1 | Quase Doce
Amasso o papel em minhas mãos, me sentindo completamente irritado. Se eu continuar com essa merda de nota vou acabar com todas as minhas chances de sair desse inferno de cidade. Ficarei preso em Nova Vitória se não mudar essa situação logo, e permanecer aqui é tudo o que eu não quero.
Meu pior erro foi não ter me esforçado tanto, pensando que seria fácil acompanhar as malditas aulas de literatura inglesa. Essa matéria nem é lecionada em escolas comuns, mas o colégio Núcleo, além de ser particular, é bilíngue e acha importante que nós tenhamos contato com a literatura estrangeira de uma forma muito mais aprofundada. Tenho que dar um jeito de correr atrás. Sou um babaca ingênuo que agora precisa encontrar uma forma de entender essa droga. Só que a possibilidade de realizar as aulas de reforço está fora de questão e eu não vou permitir que Sérgio, nosso treinador, me force a fazê-las enquanto eu puder evitar. Preciso focar. Como capitão da equipe de natação, preciso dar o meu melhor e esse será meu passe livre não só para sair dessa cidade, mas para ter a chance de conquistas ainda maiores.
- O que pretende fazer? - pergunta Téo, sentando-se ao meu lado e enxugando o rosto com a toalha que pegou no banco.
Nós dois estamos observando o treinador demonstrar como Jonas deve posicionar o peito e fazer os movimentos com os braços para executar o crawl, enquanto damos uma pausa para recuperarmos nossas energias. O treinador pega pesado, mas é esperto. Ele sabe que não pode esgotar nossas forças ou não teremos pique suficiente para o campeonato. Mais do que ser um cara durão, ele quer que enchamos essa escola de troféus. Ele precisa da glória e de todo o alvoroço por saber que foi o responsável por nos levar à vitória.
- Não sei. - Solto o ar, aborrecido, e passo a mão pelos meus cabelos úmidos. - Mas não posso sair da equipe.
Olho para Téo que faz uma careta. Ele é meu melhor amigo e sabe o quanto significa que eu consiga uma boa faculdade e saia de casa. Esse cara ao meu lado conhece tudo sobre mim e poderia me arruinar se quisesse. Mas sei que ele jamais faria algo assim. Se há alguém no mundo em quem confio é nele. Téo é meu parceiro. Na verdade, ele é como um irmão e, por mais que não sejamos realmente irmãos, me sinto muito mais em casa com ele do que com meu próprio pai, ainda mais agora que ele tem uma nova esposa e filhos, apesar de reconhecer que eles são muito mais do que ele merece.
- E se você encontrasse alguém que te desse aulas particulares?
Penso por alguns instantes sobre a sugestão.
- Não é uma má ideia.
Aulas particulares seria uma excelente solução. Eu poderia estudar depois dos treinos. Mas não faço ideia de quem poderia me ajudar.
- Talvez a Bianca? - Téo sugere, mesmo sem eu ter perguntado em voz alta. Mas pelo tom que usa ele sabe que isso não daria certo. A garota é realmente inteligente, mas também já esteve interessada em mim. Além do mais, desde que me beijou na festa da escola no ano passado e eu não a correspondi, nossa relação, praticamente inexistente, passou a beirar o fio do constrangimento. E ainda tem o fato de um dos caras que entraram para a equipe esse ano ser o seu namorado.
- De jeito nenhum.
- Certo - ele concorda. - E que tal aquela ali? - Téo aponta para a arquibancada e eu sigo seu olhar.
Clarice.
Ela está sentada, sozinha, com um caderno sobre o colo e a mochila ao seu lado, de onde saltam alguns livros. Ela parece muito simples usando a calça azul do uniforme e a camiseta branca que se molda perfeitamente ao seu corpo com curvas muito atraentes. Clarice não segue o padrão que eu vejo as outras garotas se esforçarem tanto para alcançar e eu gosto disso. Ela parece... real.
Ainda estou olhando para Clarice quando ela começa a mexer os pés e mover os lábios sem emitir som. Ela joga os longos cabelos castanhos para trás, passando as mãos sobre os fios ondulados, e percebo os fones de ouvido que está usando. Fico me perguntando que tipo de música ela está ouvindo, porque claramente ela se encontra em outro mundo ou teria notado que há dois idiotas a secando nesse exato momento.
- Gostosa.
- O quê? - Franzo a testa quando a voz de Téo me chama de volta à realidade, fazendo com que eu torne a encará-lo.
- Ela é gostosa, V. Mas não é caidinha por você e vai te manter concentrado.
Solto uma curta risada.
- Tá falando sério?
- Claro! Olha só pra essa garota. Ela é inteligente, gosta de livros e não se envolve com ninguém. Clarice é na dela, perfeita para te ajudar.
Eu a observo mais uma vez. Téo tem razão no que disse sobre ela. Clarice é inteligente e é com suas notas incríveis que consegue manter sua bolsa aqui no Núcleo. Mas não sei como vou me aproximar. De qualquer forma, não tenho tempo para pensar no assunto. Em um segundo, o treinador já está nos chamando de volta e eu corro até a piscina, me perguntando como farei para que Clarice aceite minha proposta, pois acredito que não há ninguém melhor que ela para me tirar da enrascada em que eu mesmo me meti.
☆☆☆☆☆☆☆☆☆
A solução para os meus problemas está sentada numa das mesas do refeitório. Ontem, quando Téo falou comigo, eu passei o dia todo pensando em formas de persuadi-la. Não vou convidar Clarice para sair e não estou interessado nela de um jeito romântico, apesar de achá-la atraente, então me sinto um tanto ridículo por estar tão nervoso.
Eu me desvencilho dos outros caras e caminho até ela, as mãos nos bolsos da jaqueta, tentando não parecer tão idiota quanto me sinto.
A verdade é que apesar de já termos estudado juntos uma boa parte das nossas vidas escolares, jamais trocamos mais que poucas palavras necessárias para a ocasião. Eu não conheço realmente a Clarice, mas sei que ela é uma garota bastante religiosa e que mora apenas com a mãe. Também sei que ela é uma das melhores alunas e que, apesar de não ser tão conhecida no colégio quanto às outras garotas, muitos caras dariam tudo para beijá-la. Só que ela não é dessas que se deslumbram facilmente. Estou ciente de que com ela não serei capaz de conseguir nada usando meu charme e distribuindo sorrisinhos.
Assim que me aproximo, permaneço alguns segundos parado. Clarice está mastigando um pedaço da maçã que segura com uma das mãos; com a outra, ela folheia o livro que está em seu colo. Seus olhos estão concentrados no que quer que esteja se passando naquela história e ela não nota minha presença. Mesmo sem ter permissão, passo uma das pernas pelo banco e me sento.
Clarice ergue a cabeça e volta a atenção para mim. Ela parece confusa a princípio, mas logo levanta uma das sobrancelhas e seu olhar se torna interrogativo.
- Oi, Clarice. - Exibo meu melhor sorriso, esperando que ela sorria de volta e não me chute dali.
- Oi - ela responde.
As meninas, em geral, sempre ficam felizes quando me dirijo a elas, sei lá por que, mas para a garota à minha frente não parece ter a menor importância quem eu sou. Ela não demonstra qualquer empolgação maior, a não ser uma moderada curiosidade.
- Você está lendo o quê? - pergunto, inclinando-me para descobrir o que está escrito.
- O Morro dos Ventos Uivantes.
- Aquela história em que o mocinho é um louco obsessivo? - Faço uma careta.
Clarice acha graça, o que me dá a chance de ver claramente seu sorriso e ouvir escapar de seus lábios o som de sua deliciosa risada.
- Eu acho que gosto do Heathcliff. Não que ele seja alguém que eu quisesse namorar, mas ele tem seu charme. Talvez se a vida não tivesse sido tão dura, ele pudesse ter sido de outra forma.
- Talvez - digo sem querer me estender muito no assunto. Me lembro que tive de ler o livro para um trabalho da escola e na época eu realmente o havia detestado. O mocinho é um maluco, que não consegue esquecer a garota que é outra maluca. No final das contas concluí que os dois se combinavam e que a autora era um tanto quanto perturbada para ter pensando numa história tão sombria.
- Mas imagino que você não tenha vindo aqui exatamente por causa dos meus gostos literários.
Clarice apoia o queixo na mão e me encara, a cabeça pendida levemente para o lado.
- Você tem razão - concordo. Ela continua me olhando na espera pelo que tenho a dizer. Reparo como seus olhos castanhos são grandes e muito bonitos e me pego distraído os observando.
Clarice franze a testa diante do meu silêncio e se mexe no banco, incomodada, e me toco que devo estar parecendo um bobo ali, apenas a encarando. Esfrego a nuca e elevo os cantos dos lábios sutilmente.
- Eu vou ser direto, Clarice. Preciso de aulas para melhorar minhas notas em literatura inglesa e gostaria que você me ajudasse.
- Você quer que eu te ajude? - Ela ergue as sobrancelhas parecendo surpresa.
- Eu posso te pagar - eu me adianto. A essa altura não estou nem um pouco preocupado com o fato de soar como alguém desesperado. Na verdade, quero que ela sinta o quanto preciso dessa ajuda.
Clarice não responde de imediato. Em vez disso, ela desvia o olhar e tamborila os dedos sobre o queixo como se estivesse pensando.
- O que você faz aos finais de semana, Victor? - pergunta de repente.
- Quando não temos treinos, geralmente passo um tempo na casa do Téo e a gente fica jogando videogame. - Dou de ombros.
- Hum - ela geme e me analisa.
Não sei o que Clarice está pensando, mas me sinto curioso para descobrir. Não importa o que ela venha a pedir, contanto que, no final, eu consiga o que quero.
- Eu concordo em te dar aulas se aos finais de semana, com seus dons musicais, você me ajudar com as crianças na igreja.
- O quê? - Franzo as sobrancelhas.
- Você toca violino, não é mesmo?
- Bom... Sim.
Aprendi a tocar violino com sete anos de idade, quando minha mãe era viva. Não tenho tantas lembranças sobre ela, a não ser alguns flashes seus me ensinando o tempo das notas e a métrica. Sua voz é suave em meus pensamentos e reconfortante, mas, depois do acidente, foi como se ela tivesse levado quase todas as minhas memórias para o túmulo com ela. Tudo o que sobrou foi a música e desde então eu me agarro a ela nos meus momentos mais íntimos. A única vez que permiti que as pessoas me vissem tocar foi quando Téo deixou escapar a informação e fui levado a apostar que se nosso colégio ganhasse o campeonato de natação, eu daria uma curta demonstração a todos. Talvez isso tenha dado sorte.
- Victor? - Clarice pronuncia e eu pisco sucessivamente, tentando voltar ao presente. - Você aceitaria? O professor de música está precisando de alguém para auxiliá-lo com os alunos, acho que você não teria muito trabalho.
O que essa menina está pedindo é algo tão simples que meus lábios acabam se erguendo num sorriso sincero e admirado.
- Tudo bem - concordo.
- Ótimo! - Clarice abre um largo sorriso como se tivesse conseguido algo realmente grandioso. Acho que gosto da empolgação dela.
- É só isso? Nada de grana ou qualquer coisa do tipo?
- É só isso, Victor. Se você concordar, nós podemos fechar acordo.
- Por mim tudo bem.
Clarice sorri, estende a mão e eu aperto seus dedos delicados, selando aquele pequeno compromisso. Em seguida, eu me levanto e volto para perto dos caras. Não é preciso contar a Téo como me saí. Pela forma como eu o encaro, ele simplesmente sabe.
Suspiro, fechando o livro sobre meu colo. Contra todos os meus esforços e meus princípios de me manter desinteressada, eu não me diferencio de nenhuma outra garota daqui. Não sou melhor que as patricinhas deste colégio. A maioria delas é caidinha por esses garotos bonitos que estão sempre por cima, ganhando atenções por onde quer que passem.
Mas não é qualquer um deles e não é por um motivo tão banal. Beleza não significa nada para mim. Eu não seria tão clichê. Não são os músculos rijos e fortes que se projetam perfeitamente no uniforme, embora eu reconheça que isso seja atraente, pois a maioria dos garotos dessa idade que conheço não possui um corpo assim. Não é a maneira como ele passa as mãos pelos cabelos que são uma mistura perfeita entre loiro e castanho, e como sorri de canto fazendo com que uma pequena covinha se forme em sua bochecha direita. Não é nem mesmo a pequena falha em sua sobrancelha, nem o jeito como ele aperta os lábios quando parece nervoso ou como olha para o céu e deixa que seus pensamentos voem para um lugar bem distante quando está distraído. Aliás, eu jamais teria reparado em nenhum desses detalhes se aquele dia nunca tivesse acontecido. Eu não teria enxergado o vislumbre de sensibilidade que ele esconde embaixo de todas aquelas camadas com as quais faz questão de se cobrir.
Nunca vou esquecer aquela tarde. Os alunos estavam reunidos no ginásio, pois os garotos do futebol e da natação haviam conseguido vencer todos os campeonatos. O Núcleo jamais tinha tido uma vitória tão significativa. Em comemoração, foi anunciado que Victor tocaria um trecho de uma música. Todos os olhares caíram sobre ele. Confiante e sem se abalar por ter todas as atenções, ele andou com passos firmes até o canto da parede onde havia um violino.
Desde quando Victor tocava? Aquilo parecia demais para ser somado a todas as outras qualidades que ele já possuía, embora nem de longe nenhuma delas tivesse sido capaz de me fascinar.
Até aquele momento.
Victor pegou o violino e retornou para o centro do ginásio. Ele olhou ao redor e apertou os lábios num pequeno sinal de nervosismo que logo voltou a esconder. Então fechou os olhos, posicionou o instrumento entre o queixo e o ombro e, com toda a leveza de uma carícia apaixonada, arrancou das cordas de seu violino notas suaves e gentis que reverberaram pelo meu corpo, me envolvendo num ritmo até então desconhecido pelo meu próprio coração. Ele faz todos os meus pelos se arrepiarem.
A arquibancada permaneceu quieta e silenciosa, deixando que a melodia produzida por ele fosse o único som a ser ouvido. Havia tanto sentimento na maneira como ele tocava, como se aquilo fosse algo sagrado. Foi a primeira vez que eu enxerguei Victor. Bom, eu já o tinha visto, pois nós sempre estudamos juntos, mas eu jamais o tinha enxergado de verdade. Para mim, ele era só mais um garoto. Mas ali, à frente de todos, de olhos fechados, deixando aquele som melódico fluir do mais profundo de sua alma, eu podia ter um vislumbre dele, porque, por Deus, ninguém que não tivesse tanta sensibilidade poderia tocar daquele jeito. Não mesmo!
Quando terminou, Victor parou por alguns segundos como se precisasse se recuperar, como se tivesse imprimido todo o seu eu naqueles poucos minutos e precisasse puxá-lo de volta. Ele ergueu a cabeça e sorriu com aquele típico sorriso que conseguia derreter geleiras. Todos aplaudiram e ovacionaram, gritando vivas para o capitão da equipe e para o colégio. Por uma fração de segundos, enquanto se inclinava em agradecimento, seus olhos encontraram os meus. Aqueles segundos, que para ele não foram nada, para mim foram tudo. Foi a partir dali que as coisas mudaram. Eu passei a observá-lo discretamente e a notá-lo como nunca antes, até perceber que havia me tornado a mais patética das criaturas, e senti que não era imune, afinal, ao seu charme.
Eu estava completamente perdida.
☆☆☆☆☆☆☆☆☆
Bárbara me olha de um jeito esquisito e não demora mais que um segundo para que eu me arrependa de ter contado a ela sobre Victor. Sei que ela fará um caso disso e transformará a coisa toda num drama juvenil em que eu provavelmente serei a protagonista ingênua.
Ela sabe. Bárbara sabe e conhece os recantos do meu coração talvez melhor do que eu mesma, porque ainda estou insistindo que ela não precisa se preocupar, pois não há a menor possibilidade de eu e Victor ficarmos juntos mesmo que ele demonstre alguma espécie de interesse.
- Não me parece uma boa ideia, Lilica - ela sussurra em tom de censura.
Olho para frente, certificando-me de que o professor não está prestando atenção em nós, mas isso se prova um ato completamente inútil, já que a conversa na sala está bastante elevada e ele não parece nem um pouco incomodado, o que me faz questionar o fato de minha amiga estar falando tão baixo.
- Você sabe o que ele fez com a Bianca - ela diz em tom acusador.
A verdade é que toda a informação que temos são apenas boatos. Alguns dizem que Victor havia convidado Bianca para o baile apenas para poder ter uma noite com ela; outros, que ele a tinha convidado por estar entediado, mas, assim que ela mostrou interesse, ele a rejeitou sem qualquer consideração. Difícil saber qual das versões é a verdadeira ou se há alguma versão verdadeira.
- Eu sei me cuidar - sussurro de volta.
Vejo um lampejo de inquietação perpassar os olhos de Bárbara. Ela não parece acreditar nas minhas palavras. Não totalmente.
- Não estou tendo um bom pressentimento. - Ela foca seus olhos nos meus, tamborilando a ponta da caneta em seu caderno. - Não confio nesse garoto.
- Mas confia em mim, correto?
Bárbara franze o lábio e solta um suspiro ao mesmo tempo em que rola os olhos.
- Só não quero que se machuque, florzinha.
Não consigo deixar de sorrir. Quem apenas olha para a aparência de Bárbara, não tem ideia de que por trás da maquiagem carregada e de todo o cinza e preto de seus acessórios, existe uma pessoa extremamente carinhosa e meiga. Nós somos a dupla de amigas mais improvável que alguém poderia imaginar, mas não nos importamos com estereótipos. Para os outros ela é apenas a garota rebelde e mal-humorada, mas para mim ela é muito mais. Bárbara é corajosa e ao mesmo tempo doce. Ela é a garota de mechas azuis mais incrível que já conheci e eu a amo. Bárbara me dá o lado dela que apenas eu tenho o privilégio de conhecer.
- Bom - ela acrescenta, mordendo o lábio inferior -, qualquer coisa a gente pode invadir a casa dele e encher a cueca dele de formigas.
- Que horror, Babi! - Faço um gesto negativo. - Bem, vamos ver o que o Gustavo acha desse seu plano mirabolante.
Ela revira os olhos mais uma vez. Gustavo é seu namorado e ambos são as duas pessoas mais maravilhosas que conheço. Para mim, os dois se completam como a peça perfeita de um quebra-cabeça.
- Aliás, vocês vão sair hoje?
Minha voz sai sugestiva. Hoje é simplesmente o aniversário de dois anos e meio de namoro e Gustavo faz questão de comemorar, ainda que Bárbara diga que acha isso uma bobagem romântica. Mas no fundo sei o quanto ela aprecia o gesto e o quanto se sente comovida.
- Ele disse que quer me surpreender. - Ela ergue os ombros. - Por isso não faço ideia.
- Certo, não esquece de me contar tudo depois - sussurro sem conseguir esconder o sorriso.
Ela promete que não vai deixar nenhum detalhe de fora e voltamos as nos concentrar em nossas atividades, embora para mim seja difícil pensar em outra coisa que não seja no pedido de Victor e na minha decisão de aceitar.
Espero que tudo dê certo e eu não esteja nos metendo em um problemão.
☆☆☆☆☆☆☆☆☆
Minhas mãos tocam a maçaneta da pequena lojinha e o velho sino acima de mim anuncia minha entrada. Minha mãe ergue os olhos para mim por cima de seus óculos redondos e abre aquele sorriso que sempre faz com que eu perca o ar. Ela era linda quando jovem e continua linda agora como se o tempo sequer tivesse passado.
- Que bom que chegou, querida. Eu tenho que terminar de fazer os pedidos. - Ela aponta para a prancheta que está segurando. - Preciso que você fique no caixa.
Concordo com a cabeça. Na maior parte do tempo sempre fomos apenas eu e mamãe. Mesmo quando meus pais ainda eram casados, meu pai nunca estava em casa para nos ajudar. Quando se divorciaram, ao menos ele teve a decência de deixar a lojinha de artefatos antigos para ela. Talvez essa fosse sua maneira de compensá-la pelos anos em que mamãe esteve casada com ele - um homem completamente ausente das nossas vidas.
Nos últimos meses o trabalho aumentou muito, mas isso é bom, pois mantém nossos pensamentos ocupados. Ainda assim, acho que seria uma boa ideia se contratássemos mais alguém. Não falo por mim, mas não gosto de ver como mamãe se desdobra quando não estou aqui para auxiliá-la.
Dirijo-me para trás do balcão e jogo minha mochila em cima de um banquinho encostado à parede. Dou três passos até minha mãe e a abraço.
- Como foi a aula hoje? - Ela me solta e pega a prancheta, indo para uma das portas que leva ao fundo da loja, atravessando-a.
Mamãe sempre faz questão de mostrar o quanto se interessa pelo meu dia e acho que sou privilegiada por ter alguém assim cuidando de mim.
- Foi boa - digo, enquanto abro a gaveta da caixa registradora para contar o dinheiro.
- Alguma novidade? - ela fala um pouco mais alto para que eu possa ouvi-la.
- Uma pequena. - Não digo o que é. Espero que ela venha até mim curiosa.
Não demora muito e ela já está à minha frente, os dois cotovelos descansando sobre o balcão e as mãos entrelaçadas.
- Vai me contar?
- Não é nada de mais. - Faço uma careta, sem desviar meu olhar das notas que estão em minhas mãos, apesar de a essa altura eu já saber de cor o quanto temos.
- Fala logo. - Ela ajeita os óculos e me encara com as sobrancelhas erguidas.
Guardo as notas de volta na gaveta. Não sei o que minha mãe irá achar de eu ajudar um garoto, porque nunca levei garotos lá em casa. Nunca tive um amigo. Mas imagino que ela não se importará.
Inclino-me e tomo as mãos dela nas minhas.
- Eu concordei em dar aulas para um garoto do colégio em troca da ajuda dele com as crianças na igreja.
- E quem é esse garoto?
- Victor Walter Vilela. Ele virá depois dos treinos.
- Victor Walter Vilela? - ela repete e sei que, internamente, está se fazendo um monte de perguntas a respeito da vida dele.
- Ele faz parte da equipe de natação da escola. Mora com o pai e é uma boa pessoa. Se ofereceu para me pagar pelas aulas em dinheiro, mas eu disse que preferia sua ajuda com os meninos que estudam música. - Acrescento: - Ele toca violino.
- Uau! - ela exclama e, por alguns poucos segundos, não diz nada a respeito do que acabei de lhe contar.
Ela está pensando sobre o assunto.
- Espero que esteja tudo bem para você.
Estou nervosa. Detestaria dizer a Victor que não posso mais ajudá-lo quando já me comprometi com ele.
- Ah, querida, por mim tudo bem - ela diz, me olhando fundo nos olhos, o que me faz soltar o ar, aliviada. - Mas quero conhecer esse rapaz direito. Você vai apresentar ele para mim, certo?
- Claro! - concordo.
- Sobretudo - continua -, porque ele parece bem especial.
Minha mãe me lança um olhar indefinível, antes de se erguer e se afastar, desaparecendo novamente nos fundos da loja. Não procuro decifrar seu significado e muito menos tento entender o que ela quis dizer com "especial". Tenho certeza de que prefiro não saber. Lidar com as suspeitas de Bárbara já foi o suficiente por hoje e eu não quero que minha mãe tenha ideias erradas sobre algo que será tão simples.
Serão apenas aulas e não mais que isso
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Oi, pessoal! Para quem está relendo, espero que vocês não estejam pensando "esse livro não é tão bom quanto eu lembrava" e para vocês que estão lendo pela primeira vez, espero que estejam gostando!
Não deixem de comentar e votar, pois me ajuda muito <3
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