10 | Quase Doce
E
Eu e Victor não nos falamos o dia todo depois da discussão que tivemos ontem - se é que posso chamar aquilo de discussão. Ainda estou chocada com o atrevimento dele em falar comigo daquele jeito, como se tivesse o direito de exigir algo de mim, quando repetiu exatamente o que havia feito com que nos desentendêssemos da primeira vez. Então hoje fiz o possível para ignorar a presença dele, embora isso seja quase como tentar ignorar a presença de um elefante numa sala minúscula. Você pode até não olhar para ele, mas sente que está ali. E com Victor é assim. Ele preenche todos os espaços do ambiente. Ele preenche todos os espaços do meu eu. Meus pensamentos são Victor. Meu ar é Victor. O perfume de tudo é o dele. Eu o sinto em minha pele em todas as partes que me tocou. Sinto seus lábios sobre os meus. Ouço sua voz falando como gostou da minha boca e me dizendo que sou a versão do par romântico do seu Super-Herói.
Mas ele não é e nem agiu como um.
Droga! Estou frustrada. Com raiva. Triste. Confusa. Não sei mais por qual direção seguir em relação a nós.
Você me deixou toda perdida, garoto bonito.
Solto um longo e pesado suspiro. É terça-feira, dia em que eu e Victor estudamos, mas não acho que ele vá passar aqui hoje à noite, e não quero pensar sobre isso. Procuro me distrair com um romance, enquanto fico deitada na cama, encostada aos travesseiros. A história é sobre uma garota muito inteligente, mas que passa despercebida por ser tímida e não ser tão bonita. Ela é apaixonada (surpresa) por um garoto lindo de morrer, que faz esportes e nem sabe que ela existe. Na cena em que me encontro, ele está prestes a partir para guerra, e só agora passa a enxergá-la, percebendo que se interessa por ela e que se não estivesse tão distraído com a amiguinha gostosa dela, eles talvez pudessem ter tido uma chance. Parece que as pessoas só percebem o que querem quando é tarde demais, mas é um livro e não existe tarde demais em histórias de amor fabricadas por pessoas sonhadoras. Queria me sentir um pouquinho menos amarga hoje, e, pensando bem, a vida já é uma droga, os livros também não precisam ser.
Volto no mesmo parágrafo ao perceber que o li inteirinho, mas sem realmente lê-lo. Só que meu momento é interrompido quando minha mãe coloca a cabeça pela fresta da porta e dá uma batidinha, chamando minha atenção.
- O Victor tá te esperando lá embaixo - anuncia naturalmente.
O quê?
Minha mãe parece momentaneamente confusa com a surpresa estampada em meu rosto e olha para mim com a sobrancelha erguida.
- Não é terça-feira ou eu tô perdida?
Sim, hoje é, mas não era para ele estar aqui.
- Acho que acabei esquecendo. - Forço um sorriso e reviro os olhos.
- Bom, pedi pra ele te esperar no cantinho de vocês.
Agradeço a ela e digo que já vou descer e, em seguida, minha mãe sai dali.
Respiro fundo ao fechar o livro e jogá-lo sobre a cama. Estou indecisa sobre o que pensar a respeito. A parte irracional de mim está radiante, pois ama ficar pertinho dele e está com saudades mesmo que já o tenha visto pela manhã; mas a outra - a sensata - está furiosa com a cara de pau dele em vir até minha casa depois de tudo, esperando que eu dê aulas a ele.
Me levanto e, ao passar em frente ao espelho, não resisto a dar uma olhada na minha aparência. Estou bem largada, vestida com uma legging preta, uma blusa branca que vai até um pouco mais da metade dos quadris, meias azuis e com os cabelos presos num coque frouxo, mas não vou trocar de roupa por causa dele. O máximo que faço é soltar meus cabelos e ajeitá-los um pouco, passando os dedos entre os fios. Vou até a prateleira, pego um volume de poemas de Emily Dickinson e desço as escadas, seguindo direto para a varanda.
Empurro a porta, atravessando-a e vejo Victor sentado, um cotovelo apoiado à mesa e as costas da mão sobre a testa. A cadeira está um pouco virada para o lado e as pernas dele, cobertas por um jeans preto, estão esticadas. Um tornozelo está cruzado sobre o outro, exibindo nos pés seus tênis branquinhos. Está usando uma blusa cinza, de manga longa, com aquelas cordinhas que descem do gorro, e do lado esquerdo do peito está estampado o símbolo discreto da Nike. Ele trocou de roupa antes de vir e isso me deixa ainda mais irritada, pois agora vai ser muito mais difícil não querer ficar olhando para ele o tempo todo.
Ele ainda não percebeu que estou aqui. Está concentrado no caderno aberto sobre o colo, porém desvia o olhar das páginas até meu rosto assim que se dá conta da minha presença quando faço um barulho com a garganta. Victor não me cumprimenta ou diz qualquer coisa, apenas me analisa, passeando com seus olhos sobre mim, mas não sei o que está pensando, pois sua expressão não revela nada.
Apesar de me sentir afetada por ele, finjo indiferença quando me dirijo até a mesa e deixo cair, sem qualquer delicadeza, o livro sobre o tampo, produzindo um baque forte que faz os ombros dele chacoalharem. Puxo a cadeira e me sento. Olhamos um para o outro em completo silêncio. Ele ainda está com aquela expressão neutra que não me diz coisa alguma, já eu não faço questão de esconder ou mascarar meus sentimentos. Quero que veja com bastante nitidez como estou brava com ele.
Nossos olhares se mantém um no outro por segundos intermináveis. Nenhum dos dois quer dar o braço a torcer. Mas ficar nisso também não vai nos levar a nada e eu estou cansada, por isso abro o volume de poemas de Emily Dickinson numa página que havia marcado antes de tudo entre nós ficar tão estranho, viro-o para ele e aponto para o trecho que quero que leia. Ele cede com um suspiro, pega o livro e começa.
Uma palavra morre
Quando falada
Alguém dizia.
Eu digo que ela nasce
Exatamente
Nesse dia.
Victor mantém os lábios bem apertados e fica olhando fixo para aquela página. Talvez esteja refletindo sobre o poema e demora um pouco para falar, mas, quando o faz, me surpreende ao murmurar baixinho:
- Desculpa.
E a palavra ganha vida, assim como no poema. É seu jeito de me dizer que entendeu, pois ela expressa tudo, só que não o tudo que eu preciso. Não é suficiente. Quero ouvi-lo dizer por que está me pedindo desculpas. Mas nada sai da sua boca e ele sequer faz contato visual comigo de novo.
Argh! Não aguento esse joguinho. Me levanto da cadeira e me coloco à frente de Victor. Ele ergue a cabeça para me olhar e eu derramo sobre ele as palavras que ficaram presas dentro da minha garganta o dia inteiro e que agora estão lutando para se libertar.
- Desculpa? Sério? É só o que você tem pra mim depois de simplesmente a gente se beijar e você não dar sinal no dia seguinte? Depois de ir me acusar de dar mole pro Samuel sem sequer ter a decência de tentar esclarecer as coisas! - digo essas palavras com indignação e firmeza, me contendo para não gritá-las apenas porque não quero que minha mãe me escute.
Ele arregala os olhos, perplexo com meu acesso. Não estou nem aí.
- Clarice - ele murmura angustiado. - Por favor...
Estou prestes a me virar e voltar para dentro, mas, antes que consiga, a mão dele rodeia o meu joelho, fazendo com que eu me desequilibre, e eu acabo entre suas pernas, tendo que segurar em seus ombros largos para me manter de pé. Agora sinto sua respiração quente em meus lábios, porque essa posição me deixa vulnerável demais a ele.
- Domingo - ele começa a dizer, seus olhos azuis queimando nos meus -, passei boa parte do dia tirando fotos e respondendo perguntas de uma repórter local para uma matéria que vai sair sobre a família Walter Villela. - Ele diz o sobrenome com ressentimento e ergue os lábios num sorriso amargo e infeliz. - Foi uma merda ficar lá fingido que meu pai foi o melhor pai do ano, que a gente não tem problemas, que tudo é perfeito, que somos perfeitos. - Ele pausa para olhar para cima por um segundo e logo volta a me fitar. - Queria ter falado com você ontem, mas meu dia começou um inferno. Você deve ter ouvido sobre o que aconteceu com o Téo e, como capitão do time, tenho que estar ao lado do treinador quando ele toma as medidas necessárias. Foi difícil lidar com isso, o Téo é meu irmão.
Ele busca a compreensão nos meus olhos e, por mais que esteja me esforçando para dar um gelo nele, suas desculpas me amolecem. Victor ainda está com a mão atrás do meu joelho e seu toque é como fogo, que se espalha por todo meu corpo, subindo e descendo, derretendo cada uma das minhas fibras, me transformando nessa confusão de desejos e sensações. É como se não houvesse essa camada de tecido entre os dedos dele e minha pele. Meus pensamentos estão flutuando desordenados dentro da minha cabeça, pois, simples assim, ele faz com que eu já não seja capaz de raciocinar. Por que estou mesmo com raiva? Preciso fazer um esforço para me lembrar de como ele foi comigo e ter forças para reagir.
- Eu te entendo, Victor, de verdade, e sei que deve ter sido muito ruim perder o Téo da sua equipe, não só pelo time, mas pelo quanto você se importa com ele, só que você foi tão precipitado - eu o lembro. - Como eu posso voltar a confiar em você?
- Não fala assim, Clarice - pede num tom rouco e angustiado. - Eu errei, mas não foi porque não me importo com você, pelo contrário. - Ele acaricia meu queixo e seus olhos mergulham fundo nos meus. - Você já me tem mesmo antes daquele beijo. - E você já me tem mesmo antes que me notasse, minhas batidas sussurram, mas não digo em voz alta, deixo aquele segredo dentro de mim e espero que ele continue. - Eu queria que com você fosse tudo especial, só que nada do que planejei deu certo. - Ele parece engolir com dificuldade. - Tava tão distraído e nervoso com o que aconteceu com o Téo que não pensei direito quando o Samuel ficou me dizendo que eu podia perder você pra outro... Quando ele disse que você deu a atender que não estávamos juntos não imaginei que era porque eu não havia dito nada, entendi que era porque queria ficar com ele.
- Mas eu não quero o Samuel.
- Agora eu sei - ele murmura e me puxa para o seu colo. Minhas bochechas ficam vermelhas. Sei disso sem nem precisar me olhar no espelho, pois seu sorriso travesso e o calor em meu rosto já me dizem.
Com carinho, Victor joga meus cabelos para trás e passa um dedo por minha bochecha. Minhas mãos ganham vida própria e se enroscam nos seus fios que brigam entre loiro e castanho, e ele inspira, apreciando a sensação. Ficamos assim algum tempo e é tão bom. Me sinto em paz e sei que ele também.
- Eu odeio a gente brigado - digo a ele.
- Eu também, minha linda, é por isso que não vou esperar mais.
Victor projeta o quadril para cima e eu volto a ficar de pé. Ele se inclina para pegar a mochila que deixou do outro lado da mesa, tira algo metálico de um dos bolsos laterais e se levanta, então ergue o pequeno objeto em frente aos meus olhos.
Levo alguns segundos para entender do que ele se trata e quando a ficha cai, meus dedos cobrem meus lábios.
É um anel.
Espera. Não um simples anel. É uma aliança de compromisso!
Era essa a surpresa?
Ai. Meu. Deus.
Victor pega minha mão e coloca a aliança em minha palma. Olho para ela e estou sem ar. Definitivamente, não sei mais como respirar. Dou alguns passos, caminhando até a parede e bato minhas costas contra ela, pois não tenho mais certeza de como manter as pernas firmes. Admiro a aliança. O anel é grosso, tem uma textura lisa e brilhante. Giro-o e vejo que há uma pedrinha linda e pequena no centro. Confiro dentro e a data marcada, com uma fonte delicada, é a do nosso primeiro beijo. Eu não fazia ideia de que Victor já havia selado nosso compromisso ali e isso faz eu me sentir mal. Agora quero voltar no tempo e calar aquela Clarice afobada e ansiosa, que não conseguiu esperar e já pensou o pior. Quero bater na Clarice de segundos atrás que foi tão rude, quando Victor só queria ser gentil e amoroso. Sei que ele também errou quando apareceu me acusando, mas essa situação me faz perceber que não estou isenta de ter errado também.
- Clarice... - Ele se aproxima.
Ergo a mão, impedindo-o de falar e o encaro.
- Não podemos começar assim. - Meus olhos se fixam nos seus. - Se vamos levar o que temos a sério, a gente precisa fazer uma promessa um pro outro e cumpri-la.
Ele assente devagar, me olhando apreensivo. Está com medo e isso faz o meu coração derreter e ao mesmo tempo se partir.
- Sabe uma coisa que me deixa muito irritada em romances? - Ele me lança um olhar de curiosidade. - É quando um casal podia ter resolvido tudo com uma simples conversa, mas escolheu não dizer nada e deixar o outro pensando besteira ou continuar pensando besteira. Tudo vira uma bola de neve desnecessária. - Victor ergue a sobrancelha, mas pela expressão em seu rosto sabe bem onde quero chegar. - Preciso que se abra comigo quando algo te incomodar e que não tente sempre presumir o pior sobre mim. Em troca, sempre vou me abrir com você e procurar saber a sua versão dos fatos. A gente não pode ignorar o outro e nem podemos ser orgulhosos, o que me faz ver que eu também te devo desculpas. Não queria parecer desesperada, fiquei esperando que só você tomasse a iniciativa.
- Nossa - ele parece impressionado -, você é tão madura.
Dou risada.
- Sou como qualquer garota da minha idade, mas aprendi muita coisa com o casamento ruim dos meus pais e os romances péssimos que li.
Victor assente.
- Eu entendo, linda, e você tá certa. Não devia ter descontado minhas frustrações em você - ele afirma com uma voz rouca. Está tão perto de mim, seu corpo me cobre por inteira e todo ar ao meu redor é Victor, o perfume masculino e a energia que irradia dele me envolvem como uma corda dos pés a cabeça. - Vou ser sincero com você sempre.
Está sério quando diz aquilo e percebo que está disposto a cumprir sua promessa.
Agora que esclarecemos tudo, me sinto bem mais leve. Meu coração já não está mais doendo.
- Então... - mordo o lábio inferior e giro o anel entre os dedos. - Ia pedir um certo alguém em namoro, riquinho?
Ele ergue o canto dos lábios e seus olhos azuis se prendem aos meus com um brilho maroto.
- Eu ainda quero, você acha que ela aceitaria? - Ele espalma uma mão ao lado da minha cabeça.
- Se você pedir com jeitinho, quem sabe ela considere. - Ergo um ombro.
O sorriso dele se alarga e ele desliza a aliança pela minha palma suavemente.
- Clarice - sussurra meu nome e seguro um gemido porque, nossa, como soa incrível quando ele diz assim -, você mexe comigo mais do que qualquer outra já mexeu. Você faz meu mundo girar e me deixa louco, pois tudo que vejo é você. Acima de tudo, você faz o meu coração bater tão depressa, que, apesar de sentir que vou cair, sei que vou voar, porque é você quem me segura com suas asas. Quero saber se você aceitaria namorar esse cara quebrado, que comete erros, porque não sabe direito como agir com alguém que ele acha tão especial, mas que ele quer mais do que já quis qualquer coisa na vida.
Não consigo falar. Estou sem ar diante dessa declaração. Não esperava que Victor tivesse palavras tão bonitas para mim. Acho que vou chorar, mas seria ridículo se eu fizesse isso só porque um garoto está me pedindo em namoro, ainda que seja da forma mais linda e honesta que já vi alguém fazer.
Victor está me olhando inseguro, esperando minha resposta. Puxo o ar para dentro dos pulmões e me forço a conseguir falar.
- Sim, eu quero.
Ele sorri para mim tão aliviado que quase o sinto flutuar e começa a colocar a aliança em meu dedo, mas ela fica um pouquinho folgada.Victor leva uma mão até a nuca, fazendo uma careta.
- Desculpa, vou ter que mandar ajustar.
Ele parece tão sem graça que eu acabo rindo.
- Ah, não precisa, eu coloco algum anel menor por cima e vai segurar bem!
- Certeza, Clarice? - Ele parece incerto. - Eu posso mandar ajustar sem problemas.
- Tenho sim - garanto animada e encantada não só com o anel, mas por perceber agora mesmo como esse garoto gosta de mim a ponto de me levar tão a sério. Qualquer outro não se prenderia assim. A maioria quer apenas curtir e pegar todas. Mas aqui está Victor, fazendo eu me sentir especial.
- Obrigada por isso - não consigo deixar de dizer.
Vejo um sorriso se insinuar em seu rosto.
- Ainda não - ele avisa, se distancia e mexe na mochila novamente. Quando se aproxima de volta, ele encosta sua testa à minha e me entrega a aliança dele. Nem precisa me pedir o que quer, pois já sei.
É a minha vez de colocar a aliança em seu dedo e meu sorriso explode no rosto quando o faço.
Estou namorando Victor Walter Villela pra valer!
Ele acaricia meu queixo e seus lábios se aproximam do cantinho dos meus.
- Posso te dizer uma coisa? - pergunta com a voz grave, sem se afastar de mim.
Faço que sim com a cabeça, me esforçando para manter os olhos abertos.
- Tô querendo te falar isso desde que você apareceu na porta - sua voz sai baixa e rouca, e de repente sinto quando seus dedos descem e seguram à bainha da minha blusa, roçando minha coxa. - Você tá sexy pra caramba vestida assim.
Eu riria desse absurdo e protestaria com afinco se seus lábios não estivessem pairando sobre os meus, e ele estivesse me olhando de um jeito que faz eu me sentir exatamente como acabou de dizer. Além do mais, não quero dar vida às palavras agora.
Quero dar vida aos beijos.
Jogo meus braços ao redor do pescoço dele e de início o beijo é suave e delicado. Imprimo todo o carinho que sinto por ele ali. Victor é tudo que eu poderia desejar com seus erros e acertos. Então, ele me encosta ainda mais à parede e pressiona seu corpo contra o meu, me beijando com mais intensidade, fazendo nossas línguas se enroscarem e eu suspiro porque amo demais todas as sensações que esse cara me proporciona.
Amo absolutamente tudo nesse garoto, simples assim.
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Poema de Emily Dickinson, tradução de Idelma Ribeiro Faria.
Oi, gente! que semanas, viu! Foi corrido e angustiante, mas estamos de volta! O que fazer com esses dois? Me digam kkkkk
Quero aproveitar e agradecer a todos que me mandaram mensagens de carinho no capítulo anterior quando disse que ia precisar ficar um tempo afastada. Vocês são o máximo!
E hoje os comentários são da Bruhh1907 e Aliceferreeiraa16 ! Na próxima trago mais.
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