Não cutucar o lobo com a vara curta


Andava para um lado e para outro. Já tinha visitado todo os cômodos do apartamento. A cozinha mais de uma vez. Nunca tinha reparado antes que na verdade não moravam em um apartamento e sim em um apertamento! Como não tinha notado isso? Talvez por viver maior parte de sua vida fora do que dentro daquele cubículo...E agora que era forçado a ficar trancado dentro daquele...apertamento...Estava quase enlouquecendo.

– O que devo fazer? – Questionou – Já fiz abdominais, flexões...Mas esse sentimento de sufocamento não está sumindo! Você se sente assim também?

Nenhuma resposta. Estava mesmo esperando resposta de sua cafeteira?

Ok, talvez devesse reformular o que foi dito anteriormente. Estava enlouquecendo.

– Céus, não acredito que você irá surtar só por ficar alguns dias no apê. – Uma voz interrompeu o momento insano – E a quarentena nem começou de fato, sabe? O que irá fazer quando ficar mais de 15 dias aqui? Escalar literalmente pelas paredes? O que seria engraçado...Existe algum shifter aranha? E um shifter aranha híbrido com lobo? Seria bem bizarro...

– Hã? – as vezes ele não conseguia entender o seu colega de apartamento. Ele era totalmente imprevisível. Na verdade, já devia imaginar que aceitar conviver com um meio-humano, meio-gato daria nisso. A sociedade shifter (seres sobrenaturais que tinham a capacidade de se transformar em um certo tipo de animal) não era muito populosa, de modo que todos tentam se ajudar para sobreviver dentro da inóspita sociedade humana. Havia, desta forma, um pacto de solidariedade que fazia com que os shifter buscassem uns aos outros, criassem uma rede de apoio e tudo mais. Foi por causa disso que Alexei, assim que se mudara para a capital do interior do estado, aceitou a oferta de compartilhar um apartamento com um shifter gato... Sendo ele mesmo um shifter lobo! Aquela associação estava fadada ao fracasso!

– Você nunca assistiu os filmes do homem-aranha? Já imaginou o shifter-aranha? – O rapaz soltou um longo suspiro pela expressão confusa do lobo – Olha, ter que explicar a referência não é nada legal...Toda a magia do negócio é você conseguir deduzir a referência. É o cúmulo ter que compartilhar o apartamento com a personificação canina do Steve Rogers...

– Quem?

– Francamente! – Miou, sim, literalmente ele miou – Você viveu debaixo de uma rocha todos esses anos, é?

– Só porque não compartilho de seus gostos não significa que eu seja ignorante. – Rosnou.

– Que seja... – Deu os ombros – Vou deixar você dialogando com a cafeteira, vocês dois devem ter muita coisa em comum. Ambos são esquentadinhos.

Continuou a rosnar, mas o gato já não mais o ouvia. Tinha saído da cozinha...Rebolando os quadris. Isso só o fez rosnar ainda mais. Quem ele pensa que é?

– Felinos... – Rangeu os dentes quase deixando que suas presas se manifestassem. Como ele poderia entender? Sendo ele um gato doméstico parecia por demais confortável com aquela nova situação. Aliás, ficava esparramado no sofá o dia todo. Alexei era um lobo, necessitava de liberdade. De correr na natureza em sua forma animal. Como iria poder fazer isso ali? Como iria gastar toda aquela energia?

– Merda! – Socou a mesa, fazendo a cafeteira saltar e se esparramar no chão.

Perfeito, tinha assassinado sua única amiga.

~**~

– E então, Marcel? Como vai o totó? – Perguntou alguém assim que o shifter gato colocou o seu headphone. Sentando-se no confortável sofá da sala de estar diante da imensa smartTV.

– Ganindo...Ele quer sair para passear, mas não posso fazer isso agora. Ainda mais quando tenho que convencê-lo a usar uma coleira. – Disse dando um sorriso malandro. O jogo estava pausado e seus amigos estavam ali online o esperando. Todos eles eram shifters...Todos eles felinos, ou seja, entendiam o martírio que Marcel ao ter que compartilhar o seu lar com um canino.

– Que tal dar um ossinho? Um brinquedo que apita? – Outra voz sugeriu.

– Ahh...Marcel bem que teria outras ideias para essa questão...

– Que questão? – Inqueriu o referido gato, com desconfiança.

– Em como calar a boquinha do totó. Sem usar brinquedinhos, sabe?

Marcel deixou seu controle cair e soltou uma grande lista de palavrões, ocasionando uma onda de risadas de seus amigos. Podia não os ver cara a cara, mas podia imaginá-los muito bem. Um tigre meio acima do peso, se empanturrando de biscoitos felinos. Um leão narcisista, ajeitando seus frondosos cabelos enquanto ria da cara de Marcel. Uma onça-pintada metida a gótica com um sorriso provocador nos lábios. Por fim, uma jaguatirica otaku, colecionador de mangas/animes com a temática neko. Todos eram seus amigos, mas como felinos que eram, bastava baixar a guarda que estavam prontos para atacar com um comentário mordaz e/ou sarcástico.

– Leon, não sei do que você está falando. – Disse tentando parecer calmo, não iria deixar transparecer seu nervosismo com aquele comentário.

– Ohh... Agora vai se fazer de desentendido? Eu farejo tensão sexual a quilômetros de distância.

– Espero que não fareje pum, pois acabei de dar um! – Interpôs Ryu, o tigre. Isso gerou um misto de risadas e gemidos de asco por parte do grupo de amigos.

– Ryu, sério? Essa piada já está velha.

– O que? Quem disse que era piada? Só quis alertar...Levando em consideração o quão sensível é o seu nariz.

– Ninguém quer um relatório sobre as suas funções orgânicas! Pelo santo atum!

– E o Leon está do outro lado do país! – Enfatizou, Kiara a onça.

– Pois é... O Rei Leon não é tão bom assim. – Provocou Pedro, a jaguatirica – No máximo de cheiro que ele deve farejar é formol que ele usou para alisar aquela juba...

– Eu não alisei nada! Meu cabelo é liso assim de forma natural!

– Natural? Aham, sei... Tão natural quanto os leões digitais do remake do Rei leão.

Um rugido, miados e sibilos. Marcel soltou um suspiro e diminuiu o volume do som, uma das vantagens da quarentena: poder se distanciar das brigas com a opção mudo.

– Pessoal... Vamos voltar a jogar sim? Estou querendo mesmo me distrair... – Falou isso no momento que Alexei, o lobo, saiu da cozinha, caminhou pela sala lançando um olhar nada amistoso para Marcel. O gatinho, sendo maduro como ele, fez o que os seus instintos o disseram que devia fazer. Estirou a língua e levantou o dedo do meio.

– Cuidado, Marcel... – Rosnou Alexei, os mudando de cor, de azuis passaram para um tom amarelo vivo.

– Cuidado é? Vai me dizer que não é para cutucar a onça com vara curta? Isso seria muito estranho, principalmente vindo de você... – Sorriu, mas esse sorriso logo se desfez quando viu o lobo se aproximando em uma velocidade sobrenatural. Alexei segurou a mão de Marcel, a mão que estava com o dedo do meio levantando.

– Não é atoa que o lobo é o vilão das maiorias das fábulas e contos de fadas. – Sussurrou Alexei. O rapaz-lobo estava agora praticamente sobre o sofá. Sua sombra caia sobre o rapaz-gato. Cabelos negros como a noite, pele morena como chocolate ao leite. Músculos marcando a camisa regata, calças de moletom folgadas, pendendo pelo o seu quadril, exibindo mais do que escondendo. Marcel podia ver a pelugem que seguia para virilha...Imaginava que Alexei ter um peitoral peludo... Na verdade, imaginava muitas coisas nesse momento.

– Sabe o que os Lobos fazem com os protagonistas dessas histórias?

Marcel não conseguia falar, sequer tinha forças para balançar a cabeça em negação. Estava hipnotizado. Sua mão foi trazida até a boca do lobo. Suas presas estavam amostra.

– Os lobos os comem. Você quer ser comido, Marcel? – Nisso mordiscou o dedo de Marcel que soltou um miado baixo. Seu coração estava praticamente saindo do seu peito, como um perfeito alien. Também sentia perdendo o controle de sua transformação. Orelhas de gato apareceram, bem como o seu longo rabo. E para piorar? Começou a ronronar!

Alexei sorriu, aquele tipo sorriso dizendo Eu sou foda. Libertou o dedo do gatinho e se afastou com o semblante confiante, abandonando um gato muito confuso e surpreso.

Tá saindo da jaula o monstro! – Alguém gritou em seus ouvidos. Droga, ainda estava usando o headphone, ou seja, seus amigos tinham ouvido toda aquela estranha conversa.

– Ah! Santa Nepeta cataria*... – Resmungou Marcel, começou a miar em aflição.

– Gente...Parecia que eu estava no Xvideos... Tive até que abaixar o volume aqui, minha vovó está ao meu lado! Não vovó, eu não estou ouvindo putar**, só são meus amigos...Eles são meio estranhos.

– E já acabou? Eu já estava bem animada aqui, peguei até pipoca!

– Na próxima, gostaria de ter o vídeo e não só o áudio.

– Eu odeio vocês... – Sussurrou o gato.

– Um conselho, Marcel. – Leon começou a falar, com aquele tom de voz monárquico que lhe era característico – Ao contrário de você, que tem sua parte animal domesticada...Alexei possui um lobo. Um animal selvagem cujos instintos estão a flor da pele devido essa quarentena.

– E daí? Somos shifters... A dualidade animal-humanidade é parte do que somos. – Disse de contragosto.

– O que o Leo está querendo dizer é que... Ficar trancando tanto tempo assim, pode causar um certo desequilíbrio na parte selvagem do Alexei, entende? – Ryo começou a explicar – Ele pode se deixar dominar por suas necessidades lupinas.

– E?

– Oi, Marcel! Acorda! Ele está dizendo que a tal ameaça do Alexei possa ser verdadeira! – Rosnou Kiara.

– Que ele pode me comer, literalmente? – Inqueriu assustado.

– Eu não diria literalmente. – Pedro falou, e como imaginou que Marcel precisava de mais ajuda para ligar os pontos, resolveu acrescentar – Talvez ele te coma sexualmente.

– Pela santa Sardinha enlatada... – Sussurrou Marcel – Isso parece ser...

– Assustador? Se você quiser, eu posso ir aí te pegar... – Se ofereceu Ryu.

– Acorda, tigrão! Ele está ronronado! Ele não está nem um pouco assustado!

– Oh! Mas eu pensei que eles se odiassem...Digo...

– Até parece. – Leon deu uma risada esganiçada – Como eu disse antes, tensão sexual! Meus instintos leoninos nunca se enganam!

De fato, Marcel estava ronronando. A quarentena pode ter trazido diversas desvantagens, mas também ofereceu alguns benefícios. Marcel era um gatinho que não se deixava intimidar por um lobo malvado.

* novo cientifico da erva de gato


~~Palavras da autora~~~

Nova história, curtinha, inspirada no período em que estamos vivendo...
Sim, estou com essa inspiração louco por histórias curtas! Espero que gostem! 
Pergunta para interagir: 
Qual vocês preferem? Cães ou gatos? (eu prefiro lobo kkkk)

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