Sobre declarações ridiculamente bregas e "eu te amo"

Novamente, achou que as coisas voltariam ao normal.

E, novamente, achou errado. A diferença era que, desta vez, não quis que as coisas voltassem a ser como eram.

A tradição manteve-se, mas algo estava diferente: Bokuto não mais ficava deitado na cama, de costas para Akaashi, e sim colado ao lado dele. Só faltava dividirem cobertor.

Abraços estavam mais constantes. Todo dia, quando a tradição acabava e o mais velho tinha que partir para sua própria residência, havia um abraço apertado e muito, muito gostoso.

     Perguntas surgiram. Várias delas. Tanto que Akaashi sentiu-se numa entrevista atrás da outra.

     Esforçou-se para responder a todas elas. Eles acabaram brigados por dois dias justamente porquê ele nunca falava nada e deixava o mais velho levar a conversa nas costas.

     Os questionamentos iam desde "qual sua cor favorita" até "você tinha um hábito estranho quando criança".

     Keiji deixou-se responder tudo com tanta sinceridade quanto seu coração ainda um pouquinho dolorido pela briga permitia.

     "Eu gosto de azul-pastel". "Meu autor favorito é o Rick Riordan, e o meu personagem favorito dele é Alex Fierro". "Eu já tentei capturar o Saci com a minha avó várias vezes quando criança". "Comecei a jogar vôlei quando tinha sete anos e precisava gastar energia, porquê eu só ficava sentado e lendo". "Eu me acostumei a dizer que 'não precisa' quando eu quero alguma coisa e acho que vai ser problemático de pedir e/ou ir atrás".

É. Algumas coisas eram, no mínimo, dolorosas de falar. Quando era o caso, tomava um minuto completo para preparar-se e, ao revelar sua resposta, era direto – às vezes, até por demais.

Sentiu-se como o personagem antissocial e/ ou quebrado que o protagonista (Sol encarnado) tinha que curar até o final do filme – de forma que os telespectadores "shippassem" eles.

O estranho era que, quanto mais falava para A Estrela, mais queria contar. Isso era inédito.

— (...) KEIJI AKAASHI!! — alguém gritou, arremessando um livro escolar que mais parecia uma lista telefônica contra a mesa do mencionado, fazendo um barulhão e quase ensurdecendo a todos os presentes no recinto.

Virou lentamente para a criatura escandalosa, com os olhos arregalados do tamanho de pires, estupefacto e com os ouvidos chiando.

— Konoha-senpai ... que quiznack é esta? — questionou pausadamente, e pareceu mais uma ameaça.

— Primeiramente, não tente xingar em língua de nerd. Fica uma merda. — pediu — Segundamente, eu ' te chamando há uma década e nada da madame responder. Faça-me o favor, né vagabunda?

"Senhor, daí-me paciência. Se me der forças, o IBAMA me prende por maltrato aos animais. Só não sei se ele conta como viado ou coruja."

— Que seja. Por que 'tava me chamando?

— O treinador mandou a gente lavar os coletes.

— ... Inesperado.

— Pois é. E se a vagabunda não vir logo, vamos perder treino todo por causa disso.

— Mas por quê? Vamos ter um amistoso de última hora? — questionou, catando sua mochila e seguindo seu veterano.

— Não sei. Perguntei e o treinador só faltou rosnar p'ra mim. Acredita? P'ra mim!

Keiji não pontuou como, às vezes, queria arrancar a pele dele à dentadas e fazer um par de luvas.

De todos do time, Konoha era seu colega mais complicado e irritante.

A tal lavagem demorou cerca de quarenta minutos. Uma das duas máquinas estava quebrada, então tiveram que dividir o número de peças.

Quando a primeira "leva" de duas terminou de bater e "abriram" cada uma delas, Akinori falou como se ordenasse:

Eu levo isso e ponho no varal. Você fica aqui e olha a máquina. Já volto p'ra ajudar. Não dorme no ponto, vagabunda!

Um pequeno spoiler: ele não voltou. E, quando Akaashi chegou no varal para pendurar os coletes que faltavam, encontrou vinte peças amarelas e nenhum veterano irritante.

Trocou-se rapidamente na sala do clube e correu para a quadra. Esperava conseguir treinar por pelo menos uma hora antes da tradição.

Não escutou barulho nenhum de bolas de vôlei ou gente correndo de um lado para o outro. Estava tudo fechado, mas não trancado. E as luzes pareciam todas apagadas.

Abriu a porta o suficiente para conseguir passar, não enxergando nem um palmo à frente pela escuridão.

Foi quando as luzes acenderam-se de repente e seus divertidamentes morreram de vez.

Uma melodia meio eletrônica estranhamente familiar começou (descobriu mais tarde que prometeram tortas de maçã à vontade a Kenma em troca desse favor). Papel crepom azul-pastel cobria o chão junto a confete prateado metalizado. Seus colegas de time e o time do Nekoma estavam alinhados em grupos irregulares espaçados uns dos outros – e o desgraçado do Konoha estava entre eles com uma "cara de cú" tão acentuada que o Sr. Fredricksen ficaria orgulhoso.

Foi quando Kuroo saiu de Andalásia com um microfone na mão e decidiu cantar:

— Achava que era amor, mas era diversão/ Até que te encontrei, tive a sensação/ Dos pés saindo do chão como um furacão/ Sem ar engasgado com um camarão/ Se chama tchan, ele toca como uma canção/ Do rei Roberto, pois é tanta emoção/ Você olha nos meu olhos, é como o verão/ Igual a Nala olhou pro Simba lá no Rei Leão!

E foi a vez de Lev entrar em cena, também cantando (como uma hiena rindo engasgada e tendo um AVC):

— Quando rola o tchan, não dá pra esconder~/ Porque se é o tchan, é pra valer~

Keiji não sabia se ria ou chorava – nem, seja qual fosse sua escolha, se seria de tão ridícula que era a situação ou se apenas de desespero, mesmo.

Sentindo que tocavam em seu ombro, virou-se para encarar a pessoa. No caso, Bokuto.

     Se seu cérebro não estivesse atrás do funeral de seus falecidos divertidamentes e dos substitutos deles, teria rido pelo que viu: seu veterano tinha o cabelo embebido em gel num penteado estilo mauricinho; usava uma gravata borboleta laranja e verde por cima da sua amada camiseta "o caminho do Ace"; uma florzinha azul de plástico foi presa com fita adesiva onde deveria ser a lapela (se estivesse usando um terno); mantinha as mãos atrás das costas, como se quisesse esconder algo de Akaashi.

— Ok. Eu preparei um discurso. Se ele ficar ruim, culpa o Cabelo-de-Ratazana do Kuroo- ...

— EU PASSO A MERDA DA SEMANA TODA TE AJUDANDO A FAZER ESSA BOSTA E É ISSO QUE EU GANHO, SUA CORUJA DE- ...

— Eu disse que ia te contar tudo quando a semana terminasse. Sou um homem de palavra, Kaash. Bom, a história é longa.

"Ano passado, eu não sabia bem o motivo de jogar vôlei. Não achava tão divertido, mas era bom me esforçar tanto em algo. Pensava que, se continuasse assim, acharia um motivo plausível p'ra gostar mesmo de vôlei, sabe?

E, bem ... você entrou no time. E foi que nem você disse: coração acelerado, falta de ar, pupilas dilatadas ... é. Nunca aconteceu nada parecido comigo quando conheci a outras pessoas."

O mais velho não mais encarava Keiji aos olhos fixamente. Desviava o olhar após períodos irregulares de tempo. Suas bochechas fofinhas pareciam morangos de tão vermelhas.

Keiji? Sentia que entraria em combustão espontânea a qualquer segundo.

— Sinceramente, eu ainda não acredito que você me deixou amigar contigo. ' é mil vezes mais inteligente, interessante e profundo do que eu. Eu sei que dou trabalho e que sou barulhento e meio burro, mas você ainda assim não me pediu p'ra sair de perto de ti.

"Você lê bastante e eu adoro quando ' me mostra um trecho que gostou, mesmo que eu não entenda bolhufas. E você sempre escuta o que eu tenho a dizer, mesmo que seja a maior besteira do mundo. E ' sempre fica com bigode quando toma chocolate quente e essa é a coisa mais fofa do mundo! E as suas bochechas ficam infladas quando você come onigiri. E você sempre levanta a bola bem do jeito que eu gosto de cortar. E, se eu fosse falar de tudo o que eu amo em você, eu ia precisar de mais quatro vidas.

Acho que foi por isso que eu não gostei de saber que você já gostou de alguém. E menos ainda que ' disse que esse 'alguém' é incrível. E que ' não especificou se ainda gosta delu. Isso foi tremendamente babaca da minha parte, com certeza.

Daí eu fui a criança de sempre e atrapalhei o time todo, fiquei vigiando você e todos que falavam contigo tentando descobrir quem é o alecrim dourado e teorizando com o Kuroo sobre isso o tempo todo. E como se não bastasse tudo isso, virei a situação contra você. Eu realmente não devia ter falado aquilo. Não sei como você consegue me olhar nos olhos sem me esfolar vivo.

Bem, resumindo a história toda ... eu fiquei com ciúmes, Akaashi. Tipo, explodindo de ciúmes. Não me orgulho disso nem um pouquinho. Você é livre e não tem que me dar satisfação de nada. Eu só ... não consegui me conter. Desculpa mesmo.

Eu ... eu te amo, ok? Tanto que nem cabe no peito. Fui egoísta e te quis só p'ra mim, e sinceramente ainda quero. Mas não se preocupe, porquê eu nunca mais vou fazer o que eu fiz. Não vou reclamar de nada que escolher.

Se quiser ignorar o que eu sinto, não tem problema. Se quiser se afastar de mim p'ra sempre, não tem problema. Se quiser mais tempo sozinho p'ra pensar, eu espero o que for e não abro a boca p'ra reclamar do que quiser fazer. Esse é o mínimo que alguém decente tem que fazer. Desculpa por não ser alguém decente desde o começo, Akaashi."

Com isso, o discurso acabou.

A quadra caiu num profundo silêncio depois disso.

Então, de repente, Keiji riu.

Ele riu quase descontroladamente. As hienas do filme "Rei Leão" não poderiam fazer melhor.

No entanto, a risada não tinha nada de malícia ou deboche.

Sua risada era pura. Era alegre. Era bonita. Era contagiante como sorrisos trocados por estranhos. Era rara e extremamente preciosa. Era linda como os mais detalhados quadros renascentistas.

Era brilhante, mas não como uma estrela. A Estrela era Koutaro, radiante e poderosa. A luz de Keiji era a luz duma lua, cintilante e misteriosa e singela. Encantadora, no mínimo, do seu próprio jeitinho singular de ser.

Quando sua barriga doía, levantou seus olhos de cor ímpar com lágrimas acumuladas nos cantos, dando a Bokuto um de seus raros sorrisos de orelha a orelha:

— Do que você ' falando? Quem não mataria p'ra te ter por perto? E daí que você é meio difícil de lidar de vez em quando? Qual o problema de errar de vez em quando se você ' disposto a fazer qualquer coisa p'ra concertar tudo do jeito que você '?

O Ace estava paralisado por causa da risada, do sorriso e das palavras de Keiji.

"Acho que agora eu matei os divertidamentes dele."

Sim, doeu como o inferno ouvir aquilo. Mas ... as pessoas falam merda quando irritadas. Quando se passa muito tempo com quem você ama, você naturalmente machuca muito essa pessoa e é muito machucado. A questão é o esforço que você faz p'ra acertar as coisas de novo e colar seu coração. E você se esforçou, Bokuto-san.

Os colegas alinhados atrás deles soltaram um "OOOOOOOOOWNT" coletivo. Conseguiu ouvir um "essas duas vagabundas ainda vão me dar cáries" de Konoha.

— ... Kaash ... o que quer dizer com que pessoas que ' ama te machucam?

Desta vez, os colegas alinhados gritaram um "HMMMMMMMMM" bastante sugestivo e Konoha um "PEGA FOGO, CABARÉ".

Keiji voltou a sentir-se quase entrando em combustão. Respirou fundo várias vezes, preparando-se para finalmente dizer o que queria.

Tinha esforço, convivência, respeito, mutualidade e confiança com Koutaro – Sua Estrela, que iluminava a Lua encantadora que era Keiji Akaashi. Sendo isso uma verdade absoluta, sentia-se certo sobre dizer aquelas palavras pela primeira vez. Sentia-se quase na obrigação de fazê-lo.

     Quando, depois dum minuto inteiro de preparação emocional e psicológica, ele finalmente pronunciou as palavras poderosas que tanto queria, elas saíram potentes e pesadas e carregadas de genuinidade:

— Eu quero dizer que eu te amo, Bokuto-san. — sorriu pequeno como sempre sorria, mas tinha algo diferente daquela vez: coragem — E que o tchan que você tanto queria saber quem é, não é ninguém mais ninguém menos do que você mesmo. Desde um jogo que você teve no primeiro ano e que você nem fazia ideia de que eu existia.

     Silêncio. Um, dois, três, quatro segundos de profundo silêncio. E, então, os alinhados soltaram um grito de comemoração. Yaku berrou um "ME DEVE CINQUENTÃO, CORNO", recebendo um "SÓ SE FOR P'RA TU ENFIAR NESSE SEU RABO, ANÃO" de Tetsuro.

     A Estrela e A Lua ignoraram tudo isso. Encaravam-se fixamente, absorvendo tudo que ouviram e disseram.

     Então, Bokuto abriu o mais largo de seus sorrisos. Deu uma espécie de sinal para os alinhados, que prontamente viraram de costas.

     "Quer ser meu tchan?"

— Não creio numa coisa dessas ... — cobriu a boca com uma mão, querendo chorar de emoção.

— Melhor aceitar, vagabunda. Não me sujeitei a uma coisa dessas p'ra ' dar um chute na bunda dessa coruja aí, não! — pronunciou-se Akinori seriamente.

Aquieta, vadia! Não estraga o momento alheio! — Morisuke chutou o maior certeiramente, sendo xingado instantaneamente.

— E então, Kaash? — Koutaro tirou um onigiri de trás de suas costas, e notou ser de seu tipo predileto — Aceita ser meu tchan?

     Keiji geralmente não é quem inicia o contato físico. Não teve muito dele na infância, e a falta de jeito misturada com sua personalidade reservada perpetuou essa carência.

     Mas, desta vez, a história foi outra: apanhou uma bochecha com cada mão, aproximando seus rostos e sussurrando com voz aveludada e um sorrisinho ladino:

Aceito. Aceito quantas vezes precisar, Koutaro.

    E, sem mais cerimônia, selou seus lábios.

     Por estar (de alguma forma) dentro do espectro sexual ace, muitas pessoas julgavam que tinha nojo de beijar ou fazer sexo, como se fossem uma espécie de alienígena.

     Poderiam haver pessoas assim, mas não era o caso da maioria. Não era o caso do próprio Akaashi.

     Ele não queria beijar qualquer um. Não queria transar com desconhecidos. Não queria se entregar desse jeito a alguém com quem não possuía um laço forte.

     A questão nunca foi sobre odiar atos "picantes". A questão era com quem os atos eram realizados. A questão era quais os tais atos, porquê todos têm suas preferências e limites.

     Keiji gostava de beijar. Era gostoso. Mas só gostava quando a pessoa que invadia sua boca com a língua era Sua Estrela, e somente Sua Estrela.

     Novamente, Bokuto deixou as coisas mais fáceis. E Akaashi perguntou-se se tudo conseguiria ficar mais simples do que já estava naquele momento.

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