Capítulo 15 - Peixinho Dourado

15

BRINQUEI COM OS MEUS DEDOS e fiquei de cabeça baixa, ouvindo a discussão ao meu redor.

Talvez esteja mais para um debate.

Depois de contar meu segredo para o Érick, marcamos de nos encontrar na casa de Charles alguns dias depois. Claro, o último ficou irado, não gostou nada de eu ter contado minha situação, mas Érick garantiu que não contaria nada para o Thomas.

Érick e Charles acabaram entrando em uma discussão. Foi a primeira vez que vi o loiro tão raivoso. Érick culpava Charles por ter escondido essa situação por tanto tempo, na medida que Charles dizia que isso não tinha nada a ver com ele.

E depois de longos vinte minutos, eles se entenderam. Todos nos sentamos no sofá do apartamento dos gêmeos para criar um plano.

E lá se foram mais quinze preciosos minutos. Eu estou apenas sentada de cabeça baixa ouvindo eles tentando e tentando arrumar alguma solução útil. E sempre acaba em um refutando a ideia do outro, e eu apenas em silêncio.

Sinto culpa. E como não sentir? Eles estão discutindo por minha causa.

—E se mandássemos para a polícia da cidade vizinha? —Charles sugeriu, me fazendo olhá-lo. Parece plausível.

—O pai dela deve ter seus contatos lá. —Érick retrucou, fazendo Charles assentir e eu abaixar minha cabeça de novo— E se falarmos com a escola?

—E a escola vai chamar os pais dela, aí tudo vai ser abafado. —Charles disse e eu bufei. Não aguento mais.

—Chega! —falei de uma vez, fazendo os dois me olharem surpresos. Parece até que esqueceram que eu estava aqui— Por favor, vamos pensar nisso depois. Primeiro eu quero muito me resolver com o Thomas. Quero que ele pelo menos me escute.

E, se ainda quiser, me escolha. Mas essa parte eu não tenho como controlar.

Charles segurou minha mão em apoio e eu sorri grata para ele.

—Ele terminaria com a Carol na hora. —Érick disse, fazendo nossa atenção se voltar pra ele— Ele é estourado. Encurralaria ela e terminaria.

—Muito provavelmente a mesma reação de Rose... Sabe, ter um surto de raiva. —Charles disse cuidadosamente.

Suspirei.

—Por favor. —supliquei— Eu quero que ele entenda.

Érick me olhou com pena.

—Eu posso tentar falar algo com ele, Ally. Mas precisamos de um plano para resolver o problema com Carol. Quem sabe assim ele não colabora? Ao invés dele terminar com ela, ele continua. Pelo plano. —Érick sugeriu, me fazendo ficar aliviada. Antes que eu pudesse responder, Nicolas abriu a porta com um grande sorriso e duas caixas de pizza em mãos. Ele tinha saído já havia alguns bons minutos.

—Oi família! —ele disse animado, fechando a porta atrás de si— Trouxe pizza pra gente combater a vilã Caroline, mas combater de barriga cheia.

Charles pulou do sofá com animação e pegou uma das caixas da mão de Nicolas, depois de ter cumprimentado-o. Eu e Érick também o cumprimentamos.

Nos encostamos nas costas do sofá e eu passei as mãos pelo rosto.

—Ei. —Érick me chamou. O olhei e vi que ele tem um pequeno sorriso no rosto— As coisas vão se resolver.

Sorri minimamente, assentindo. Voltei minha atenção para a televisão.

—Sabe... —ele começou a falar de novo. O olhei com curiosidade, mas dessa vez ele não me olha de volta, tem seus olhos virados para o filme na televisão— Quando você entrou na escola eu me encantei bastante por você. —arregalei os olhos, e surpresa— Até falei de você para o Josh.

Memórias do dia em que eu fui pela primeira vez à The Player com Rose e Josh vieram na minha cabeça. O último comentou algo sobre Érick falar muito sobre mim. Não dei muita atenção na época, mas aparentemente minha mente gravou isso, pois assim que Érick disse isso a lembrança se acendeu como uma lâmpada.

—Nunca tive exatamente um interesse romântico. —ele continuou, ainda sem me olhar— Mas você era diferente das outras meninas. Ainda é. Eu tenho um carinho por você desde que te conheci. —ele me olhou sorridente. Acho que meus olhos ainda estão arregalados— Mas minha timidez nunca deixou eu ir muito fundo nisso. Estamos no mesmo grupo de amigos, mas sinto que não te conheço. Mas sempre quis me aproximar mais.

Sorri, me sentindo acolhida pelas palavras do loiro.

—Engraçado você falar isso... —eu disse ainda com um sorriso— Era um dos meus planos mirabolantes conseguir ser mais próxima de você. Sempre simpatizei com você também. Essa situação ter nos afastado ainda mais me deixou chateada. Fico feliz que agora você saiba da  verdade.

Érick me olhou carinhosamente.

—É. Eu também.

Sorrimos e minha barriga roncou quando Nicolas e Charles vieram para o sofá e colocaram as pizzas na mesa de centro e deram um copo de refrigerante para cada um. Eu vou ficar cheia de espinhas.

Mas não me importa. Pelo menos estou muito bem acompanhada.

—E então, —Nicolas começou após terminar sua segunda fatia e pegando uma terceira. Nos viramos pra ele— Temos um plano?

Eu, Érick e Charles nos olhamos. Não, não temos um plano. Como vencer uma pessoa que é basicamente invencível?

—Ainda não. —Érick respondeu— Está difícil. Não dá pra envolver nossos pais e nem a polícia.

Charles suspirou.

Eu o entendo. Eu não queria tê-lo envolvido nisso, mas foi muito natural. Sinto pena. Ele tem me ajudado tanto e não tive a chance de retribuir. Sei que seu suspiro não é de cansaço por estar nessa situação, e sim de preocupação.

Nós dois estamos em um impasse.

—Antes de tentar resolver as coisas com Thomas, precisamos de um plano. —eu disse após terminar meu refrigerante.

—Está difícil. —Charles completou.

Nicolas começou a olhar para o nada enquanto mastiga sua fatia. Ele parece estar pensativo.

—Talvez a gente deva parar de pensar na justiça e começar a pensar no problema. Ou seja, em Carol. —todos começamos a olhar Nicolas com curiosidade— Ela é a cabeça disso tudo. Talvez o Thomas possa ajudar. Se ele terminar com Carol sem motivo específico, tecnicamente Ally não vai ter nada a ver com isso. Eles vivem indo e voltando mesmo.

—Mas e se ela piorar com Ally? Nunca se sabe. Carol pode achar que a culpa foi dela. —Charles retrucou.

—Mesmo que ache. —Nicolas deu de ombros— Ela não pode mais fazer nada. Thomas teria terminado com ela porque quis. Vocês podem se encontrar escondido até arrumar um jeito de entregar ela para a polícia. Ally.

—Impossível. —eu disse baixo— Ela está onde estou. Meu passe de paz dessa semana acabou. Depois ela vai me perturbar de novo.

—Ela só te incomoda uma vez na semana e depois te deixa livre, não é? —Nicolas perguntou e eu assenti— Então use o resto da semana para viver seu amor de Romeu e Julieta. Ela não vai estar te vendo.

—Provavelmente esse "passe de paz" vai acabar assim que Thomas der um pé na bunda da Caroline. —Érick disse, fazendo asps com os dedos das mãos— Ela com certeza vai ficar desconfiada de que eles podem estar se encontrando de novo.

—Então deixe-a achar o contrário. Não precisa terminar seu namorico com Charles. —Nicolas disse com um sorriso— Continue com ele. Na rua vocês estarão juntos e apaixonados. Nos becos, você vai estar nos braços do ruivo tentação. Ui! —Nicolas começou a se abanar— Fico até quente em pensar nesse romance proibido!

—Mas como Thomas terminaria com ela? —Charles perguntou.

—Então... —Nicolas desviou o olhar— Vamos ter que contar pra ele. Não vai ter jeito.

—Mas ele vai explodir de raiva ao saber dessa história! —Charles disse exaltado.

—Vamos ter que dar um voto de confiança pra ele! —Nicolas se exaltou também, voltando a nos olhar— A Allyzinha acalma o O'brian como ninguém. Temos um plano. Ele vai colaborar. Ele tem que colaborar. É um plano provisório até arranjarmos um jeito de fazer a cascavel pagar pelos erros dela, mas é um plano. A Ally acalma o O'brian e explica tudo pra ele.

—Thomas não quer me ver nem pintada de ouro. —falei com um sorriso triste.

—Ele não precisa saber que vai te encontrar. —Nicolas falou me fazendo olha-lo com curiosidade— Vamos armar um encontro. Ele vai ter que te ouvir.

—Como vamos saber se Carol não está espionando? —Charles perguntou.

Nicolas pensou por um momento antes de bater as mãos, como se tivesse tido uma epifania.

—Cynthia! —ele falou com os olhos brilhando olhando diretamente para Érick— Érickzinho, elas são amigas, não são? —o loiro assentiu— Então nos informa quando elas saírem juntas. É o momento perfeito.

Todos nos olhamos pensativos e com um pouco de esperança. Meu coração está acelerado só de pensar que isso pode dar certo.

—Como você aprendeu essas coisas? —Charles perguntou com um sorriso irônico e a sobrancelha arqueada.

Nicolas deu de ombros com um sorriso convencido.

—Eu adoro casos policiais. —depois ele me olhou— Mas, Ally, é tudo provisório. Isso tudo é apenas para resolver sua situação com o O'brian sem que tudo dê errado. Ainda vamos arrumar um jeito de fazer Carol pagar, mas, pelo menos, você pode ter seu guitarrista preferido de volta. —Nicolas disse com um sorriso gentil. Sorri de volta pra ele.

Guitarrista preferido. Ele não poderia ter descrito melhor.

—Obrigada, Nicolas. De verdade. —eu disse emocionada— Obrigada a todos vocês. Sem vocês eu... Eu nem sei o que faria. —disse com a voz embargada. Ele sorriram e se amontoaram ao meu redor, me abraçando.

Agora eu só preciso esperar.

.
.
.

Mexo minha cabeça conforme a música.

Hoje é sábado e, como sempre, estou sozinha na praça. Eu, meus fones e meu livro.

Ann em Teté e papai trabalhando. E eu aflita.

Já faz uma semana desde que bolamos o plano. Fizemos um grupo para debatermos sobre esse assunto. Claro que Nicolas que escolheu o nome: "Caçadores de cobra".

Eu ri quando ele fez isso.

Érick havia falado que hoje, provavelmente, Cynthia sairia com Caroline. E por mais que eu estivesse aparentando estar tranquila, meu coração -ou o que sobrou dele- bate descompassado no meu peito.

Confesso que estou na mesma página já tem alguns bons minutos. Nem me lembro mais o título do livro. É como se as palavras estivessem voando por aí. Não compreendo a letra da música que toca em meus fones e muito menos qual música está tocando.

Eu só não olho meu celular a cada dois segundos pois as notificações estão ligadas -e bem altas. E ainda não ouvi o barulhinho que tanto queria. Uma mensagem no grupo.

Nada. Já faz uma hora e Érick não confirmou nada. Sinto que posso desmaiar a qualquer momento.

Respiro fundo e tento ler novamente, dessa vez, em voz alta, para tentar compreender o que está escrito.

—"A surpresa de Elizabeth estendeu-se além das palavras. Ela o encarou, corou, duvidou e ficou em silêncio. Ele considerou isso encorajamento–"

Minha leitura em voz alta foi interrompida pelo barulho. O tão esperado som. Arregalei os olhos e larguei o livro imediatamente. Lá estava. A mensagem que eu tanto queria receber:

"Cynthia e Carol foram pra praia na cidade vizinha. Onde você está, Ally? Vou arrumar um jeito de arrastar o O'brian também"

Medo. Me tremi toda. É minha chance. Respondi com os dedos suando que estava na praça.

Fui para a parte mais afastada possível da praça. Tem um laguinho. Eu não venho muito aqui porque não tem muito o que fazer além de observar os pequenos peixes na água e por ser mais longe, mas aqui é mais improvável de alguém me ver.

Peguei meu celular com as mãos trêmulas e esperei até que Érick dissesse que está vindo. Tirei os fones e deixei meus objetos sobre a grama, perto do lago. Fiquei apenas com o celular em mãos.

Alguns minutos depois, ele me mandou uma mensagem perguntando onde eu estava. Respirei fundo sentindo meu estômago revirando e falei que estava no lago.

Ele não respondeu a mensagem e meu coração foi à mil.

Tive que respirar fundo algumas vezes e contar para ver se me acalmava. Mas não adiantou.

Quando comecei a ouvir passos, me virei para trás e franzi os lábios.

Consegui enxergar os meninos e meu coração parecia querer sair pela boca. Meus estilhaços criaram asinhas e começaram a voar de encontro aos outros quando meus olhos focaram nele.

Tão lindo...

Seu cabelo está preso em cima e solto embaixo. Ele usa uma blusa branca de magas curtas e uma bermuda jeans preta. Seu brinquinho prata combina com a corrente que ele está usando. Olhei de relance para a munhequeira em seu pulso esquerdo e contornando seu dedão, como uma luva. Senti uma pontada de preocupação mas não deixei me atingir. Preciso ter foco.

Quando Thomas me olha ele para de andar e franze as sobrancelhas. Meu estômago parece estar formigando. Ele olha pra Érick que também o olha apreensivo, antes de andar para o lado em um canto mais afastado.

O ruivo voltou a me olhar e andar devagar até mim. Dou largos passos até ficar de frente pra ele.

Prendi a respiração sem perceber quando seus olhos foram em direção aos meus. Verde no azul. Esmeralda e Topázio.

Soltei a respiração e controlei a vontade quase incontrolável de me jogar nos braços dele. De beijar ele.

Mas eu não posso. Porque ele é de outra garota.

Respirei fundo.

—Ally. —ele disse com sua voz grossa. Sua fina barba ruiva o faz parecer mais maduro.

—Thomas... —disse seu nome com pesar. Que dor. Que saudade.

—O que está acontecendo? —ele perguntou olhando de relance para Érick, que se encostou em uma árvore um pouco afastada de nós e tem o olhar perdido.

—Eu... Preciso conversar com você. —disse com a voz trêmula.

Ele esfregou as mãos com a expressão séria antes de assentir e ir até o lago. Ele se sentou na grama na beira do lago e eu fui até ele, me sentando ao seu lado.

Ele tem o olhar perdido nos peixes e eu respiro fundo mais uma vez antes de começar.

—Eu... Eu imagino que você não tenha entendido muito bem quando eu me afastei de repente.

Branco.

Minha mente deu pane.

Eu ensaiei muito meu discurso, muitas e muitas vezes. No espelho, no banho, enquanto brincava com Ann e recitei um discurso até para Atena. Eu não vim aqui exatamente despreparada. Mas eu não me lembro de mais nada do que ensaiei. Minha mente entrou em pânico.

Ele não disse nada, apenas pegou um cigarro e acendeu, logo começando a tragar.

Posso estar enganada, mas sinto que Thomas fuma ainda mais quando está na minha presença.

Respirei fundo detestando o seu silêncio e comecei a forçar minha mente a se lembrar do discurso. Algumas frases soltas vieram até ela.

—Desde que você me deu aquele desenho, muita coisa mudou. —comecei, desviando meu olhar dele e encarando os peixes nadando— Muita coisa. Eu comecei a sentir coisas que estava me proibindo de sentir e... Quando você falou que gostava de mim, tudo mudou ainda mais. —sorri minimamente e comecei a olhar para os meus dedos— Aquela madrugada no terraço do petshop foi uma das melhores da minha vida. —senti meu coração acelerar ao me lembrar do nosso beijo— Te contei coisas que nunca contei para ninguém. Certamente, muitas coisas mudaram em mim, mas principalmente ao meu redor. —franzi as sobrancelhas— Tem muitas coisas que aconteceram e que você foi a primeira pessoa que eu queria ligar para contar.

—Tipo do seu namoro com o Campbell? Ou só beijar ele na minha frente depois de me ignorar por meses não foi o suficiente? Certamente, isso valeu muito mais que uma ligação.

Dor.

Suas palavras sarcásticas me me atingiram como uma adaga.

Plaf!

Todas as asinhas dos meus estilhaços perderam a força. Uma queda infinita.

Fechei os olhos fortemente. Meu peito dói. Preciso segurar muito para não chorar.

—Muita coisa aconteceu. —repeti com a voz completamente embargada. Minha voz sai falha e mais grossa que o normal— Muita coisa mudou. Eu sei que é confuso, mas Thomas, eu nunca quis que isso acontecesse! —me exaltei o olhando. Ele tem as sobrancelhas franzidas e continua evitando meu olhar— Se deixar, eu conto toda a história. —ele não disse nada, então tomei a liberdade de prosseguir. Voltei a olhar para o lago— No último dia de aula, voltando pra casa, eu recebi uma mensagem. Era pedindo para que eu me afastasse de você. —senti o olhar de Thomas sobre mim, mas não o encarei de volta, se não eu não vou conseguir prosseguir— E eu precisei fazer isso. Já não tinha sido a primeira vez.

—Como assim, Ally? De que porra você está falando?

O ignorei. Não posso perder o foco.

—Então eu me afastei. Mas não estava sendo o suficiente. Eu comecei a receber ameaças e fotos minhas. Então eu fingi um namoro com Charles. Funcionou, mas claro que você iria me procurar. Então eu fiz aquilo. —minha voz embargou de novo e minha visão começou a embaçar— Eu sabia que só assim você sentiria tanta raiva que não iria mais me procurar.

—Ally. —Thomas jogou o cigarro longe, segurou meus ombros e me fez encara-lo— Que porra é essa?! Quem estava te ameaçando?

Minhas lágrimas começaram a cair e eu precisei desviar o olhar daqueles grandes olhos Esmeralda.

—Carol.

Thomas soltou meu ombros devagar e virou para frente. Os olhos indecifráveis.

—Não foi a primeira vez. No dia em que eu a conheci também. Ela me pediu para afastar-me de você, mas... Acho que eu só cheguei mais perto.

O silêncio dele me deixa aflita.

Ele continua sem dizer nada, apenas fica com as sobrancelhas franzidas, alimentando o meu infinito tormento com o seu silêncio.

Até que ele bufa de raiva. Me afasto instintivamente. Ele passa as mãos pelos cabelos e respira fundo.

—Preciso ir. —ele diz baixo e se levanta. Arregalo os olhos quando ele começa a se afastar. Me levanto sentindo o desespero me consumir.

—Thomas! —chamo e alcanço sua mão. Ele para instantaneamente, mas continua de costas. Sua postura está rígida— Por favor... Preciso que me escute... Temos um plano, e–

—Por favor digo eu, Ally. —ele se vira para mim. Olhos duros. Uma Esmeralda quebrada. Sinto meus olhos transbordando— Preciso de um tempo.

Ele se solta de mim e volta a andar. Lanço um olhar desesperado para Érick e ele assente. Ele vai controlar a situação. Sei que Thomas precisa ficar sozinho, mas ele vai ouvir Érick em algum momento. O mesmo sai em disparada para alcançar o ruivo.

Esfrego minhas mãos pelo rosto, me sentindo nervosa. Muito nervosa.

Me aproximo da beira do lago novamente e me sento. Tiro meus tênis e minhas meias e mergulho meus pés na água congelante do lago.

Dor. Lembranças desagradáveis começam a bater na minha mente com toda a força. Toda e total. Lembranças que tenho soterrado no fundo da minha mente. Tento esquecer. Mas não consigo.

Não só de Thomas. Parece que toda essa situação me fez lembrar todo o caminho que tracei até aqui. Até Benkeler. Até meus amigos. Até Thomas.

Sinto dor. Dor no peito. Mau presságio, ou seja o que for. Apenas olho para os meus pés dentro da água cristalina. Peixes nadando para longe de mim.

Observo meu reflexo.

Quebrada. Me sinto quebrada.

Sinto medo. Muito medo.

Essa dor se alastra em todo o meu ser. Dentro de mim.

Meus olhos transbordam. Água dos olhos misturada com a água do rio. As gotas caem. A cada gota, parece que uma contagem regressiva se inicia em minha mente.

Sufocada. Vazia.

Ann.
Thomas.
Caleb.
Pai.
Jeremy.
Mãe.

E, sem pensar, eu me jogo.

Gelo.

Me sinto completamente gelada.

Minha visão turva. Embaçada. Meus olhos doem apenas por estarem abertos. Eles ardem. Me sinto congelando. Grito. Mas só vejo bolhas e não escuto nada. Bolhas. Gelo. Azul.

Peixes assustados. Cada vez mais longe de mim. Me sinto afundar. Eu não sabia que o lago era tão fundo.

Gritos. Berros. Bolhas. Gelo.

Talvez seja melhor eu ficar aqui dentro. Meu corpo agiu sozinho. Desesperado para se livrar dessa dor.

Deu certo. Mas me deu uma nova. Dor de congelar. A água não deveria estar tão gelada no verão.

Mas está.

Meu corpo não concorda com a decisão do meu cérebro. Não concorda que é melhor fica aqui. Se debate e tenta nadar de volta para o topo.

Meus braços começam a cansar. Minhas pernas também. Me sinto fraquejando. O ar faz falta, mas quando tento respirar, só entra água. Tosse. Bolhas.

Meu corpo começa a afundar.

Olho para o topo do lago. Está iluminado. Como se o Sol tivesse aparecido e iluminado o lago com toda a força. A luz reflete em algumas algas, e em alguns peixes. Um em específico brilha ainda mais. Um peixinho dourado. Ele foi o único que não nadou para longe assustado. Ele continua nadando tranquilamente. Seguindo sua vida. Seu caminho.

E, de alguma forma, essa imagem me deu forças para subir.

Respirei fundo quando alcancei a superfície. Tusso água.

Minha mente está em branco e só consigo pensar no frio. Na dor.

Impulsiono meu corpo de volta para a grama e ali me jogo.

O que foi isso?!

Quando eu me joguei nesse rio?

Minha mente nublou. Nublou muito fortemente, pois não sei em que momento tomei a decisão de que jogar nesse lago fundo e gelado iria tirar minha dor.

Um segurança se aproxima correndo de mim. Vejo seu rosto com dificuldades, pois a água do lago embaçou minha visão. Minha vista dói.

—Ei! Menina! —sua voz sai abafada. Meus ouvidos parecem estar tapados. Talvez tenha entrado água neles— Você não pode entrar aí!

Algo em meu olhar o calou. Olhei no fundo de seus olhos. Meus olhos ardem. Ardem demais.

Ele franziu os lábios.

—Está tudo bem? —perguntou com suavidade.

—Me desculpe... —eu respondi com a voz embargada— E-eu caí...

Não sei se menti. Pode ter sido isso. Eu não me lembro. Apenas aconteceu.

—Está tudo bem. —ele se abaixou ao meu lado e pôs uma mão em meu ombro— É melhor você ir pra casa se secar.

Assenti. Ele me ajudou a levantar. Me sinto tremer. A brisa gelada me atinge com toda a força.

Começo a bater os dentes. O segurança tira seu casaco escuro e põe sobre meus ombros.

—Tem certeza de que você está bem? —ele perguntou com o olhar preocupado.

Minha visão está melhorando. O sol quente está batendo em meu corpo e me ajuda a ficar mais aquecida, além do casaco do homem gentil.

—Eu tenho. Muito obrigada. —respondi com um sorriso curto, antes de pegar meu livro, meu telefone e meu fone e sair daquela parte da praça.

Sinto olhares curiosos sobre mim quando passo pelo centro do parque. Mas não me importo muito agora.

Me sinto preocupada com a forma em que agi. Me jogar assim no lago... Isso não é algo eu deva fazer. Algo grave poderia ter acontecido.

Penso naquele peixinho dourado. Se eu pudesse, voltaria apenas para agradecê-lo.

Uma brisa suave passa. Paro por um momento apreciando o vento, fechando os olhos. Ele parece acariciar meu rosto. Ao invés de me esfriar, me aquece. Me sinto grata. Um pouco mais leve. Um pouco mais forte. Dou um pequeno sorriso. Acho estranha essa calmaria repentina, mas não reclamo. Me sinto em paz. A dor se foi.

Uma ventania repentina não deveria ter tanto significado ou tanto peso assim. Mas ela tem um certo teor triste. Eu não sei explicar. Uma certa melancolia me invade sem que eu ao menos impeça. Todo esse vento tem gosto e aroma de... Despedida.

E eu temo que isso seja um adeus indireto de Thomas O'brian.

.
.
.

Quando chego em casa, já estou mais seca. Deixo o casaco do homem gentil no cabideiro ao lado da porta. Quando voltar para a praça, o devolverei.

Papai não está em casa, está no trabalho. Me vejo sozinha novamente. Apenas eu e Atena.

Tomo um banho quente para despistar o gelo do meu corpo. Lavo meus cabelos e coloco uma roupa confortável.

Apesar de me sentir melhor, meu peito ainda está um pouco pesado. Imagino que seja pela reação de Thomas.

Não foi como eu planejava, mas não estou exatamente surpresa. Deveria saber que ele agiria assim.

Respirei fundo, espantando esses pensamentos. Darei tempo ao tempo.

Fiz carinho em Atena e fui até a cozinha. Comi um pouco, lavei a bagunça e fui até meu quarto. Meus olhos foram direto para o objeto encostado no canto do cômodo.

Claro, é um pouco estranho lembrar de meu ex namorado quando olho meu violão.

Eu tinha nove anos quando conheci Caleb. Como uma criança boba, me vi apaixonada pelo garoto mais bonito da sala. Apaixonada nada, eu estava apenas encantada. Caleb era o garoto mais doce que já havia pisado nessa terra. Ele era gentil e atencioso.

Começou a me abordar aos poucos. Eu sempre fui muito tímida, então não entendia muito bem suas investidas. Eventualmente ele acabou desistindo de mim. É claro, ele era popular, poderia ter qualquer garota.

Mas eu ainda o observava de longe. Me apaixonava cada vez mais por ele. Caleb era gentil com os funcionários, tirava boas notas e era assustadoramente bonito. Ele era perfeito, em minha infantil visão.

Lembro que um dia, quando cheguei em casa, tive a surpresa agradável de encontrar vovô ali. Ele havia nos visitado e estava na sala tocando teclado, enquanto mamãe tocava flauta. Foi observando-a que eu aprendi vagamente a tocar algumas coisas.

Fiquei encantada com a cena e com a melodia. Me senti alegre apenas de estar ali. Lembro de correr para o colo de vovô assim que ele terminou de tocar. Ele me deu um abraço caloroso. Pedi pra ele e pra mamãe para me ensinarem a fazer música também. Eles riram e perguntaram o porquê. Eu disse que era para compor para o garoto mais lindo do mundo.

Eles riram e perguntaram quem era. Eu apenas corei e não respondi.

Naquela tarde eles passaram o dia me ensinando a tocar. Aprendi o que pude. Quando vovô não estava, era mamãe que me ajudava.

Que saudade.

E, aos meus doze anos, Caleb voltou a me olhar. Eu ainda estava perdidamente apaixonada. Eu já havia dado o meu primeiro beijo e me sentia pronta para namorar. Com doze anos você pensa que tudo é muita coisa. E quando Caleb disse para todos que estávamos namorando, eu não pude me conter de animação.

Namoramos por quase um ano. Fiz treze anos e mamãe estava grávida de Ann. Minha mãe o conheceu em uma festa na escola. Lembro dela convidando-o para almoçar lá em casa algum dia.

No meu aniversário ele me deu esse violão que estou encarando agora. O violão verde.

Ele foi meu primeiro amor. Mas as coisas começaram a mudar. Passamos de série e ele não era mais o mesmo. Tudo começou a dar errado. Mamãe ficou doente.

Ann nasceu e eu fiquei com menos tempo para namoro. Ele foi a única pessoa para quem eu contei de mamãe. E dois dias depois ele terminou comigo. Sem razão, sem motivo. Apenas terminou.

Talvez tenha sido isso que me deu um bloqueio tão grande de me abrir com as pessoas. Ainda bem que conheci meus amigos. Eles destroem todas as minhas barreiras. Com eles, eu sou eu.

Peguei o violão. Tem um tempo que eu não toco. Afino e começo a dedilhar, sem um som específico. Mas, quando vejo, estou tocando os acordes de La Vie En Rose. Sorri.

Cantei baixinho me perdendo em boas memórias. Essa música sempre terá um grande peso -positivo- pra mim.

Quando finalizei, me sinto mais calma. Imaginei a voz de mamãe junto da minha -que é bem mais desafinada. Mamãe tinha a voz de um anjo.

Sorrio triste ao ver a fotografia emoldurada em minha cômoda. Coloquei em um porta retrato a nossa foto. Eu bebê e ela tocando. Queria poder me lembrar.

Que saudade.

Respirei fundo e guardei o violão no lugar.

Também sinto falta de vovô. Ele sempre ia até minha casa para tocarmos. Me levava para ver seus shows já até participei de alguns deles.

Sorri.

Hoje estou nostálgica até demais. Talvez os acontecimentos de hoje tenham me deixado assim.

Aproveitei o silêncio para mexer um pouco em meu celular. Mandei uma mensagem para Rose perguntando se ela queria vir aqui. Ela não demorou a aceitar.

Confesso que me sinto um pouco culpada. Tenho me encontrado mais com nossos outros amigos do que com ela.

Ela aceitou e me pediu para esperar. Sorrio.

Rose tem sido mais que uma amiga para mim. Quando eu cheguei aqui, ela me acolheu como ninguém. E só de pensar que tudo começou quando ela me derrubou no chão...

Sorri com o pensamento.

Ela não demorou a chegar. A abracei com força. Talvez eu estivesse realmente precisando desse abraço.

—Nossa! —ela disse quando me soltou, fechando a porta atrás de si— Que calorosa!

Sorri com ela e fomos para o sofá. Começamos a conversar sobre algumas coisas banais e eu mal senti o tempo passando.

Ela ficou assustada quando eu disse que caí no lago. Óbvio, eu não contei o verdadeiro motivo de estar ali. Apenas disse que fui matar um tempo na praça. Já me sinto extremamente culpada por esconder tanta coisa dela, então me contento em contar meias verdades.

Ela me abraçou quando eu disse que lembranças desagradáveis me atingiram. Senti vontade de chorar. Ela me dá tanto apoio.

Fico feliz de estar ao lado dela. Minha melhor amiga. A melhor. Ela é, com certeza, como o peixinho dourado que salvou minha vida. Ela é, de certa forma, meu peixinho dourado.

Depois do sentimentalismo ter passado, decidimos assistir um filme. Fiz pipoca para nós duas. Ela parece animada. Me sentei no sofá e me enchi de pipoca. Mas senti sede.

Fui até a cozinha e enchi um copo de água. Enquanto bebia, escutei meu celular tocar.

—Amiga! —Rose chamou da sala e levantou meu celular— Está tocando.

Fui até ela e agradeci. Ela pausou o filme.

—Alô? —atendi sem ao menos ver quem era.

Ally. —sinto meus músculos enrijecendo quando escuto o tom de voz do meu pai. Choroso.

Olho preocupada para Rose, que tem uma das sobrancelhas arqueadas.

—Pai? —sinto meu coração acelerar. Dor. Mau presságio— O que houve? —perguntei sentindo minha voz embargar.

Ele ficou em silêncio por um tempo antes de me responder.

E sua resposta foi tão aterrorizante que mal senti a dor do copo de vidro se estilhaçando em meus pés, quando o soltei.

Sua mãe se foi.

E, de repente, eu senti muita vontade de voltar para aquele lago.

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