Roleta Russa | J. Foxter

O Autor:

J. Foxter é um pseudônimo, mas não é pra ser totalmente secreto, apenas para os que o autor não quer se revelar. Tem um livro chamado "Ben & Henry" finalizado e os contos "Anjinho Doce" de terror e "Amor Afogado": um flashback de um dos personagem do livro Ben & Henry. Em suas palavras, escolheu a música "Russian Roulette" da Rihanna pois "é uma música forte, que trás interpretações profundas, mas que também pode ser apenas uma letra despretensiosa, como o conto que foi escrito baseado nela. Adoro essa música pelo som da guitarra e pelas batidas fortes, ficou no repeat até o conto terminar de ser escrito".

Aqui vai, capa e conto:

Agora, Julho de 1991

Ninguém sabe quando vai morrer, não até estar de frente com a morte. E é assim que eu me sinto sentado nessa cadeira empoeirada. A arma, ainda quente, me encara e grita, sobre a madeira fria da velha mesa, "ainda resta uma bala, você sabe o que fazer". Encurralado nessa sala abafada, meus olhos arregalados estão atentos, meus ouvidos são capazes de escutar a movimentação lá fora. Quando a morte chegar eu lutarei até o último suspiro ou a aceitarei como uma velha amiga? Meus pensamentos insistem em me mostrar como cheguei até aqui, como um filme bizarro e repetitivo.

Tantas escolhas erradas, essa vida não é para qualquer pessoa, é preciso ter nervos, não pode haver sentimentos. Quem diria que um crime não cometido poderia ser a minha sentença? Só resta uma bala. Pego a arma e giro o tambor, eu verei outro nascer do sol? Não tenho coragem, não mais, devolvo a Colt Python .357 prateada para a mesa, a movimentação se intensifica lá fora, ouço gritos de ordens. Pelos meus cálculos, são seis homens. Porém, quando ela chegar, não precisará de nenhum deles.

Não posso ficar de braços cruzados esperando ela chegar. Passo os olhos por todos os cantos do cômodo, não vejo saídas. Só me resta uma bala. Minha missão era simples, fazer o que eu já havia feito inúmeras vezes, e eu não fui capaz de concluir. Bato com a mão fechada na cabeça e grito mentalmente para afugentar a minha estupidez. Preciso me controlar, não posso me desesperar. Pego novamente a arma, Margot é seu nome, ela me encara desejosa, quer ceifar mais uma vida.

Me levanto, começo a andar de um lado para o outro como se isso fosse me ajudar a pensar. Não há outra saída, eu vou morrer aqui, nesse muquifo, mas é muito tarde para pensar no valor da minha vida. Não valho nada, quantas vidas levei? Do outro lado da porta já adicionei mais cinco para a conta, antes que os que estão lá fora chegassem. Eu tentei fugir, mas nada do que eu fizer vai adiantar, ela sempre irá me encontrar.

05 de Julho de 1991

A chuva lá fora cai agonizante, deixando o apartamento abafado devido as janelas fechadas. Olho no espelho e percebo que as marcas da idade já estão aparecendo, acendo um cigarro, cada tragada seca a minha garganta, decido ir a um bar devolver sua humidade. O local não fica longe, mas preciso tomar cuidado, sinto que estou sendo observado.

Minutos mais tarde, uma moça me olha, ela me quer. Vou até ela e elogio sua calça jeans pantalona e a blusa com estampa de zebra. Após uma pequena conversa peço para irmos a outro lugar, mais calmo, onde poderíamos saciar nossas vontades e não nos vermos nunca mais. Do lado de fora, não há ninguém para presenciar o nosso beijo, um beijo ardente e com gosto de álcool. Contudo, não há ninguém para ver que ela tem uma arma escondida por baixo da blusa, mas eu vi.

— Você está demorando demais, já não está na hora de finalizar a sua tarefa? — A moça me olha com raiva, ela não queria estar fazendo aquilo.

— Eu ainda preciso de alguns detalhes, mais três ou quatro dias serão suficientes, — contesto afastando a arma do meu rosto — não precisa de violência, eu poderia tirar essa arma das suas mãos em dois segundos.

— Você se acha muito esperto, mas sabe que não duraria os mesmos dois segundos em minhas mãos. — A moça ri, debochada, ela sabe que é verdade o que diz — Você é mais esperto que isso e ela já está ficando impaciente, se apresse!

Ela se vira e sai, desaparecendo nas sombras, sua especialidade. Suspiro profundamente, pensando em tudo que ainda tenho que fazer: decorar os últimos momentos da rotina, organizar o equipamento, escolher a hora, executar a tarefa. Volto para o interior do bar e percebo que o resto do meu whisky ainda está em cima do balcão, lembro-me que preciso comprar munição. E uma corda.

Horas mais tarde, estou parado em frente ao meu prédio, não tão bêbado quanto eu gostaria. Subo pela escada e me deparo com a minha porta arrombada. Pego minha Margot, verifico a munição e entro cautelosamente, usando as paredes como proteção. As gavetas da escrivaninha estão jogadas no chão, o sofá virado para baixo, mas eles nunca seriam capazes de descobrir onde guardei o que eles procuram.

Escuto um barulho, vem do meu quarto, sigo vagarosamente, torcendo para que o assoalho não me denuncie. Pela abertura da porta, vejo dois homens altos e fortes, não mandariam qualquer um para me apagar. Eu poderia atirar nos dois, antes que vissem quem o fez, contudo, não preciso chamar atenção às onze da noite, não quero a polícia por perto ou vizinhos escandalizados. Retiro o fio de fibra resistente do bolso interno do sobretudo e aguardo o momento certo. Um deles diz que precisam agir rápido, pois o "cara" voltaria a qualquer momento e o outro tem a brilhante ideia de se separarem, para vasculharem mais rápido. E morrerem mais rápido, penso.

Retiro a minha jaqueta de couro, ficando mais livre para me movimentar. O mais alto sai do quarto e vai para a cozinha, eu já estou esperando embaixo do balcão. Escuto seus passos cuidadosos e ataco por trás, passando o fio em seu pescoço, impedindo-o de emitir qualquer som. O desespero toma conta de seus olhos, os vejo através do vidro da janela, ele começa a agonizar, tentado alcançar qualquer coisa, mas o instinto não deixa, fazendo com que suas mãos somente se preocupem com o sufocamento.

Entro no quarto, o homem pergunta se encontrei alguma coisa, mas a resposta é amarga. Um soco no rosto e outro no estômago, fazendo-o cair de joelhos, sem fôlego. Enquanto ele tenta encontrar o ar, o derrubo inteiramente no chão, imobilizando seus braços, dá trabalho, se remexe, eu já estou suando. Odeio suar. Bato a sua cabeça contra o chão e coloco meu peso contra seu corpo.

— Quem? — pergunto, referindo-me a pessoa que os contratou.

— Me disseram que você era mais inteligente — falou, ainda sentindo falta de ar.

— Diga rápido e serei rápido, também.

— Não vai conseguir nada de mim, nem precisa se desgastar, já pode me dar um fim. — O homem ri, mesmo naquela situação.

Após alguns minutos sem obter respostas, mais um corpo estava inerte no assoalho envernizado do meu apartamento. Sem sujeira, meu trabalho é silencioso e mortal, não há como escapar. Preciso apressar a execução da tarefa, ir para o meu esconderijo, já estou chamando atenção, não quero me demorar, esse trabalho é importante, o pagamento é bom. E ela está com pressa.

09 de Julho de 1991

Há uma neblina densa pelas ruas da cidade. De dentro do meu Escort, observo uma mulher de cabelos dourados adentrar o seu apartamento no subúrbio, ela nem imagina o que a espera. Eu sempre faço rápido, sem barulho, sem discussão, apenas um fio, um pescoço e nada de ar. Mas, dessa vez, eu quero fazer diferente, minha intuição nunca erra. Eu torço para estar errado dessa vez.

Após fechar a porta, a moça caminha preguiçosamente até o quarto, toma um banho e veste roupas, escuto tudo de sua varanda, ela passou por mim em nem percebeu. O cheiro do sabonete ainda está abafando o apartamento, ela vai até a cozinha, abre a geladeira e, quando a fecha, tem uma surpresa. Cubro sua boca com uma mão e seguro seus braços com a outra, ela tenta se soltar, mas meus músculos conseguem segurá-la com facilidade.

— Acalme-se, eu não quero lhe machucar — falo baixinho em seu ouvido. Ela vai se acalmando aos poucos, até sinalizar com a cabeça que está pronta, está ciente que, se fosse para matá-la, já estaria morta.

— O que você quer? — O nervosismo em sua voz é inebriante.

— Quero saber o motivo de me pagarem para matar você. — Minha voz rouca não hesita em dizer tais palavras e a ouvinte não se perturba. Puxo uma cadeira e sento-me de frente à pálida mulher, aparentemente, de uns trinta anos.

— Talvez seja melhor você executar a sua missão, pois, se você souber, lhe matarão também. Mate-me logo, de uma vez! — Ordena e eu maneio a cabeça negativamente.

— Não até saber o que é.

— Francamente, Vic, isso é muito maior do que você.

— Como sabe meu nome? Quem é você?

— Alguém que você deveria ter matado...

Após se levantar rapidamente, a mulher me chuta no rosto com todas as suas forças, me fazendo cair da cadeira. Ela se aproxima e me acerta um soco em cheio na têmpora direita, me deixando tonto e desnorteado, sem ação. Caído no chão, com a visão oscilante, a observo sair do quarto, vestida com uma roupa toda preta e uma máscara cobrindo os olhos. Ela pula a janela e me deseja boa sorte na minha fuga.

Sincronicamente com a saída da mulher, três homens entraram pela porta da frente, eles vieram para matá-la ou para me matar? Ainda me recuperando, segui o protocolo para aquele tipo de situação: sem condições de lutar corpo-a-corpo, saco a Margot do coldre e, rapidamente, atiro na perna dos três cavalheiros que adentraram a sala. Utilizando-me da corda, desço pela sacada do apartamento, quase caindo na metade do caminho.

Já que meu apartamento estava comprometido, chego no meu esconderijo seguro, uma pocilga no meio do nada, pelo menos aqui não me encontrarão. Minha cabeça está explodindo em virtude do soco recebido. Eu não executei a tarefa, preciso sair dessa cidade, desse país, ela não vai descansar enquanto não me encontrar. Soco a parede, tentando esvair minha idiotice, porque não matei aquela mulher? Eu me preparei por semanas.

Tiro o casaco e vejo um pedaço de papel caindo de um dos bolsos, mas ignoro. Pego um analgésico e tomo três comprimidos, já e quase meia-noite, preciso encontrar um modo de sair dessa cidade. Escuto um carro parando do lado de fora e espio pela fresta da janela, um automóvel preto, que não consegui identificar, com dois homens saindo de dentro dele. Esconderijo nem tão seguro, penso. Pego minha arma, o dinheiro que está em cima do colchão e o papel que acabou de cair do meu bolso, não sei o que é, mas sinto que não caiu daqui sem razão.

Atiro nos dois homens bem vestidos que acabaram de adentrar o esconderijo. Um deles insiste em lutar, mesmo com um projétil alojado na perna esquerda. Dou-lhe uma joelhada no estômago e, quando ele se abaixa para guinchar de dor, dou uma cotovelada na nuca, fazendo com que ele caia desacordado. Ligo o meu carro e saio em direção ao sul da cidade.

Agora, Julho de 1991

Após ser perseguido por dias, acabei vindo parar nesse cubículo, dentro de um galpão abandonado e essas memórias continuam não fazendo sentido. Mas eu sei que ela está perto, posso sentir o perigo se aproximando. Pego a arma, já fria, e aponto contra a minha cabeça, conto até três e puxo o gatilho. Suspiro, refaço o jogo, giro o tambor, conto até três, eu fecho os olhos, sei que vai ser dessa vez, penso naqueles que deixei de amar para estar nessa vida ingrata. Agora estou aqui, esperando a morte, jogando com a própria sorte.

Percebo que a movimentação cessou, a porta à minha frente é arrebentada com força e uma mulher entra com todo o seu charme, ao melhor estilo femme fatale, usando uma roupa colorida e chamativa, tamancos de couro, os cabelos esvoaçantes devido ao vento que vem de fora e purifica o ar dentro da sala, fazendo seu perfume doce pregar nas minhas narinas sem permissão.

— Você não achou que fugiria de mim, ou achou, Vic? — Seus olhos me encaram de certa forma que me deixam envergonhado.

— Pelo contrário, eu estava lhe esperando, Roleta Russa! — O codinome fazia jus aos modos sádicos de como a mulher brincava com suas vítimas, bem como o sotaque irritante.

— Nem pense nisso — disse ela sinalizando para que eu entregasse o meu revólver, enquanto segurava o dela, apontando-o para mim.

Ela inspecionou minha arma e fez um rosto macabro quando percebeu que só havia uma bala sobrando. Com os olhos brilhando, ela ri sadicamente e entrega seu próprio revólver para um de seus capangas. Sensualmente, ela fareja a Margot, sentindo o odor de pólvora recém disparada, parece que sente um prazer doentio nisso.

— Vic, Vic, Vic... Vic Montoya, você estava brincando sozinho?

— Corta essa, Roleta, vamos terminar isso logo! — Ela gargalha.

— Você não quer saber o que acontece ao seu redor?

— Não me interessa mais — respondi calmamente, apesar do desejo de saber, isso não iria importar mais daqui alguns segundos. Roleta indica a cadeira e eu me sento sob a ameaça da minha própria arma.

— Como você é chato, vamos conversar um pouquinho. Sua missão fracassada, Haylee Foster, guarda um segredinho de altíssima importância, para mim, claro.

Roleta Russa começa a falar e eu mergulho nas memórias dos dias anteriores, o quebra-cabeças cheio de peças soltas começa a fazer sentido e se encaixar. Eu me dou conta de que aquele pedaço de papel ainda está guardado no meu casaco. Roleta ainda está proferindo seu discurso maligno, ela adora essa imagem de vilã, até o seu apelido tosco parece ter saído de uma história em quadrinhos. Pego o papel e leio as palavras escritas apressadamente.

— Martha? — A mulher parou, atônita em relação ao que eu acabei de falar, seus olhos fumegantes seriam capazes de me derreter em segundos — Seu nome é Martha Allen?

Roleta se aproxima e bate em meu rosto, possessa de raiva.

— Óbvio que não, esse é o nome da minha mãe, minha pobre mãezinha. Eles querem matar a minha mãe! — Vocifera, enquanto gira o tambor da minha pistola. — Agora chega de conversa, você sabe meu segredo, não completou sua missão, vamos brincar!

Minha própria arma, que já havia me servido inúmeras vezes, me tirado de situações aparentemente sem solução, seria o meu algoz, tiraria a minha vida e nem seria por comando meu. Louca com a informação que acabei de descobrir, sem anunciar, aponta a arma para a minha direção e aperta o gatilho, que não aciona nada, a arma continua fria. Ela se aproxima de mim e começa a falar coisas em meu ouvido, iniciando seus jogos sádicos e cruéis.

— Respire fundo, feche os olhos, às vezes ajuda. Porém, agora é a minha vez, eu nunca deixo as pessoas se divertirem sozinhas.

Ela gira o tambor novamente, encosta a saída da bala em sua cabeça. Um pensamento assustador surge em minha mente: se ela está aqui, quer dizer que nunca perdeu. Ela conta até três, sem piscar, e pressiona o gatilho, a arma faz um ruído e nenhum projétil é atirado. Me canso dessa situação, enquanto ela prepara uma nova rodada, pego o punhal preso no meu tornozelo, por baixo da calça, e consigo arremessá-lo no ombro de Roleta.

Urrando de raiva e ódio, ela atira em minha direção, mas como a arma só tinha uma munição, Roleta é traída pelo seu próprio jogo. Pulo por cima da mesa e acerto um chute em seu tórax fazendo com que ela caia fora da sala, deixando Margot cair no chão. Seus capangas já começam a se movimentar em minha direção, percebo que estão armados com metralhadoras e me escondo atrás da parede.

Um deles entra e o golpeio com uma rasteira, tomo sua arma e atiro em sua direção, acertando-o no pescoço. Odeio sangue. Minha adrenalina aumenta drasticamente, me fazendo tomar coragem. Saio da pequena sala, tenho cinco munições e cinco homens para derrubar. Eles disparam contra mim, sinto um projétil passando de raspão em meu braço, respiro fundo, o tempo parece desacelerar com a minha concentração.

Puxo o gatilho cinco vezes em direções diferentes, acertando todos os capangas, um por um, até sobrar somente a Roleta, que está incrédula com a situação fora do controle. Ela arranca o punhal de seu ombro e vem em minha direção, desfere golpes facilmente desviados por mim. A puxo pelo braço esticado, devido estar dando mais um golpe, e lhe dou uma cotovelada no rosto, ela cai sangrando pelo nariz.

— Chega, Roleta! Seu jogos acabam hoje. — Caminho em direção à minha arma, pego-a no chão e constato que o último projétil ainda está lá. — Não me importa o que vai acontecer depois de hoje, mas você não vai fazer seus joguinhos com mais ninguém, o seu reinado de terror acaba hoje!

Aproximo-me dela, caída no chão, não parece tão assustadora agora. Giro o tambor, posso perceber minha feição bestial, meu peito arfando com a respiração inconstante, a adrenalina acelerando meu coração. Ainda assim, a minha consciência me faz hesitar, mas eu não quero recuar, não hoje. Começo o seu ritual, giro o tambor, meus olhos brilham, "um", ela está desesperada, eu posso ver através dela, "dois", implora por sua vida, consigo ouvir seu coração batendo, "três", eu puxo o gatilho.

— Vencida pelo seu próprio jogo — falo ao corpo sem vida.

Pego um Mustang Coupé preto do lado de fora do galpão, ouço sirenes ao longe, preciso fugir daqui o mais rápido possível. Ativo a ignição e saio sem destino, mas algo me diz que já sei quem procurar: aquela moça dos cabelos dourados, preciso saber onde ela conseguiu aquela informação, como ela descobriu meu nome e o nome da mãe de Roleta, para quem ela trabalha. Me pergunto se é somente curiosidade profissional ou se algo a mais me chamou a atenção em Haylee Foster. Ao som de "Just Like Jesse James", sinto o vento batendo no cabelo, uma jornada foi concluída, qual será a próxima?

*****

Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top