Capítulo 11 - Raios de Sol

11

—SEM PALAVRAS. EU NUNCA vi os desenhos dele, apesar de saber que ele desenha muito bem. —Rose disse, com o desenho em mãos.

—Pois é. —Érick concordou, tomando um gole do seu chá— Ele me mostrou apenas alguns. Nunca vi nenhum seu, Ally.

Tomei um gole do meu café, pensativa. Rose me devolveu o desenho.

  Estamos em uma cafeteria perto da escola. Nossa última semana de aulas não poderia ser diferente. Depois das provas, precisamos de café. No caso de Érick, chá, já que ele odeia gostos amargos, apesar do café estar adoçado.

—Um brinde à Ally, que amoleceu o coração do O'brian! —Rose disse levantando seu copo de café, e Érick levantou sua xícara de chá. Revirei os olhos, mas também levantei meu copo.

Continuamos nossa conversa até eu receber uma notificação. Cogitei a possibilidade de ser Thomas, mas recebi uma mensagem do meu pai, dizendo que queria falar comigo quando eu chegasse.

Não pude deixar de ficar apreensiva, mas concordei.

  Depois do café, nós três fomos para a praça e sentamos na grama. Érick recebeu uma ligação.

—Alô? Ah, oi. O que foi, Larry? —ele perguntou franzindo as sobrancelhas— O quê?! —ele perguntou, espantado— Certo, claro! Pode fechar!

  Ele ficou mais um tempo no telefone e depois desligou, com um sorriso que eu nunca vi antes.

—Desembucha cunhadinho! —exclamou Rose.

—Caramba. —ele passou as mãos pelos cabelos loiros claros— A The Player nos convidou para tocar lá! Eu e o O'brian!

—Sério? —perguntei entusiasmada— Parabéns Érick! Quando?

—Mês que vem! —ele respondeu com um grande sorriso.

—Demais! —eu sorri— Bem nas férias! Mas por que convidaram vocês?

  —Aparentemente uma pessoa recomendou muito bem. Larry trabalha lá, ele disse ofereceram pagar. Não sei quem são, mas devem ser nossos fãs!

  —Vocês já tocaram alguma vez em público? —perguntei.

  —Uma vez eu acho, aqui mesmo. Porém fomos só eu e o O'brian. Vou chamar o Nicolas, ele toca bateria.

  Ficamos algum tempo comemorando antes de cada um ir para sua casa.

  Assim que abri a porta eu vi meu pai sentado no sofá, e me lembrei instantaneamente da conversa que ele queria ter.

—Oi, pai. —eu falei colocando minha mochila no cabideiro ao lado da porta.

  —Oi filhota. Preciso falar com você. Senta aqui. —ele disse, apontando para o assento ao seu lado.

  Desconfiada, sentei-me. Me senti tensa.

—Sobre o quê? —perguntei com as sobrancelhas franzidas.

  Ele suspirou.

—Eu sei que eu fui um pai horrível, e ainda sou imperfeito, sou humano. Sei que não posso comprar o seu perdão com presentes. —ele parou e coçou a sobrancelha— Eu sei que tenho errado muito. Eu não quero que minhas filhas vejam as fraquezas do próprio pai. Você é a garota mais forte que eu conheço. —ele disse pegando minhas mãos— Mas eu não quero que você precise ser forte o tempo todo. Eu engoli o meu orgulho idiota e marquei terapia. Vou fazer terapia e ver quais remédios eu preciso comprar. Matriculei Ann no jardim de infância, em uma escolinha bem perto daqui. Ela vai ficar por lá durante a tarde, então, quando eu estiver fazendo as consultas, você não precisará cancelar seus planos para cuidar dela. E tem mais uma coisa. —ele soltou minhas mãos e foi até a mesa, pegando uma caixinha que eu não havia reparado. Ele se sentou ao meu lado novamente e me entregou a caixinha preta e dourada— Feliz aniversário.

  Arregalei os olhos quando ele disse isso. Já faz um tempo...

—Eu sei que estou atrasado. —ele disse rapidamente— Muito atrasado. Eu também sei que disse que não posso comprar seu perdão com presentes, eu nem sei se ainda tenho chance com você. Espero não ter estragado a minha com Ann. As vezes dói olhar para vocês... Vocês são iguais à Louise. —ele disse com os olhos marejados— Era para eu te entregar isso no seu aniversário de dezoito anos, como ela pediu, mas acho que ela não se importa se eu te der um pouco antes.

  Senti meu coração descompassado ao saber que era um presente de minha mãe. Com os olhos molhados, abri a caixa, sentindo minhas mãos trêmulas.

  E dentro da caixa haviam três coisas: dois papéis, um dobrado e um retangular bem no fundo da caixinha, e uma chave pequena. Olhei para o meu pai, que me encara com um sorriso curto. Repousei a caixa sobre meu colo e abri o primeiro papel. Era uma carta, e reconheci automaticamente a letra da minha mãe. Meus olhos transbordaram ao ver isso. Comecei a leitura.

"Querida Ally,

Hoje é seu aniversário de dezoito anos, eu espero. Seu pai e eu conversamos e achamos melhor preparar isso para você.

Eu quero que você saiba exatamente o que aconteceu com a mamãe.

James e eu descobrimos a minha doença. Você só tem treze anos, e achamos melhor não te dar detalhes sobre isso. Mas mamãe tem um tumor, filha. E isso só vai piorar durante os anos. Talvez eu já nem esteja mais contigo quando estiver lendo essa carta.

Eu me recuso a fazer o tratamento. Espero que não me odeie por isso. Mas as chances de eu melhorar são de apenas 3%. O tratamento é caro e temos um bebê a caminho. Seu pai implora para que eu faça, o que acaba nos fazendo brigar. Mas eu me recuso.

Eu sei que você vai se sair bem sem mim. E por isso estou aqui, te escrevendo.

Quero te pedir para ensinar as coisas bonitas da vida para Ann, quando ela estiver mais velha. Eu sei que não terei chance de fazê-lo, então o faça por mim. Ensine-a a ser forte como você.

Seja lá qual caminho você siga, Ally, eu te amo. Eu estou sempre com você. Sempre.

Eu te apoio e eu sei que eu vou me orgulhar de você. Você é diferente. Você não me dá trabalho algum, é uma menina responsável, estudiosa e extremamente querida.

Seu sorriso doce é o motivo de cada batida do meu coração. Seus olhos azuis, como os meus, me lembram o mar. Seu cabelinho ondulado me deixa incrivelmente hipnotizada. Sou tão orgulhosa de você.

Viva uma vida bela. E, quando chover pela manhã, não abra o guarda-chuva; pule com as gotas.

E quando você cair, eu te mando forças. Não importa onde eu esteja. Mas estou sempre com você.

A chave que você está recebendo é a chave do nosso galpão. Tenho muitos presentes para você. Espero que goste e cuide com carinhos de todos, minha pequena menina prodígio.

Amo-te com fervor. Me desculpe por ter te escondido isso por tantos e tantos anos. Quero que tenha a vida mais feliz possível. E mesmo que não tenha, saiba que as vezes sair do ritmo faz parte da dança. A música da vida não tem uma coreografia correta, então apenas... Nunca pare a dança.

                   E com muito, muito amor,
                                                      Mamãe."

  Olhei atônita para o meu pai.

  —Por quê?! —gritei chorando e largando a carta no sofá. Levantei e peguei uma almofada, jogando nele— Por que você escondeu isso de mim? VOCÊ ME DEIXOU SOZINHA E ME FEZ ACREDITAR QUE A CULPA DE MAMÃE ESTAR COMO ESTÁ ERA SUA! —berrei mais ainda, caindo sentada no chão e deixando as lágrimas escorrendo. Meu soluços se misturam com tosses. Escondi meu rosto com as mãos— Por que ela não fez o tratamento? Por quê? O que ela tem, pai? Ela escolheu nos abandonar! —meus gritos saíram abafados por conta das minhas mãos.

  —Filha, acredite, até hoje eu me culpo por não ter conseguido fazer com que ela fosse se tratar. Eu sinto mais culpa do que qualquer outra coisa, é o maior arrependimento da minha vida, mas eu tentei tanto, tanto... Ela tem esse tumor cerebral, ela não quis, não quis... —ele falou desesperado, se sentando ao meu lado no chão— Não culpe a sua mãe, por favor. Ela fez o que ela pôde.

Meu choro continuou saindo descontroladamente, meus soluços ora ou outra me fazendo engasgar. Senti meu pai me puxando para si e deitei em seu peito.

  Todo esse tempo... Eu realmente odiei meu pai, mesmo que por alguns segundos, por ele ter me deixado. Talvez ele não suportasse olhar para nós duas, eu e Ann, sem sentir culpa. Eu não imagino como está o seu interior. Não era culpa dele. Nunca foi...

  Mamãe abriu mão de sua vida para poder economizar para mim e para Ann. Mas eu a queria tanto aqui...

  Solucei mais e gritei mais. Senti as lágrimas do meu pai na minha cabeça. Ele chora controladamente, enquanto tudo o que eu quero fazer é espernear e gritar para o mundo o quanto ele é injusto.

.

.

.

Após ficar um bom tempo chorando com o meu pai no chão, finalmente tomei coragem para levantar e o encarar. Papai tem os olhos inchados e imagino que os meus também estejam assim.

  —Eu sinto muito por ter escondido isso por tanto tempo, filha.

  —Pai. —falei me sentando normalmente no chão, de frente pra ele. Minha voz soou estranha e rouca, mas eu não me importo realmente. Segurei sua mãos e olhei em seus olhos— Não se desculpe mais. Eu o perdoo. O senhor errou, mamãe errou, eu errei, todos erramos. Todos nós erramos. Somos humanos. Eu nem imagino o peso da culpa que você deve carregar. Está tudo bem. O senhor me fez mais forte e escondeu isso por pedido da mamãe, e mesmo assim, contou antes do planejado. Obrigada por estar verdadeiramente arrependido. Viemos aqui para recomeçar do zero. Novo país, nova cidade, nova vida. As pessoas que eu conheci aqui são... Incríveis. Minhas memórias em Londres são maravilhosas, mas sinto que aqui é o meu lugar. O nosso lugar. —comentei com um sorriso simples— Eu amo você.

  Papai me olha com um sorriso de orelha a orelha e me abraça com toda a força.

  —Eu te amo tanto filha... Tanto, tanto, tanto... —ele beijou minha cabeça.

  Ficamos um bom tempo assim. Eu tomei banho e sentamos no sofá. Conversamos por horas e horas. Papai me contou sobre a empresa que ele trabalha, sobre como mamãe e ele se casaram, sobre como descobriram que estavam grávidos de mim... Ah, e sobre o galpão. Ele está na Inglaterra. Papai pretende voltar um dia para resolver algumas pendências e visitar aquela minha tia que vive viajando. Ela parece ter sossegado em casa. Ele disse que nem ele sabe o que tem lá.

  E tarde na noite, ele foi dormir. Eu ainda fiquei na sala, observando a caixa aberta com o outro papel. Decidi juntar minhas coisas, chave, celular, chave do carro de papai e a caixa. Guardei tudo em uma bolsa de pano e, com a casa escura, saí de fininho.

  Fechei a porta devagar e a tranquei. Depois me virei e deparei-me com a rua deserta e mal iluminada.

  Fui até a garagem e saí com o carro. Fez mais barulho do que eu gostaria, mas não acordou ninguém.

  Dirigi meio sem rumo pelas ruas e estacionei no meio fio, em frente à praça. Ela se encontra fechada, todo aquele espetáculo já deve ter acabado.

  E mesmo sem perceber, peguei meu celular e, de forma automática, liguei para ele.

  Chamou apenas duas vezes antes de ser atendido.

Alô? —Thomas perguntou com um tom de voz um pouco ofegante.

—É... oi. —cumprimentei, sem saber ao certo o que falar. Eu não sei porquê fiz isso.

  Após alguns segundos em silêncio, ele pigarreou.

—Hãm... Precisa de alguma coisa? —perguntou.

—Na verdade, eu queria te ver. —as palavras saíram sem serem previamente medidas. Meu coração fala por mim.

Sério? —ele perguntou realmente surpreso— Agora?

—Na verdade, sim. —falei, decidida— Eu te busco. Onde está?

Eu devo me preocupar? —ele perguntou.

—Não, não deve. —respondi sorrindo.

  Escutei um suspiro meio aliviado do outro lado da linha.

Certo. Eu não estou em casa agora, mas não demoro a chegar lá.

—Tudo bem. Eu vou comprar algo enquanto isso. Tchau, Tom.

Tchau, coisa inglesa. —ele desligou.

  Com o coração palpitando um pouco mais acelerado, dirijo até um mercado.

  Entro lá e pego duas latas de batatas de mostarda e mel. São as minhas favoritas. Também peguei duas latinhas de refrigerante no freezer.

  Paguei tudo e guardei na minha bolsa e voltei para o carro, dirigindo até o prédio de Thomas. Não sei muito bem o porquê de estar indo lá, apenas... Depois de todas as informações que eu recebi, tudo o que eu quero é vê-lo. Quero que ele me faça rir e implique comigo. Que ele me conte alguma história da sua vida e quero me sentir um pouco mais especial do que os outros, por perceber que ele me trata com certa diferença. Com mais afeto, talvez.

  Eu não sou a pessoa de sair escondida e muito menos sair no meio da noite, mas meu corpo agiu por mim. Meu corpo implorava para ver Thomas O'brian.

  Quando parei em frente ao prédio, mandei uma mensagem avisando que eu tinha chegado. Ele me respondeu imediatamente dizendo que estava descendo. E menos de cinco minutos depois, lá estava ele, com sua jaqueta de couro, sua blusa vinho e sua calça com correntes.

  Isso é tão ele.

  Ele entrou no carro com aquele sorriso de lado.

  —Boa noite, coisa inglesa. Então quer dizer que nas noites frias e solitárias você deseja o ruivinho tentação? —ele falou com um sorriso brincalhão, batendo a porta do carro.

  Ri.

—Eu não te desejo e você não é uma tentação. —respondi com um sorriso— Apenas ruivinho.

  —Sei, sei. —ele disse— E então, pra onde vamos?

  Congelei. Me senti idiota por não ter pensado nisso. Eu estava tão focada em vê-lo que nem pensei pra onde eu queria ir.

  —Então você me convida no meio da noite e sem rumo? —ele perguntou ironicamente, com uma sobrancelha arqueada— Quem é você e o que fez com a britânica careta Ally Carter? —ele perguntou rindo.

  —Ally Carter foi corrompida por Thomas O'brian, ele é quase como um anjo caído.

  Ele gargalhou.

  —Não sei se me sinto lisonjeado ou ofendido. Acho que para o meu bem, escolho a primeira opção.

  Rimos um pouco antes de eu começar a analisar seu rosto. Suas sardas terrivelmente adoráveis continuam lá, e junto delas percebi alguns cortes que parecem ter sido muito bem lavados, mas não conseguiram se apagar. Por conta da pele branca de Thomas, essas regiões estão avermelhadas.

  Logo as lutas vieram na minha cabeça. De qualquer modo, não questionaria sobre isso agora. Talvez não hoje.

  —Já sei para onde ir. —ele disse após nossas risadas cessarem— Vai pro petshop.

  —Acho que não é exatamente o momento de alimentar seu cachorro. —disse com um humor. Ele revirou os olhos com um sorriso.

  –Só dirige.

  O caminho foi rápido e descontraído. As ruas estão muito silenciosas por aqui. Quando estacionei na frente do petshop, saímos do carro, mas antes peguei a sacola de papel com a logo do mercado e minha bolsa. Fomos para as portas e Thomas tirou um molho de chaves do bolso, usando uma delas para abrir a porta. Entramos.

  Durante a noite é diferente. Os animaizinhos estão dormindo tranquilamente e nem notam nossa presença. Está um pouco escuro, mas as portas de vidro permitem que a luz da lua entre aqui.

  Thomas fechou a porta e a trancou novamente. Depois passou na minha frente e eu o segui. Ele foi pra um sala atrás do caixa. Lá há sacolas e mais sacolas, tanto de ração como de areia.

  No canto esquerdo da sala, tem uma escada em espiral que vai pro alto.

—Subo aqui quando preciso de um tempo. É um bom lugar para pensar. —ele disse indo na direção da escada, e eu o segui.

  Enquanto subimos, a escada meio que range, não sei dizer. Ela é meio trêmula e a todo momento parece que vai cair. Mas conseguimos chegar em segurança até o topo do estabelecimento, que dá em um terraço aberto.

  —Uau. —eu disse ao ver toda a cidade dali de cima. Há poucas luzes. Mas o que realmente me fez suspirar foi o céu. Está muito estrelado.

   —Bonito, não é? —Thomas perguntou, também olhando para o alto, com as mãos nos bolsos da jaqueta.

  Ficamos um tempo ali antes de nos sentarmos.

  —Sabe, em Londres é mais difícil ver o céu. A cidade é muito iluminada.

  —Aqui é quase uma roça. Deve ter sido estranho pra você uma mudança tão drástica.

  —E foi. —eu disse me ajeitando. Estamos com as costas apoiadas em um bloco de gesso, e temos a visão da cidade— Mas acho que foi a melhor coisa que me aconteceu. Minha casa se tornou pesada, após tudo com a minha mãe. —eu disse melancólica, me lembrando da carta que ela escreveu. Engoli o choro que queria voltar.

  Ele apenas assentiu, talvez não tivesse certeza se deveria se aprofundar no assunto.

  Ficamos em silêncio algum tempo. Me sinto desconfortável ao lembrar que, hoje cedo, ele se declarou pra mim. Como será que ele está se sentindo agora? Será que está esperançoso?

  Não quero passar isso pra ele.

  —Eu tinha doze anos quando descobriram a doença da minha irmã. —ele disse de repente. O olhei com atenção, e seu olhar se mantém focado na cidade— Ela tinha apenas um aninho quando descobriram. Foi um choque. Ela era um bebê muito risonho. Era difícil acreditar que ela tinha algo tão monstruoso em seu sangue. De repente, o bebê com pequenos tufos ruivos, foi diagnosticado com leucemia. Foi o pior dia da minha vida. Eu vi o desespero dos meus pais de perto e me senti o pior filho do mundo por não poder fazer nada. —ele comentou com o olhar vago— Eu praticamente não vi minha irmã fora do hospital. Ela passa quase todo o tempo lá. E de repente era muito caro me manter em casa, junto com o tratamento da minha irmã. Com dezesseis anos eu fui emancipado. Eu ainda morava em uma cidade vizinha, mas o petshop foi transferido pra cá. É um emprego muito bom, eu não queria perder. Fora que essa cidade tem uma escola melhor. Não foi difícil me mudar, e me senti mais motivado ainda quando soube que a família de Érick também moraria aqui. Tudo ajudou. —ele fez uma pausa e puxou um cigarro e um isqueiro do bolso, acendendo em seguida— Adotei Jack e foi uma nova vida. Mas eu sempre tive essa raiva em mim, sabe? E quanto mais eu recebia notícias do agravamento da minha irmã, mais raiva eu sentia. Eu fazia coisas erradas. Eu roubei algumas poucas coisas, mas nunca consegui lidar com a culpa e sempre acabei devolvendo. A única coisa que eu realmente tinha orgulho eram das minhas pichações. Eu pichava todo muro que encontrava e era uma forma de descontar. Acho que foi aí que eu descobri meu gosto por desenhos. As vezes Érick ia junto. —Thomas disse com um sorriso nostálgico— Ele definitivamente não concordava, mas disse queria estar por perto caso algo acontecesse. Mas justo no dia que ele não foi, eu fui pego numa dessas. E foi pelo Mike. Ele ia me fazer pagar uma multa, mas acho que curtiu meu desenho. Ele me passou o cartão da casa dele e eu fui para testar. Acabei gostando de lutar. Achei mais efetivo do que simplesmente pichar. Mas, claro, apesar de ser um policial ruim, ele ainda é um policial. Pintei todas as parades que eu pichei, e já até fiz uma pintura pra ele. Eu tenho um certo carinho pelo Mike.

  Escutei tudo atentamente, me sentindo realmente próxima de Thomas. Ele me contar tão abertamente sobre si faz com que eu me sinta acolhida. Ele também sofreu com a ausência dos pais, com um parente doente...

  —Minha irmã foi transferida para o hospital de Benkeler, onde meu tio trabalha. Agora consigo visitá-la com mais frequência, sabe? Ela não está em perfeito estado, mas está, aos poucos, se curando. Até seu cabelo está crescendo, pela primeira vez nesses seis anos.

  Ele tragou seu cigarro antes de me olhar.

  Sinto meus olhos um poucos marejados e tenho certeza que eu o olho com certa admiração.

  Deve ter sido difícil ter sido obrigado a sair de casa e se afastar de sua irmã. Mas ele está aqui. Bem. Contando tudo como se fosse a história de um livro, não a sua.

  Voltei meu olhar para a cidade e deitei em seu ombro. Ele passou o braço ao redor do meu corpo. Não precisamos falar nada. Apenas estamos ali compartilhando sentimentos tão diferentes e ao mesmo tempo tão iguais. Ficamos assim por um tempo.

  —Quero te mostrar algo. —eu disse saindo desse meio abraço, me virando para Thomas e me sentando em minhas próprias pernas. Ele me olhou com curiosidade, sem parar de fumar.

  Tirei a caixa quadrada da minha bolsa de pano e a abri. Entreguei a carta nas suas mãos. Ele me olhou com curiosidade, mas abriu e começou a ler. Vi seus olhos correndo pelas linhas e suas expressões mudando conforme lia os parágrafos.

  Quando ele terminou, ele dobrou a carta novamente e jogou o cigarro longe. Ele me surpreendeu com um abraço. Espantada com o ato repentino, me mantive imóvel.

  —Eu... —ele começou meio incerto— Eu sinto muito, Ally. Sinto muito.

  Suspirei com um sorriso. E de repente toda essa história pareceu pequena. Pequena demais. Ele saiu do abraço e me olhou com um sorriso curto, antes de se afastar.

  —Era pra ter sido entregue no meu aniversário de dezoito anos, mas meu pai decidiu me dar hoje. Eu fiquei com um pouco de raiva, mas não sei... Agora eu vejo que eu não teria entendido essa situação a um tempo atrás. Me sinto até grata por ter sabido apenas agora.

  Ele maneou com a cabeça, concordando comigo. Recaímos novamente no silêncio confortável, olhando pra frente, quando eu de repente me lembrei.

  —Tem outro papel. —eu disse sem tirar os olhos da cidade. Senti Tom me olhando— Não tive coragem de olhar. É pedir muito pra você fazer isso por mim? —o olhei. Ele negou com a cabeça eu peguei a caixa e o entreguei, o papel é retangular e está virado para baixo.

  Ele o pegou e assim que viu o conteúdo, sorriu.

  —Até que você era fofinha. —ele disse com um sorriso. Franzi as sobrancelhas e ele me estendeu o papel. Ao pegar, vi uma fotografia.

  Estava em uma sala. Eu estava no colo da minha mãe, na época era apenas um bebê. Ela toca piano enquanto eu sorrio batendo palminhas. Ela também sorri e parece cantar alguma coisa.

  —Nossa... —eu disse com um grande sorriso— Queria me lembrar dessa época. —passei as pontas dos meus dedos levemente pela fotografia e senti meus olhos molharem. Mamãe está tão alegre aqui. Tão cheia de vida. Nem parece a mesma mulher de hoje. Respirei fundo controlando as lágrimas e guardei a foto de volta na caixa, me sentindo mais leve. Voltei a me encostar no gesso e olhar a cidade— Mamãe me ensinou a tocar violão e flauta. Meu falecido avô me ensinou a tocar o teclado e a bateria. Ele era músico. —eu disse— Ele tocava em bares e restaurantes. As vezes eu ia vê-lo tocando. —comentei me lembrando de uma Ally pequenininha que sorria contente quando via o avô tocar— Ele morreu quando eu fiz onze anos. Foi parada cardíaca. Foi difícil pra mim, mas agradeço a ele por ter me ensinado tanto.

  —Ele fez Ally Carter se tornar uma multi instrumentista. —Thomas disse com um sorriso, se referindo ao primeiro dia de aula.

  Sorri.

  —E como você aprendeu a tocar violão e guitarra? —perguntei.

  —Com Érick. —ele respondeu de imediato— Ele fez aulas desde criança e acabou me ensinando. Com o tempo ele se concentrou mais na voz e eu fiquei mais focado nos instrumentos.

  —Acho que você acabou se tornando melhor que ele. —comentei com um sorriso.

  Ele me olhou com um sorriso curto e depois se virou pra frente, acendendo outro cigarro.

  —Posso te perguntar uma coisa? —perguntei mordendo os lábios.

  —Já perguntou, coisa inglesa. —ele disse com um sorriso. Revirei os olhos e soltei uma gargalhada.

  —Essa está tão ultrapassada.

  —Vou pensar em uma melhor. —ele disse antes de tragar— Vai, garotinha.

Mordi os lábios novamente.

  —Quando você começou a fumar?

  Ele me olhou um pouco surpreso e pigarreou.

  —Bom... Eu fumei pela primeira vez aos doze.

  Arregalei os olhos. Era uma criança ainda.

  —Eu não andava com um pessoal lá muito confiável. Sempre andei com o pessoal do ensino médio. Eles já eram quase homens. Estavam mais do que acostumados. Então eu fumava para me enturmar, mas com o decorrer dos anos acabei gostando. Eu fumava para me acalmar e acabou virando costume, mesmo.

  O observei por um longo tempo. Imaginei toda aquela fumaça envolvendo seus pulmões e os sufocando. Odeio pensar nisso, mas como não? Daqui a dez anos ele provavelmente não funcionará sozinho. Eu percebi que Thomas fuma, pelo menos, oito cigarros por dia. Uma vez eu contei doze. Em uma semana aqui eu vi mais cigarros do que na minha vida toda.

  —Sua família lida bem com isso?

  —"Bem" é uma palavra muito forte. Eles apenas lidam. Não tem muito o que fazer. Eles já tentaram me fazer parar, ainda mais pela minha irmã ter câncer, mesmo sem ser por algo relacionado ao pulmão. Não temos um histórico muito bom. Mas é minha válvula de escape.

  Assenti e me virei novamente para a cidade.

  —É um suicídio lento. —eu disse, com as sobrancelhas franzidas.

  —Pode ser. —ele disse, tragando mais uma vez— Mas, acredite, é bem prazeroso. 

  Não comentei mais nada sobre o assunto.

  Ficamos conversando por horas e mais horas. Falamos sobre um pouco de tudo. Em algum momento devoramos as batatas e os refrigerantes. Ri muito, exatamente da forma que eu precisava. Exatamente como eu sabia que Thomas ia fazer eu me sentir.

  E quando começou a amanhecer, nos aproximamos da beira do prédio e ficamos sentados, observando o céu ficar rosa aos poucos.

  Sinto minha garganta rouca, mas acho que isso não importa realmente.

  Contemplamos em silêncio os primeiros raios que estão querendo aparecer. Ainda está escuro, mas conseguimos ver o Sol despertando timidamente.

  —Sabe, —ele começou— acho que nunca passei tanto tempo conversando com alguém. E descobri que sou obcecado por batatas de mostarda e mel. Como eu nunca provei isso antes?

  Eu o olhei e dei um sorriso simples, me sentindo um pouco cansada.

  —São as melhores batatas já inventadas. —eu disse com os olhos pesados.

  Ficamos nos olhando por alguns segundos antes de eu direcionar meu olhar novamente para o céu.

  —Você já namorou?

  Thomas perguntou de repente, me fazendo arregalar os olhos. Lembranças desagradáveis vieram à minha mente.

  —Mais ou menos. —fiz uma careta, lembrando do meu primeiro amor. Claro, não era realmente amor. Caleb Conway foi apenas meu primeiro beijo e o primeiro garoto que eu "namorei". Mas nunca o amei, de fato. Era muito imatura para entender a verdade desse sentimento. Continuei— Tinha um garoto na minha vida, mas ele não é mais importante. E você? —mudei o foco rapidamente.

  Thomas se ajeitou, se sentando mais ereto.

  —Não. O relacionamento mais duradouro que eu tive foi com Carol, se é que posso chamar isso de relacionamento.

  —Até que pode ser. —falei, agora o olhando— Sabe, ela parece gostar mesmo de você.

  Ele não disse nada. Voltei a olhar pra frente.

  —Eu não acho isso. Carol é complicada. Certamente nunca gostou quando eu tive minhas aventuras, mas também nunca deixou de ter as dela. Eu cheguei bem perto de namorar uma vez. —ele disse.

  —Foi com a Carol?

  Ele negou rapidamente, franzindo as sobrancelhas.

  —Não, não. Ela se chama Candace. Eu gostava dela, mas não sei o porquê deu errado. Acho que não era amor.

  O olhei com uma sobrancelha arqueada, em divertimento.

  —Quem diria que um dia eu iria ouvir Thomas O'brian falando essa palavra.

  Ele gargalhou, agora me olhando.

  —Não sou um desacreditado do amor, apesar de parecer. Você, por outro lado, parece que nunca foi mostrada como ser amada.

  Parei de rir aos poucos.

  —Acho que ainda terei oportunidade. —falei, olhando novamente para a cidade.

  Pela minha visão periférica, o vi sorrir.

  Ficamos mais tempo em silêncio. Está cada vez mais claro.

  —Ally. —ele falou de repente. O olhei— Por que me chamou aqui? —perguntou, olhando em meus olhos.

  Senti meus músculos tensionarem um pouco. Por que eu o chamei aqui?

  Nem eu faço ideia.

  —T-Thomas... —droga, droga, mil vezes droga. Não poderia ter escolhido um momento pior para gaguejar— E-eu não sei, pra ser sincera... Uma hora eu recebi a carta da minha mãe, e na outra eu precisava falar com você. Foi como... Um piloto automático.

Ele me olhou com tanta intensidade que eu precisei desviar o olhar.

  —Você gostou? Digo, do desenho? —ele me perguntou. Meu coração se sobressaltou e eu o olhei rapidamente.

  —Nossa, Thomas! Eu realmente esqueci de falar sobre isso. Ele está... Incrível. —eu disse, lembrando dele. Antes de sair eu o guardei na minha gaveta— Você tem um talento admirável. Eu não me senti digna de estar ali, sabe?

  Ele soltou uma risada nasal.

  —Fico feliz. Se quiser, eu te dou os outros.

  Mordi os lábios.

  —Hm... Há quanto tempo você me desenha?

  Ele me olhou surpreso, como se achasse que eu realmente não era capaz de fazer esse tipo de pergunta.

  Depois ele sorriu de lado.

  —Isso pareceu uma forma implícita de perguntar há quanto tempo eu estou afim de você. —ele disse, me fazendo arregalar os olhos. Soltou uma risada— O primeiro desenho seu que eu fiz foi... —ele olhou pro alto, parecendo querer se lembrar. Depois me olhou novamente— No segundo dia de aula. —arregalei mais ainda os olhos, fazendo ele gargalhar— Eu te desenho antes de ter qualquer interesse romântico.

  —E... Hm... —comecei, sem jeito— Como é o desenho?

  Ele ficou sério aos poucos antes de responder.

—É de quando você ficou me encarando, assim que eu e Érick nos sentamos na mesa com você e Rose. Aquele olhar ficou preso na minha mente e eu precisava extravasar. Então eu desenhei. Desenhei até a caixinha do suco. Lembro ser do sabor laranja. Desenhei isso também.

  Thomas é tão direto que me assusta um pouco. As vezes o seu jeito "sem papas na língua" pode parecer exagerado, mas sei que é apenas... O seu jeito.

  Senti meu rosto um pouco quente. Não sei o que pensar sobre ter um garoto afim de mim.

  —Eu gostaria de vê-lo. —eu pedi.

  —Antes vai ter que me dar um beijo.

  Arregalei meu olhos completamente e engasguei. A tosse me deixa vermelha e sem ar.

  Devagar, Thomas.

  Escutei sua risada após eu ter me recuperado da crise.

  —Você é impressionante, garota. Eu estou brincando. Mas por que reagir assim? Já quase aconteceu duas vezes. Mas é tão adorável que eu não consigo ficar bravo. —ele disse me encarando com um sorriso curto e com certa admiração— Assim eu fico ainda mais apaixonado!

  —Pare de falar essas coisas! —me exaltei, completamente corada. Ele começou a gargalhar.

  —Eu estou implicando com você. Mas ainda vou te conquistar. Acho que não estou muito longe.

  Sorri e voltei a olhar pra frente. Eu não vou exatamente negar.

  Dessa vez o silêncio persistiu até os raios começarem a aparecer. Uma ventania gelada começou e eu me estremeci um pouco, mas isso não tirou a beleza do momento. Olhei para Thomas e observei seu rosto ficar laranja com a luz dos primeiros raios de Sol. Ele fechou os olhos para aproveitar o calor. Sorri de lado, vendo suas sardas de destacarem. Seu cabelo um pouco grande voa com a ventania. Ele é tão bonito. Queria saber desenhar para registrar esse momento. Com rapidez, tirei uma foto com o meu celular. Talvez servisse. Olhei a foto e sorri mais. Depois voltei a olhar o céu rosado, com poucas nuvens.

  Ficamos mais algum tempo ali e de repente eu senti algo sobre meus ombros. Sorri quando fiquei mais aquecida. Olhei sobre meu ombro e vi a jaqueta de Thomas ali.

  —Obrigada. —eu disse, colocando a jaqueta envolta do meu corpo como um manto. Me senti aquecida.

  —Temos que ir. Hoje temos aula.

  Dei um sorriso simples e assenti. Eu não queria sair dali e acho que ele também não, mas não há muito o que fazer. Ele me ajudou a levantar, me oferecendo a sua mão. Peguei nela e me levantei. Não soltei sua mão. Segurei sua jaqueta com uma mão e deixei a outra sobre a dele. Senti o vento bagunçar meus cabelos, assim como bagunça os deles. Eles ficam ainda mais ruivos com essa luz alaranjada do Sol.

  —Ally. Por favor. Não faz isso comigo. —Thomas disse com o olhar suplicante. Arregalei levemente os olhos.

  —O quê?!

  —Você... —ele fechou os olhos brevemente, antes de me olhar de novo— Não faz... isso. —seu olhar vacilou pra minha boca. Meu coração falhou. Ele suspirou e voltou a olhar meus olhos— Tem um tempo que eu não me sinto assim. —ele riu e puxou a mão que ele segura, fazendo com que eu me aproxime. Fiquei perto o suficiente para ter que levantar a cabeça para encara-lo. Ele soltou minha mão e a colocou sobre minha bochecha, depois fez o mesmo com a outra mão. Ele fez um leve carinho e não deixou de olhar em meus olhos— Eu quero te beijar. Muito. Mas sinto que agora não posso só chegar e fazer isso, coisa inglesa. Você está ficando vermel–

  Segurei rapidamente seu rosto com minhas duas mãos, deixando a jaqueta equilibrada em meus ombros.

  Fiquei na ponta dos pés.

  O calei com um selinho.

  Ele ficou com os olhos abertos e arregalados.

  Me afastei de novo com um sorriso mínimo.

  —Ainda pareço careta? —perguntei com um tom de divertimento.

  O choque passou e ele riu, me puxando de novo pela cintura e segurando minha nuca. Espalmei minhas mãos no seu peitoral. Ele aproximou o rosto do meu.

  —Claro que sim. —ele disse olhando meus olhos— Isso é o que te deixa tão encantadora. Vem cá. Deixa eu te mostrar um beijo de verdade.

  Ele me puxou pela nuca e eu fechei os olhos. Nossos lábios se tocaram, e pela primeira vez, não havia nada e nem ninguém para impedir. Apenas eu e ele. Tudo sumiu.

  Abri mais os lábios e senti sua língua na minha. Foi como eletricidade. Eu senti todo o meu corpo se arrepiar. Thomas também sentiu, pois sorriu durante o beijo. Não me importei, também sorri. Apenas nós dois importamos agora.

  Fiquei mais ainda na ponta dos pés e intensifiquei o beijo. Ele é lento e profundo. Se encaixou perfeitamente. Passei meus braços ao redor do seu pescoço e coloquei minhas mãos entre seus fios ruivos.

  Sua mão na minha cintura deixou tudo mais intenso. O vento batendo fortemente em nós dois, a jaqueta caindo dos meus ombros...

   O próprio Thomas.

  O beijo foi ficando ainda mais lento e começamos a sorrir. Thomas me deu três selinhos e depois afastou seu rosto, mas não me soltou. Ele passou o outro braço ao redor da minha cintura.

  —Até que você tem um beijo razoável. —eu disse sorrindo.

  Mentira.

  Foi um beijo, muito, muito, bom.

  Não tenho muitos para comparar, mas se precisasse, diria que foi o melhor.

  Ele soltou uma gargalhada e beijou minha testa.

  —Ah, é? —ele falou com um sorriso desafiador— Pois você beija muito bem.

  Arregalei os olhos e parei de rir automaticamente. Ele riu ainda mais.

  —É fácil brincar com você, garotinha. Mas não estou mentindo.

   Ele me deu um selinho e se afastou. Completamente vermelha, vesti a jaqueta da forma correta e coloquei meus cabelos embaraçados pelo vento atrás das minhas orelhas. O dia já está bem mais claro. Olho meu celular.

  —São seis da manhã, preciso voltar rápido. Meu pai já está acordado e com certeza vai dar falta do carro. —falei com os olhos arregalados e desci fui correndo até a entrada do terraço, Thomas me seguiu. Descemos as escadas bambas e barulhentas e saímos do petshop. Thomas trancou a porta e entramos correndo no carro.

  —Acho melhor você levar alguma coisa pra casa, para usar como desculpa.

  —Boa ideia. —eu disse ligando o carro— Vou comprar um pão.

  Dirigi até a padaria rapidamente. Comprei uma sacola de pães e voltei correndo para o carro. Deixei Thomas em casa, mesmo que ele tenha insistido em ir sozinho.

  E mesmo com toda a correria, eu não deixei de sorrir por um só minuto. Meu coração está palpitando rapidamente.

  Efeito Thomas.

Destranquei o carro quando estacionei na frente do seu prédio.

  —Eu sei que você está atrasadíssima, mas só para deixar claro, —ele disse abrindo a porta— isso não precisa ser nada. Eu sei que você não quer nada sério por agora. Podemos só... Deixar rolar. E eu sei que eu disse que gosto de você, mas não ache que isso vai atrapalhar em algo. —ele disse com um sorriso curto.

  Ele tem dado muitos sorrisos.

  —Certo. —concordei com um sorriso mínimo.

  Ele me olhou por mais alguns segundos, talvez pensando no que fazer. Achei que ele me daria mais um beijo, mas ele saiu do carro e me deu um tchau.

  Reprimi a pequena decepção e acenei de volta, dirigindo novamente pra casa.

  Meu coração acelerou ao ver meu pai sentado na escada de casa batendo a perna freneticamente. Estacionei no meio fio e senti minhas mãos trêmulas.

  Quando saí do carro, ele se levantou com uma expressão raivosa.

  —Ally! —ele disse, não gritou, mas seu tom de voz está um pouco alterado— Aonde você estava, filha? Eu preciso trabalhar e você precisa ir pra escola.

  Engoli em seco, apertando minha bolsa em meu ombro. Levantei a sacola de papel que contém os pães.

  —E-eu fui comprar pão.

  Droga, Ally, não gagueja.

  Ele arqueou uma sobrancelha.

  —De carro?

  Droga, droga, droga...

  —É. Eu queria ser rápida.

  —Pois desde que eu acordei, há meia hora, o carro não estava na garagem. Ninguém demora trinta minutos para comprar um pão.

  Engoli em seco novamente. Como eu saio dessa?!

  —Eu passei no mercado também. —abri minha bolsa e peguei as duas latas das batatas, que estão vazias, mas meu pai não consegue ver por conta do rótulo— É pro intervalo das aulas. O mercadinho fica um pouco mais longe. Desculpa por te atrasar, eu perdi um pouco a noção do tempo. —eu falei nervosamente.

  Meu pai suspirou e coçou a sobrancelha. Não sei dizer se fui convincente.

  —E essa jaqueta? —ele perguntou me olhando. Arregalei os olhos. Eu esqueci da jaqueta do Thomas. Guardei as latas de volta e engoli em seco novamente.

  —Rose me deu, pai. —falei como se fosse óbvio— Ela comprou mas ficou muito grande. Então ela me ofereceu e eu aceitei. Oras, achou que era de quem?

  Meu pai pareceu ter se convencido e eu respirei aliviada por dentro.

  —Na próxima vez que quiser comprar algo, vai um dia antes ou acorda mais cedo, filha. Você se atrasou e me atrasou também. Vai se arrumar.

  Assenti rapidamente e abracei meu pai. Dei as chaves do carro pra ele e ele se despediu, partindo com o carro.

  Me sinto terrível por ter mentido pra ele, mas ele jamais acreditaria que eu passei a noite em claro apenas conversando com um garoto.

   Me arrumei apressadamente assim que entrei. Ann dorme e Ester está aqui em casa arrumando algumas coisas. Não demorei para sair e corri pra escola.

  Faltava exatamente um minuto para o portão fechar quando eu entrei correndo. Eu suspirei pesadamente assim que entrei, por conta de toda a corrida que eu fiz antes. O pátio se encontra vazio. Olhei a hora em meu celular. A prova ainda não começou, mas não sei se ainda posso entrar em sala. O senhor Field é muito rigoroso.

  Saí correndo em disparada para a sala de geografia avançada. Bati na porta três vezes antes de abri-la com cuidado. Me encolhi e me senti desconfortável com todos os olhares em cima de mim.

  —Está atrasada, senhorita Carter. —o jovem professor disse calmamente.

  —Me desculpe. Eu ainda posso entrar?

  Ele analisou meu rosto.

  —Tudo bem. Ainda não começamos a prova.

  Respirei aliviada e entrei na sala, fechando a porta atrás de mim. Andei em passos apressados para o primeiro lugar disponível que eu achei e bati minha perna em nervosismo, sabendo que todos estavam me olhando.  Procurei Thomas com o olhar e concluí que ele definitivamente não vai fazer a prova. Respirei fundo e peguei meu estojo na mochila e também meu fichário. Eu não revisei nada. E ainda passei a noite em claro. Mal consigo ler as palavras pois sinto meus olhos pesados. É desconfortável. Minha cabeça fica caindo. É constrangedor.

  E quando deu o tempo de fazer a prova, eu não consegui ler as questões. Apenas passava os olhos por ali sem conseguir assimilar nada. As menores eu até consegui marcar, mas algumas outras eu marquei aleatoriamente. Minha cabeça dói com resquícios do choro de ontem a noite.

  Assim que terminei a prova e a entreguei, abaixei minha cabeça, deixando-a sobre meus braços. Fechei os olhos e ali mesmo eu dormi.

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  Senti uma mão sacudindo levemente meu ombro. Quando levantei, dei de cara com o professor me olhando. Ele está sério.

  —Tudo bem, senhorita Carter? Nunca a vi dormir em sala.

  Reprimi um pouco da vergonha e levantei minha cabeça, coçando os meus olhos. Me sentei normalmente na cadeira.

  —S-sim, me desculpe professor. Já terminei a prova.

  —Eu sei. Você me entregou. Você ficou com B. Meus parabéns, já passou. Mas, de qualquer forma, tudo bem mesmo? —ele perguntou— Eu posso te levar para a enfermaria.

  —Não precisa Senhor Field, mas obrigada. Apenas dormi mal.

  —Tudo bem então. —ele disse com um sorriso curto— Pode ir. Cuidado. —ele se afastou.

  Olhei ao redor e percebi que todos já saíram da sala. Peguei minha mochila e saí em passos apressados, me despedindo do professor.

  Quando cheguei no corredor, vi aquela mesma correria de sempre. As pessoas falando de suas notas, como colaram, se passaram, essas coisas.

  Respirei de alívio me lembrando que consegui passar. Amanhã faço as duas últimas provas e finalmente acabou. Não aguento mais. Preciso descansar.

  Minha visão está embaçada.

  Decidi ir embora. Não vou ficar para a última aula, não tenho condições.

  Não procurei Rose e nem Érick, nem Charles e nem Nicolas. Concluí que Thomas faltou.

  Minha cabeça está latejante. Meus olhos ardendo. Meu Deus! Isso é um terror. Eu não deveria estar tão mal assim.

  Saí sem dificuldades pelos portões. Alguns alunos de outras turmas também saem conversando.

  Andei na direção da minha casa sentindo meus olhos molhando. Eles marejam pela dor de cabeça. Eu não comi nada ainda, me sinto tonta.

  Andei até minha casa com os olhos um pouco fechados. Quando cheguei, minhas mãos tremem tanto que não consigo destrancar a porta. Respirei fundo e forcei a chave, conseguindo abrir a porta. Entrei em casa e a tranquei novamente. Ann não está aqui, com certeza está na escolinha que papai a colocou. Atena vem correndo até mim. Suas patinhas escorregam pelo piso. Eu sorri e me abaixei. Fiz um carinho rápido nela.

  Guardei minha mochila e tomei um remédio. Apenas troquei de roupa e me deitei na cama. Atena me seguiu e deitou comigo. Sorri, fechando os olhos. Ela me lambeu um pouco e depois deitou nos meus braços. Respirei fundo. Não demorei muito para adormecer.

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A primeira coisa que eu vi ao acordar foi um clarão. Branco. Tudo branco.

  Meu olhos doeram tanto que eu tive que fechá-los novamente.

  E, após me recuperar, eu abri os olhos devagar. Tudo continua branco. Olhei devagar para o lado e vi meu braço. Ali, furando ele, se encontra um acesso. Franzi as sobrancelhas e olhei pra cima. Ele está ligado com uma sacolinha. Não sei dizer se é soro ou remédio.

  O quarto se encontra vazio. Estou em uma maca. Por quê?

  Pisquei os olhos fortemente e me sentei ma cama. Sinto meus lábios rachados e secos. Minha garganta dói, mas a minha dor de cabeça sumiu.

  Mas, como vim parar aqui?

  Olhei para a pequena cômoda do lado da minha cama e peguei meu celular que está ali em cima. Está com pouca bateria, mas está ligado.

   Logo nas primeiras notificações, eu vi ligações. Muitas ligações. Rose, Érick, Charles, Nicolas, Thomas, Ester, papai. Muitas chamadas perdidas.

  Mensagens, de todos eles. Onde eu estava, se estou bem. Vi tudo pela barra de notificações.

  Desliguei meu celular novamente e comecei a me preocupar. Que droga. O que houve? 

   Procurei ferimentos pelo meu corpo. Não encontrei nada, mas ele dói completamente. Me sinto cansada e meus olhos estão pesados.

  Suspirei.

  Liguei para o meu pai. Nem chegou a terminar a primeira chamada, e ele já atendeu.

  —Filha?! —ele perguntou de imediato.

  —Oi, pai. —minha garganta doeu ao falar. Ridiculamente dolorida.

  —Que bom que acordou. Estou indo aí.

  Antes que eu pudesse perguntar o que aconteceu, meu pai desligou. Encarei confusa o meu celular. Alguns segundos depois, a porta foi aberta pelo meu pai, que está acompanhado de um enfermeiro.

  —Filha! —meu pai exclamou, correndo em minha direção. Ele segurou minha mão e depositou um beijinho ali— Que susto que você me deu!

  —O que aconteceu? —minha garganta ainda dói. Sinto dor de cabeça pela agitação repentina.

  —Você não lembra? —ele perguntou surpreso e olhou para o enfermeiro.

  —Fique tranquilo. —o garoto branquinho com uma roupa azul de enfermeiro respondeu— É normal que ela tenha se esquecido. —ele sorriu docemente pra mim. Corei— Pode ficar calma. Vou precisa mexer no seu remédio, tá bom? Quer água?

  Apenas assenti com uma timidez esquisita e agradeci. Ele saiu. Voltei a olhar para o meu pai.

  —O que houve? —perguntei novamente.

  Ele soltou minha mão e se sentou de lado na cama.

  —Eu recebi uma ligação de Ester falando que a porta do seu quarto estava trancada, e Ann tinha que pegar as roupas lá. —começou— Eu já estava chegando. Eu bati várias vezes na porta, mas você não atendeu. Fiquei tão preocupado que arrombei a porta. Você estava caída no chão, se tremendo de frio. Parece que tinha levantado para abrir a porta, mas não conseguiu chegar nela. Perguntei o que houve e você não disse nada, então eu te trouxe rapidamente aqui.

  Assenti, me lembrando aos poucos.

  Eu acordei de repente com barulhos altos vindo da porta. Eu estava me sentindo fraca demais. Quando eu levantei, tudo ficou preto e eu apaguei. 

  —O médico disse que você estava desidratada e de barriga vazia. Você teve que tomar soro e um remédio para febre.

  —Desculpa, pai. Não queria preocupa-lo.

  —Tudo bem, filhota. Não se desculpe! —ele disse rapidamente, segurando minha mão— Ester me disse que sua amiga foi lá em casa te procurar. Sugiro que ligue pra ela.

  Assenti, me sentindo feliz por Rose ter procurado por mim. Papai me deu seu celular, já que o meu estava descarregando. Vi o número rapidamente no meu e disquei no celular do meu pai. Ele saiu do quarto.

  —Alô? —ela atendeu.

  —Oi, Rose. —eu falei sorrindo.

  —Ally! —ela exclamou surpresa e aparentemente muito aliviada— Quer me matar do coração? Eu não te vi na escola hoje e você não respondeu minhas mensagens e quando eu chego na sua casa uma moça me fala que você estava no hospital. Sua ridícula! Me preocupou. Não só eu como todos nós. Thomas ficou doido. Érickzinho também. Charles pareceu o mais alterado. Nicolas foi o mais são mas acho que ninguém me superou. Como você está?

  Arregalei os olhos com minha amiga tagarela. Ela não parou para respirar.

  —Uau. —foi tudo o que eu disse. Ri um pouco— Estou bem, Rosa pura. Fica tranquila. sorri novamente— Eu acabei me esquecendo de me alimentar bem e tive uma noite de sono ruim. Mas quero conversar com você. Eu tenho coisas para te contar.

  Antes que eu pudesse falar algo, o enfermeiro entrou no quarto.

Ela implorou para que eu falasse, mas pedi um segundo e afastei o celular da minha orelha.

  —Obrigada. —falei assim que o enfermeiro me deu a garrafinha com um sorriso curto.

  —Não há de quê. Vou precisar trocar o seu soro e colocar um pouco mais de remédio, tudo bem? Não vai demorar.

  Assenti e o vi mexendo na sacolinha com soro. Deixei o celular de lado e abri a garrafa de água, bebendo metade.

  Ele terminou seu trabalho e saiu em silêncio. Voltei a pegar o celular.

  —Desculpe.

  —Certo. —ela falou— Por favor, desembucha. Isso é um pecado comigo.

  Suspirei sorrindo. Bebi mais um gole de água antes de falar:

  —Você estava certa. —eu disse.

  —Eu geralmente estou. —concordou ela— Mas sobre o que exatamente?

  Suspirei com um sorriso.

  —Thomas gosta de mim.

  —Oh, eu sei, querida.

—Não é essa a questão. —a interrompi rapidamente.

  —E qual é?

  Sorri novamente.

—Eu também gosto dele.

Rose ficou em silêncio por uns segundos, para logo soltar um gritinho animado.

Tem certeza? —ela perguntou, sem esconder sua animação.

—Eu não sei... —disse sorrindo, me ajeitando na cama— Mas, certamente, depois desse beijo, algo mudou...

Espera, o quê? —ela perguntou espantada. Sorri— Como assim "beijo"?

Mordi os lábios em silêncio, fechando os olhos rapidamente. Meu coração acelerou ao lembrar da cena.

Ally Carter! —Rose berrou. Afastei um pouco o celular do meu ouvido— Que beijo?

Olhei para a porta para conferir se meu pai não aparecia.

—Ontem... —comecei, com um suspiro— Ontem eu me encontrei com Thomas durante a noite.

Huuuum... —ela com malícia, me fazendo arregalar os olhos.

—Pare! Não foi nada disso. —eu disse, vermelha— Eu estava um pouco chateada e decidi sair para descontrair. Foi no meio na noite, eu não pensei direito, eu só queria companhia e meus dedos foram direto para o contato dele. Foi automático.

Huuuuum. —ela fez novamente aquele som malicioso.

—Para, Rose! —falei um pouco mais alto e muito mais envergonhada. Ela gargalhou— Enfim... Ele me levou para o terraço do petshop e ficamos papeando por algumas horas. Antes de irmos embora, acabou que... Rolou. —eu disse— Eu não sei explicar, mas dessa vez eu o vi como um homem, sabe? Não como o garoto que implica comigo. Como um homem.

Rose ficou um tempo em silêncio.

E o que vocês são agora?

Suspirei.

—Acho que nada. Eu não tenho certeza das coisas, mas foi só um beijo, de qualquer forma. —respirei fundo, me sentindo cansada— Ainda tenho muito para te falar, mas vou deixar para depois. Preciso descansar um pouco.

Claro. —ela disse— Eu vou analisar essa situação e depois te dar um diagnóstico.

Rimos e eu desliguei o celular, me deitando novamente na cama. Não foi difícil dormir e mergulhar em um mundo onde eu sou abraçada por certas ondas ruivas.

.

.

.

  Franzi o cenho ao olhar os cartazes do baile de formatura pendurados pelas paredes da escola. Colaram um até na porta do meu armário.

  Eu não sei se posso comparecer, mas eu espero que sim. Eu não quero perder a formatura de Érick, Charles e Nicolas.

  Nem acredito que eles vão terminar a escola. Sobrará apenas eu, Rose e Thomas.

  Thomas.

  Meu coração acelerou ao pensar em seu nome.

Depois que voltei do hospital, ele não conversou muito comigo. Hoje foi meu último dia de provas e já estou sentindo saudades da escola.

Fui liberada da sala de aula assim que terminei a minha última prova. Prometi para Rose, Érick, Charles e Nicolas que eu iria esperá-los, então fui dar uma volta na escola, para me despedir. Antes de tudo, fui até meu armário recolher as coisas mais essenciais, deixei apenas os livros. Passei a mão delicadamente sobre a foto que está colada na porta. Somos todos nós, no dia do meu aniversário. Pedimos para um garçom tirar essa foto. Todos estamos sorrindo enquanto eu apago as velas do meu bolo. Sou tão sortuda por ter os conhecido.

Com um sorriso, bati a porta do armário e fui dar a minha volta. Andei por alguns corredores, observei algumas salas e finalmente parei em frente à porta da sala de música. Nunca mais eu tive aulas de música pois nosso professor tirou uma licença, e não colocaram um substituto. Depois das férias eu tenho certeza que as aulas voltarão. Coloquei a mão na maçaneta e parei abruptamente ao ouvir um som suave de um piano. Arregalei um pouco os olhos e encostei meu ouvido na porta, ouvindo a melodia bonita soar baixo. Fechei os olhos e apreciei a música. Respirei fundo, ao senti-la me tocando profundamente.

Com um sorriso curto e o coração palpitando fortemente, entrei devagar na sala. A porta fez um ruído fino, mas baixo. Coloquei minha cabeça para dentro da sala e arregalei os olhos.

Sentado no banco em frente ao piano, Charles toca de olhos fechados e com muita intensidade. Entrei rapidamente e fechei a porta com cuidado. Observei Charles com um sorriso curto em meu rosto. Não sabia desse lado dele.

Eventualmente ele abriu os olhos e os arregalou quando percebeu que eu estava na sala. Diferentemente do que eu pensei, ele não parou de tocar, apesar do susto. Charles sorriu e direcionou seu olhar para o espaço vago ao lado. Sorri e sentei ali.

Ele fechou os olhos novamente. Em algum momento eu também fechei os meus, sentindo a música.

E quando ela terminou, Charles e eu abrimos os olhos. Não demorei a aplaudir.

Bravíssimo! —digo— Não sabia que você tinha esse talento! —comentei com um sorriso.

—Faço aulas desde os nove. —ele disse com um sorriso tímido—  Estou me despedindo. Passei muitos dias tocando esse piano.

Coloquei a minha mão em seu ombro.

—Foi uma linda despedida.

Ele piscou os olhos e sorriu mais uma vez. Ele se levantou e fechou o piano, dando um beijinho na madeira.

—Tchau, amigão.

—Qual é o nome dele? —perguntei, passando a mão levemente pelo piano.

—Nome? Você diz marca?

—Não. Nome, nome de batismo. Não batizou o piano? —perguntei, arqueando uma sobrancelha,  enquanto Charles franzia as dele. Bufei— Vamos resolver isso! Dê um nome para ele.

Ele soltou uma risada e voltou a observar o instrumento, ficando silêncio por um momento. Logo depois, sorriu.

—Metamorfose.

O olhei.

—Que nome bonito. Tem algum motivo? —perguntei.

—E o que não tem? —ele disse com humor— Mas, nesse caso... Ele acompanhou algumas das minhas fases. O toquei em alguns momentos estressantes da minha vida. Estou saindo do casulo agora. —Charles disse, olhando pra o piano com um brilho nos olhos. Nunca vi esse brilho vindo dele antes.

—É um ótimo nome, Charles. —ele me olhou com os olhos gratos— Vamos registrar!

Peguei meu estojo em minha mochila rapidamente e tirei uma tesoura de lá. Me agachei sobre a madeira marrom e arranhei o nome. Não ficou muito redondo, mas não ficou feio. Levantei e sorri.

Charles analisou o nome e sorriu também.

—Obrigado, Ally. —ele agradeceu pondo uma mão em meu ombro. Sorri pra ele— Bom... Vou indo para o grêmio. Preciso pegar minha recomendação lá.

—Sério?! —perguntei realmente surpresa— Qual faculdade vai tentar?

Northwestern e Yale.

—Uau! —aplaudi.

—Claro, parecem meio presunçosas, mas... —ele olhou para o lado— Eu estou confiante.

—Tenho certeza que você consegue.

Nos direcionamos para os corredores enquanto conversávamos. Seguimos caminhos opostos, Charles foi para o grêmio e eu fui para o jardim, me despedir dele também.

Quando entrei no jardim, meu coração acelerou ao ver Thomas sentado com as costas apoiadas na árvore. Ele está tocando guitarra, mas não foi ele que fez meu coração acelerar.

Observei com as sobrancelhas franzidas a cena na minha frente.

Jenny, que fez dupla comigo na minha primeira aula de Biologia, está sorrindo com a cabeça apoiada no ombro de Thomas. Ele sorri também!

Mas o que me fez sair andando em passos rápidos dali, foi quando Thomas finalizou sua canção e Jenny puxou o rosto de Thomas, o dando um selinho.

Voltei para o corredor e me escorei em meu armário. O que foi isso? Ontem mesmo ele estava se declarando para mim e me beijando, e poucas horas depois ele está beijando outra garota.

Como eu sou idiota! Revirei os olhos. Realmente, homens são todos homens.

Pigarrei e saí em passos apressados da escola, Me sentei no banco de pedra do pátio e ajeitei meus cabelos. Prometi esperar meus amigos, e assim farei.

Olhei na direção da entrada do jardim, e por ironia do destino, Thomas estava saindo de lá sorridente junto com ela. Os olhos dele caíram sobre os meus e por um segundo seu sorriso vacilou e ele parou de andar. Jenny estranhou e olhou na mesma direção com ele. Quando me viu, abriu um sorriso e acenou fortemente pra mim. Abri um sorriso curto e acenei de volta e peguei meu celular para mexer nele.

Entrei nas redes sociais e fingi que estava mexendo no celular quando o banco na minha frente foi ocupado. Não levantei os olhos, mas o forte cheiro de cigarro e perfume entregava quem estava ali.

—Oi. —a voz melodiosa confirmou minhas suspeitas. Levantei os olhos e vi Thomas com um sorriso de lado.

—Oi... —eu disse, tentando soar o mais natural possível.

Ficamos em silêncio. Thomas não disse mais nada, então voltei a olhar meu celular.

—Tudo bem?

Arqueei as sobrancelhas ao ouvir sua pergunta. Certo, não temos nada, mas por que fingir que nada aconteceu?

—Tudo. —dei um sorriso curto e voltei a mexer no celular.

Thomas não disse mais nada. Senti minha perna batendo sozinha. Não consigo controlar.

—O que foi, hein? —desviei o olhar do meu celular e o olhei, vendo que ele também estava com o dele. Ele mantém uma sobrancelha arqueada.

Revirei os olhos e voltei a olhar para o meu celular.

De repente ele foi puxado de minhas mãos.

—Ei! —exclamei tentando pegar meu celular, mas Thomas esticou o braço para o alto.

—Apesar de você ficar muito linda irritadinha, eu quero saber o que aconteceu e por que você está me ignorando.

Bufei sentindo meu rosto esquentar com o elogio e me ajeitei no banco de pedra. Respirei fundo.

—Desculpe. —pedi sinceramente, me acalmando— Estou um pouco estressada. —menti.

Ele apertou os olhos em minha direção mas pareceu ter acreditado, pois devolveu meu celular devagar. O peguei com um sorriso curto e coloquei-o na mesa.

—Você está melhor? —Thomas me perguntou segurando umas das minhas mãos. Seus dedos quentes fizeram meu coração bater como louco.

—E-estou. —respondi rapidamente, ainda encarando nossas mãos.

—Olha aqui. —ele puxou levemente meu queixo e me fez olhar em seus olhos. Arfei ao me encontrar com aquela imensidão verde— Tem certeza? Rose me disse que você estava no hospital.

Assenti, ainda hipnotizada. Ele pareceu alheio a isso e quebrou o encanto soltando meu queixo e minha mão. Balancei a cabeça me livrando dessas sensações.

O que está acontecendo comigo?

—Eu não te vi no dia da prova de geografia e nem nas outras. O que houve?

Ele me olhou com um sorrisinho.

—Estava procurando por mim, coisa inglesa? —ele perguntou com um sorriso de canto. Revirei os olhos e bati em seu ombro— Ai, doida! —ele riu— Você é fortinha, hein? —ele disse alisando o local em que eu bati.

—E você não me respondeu.

Ele riu e estufou o peito.

—Eu já tinha passado em todas essas, não precisei fazer prova. —ele disse com orgulho.

—O quê? —perguntei realmente surpresa— Sério?

Ele assentiu devagar.

Sorri feliz e o abracei. Até me esqueci que estava com raiva— Meus parabéns! De verdade.

O soltei e ele me encarou, um pouco constrangido.

—Certo. Obrigado. —ele disse sem graça, desviando o olhar.

Ficamos conversando um pouco até todos os nossos amigos chegarem.

—Acho que é isso... —eu disse, olhando para todos eles.

—Vou sentir saudades. —Charles disse, observando a escola.

—Calma, dramáticos! —Rose revirou os olhos—Vocês esqueceram do baile? —Rose perguntou, assustando todos.

—Porra! —Nicolas exclamou, batendo a mão na testa— Tem pelo menos uns cinquenta cartazes desses pela escola e eu me esqueci de comprar o convite. Preciso ir. —Nicolas saiu correndo, provavelmente indo até o grêmio comprar o convite. Como é um baile beneficente, os convites estão sendo cobrados.

—Você vai Ally? —Rose perguntou animada, sacudindo meus ombros.

Ri da mesma.

—Não sei... —falei baixo.

—Vamoooos! —ela falou me sacudindo mais forte.

Ai Rose! —exclamei rindo— Tá, tá, agora me larga!

Ela sorriu animada e me largou.

—Vou comprar nossos convites. Encontre um par!

Dito isso ela saiu correndo de braços dados com Charles, que também vai comprar um convite.

Me sentei na mesa de pedra e olhei para Thomas e Érick.

—Vocês vão com quem? E como funciona isso? Eu não tive a oportunidade de ir em muitos bailes.

—Vou com a Cynthia. Ela me convidou. —Érick disse corado. Sorri— Não tem muito o que explicar. É uma festa com música e gente bem vestida. Pelo menos a maioria.

Se eu não me engano, Cynthia é uma menina da aula de teatro e uma líder de torcida. Érick é capitão do time de basquete -coisa que só descobri semana passada.

É um clichê bem fofo.

Assenti para sua explicação. É normal. Parece ser legal.

Olhei para Thomas esperando sua resposta, mas ele está concentrado nos próprios dedos batendo na mesa.

—Tom? —perguntei e ele me olhou com as sobrancelhas arqueadas.

—Olha a minha cara de quem vai nessas coisas. —ele apontou para o próprio rosto.

—Tem razão... —olhei para baixo, me sentindo um pouco decepcionada. Esperava ir com ele.

Érick me olhou com um pouco de pena e eu sorri minimamente para ele, fingindo não ver seu olhar.

Após algum tempo, todos voltaram e fomos na direção da saída.

—Vou sentir saudade de vocês! —Rose disse abraçando Charles e Nicolas— E sua também! —ela disse abraçando Thomas.

—Você fala como se não fôssemos nos ver o tempo todos nas férias. —Thomas revirou os olhos mas, para minha surpresa, devolveu o abraço.

Acenei para os meninos e eu, Rose e Érick fomos na direção das nossas casas. Rose me deu meu convite e nos despedimos na nossa esquina.

Observei, parada, o convite decorado que está em minhas mãos.

Sorri triste ao constar que Rose comprou dois convites para mim, sendo que não tenho quem levar.

Suspirei e guardei o convite em minha mochila, e no mesmo momento meu celular começou a tocar. Franzi o cenho e o peguei. Um número desconhecido liga e, assim que eu atendo, ele desliga, mas eu vi que recebi uma mensagem de uma pessoa sem identificação.

Todos os meus pelos se arrepiaram quando eu li a mensagem. Meu coração começou a palpitar fortemente, me trazendo memórias muito desagradáveis.

Engoli em seco e li as palavras mais uma vez, apenas para ter certeza de que aquilo estava ali.

"Esqueceu do nosso acordo, coisinha inglesa?       Estou te observando, não se esqueça :)"

E logo em seguida recebi algumas fotos.

Eu e Thomas dos beijando do terraço do Petshop. A foto foi tirada da porta do terraço. Como ela entrou ali?

Mais fotos. Eu e Thomas no carro dele, eu e Thomas no carro do meu pai, e por fim, eu e Thomas hoje na escola, ele segurando meu queixo e eu corada.

Todas as fotos foram tiradas de longe e com muito zoom. Senti meu coração acelerar de maneira desagradável. Respirei fundo e meu celular apitou mais uma vez. Recebi uma nova foto.

Eu. Agora. Eu lendo as mensagens com as sobrancelhas franzidas.

Olhei ao redor assustada, procurando por alguém. Não achei ninguém. Meu coração palpitou ainda mais e eu apressei o passo até minha casa.

"Pode fugir, mas estou sempre por aqui. ;)"

Li a última mensagem e guardei meu celular. Dessa vez, estou correndo até minha casa.

*
|genteeee, esse capítulo está QUILOMÉTRICO kkkkk é o maior capítulo que eu já escrevi! dez mil palavras 😮‍💨 mas ainda pretendo bater essa meta!

esse foi o fim da parte um da história! ela já estava toda escrita e eu só precisei postar, a parte dois está toda planejada, mas por enquanto só tem um capítulo completo, então talvez ainda demore um pouco para a história atualizar.

me conta qual foi o personagem que você mais gostou até agora, vou amar saber!!! obrigada por ler até aqui <3 até o próximo!|

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