Sobre curativos e abraços de desculpa

No dia seguinte, Akaashi compareceu ao treino. Informou ao treinador sobre como falhou miseravelmente em consertar o problema.

Não olhou para Bokuto nenhuma vez. Percebia, mesmo assim, que ele segurava a vontade de gritar seu nome seguido dum pedido de desculpas atrás do outro.

"Pelo menos a quiznak da sincronia melhorou."

Mesmo querendo um tempo sozinho para superar o que ouviu e ainda estar profundamente chateado com o veterano ... sentia falta de seus gritos e abraços e pedidos de aprovação. Quebraram a "tradição" apenas uma vez e aquilo doeu como o inferno.

Passou o resto do dia após o treino estudando e fazendo a lição de casa do mês todo.

Mesmo concentrado, Bokuto arrombava a porta de sua cabeça, invadindo seus pensamentos e trazendo à tona lembranças dos dois. E isso deixava Akaashi mais irritado que o Drácula quando Jonny decidiu mostrar seu conceito de diversão e atormentava a paz do milenar.

Esfregou os olhos enquanto suspirava pesarosamente.

Toda aquela quiznak começou com aquela conversa sobre tchan, que aconteceu por terem assistido a aquele desenho infeliz.

A palavra "difícil" não combina com Bokuto. Não quando ela vira adjetivo caracterizando o mais velho. Parecia até pecado.

Como tudo ficou tão complicado, e tão de repente?

Meia dúzia de lágrimas salpicaram seus dedos.

— Filho?

Como naquele fatídico dia, seus divertidamentes desmaiaram.

Mirou sua progenitora, em choque.

— O-oi, mãe ...

Analisou-o atentamente, mesmo que seus olhos quase não se mantivessem abertos pelo cansaço. Andou até sentar-se com pernas-de-índio ao lado do filho sobre a cama.

— Aconteceu alguma coisa? O Bokuto não veio aqui nem hoje e nem ontem. E a sua cara não está das melhores.

     Piscou várias vezes, surpreso.

— ' tão óbvio?

     Nozomi sorriu pequeno e doce. Suas olheiras pareceram desaparecer naquele momento.

     Keiji poderia parecer-se fisicamente com o pai, mas era de sua mãe que sua personalidade fôra herdada – e seu sorriso também.

— Quer me contar o que aconteceu?

— Não ' cansada?

— O que quer que esteja te incomodando é bem mais importante. Se quiser me falar, podemos resolver isso juntos.

     Sentiu suas orelhas queimando, mas essa foi sua única expressão de emoção. Não mirou-a aos olhos quando disse:

— Lembra daquele dia que a gente jantou onigiri com o Bokuto-san? Ele têm agido estranho desde então e isso anda atrapalhando demais o time. O treinador me pediu p'ra conversar com ele e ... a gente brigou. E ele me disse umas coisas que machucaram. Tipo, machucaram mesmo.

— Se importa em me dizer o que esse "agir estranho" é?

     O garoto foi detalhista ao explicar o conceito pedido. A mais velha escutou a tudo com a mesma atenção que Keiji tinha quando assistia "Barbie e o Castelo de Diamante", pensativa.

— O que vocês fizeram naquele dia dos onigiris?

— Assistimos "Hotel Transilvânia". Daí ele- — interrompeu-se, a vergolha atingindo-o tão forte quanto um soco do Baymax em seu modo assassino — ele acabou me perguntando se eu já tive o tchan com alguém, que é um equivalente a "paquera". Eu respondi "talvez" e ele ficou estranho. — engoliu saliva — Quando a gente brigou, ele reclamou que eu não falo muito sobre mim. A Senhora acha que ele ficou chateado com a resposta que eu dei?

     Silêncio. E, então, uma risada histérica. Keiji ficou pasmo com a reação de sua progenitora. Ela riu tanto e tão forte que lágrimas acumulara-se nos cantos de seus olhos.

— D-desculpa. Não resisti. — pediu, respirando fundo para se acalmar.

— Não entendi qual a graça ...

— Ele com certeza ficou chateado com a sua resposta, mas não por você ter deixado de falar algo. — sorriu pequeno, mas com uma pontada de maldade — O "problema" foi descobrir que você possa gostar de alguém.

     O levantador era inteligente o suficiente para entender onde ela queria chegar com aquilo.

     Balançou a cabeça, descrente.

Impossível. Alguém como ele nunca gostaria de alguém como eu.

— Isso é o que alguém apaixonado diria sobre seu ou sua amada.

     "Universo, que preconceito é esse contra os meus divertidamentes? Eles nunca te fizeram nada. São tão legais e úteis a mim ..."

— É-é? Certeza?

— Você sabe que eu não tenho problema nenhum com quem você beija ou deixa de beijar contanto que essa pessoa te faça bem, né?

— ... A gente não conversa muito. Nunca tive certeza.

— Quer mudar isso e conversar mais comigo?

— Não vai atrapalhar a Senhora?

— Você é meu filho. Nunca me atrapalha.

     Sorriram igual, do jeitinho que eles sorriam, e Nozomi puxou o maior para um abraço apertado.

     Sentir – não apenas saber, mas sentir em cada célula de seu corpo – que sua mãe se importava era uma das coisas mais gostosas do mundo.

— Sei que continua chateado pelo que quer que ele tenha falado, mas tenta conversar com o Bokuto – quando estiver com a cabeça fria e o coração menos dolorido. — aconselho, com direito a cafuné e tudo.

— Ok, Mãe. Vou fazer isso.

— ' cansada demais p'ra cozinhar. Vamos pedir alguma coisa gostosa?

— É uma boa ideia.

     Sua relação com sua mãe jamais foi a mesma.

...

     Já não doía tanto no dia seguinte. Não levantou nenhuma bola para Koutaro, e ele não o procurou para fazê-lo. Assim passaram o treino.

Não sabia se estava sendo precipitado, mas decidiu conversar naquele dia mesmo. Não suportava mais aquela situação.

Esperou todos sairem do vestiário. Bokuto era demorado e vaidoso, então aquele momento era oportuno para qualquer um que quisesse conversar com o Capitão.

Respirou fundo uma, duas, quinze vezes para se acalmar.

Ouvia a voz meio desafinada de seu senpai cantarolar "Ela é uma Princesa" desde os chuveiros. Quando o registro d'água foi fechado e o volume da cantoria foi aumentando, quase entrou em pânico.

Engoliu saliva (e seu coração querendo fugir-lhe pela garganta) , revisando mentalmente o que falaria. Respirou fundo pela décima sexta vez.

     Achou que estivesse preparado.

     Adivinha? Achou errado.

     Para variar.

     Sua alma, novamente, abandonou seu corpo – mas, desta vez, ela escolheu "S&M" como trilha sonora para sua retirada.

     (Akaashi perguntou-se seriamente sobre como ele sabia que era "S&M" e de onde ele conhecia essa música.)

     Bokuto tinha a calça com o zíper e botão abertos, o tecido da roupa de baixo que mal aparecia com um aspecto úmido. Não usava camisa, deixando seus músculos maravilhosos à amostra. Secava seus cabelos bicolores encharcados com uma toalha da forma mais sexy que Keiji podia imaginar. Parecia andar em câmera lenta.

E só cantarolava o ritmo de "Ela é uma Princesa", o que impediu o clima de acabar.

"Não tenha um sangramento nasal. Não tenha um sangramento nasal. Keiji Akaashi, se controle! Nem pense em lavar roupa no tanquinho dele! Não- ..."

Seus olhares se encontraram.

Não. Bokuto não estava em câmera lenta. Portanto, ele assustou-se, escorregou e caiu de forma bem desajeitada. Topou com o dedão num banco com tudo durante sua queda.

Novamente, isso pareceu acontecer em câmera lenta. A diferença era que, desta vez, o moreno quis rir, e não beijar o mais velho até seus pulmões arderem por falta de oxigênio entrando.

"Bem", pensou, "pelo menos não paguei papel de tarado".

Seu sonho envolvendo a lavagem de suas roupas e músculos definidos podia esperar. Akaashi tinha questões mais urgentes no momento.

— Desculpe, Bokuto-san. Te assustei? Bateu a cabeça? Consegue levantar? — questionou, a expressão sempre impassível.

O Ace encarou seu levantador como se estivessem na cena em que Mavis des-transforma-se na frente de Jonny pela primeira vez. Uma pontada de orgulho cresceu no peito do moreno ao pensar que ele poderia "estar no lugar" duma personagem querida para si.

Agaashie ... ' não tem o costume de esperar e ver colegas saindo do chuveiro, ou tem?

O segundanista foi atingido pelo súbito desejo de incorporar Mavis de verdade e soltar um "quem é esse sem noção?". Conteve essa vontade latente.

Não, Bokuto-san. Não sou um tarado!

Ufa. Ainda bem.

Aquela reação foi um tanto quanto inesperada.

"O 'problema' foi descobrir que você possa gostar de alguém."

Não queria iludir-se, mas a "descoberta" de sua mãe fazia cada vez mais sentido.

— Podemos conversar, Bokuto-san?

Piscou várias vezes. Abriu um sorriso largo e seus olhos marejaram.

Por favor! Eu tenho me segurado ao máximo p'ra te dar espaço e isso dói como o inferno ...!

A confirmação de que ele não corria para si aos gritos como sempre para não pressionar a Keiji e dar a si tempo para curar seu coração fez seu peito aquecer-se. A sensação foi esplêndida.

— Muito obrigado pela consideração. Eu precisava disso.

— Mas dar o espaço p'ras pessoas não é o mínimo?

— ... Fato.

Quando Koutaro foi levantar, empalideceu: notou que seu dedão estava sangrando.

San-gran-do.

"Fraqueza número 22: sangue. Ele entra em pânico quando vê nem que seja uma gota."

— Mantenha a calma. Vou buscar a caixinha de primeiros socorros.

Keiji já lidou com situação parecida com o mais velho, antes. No entanto, aquilo sempre parecia ser a primeira vez.

Querendo desviar a mente do mais velho do seu próprio dedão, começou a falar o que queria dizer.

— Eu sei que eu não tenho moral p'ra reclamar que outras pessoas não me contam seus problemas. Eu definitivamente não conto nada e devo preocupar você e os nossos colegas de time demais.

"É só que ... ninguém nunca quis saber. Ou não pareceu querer. Meus pais ficavam fora o tempo todo, então estavam tão cansados que nem percebiam que algo podia estar errado. Minha avó não tinha como ajudar, então não mencionava nada.

É a primeira vez que eu posso dizer que tenho amigos. Isso ainda é ... novo p'ra mim.

Mas dói te ver estranho. E enche o saco treinar com você assim. O treinador que me pediu p'ra conversar com você e a gente brigou e você falou aquelas coisas e ... doeu, ok? Doeu ter aquilo esfregado na minha cara!"

Engoliu saliva, largando a gaze que usou para esterilizar o machucado e colocando um curativo. Respirou fundo.

— Mas ... eu consigo superar isso. Ficar longe de você, mesmo que bastante chateado, dói mais. Só ... não repete. Por favor.

Desculpa. — pediu, desesperado — Me desculpa por ser um grande babaca. Eu 'tava irritado e fui um verdadeiro filho da puta com você. Eu não devia ter ficado estranho e muito menos virado a situação contra você quando ' só queria ajudar. Eu devia saber que não devia falar uma coisa daquelas p'ra ninguém.

     "É só que ... eu não 'tava pronto p'ra contar. E ainda não estou. E você insistir tanto me irritou. Pareceu hipocrisia sua pedir p'ra eu te dizer alguma coisa particular quando parece que você foge de fazer o mesmo.

     Mas isso não justifica. Eu fui um tremendo filho da puta. Me perdoa, por favor. Eu posso ficar longe de você o quanto você quiser: dias, semanas, meses ... se me pedir um ano, eu dou. Só não me odeie. É tudo que eu te peço."

    Akaashi sorriu pequeno. Foi a vez dos divertidamentes de Bokuto desmaiarem/ terem um AVC.

— Eu não te odeio, Bokuto-san. Só estou chateado. Mas tenho certeza de que vai passar logo.

— ... Mesmo? — questionou num fio de voz esperançoso.

Mesmo. Só não faz aquilo de novo.

— Nunca mais faço isso, e com ninguém! — prometeu — E ... sobre a coisa que é particular ... eu prometo te falar. Só me dá mais uma semana. Só mais uma semana e eu te conto tudo o quiser, ok?

— Combinado, Bokuto-san.

— ... Akaashi ...?

O simples fato de que seu nome foi pronunciado corretamente ganhou toda a sua atenção.

— Sim?

— ... Podemos voltar a ver desenho juntos? Eu sinto falta disso. Mas só se você quiser!

— Claro. Eu ... também sinto falta.

"E o mais assustador é que só não fizemos isso por dois dias", completou mentalmente.

— Me encontro explodindo de alegria, Kaash. Posso te abraçar?

— Pode.

Tentou não pensar em como ele não usava camiseta nenhuma. Concentrou-se no aperto gostoso e aconchegante. No cheiro dele, e deixou-se embriagar.

Bokuto cheirava a lar. Com o tempo, Keiji percebeu que seu veterano tornou-se lar.

Não qualquer lar. O lar de Keiji Akaashi, e de mais ninguém.

Como nas últimas duas tardes, Akaashi chorou. Mas não eram lágrimas de dor ou até solidão. Eram lágrimas de alegria.

E Seu Tchan chorou de alegria consigo.

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