solto. Faço com que permaneça perto de mim.

- Foi uma das coisas mais difíceis ter que criar um poema. Não sou muito boa com isso. Não sei como Emily Dickinson conseguia. Estou morrendo de vergonha de ter que ler e gesticular ele na frente da classe.

- Você vai ler ele pra classe? - Ela assente. - Mostra pra mim.

- Quê? - Clarice balança a cabeça em negativa. - Você não vai gostar.

- Me deixa dizer.

Ela franze o lábio e pensa um pouco.

- Tudo bem, mas já adianto que não é nada primoroso e é realmente muito curto.

- Deixa de me enrolar, Clarice.

Ela ri. Abre o zíper da bolsa, tira de lá um caderno azul e o abre numa pagina, depois a mostra para mim. Eu pego o caderno e leio o que está escrito.

Abri os olhos

Estava escuro.

Levantei e busquei a luz.

- Isso tá muito bom, Clarice - digo e estou sendo sincero.

Não tenho dúvida alguma de que ela tem talento para essa coisa de literatura. Eu com certeza posso vê-la sendo uma grande escritora um dia se for esse o caminho que ela quer seguir. O minipoema ficou ótimo. A garota usou o mínimo para dizer o máximo e conseguiu passar uma mensagem incrível.

- O que você acha que quer dizer? - ela me pergunta.

- Essa pessoa acordou no meio da noite e foi procurar um interruptor?

- Sério? - Clarice solta uma gargalhada. - Caramba, eu não te ensinei nada?

Sorrio para ela.

- Tá bom - eu cedo. - Você tá falando sobre alguém que está num momento ruim, mas que encontrou forças para procurar a luz, ou seja, a esperança.

- É isso, aí! - Ela ergue a mão e damos um high-five. - Ah, meu Deus, tenho que ir! - Clarice diz ao ver seu ônibus parar no ponto. Ela me dá um beijinho rápido e, relutante, deixo-a ir, observando-a até o ônibus se perder de vista.

*

Chego em casa faminto. Depois de subir para o meu quarto e me trocar, vou até a sala. Lídia, Maia e Pedro estão sentados no chão, porque ela está ajudando os pequenos com o dever de casa. Maia, como de costume, corre para me abraçar e eu a ergo no ar e rodopio com ela.

- Como tá a minha princesa favorita? - Eu a coloca de volta no chão.

- Eu não sou sua princesa favorita. A Clarice é sua princesa favorita - ela enfatiza com aquele olhar de quem me pegou em cheio.

- Eu tenho duas princesas favoritas. - Faço um gesto com os dedos para ilustrar o que estou dizendo e caio sentado no sofá.

- Você não pode ter duas pessoas favoritas, Vii. - A menina rebate e faz uma careta, cruzando os braços.

- Posso, sim.

- Não pode, não.

- Posso, sim. - Determino e puxo-a para um abraço apertado.

Maia ri e seu riso preenche o ambiente. Ela se liberta do meu abraço e revira os olhos.

- Tá bom, Vi, você pode ter mais de uma pessoa favorita.

- Maia, vem terminar seu exercício - manda Lídia no que a menina obedece prontamente e volta, saltitando até ela. - Victor, o jantar vai demorar, porque não estamos com a cozinheira e só vou poder sair daqui depois que esses dois acabarem, mas tem um pedaço de torta de frango na cozinha. Vá comer um pedaço.

- Sim, senhora.

Nem protesto. Levanto-me do sofá e vou até a cozinha. Encontro Clóvis sentado à bancada, a cabeça baixa, a mão direta entre os cabelos. A gravata está sobre seus ombros, o terno jogado no mármore e as mangas da camisa arregaçadas. Acho que eu nunca o vi assim. Ele parece esgotado de verdade.

- Oi - eu o cumprimento ao entrar.

Ele imediatamente ajeita a postura.

- Oi. A Lídia deixou torta de frango no forno. Diz ela que ela mesma fez - Clóvis anuncia e ergue o canto dos lábios num meio sorriso.

- Legal.

Olho lá dentro e pego a travessa de torta. A aparência é bonita, o cheiro é bom e atiça minhas papilas gustativas.

Coloco a travessa em cima da bancada e vou até à geladeira. Tiro uma jarra de suco de limão para fora, pego dois copos no armário e nos sirvo ao mesmo tempo em que Clóvis estende os braços para pegar uma faca na gaveta da pia da cozinha. Em seguida, ele corta dois pedaços da torta e ambos as pegamos com as mãos.

- Boa - diz ao saboreá-la.

- Muito - completo.

Ficamos alguns instantes em silêncio apenas comendo. É estranho estar na presença dele sem que a gente brigue.

- Então - ele limpa a garganta -, amanhã você vai competir, hein?

- É. - Dou um gole no suco.

- Lídia e as crianças estão animadas para te ver e... Eu também - acrescenta.

Termino de mastigar o pedaço de torta e estudo Clóvis. Não tenho sido fácil e nem muito compreensivo. Tenho consciência de que não tenho facilitado para que as coisas melhorem entre nós. Só que se ele está tão disposto a ser mesmo um bom pai e construir uma relação, então talvez seja capaz de ser sincero comigo.

- Você quer mesmo que isso dê certo?

Clóvis sabe sobre o que estou perguntando e por isso não fica nem um pouco confuso ao me olhar.

- Estou tentando, Victor. De verdade. Acho que poderíamos recuperar o tempo perdido.

- Os ponteiros do relógio não voltam para trás, Clóvis - digo com um sorriso pesaroso.

- Victor...

- Só me diz uma coisa, Clóvis, o que mudou? - Meus lábios formam uma linha fina enquanto eu me pego colocando para fora essas questões que passaram a me consumir por tanto tempo e que agora rondam minha cabeça com muito mais frequência depois que revi aquelas fotografias. - Eu li a dedicatória que você fez para minha mãe no livro favorito dela; vi as fotos daquele álbum onde éramos nós três e você parecia feliz. O que mudou depois que ela morreu pra você me desprezar tanto?

Clóvis parece surpreso com o interrogatório. Ele abre a boca, mas a fecha de volta sem dizer nada. Ele pisca algumas vezes e de repente seus olhos brilham como se ele fosse... Não, Clóvis não chora. Por toda a minha vida esse homem foi uma rocha.

- Por que não me conta sobre aquele dia? Por que nunca fala sobre ela? - insisto. Eu preciso saber, e se ele quer mesmo estabelecer um laço honesto de pai e filho como faz parecer o mínimo que me deve é uma parte dela e da minha própria história.

Jogando o banco para trás, Clóvis se levanta, fica de costas para mim e apoia os braços na pia.

- Pai, por favor... - eu ridiculamente imploro, mas não ganho nem sequer um pequeno gesto seu.

Covarde. Esse cara não consegue nem olhar para mim!

- Por que você não pode esquecer o passado? - é a única coisa que consegue dizer.

- Porque o passado faz parte de quem eu sou.

Nenhum dos dois diz mais nada. De repente, me sinto enjoado. Desço do banco e vou até a saída, mas antes de atravessar a porta, Clóvis me chama e eu paro.

- A verdade pode ser dolorosa, Victor.

- Pra mim ou pra você?

Mas eu não preciso que ele me diga. Para essa pergunta eu sei exatamente a resposta.


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LEIA A NOTINHA (ou ao menos o 3° parágrafo)

Oi, pessoal! Saudades de vocês. O que acharam desse capítulo? Babi ama implicar com o Victor e o Téo, né? Será que isso vai prestar? *carinha de lua*. E essa briga com o pai será que ainda dura muito?

No próximo capítulo preparem esses corações e aproveitem que lá vem treta (agora é real!!!).

Mas, enfim, o que eu queria dizer pra vocês é que os capítulos estão demorando a sair porque a rotina aqui tá braba! Sigo estudando pra passar num concurso e estou tentando me dedicar, porque já faz um bom tempo que tô sem job e estou contando muito que esse concurso vai dar certo. Orem por mim, por favor!

Hoje os comentários são da liliianmartins22 e da agabriiella. Por favor, ignorem o "senteimentos" kkkkk Tô precisando de óculos novos.

Obrigada pela leitura, meus amores! E desculpem qualquer coisa :)

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