ᴠɪʙᴇ ᴅᴇᴘʀᴇ̂


Hoje era sexta feira, acordei sem o despertador de novo. Ajudei mamãe com o café da manhã e depois me ajeitei pra ir a escola. As aulas ocorreram normalmente, nada de diferente; no terceiro período, antes do recreio, fomos pro acessa pra escolhermos a nossa eletiva. Eu fiquei na de gastronomia, era algo que eu gostava e durante o intervalo descobri que do meu grupo apenas Ali foi pra mesma que eu.

Assistimos a mais cinco aulas antes do dia acabar, amanhã era sábado e a programação dos meninos pra hoje era dar um rolê no shopping. Eu não confirmei, pois precisava ver com meus pais primeiro. Na saída Thomas se aproximou de mim calmamente.

- Angel, você comentou que seus avós são pastores. - ele disse e eu concordei

- Ahan, meu avô é. - reafirmei

- Eu queria saber se você não quer ir comigo amanhã na igreja, tem culto de jovens. - convidou e eu sorri

- Claro, eu vou só confirmar com meus pais, mas tenho certeza que eles deixam sim.

- Tudo bem, eu digo por mensagem o endereço e o horário do culto. - ele fala sorrindo

- Eu vou esperar, ai eu aproveito e já confirmo se vou.

- Eu convidei o pessoal também, espero que todos vão.

- Legal, eu confirmo pra você caso eles deixem ou não.

Ele assente e voltamos a conversar futilidades até nossos pais irem chegando. Assim que mamãe estacionou eu entrei e passei o cinto.

- Benção mãe. - peço beijando seu rosto.

- Deus abençoe, como você está? - me olha rápido enquanto saia com o carro.

- Estou bem e a senhora?

- Bem também, conversei com a médica hoje e ela disse que o resultado dos exames que fizemos vai sair do laboratório segunda feira. - comenta.

- Mãe que legal. - digo alegre

- Pois é - diz apenas e eu noto algo estranho ali, mas permaneço quieta

- Mãe, aproveitando, meus amigos vão ir no shopping hoje, posso ir com eles? - pergunto torcendo pra que ela deixe.

- Claro, pode ir sim querida. - sorri simples

Eu assinto contente.

- Inclusive Thomas me chamou pra ir a igreja amanhã, vai ter culto de jovens, posso ir?

- Ele é o cristão? - pergunta, mas não consigo identificar surpresa em seu tom de voz

- Ahan. - afirmo com uma sobrancelha alta.

- Legal, eu não sabia, o pai dele não comentou com o seu que eles eram cristãos.

- Não, na casa do Tom só ele é. - explico

- Ah entendi. - assente - E vocês vão juntos pro culto?

- Não, eu ia pedir pra senhora ou pro papai me levar.

- Sem problema, talvez eu e seu pai até fiquemos, será que pode?

- Acho que sim.

- Seu pai estava comentando que estava com saudade de participar de um. - fala e eu sorrio.

- Que bom, então vamos todos juntos. - falo e ela assente

- Acho que não temos nada pra amanhã a noite, vamos sim.

O resto do caminho foi ao som de uma música clássica, mamãe estava calada, mas não estranhei tanto, pois ela costuma ter duas fases. Tem dias que ela está mais falante e em outros ela está mais calada, normalmente isso acontece quando ela está pensando em algo e ultimamente todos estão tendo muito o que pensar.

Ao chegarmos vejo estacionado na frente de casa o carro do meu pai, estranho imediatamente porque ainda não era nem quatro horas, meu pai nunca foi de sair mais cedo do trabalho, a não ser...

- Mãe está acontecendo alguma coisa? - pergunto um pouco atrás dela depois que saímos do carro que ela havia posto na garagem

- Nada pra você se preocupar filhota. - sorri fraco, mas não sinto segurança em sua voz.

Eu entro em casa logo depois dela, vejo-a depositar as chaves encima do aparador e ir em direção ao escritório do meu pai, algo estava acontecendo e pelo jeito que ela estava e pelo clima que o lugar estava envolto, não era algo bom.

Fui pro meu quarto afim de tomar um banho e estudar um pouco mais, quando meu celular despertou as cinco e meia, eu fechei meus livros e cadernos, também fechei o site em que eu assistia vídeo aula, abaixei a tela do meu notebook e apaguei a luz do abajur.

Então me levantei e sai do quarto; procurei minha mãe no dela, no escritório, porém lá ela também não estava, só a encontrei na lavanderia.

- Oi mãe, precisa de ajuda? - questionei vendo ela tirar de dentro da máquina as roupas e depositá-las em um sexto.

- Por favor, eu ainda preciso colocar mais pra bater e o jantar está atrasado. - fala abatida.

- Tudo bem, já estou indo. - digo e caminho para a parte de trás aonde fica a nossa varanda gourmet, a parte da casa preferida do meu pai.

Aproveitei para mandar mensagem para meus amigos pra avisar que eu não iria com eles no shopping, não poderia deixar minha família sozinha estando ela passando "apuros". Eles entenderam e disseram que não faltaria oportunidades pra eu me juntar a eles, sendo assim fiquei tranquila, pois sabia que eles iriam se divertir mesmo eu não indo e eu não iria deixar meus pais na mão.

Ouvi quando a máquina voltou a trabalhar e senti quando o cheiro de cebola fritando começou a se espalhar pelo ar, eu já tinha terminado e foi impossível não ser atraída para a cozinha.

- Que cheiro maravilhoso. - comento ao chegar perto de minha mãe.

Ela permaneceu quieta e eu comecei a me incomodar com seu silêncio, era quase que agoniante.

- Mãe? - chamo pegando pra ela a cebolinha que ela gostava de picar e congelar em porções. - O que está acontecendo?

- Nada que você precise se preocupar Angel. - repete a mesma frase de hoje a tarde e eu suspiro decepcionada.

- Mãe, a senhora falou a mesma coisa mais cedo e eu até que acreditei, mas agora olhando pra senhora e tendo a impressão que chorou litros nas últimas horas, eu não consigo não me preocupar.

Ela respira fundo, mas segue calada.

- Papai estava falando com alguém quando chegamos? - pergunto agora pegando cenouras.

- Sim, ele estava em reunião com o nosso advogado.

Com o advogado?

Eu permaneço encarando suas costas tentando de uma maneira inútil descobrir o que a afligia.

- Angel. - meu pai me chamou do pé da escada me impedindo de fazer mais perguntas - Pode fazer um favor pra mim? - pergunta e eu assinto - Você pega no porta mala do carro uma pasta mostarda, por favor? - pede e eu assinto novamente, já limpando minhas mãos pelo suor do legume.

Eu não demoro a ir e estando com os documentos na mão fecho de novo o carro, viro-me e vejo uma senhora que passeava com seu cachorro pela calçada, a avó de Tom.

- Boa noite. - ela sorriu alegre para mim.

- Boa noite. - devolvi o cumprimento e o sorriso.

Novamente dentro de casa subi para o segundo andar, bati na porta do escritório e quando entrei encontrei meu pai digitando algo no notebook.

- Pai, tá aqui. - disse e então me olhou.

- Ah, obrigada filha.

Eu assenti e ia perguntar a ele o que estava se passando, mas não deu tempo porque seu celular começou a tocar e ele sem hesitar atendeu.

- Dad¹. - saudou meu avô, no caso pai dele.

Ele apontou com a cabeça para a mesa e caminhei até ela para deixar a pasta, antes de sair meu pai fez uma careta fofa em agradecimento e eu silabei um "de nada" sem som.

Voltei pra cozinha e também a ajudar minha mãe, comecei a puxar assunto pra tentar tirar ela daquela vibe deprê. Deu certo, minutos depois ela deu um sorriso, continuamos conversando e cozinhando, o clima já estava mais "limpo", vamos se dizer assim.

Papai se juntou a nós já banhado, como diz minha vó Antônia, e nos ajudou a finalizar a janta e a colocar a mesa. Durante o jantar conversamos sobre várias coisas, e todas aleatórias, mas não seguimos o cronograma rotineiro de contar sobre nossos dias, papai também não fez questão de se lembrar ou iniciar esse assunto.

Após terminarmos, minha mãe nos ajudou a tirar os pratos e guardar o que sobrou da comida e papai se encarregou de lavar a louça. Mamãe se despediu de nós e se retirou un pouco mais cedo que o normal, disse que iria tomar banho, meu pai na cozinha assobiava e eu com um pano de prato no ombro respondia meus amigos escorada no balcão.

Com todas as mensagens respondidas, dos guris daqui e de Maringá eu rumei a geladeira pra pegar um copo de suco, a louça que lute pra ir pro armários sozinha.

Assim que fechei a geladeira notei que meu pai parou de sibilar², olhei pra ele enquanto bebericava o líquido.

- Eu sei que dentro dessa cabecinha azul tem 1001 perguntas se remexendo e querendo sair. - disse pegando meu pano de prato do ombro para secar as mãos e eu sorri

Não tem ninguém pra te conhecer melhor do que Deus e seus pais.

- Realmente, acertou em cheio, como sempre. - digo com um sorriso o assistindo se sentar e apoiar os cotovelos no balcão

- Pode começar a mandar as perguntas filhota. - joga as mãos pros lados querendo dizer com o gesto um let's go³.

- Que tal começarmos pelo motivo que fez o Dr. Carlos vir de Maringá pra cá? - perguntei

Eu sei que se fosse algo realmente particular dos meus pais ele não estaria tão disposto a conversar comigo agora; com certeza já teria me dado uma cortada logo na primeira insistência, do tipo de não deixar dúvidas que não era da minha conta, se é que me entende.

- Bom filha, lembra que iriamos começar uma investigação pra colocar o Augusto na justiça? - pergunta e eu assinto - Então, o Dr. Carlos deu início e já descobriram muitos podres pesados que ele fez, incluindo abortos.

Eu fico boquiaberta, completamente em choque que minha mãe ficou nas mãos de um monstro.

- Tudo naquela clínica era falso, e agora temos provas pra colocá-lo na justiça. - disse meu pai - Inclusive com a nossa ação outras famílias se levantaram pra prestar queixas contra esse médico fake⁴.

- Meu Deus pai. - digo ainda sem saber como reagir direito, busquei por algo pra eu me apoiar.

Que bomba!

- Sua mãe está devastada, é compreensível. - diz e eu concordo freneticamente - Vamos ter que ir pra Maringá pra pegar mais alguns documentos que ficaram em umas caixas no escritório da sua mãe.

- Já sabem quando vamos? - pergunto.

- Ainda não filha, tenho que conversar com o administrativo da clínica e com a diretoria da sua escola. - ele fala agora um pouco pra baixo

- Entendi, mas pai vocês já comunicaram a polícia?

- Sim, sim.- ele afirma - Ele é um criminoso, né filha? O advogado falou que ele vai responder por estelionato, pelo exercício ilegal da medicina e por falsificar documentos particulares dos pacientes, ele falsificou o da sua mãe.

- Ele está ferrado e com força. - meu pai sorri fraco.

- Ele mesmo cassou isso, quem procura, acha. - dá de ombros e eu concordo com um suspiro.

- E como está o vovô Bruce e a vovó Melanie? - me lembro da ligação.

- Estão bem querida, ele só ligou pra saber como estávamos, conversei um pouco com ele e você sabe...

- Vovô tem os melhores conselhos. - concluo.

- Pois é - sorri - Ele tem mesmo. - concorda.

Eu me levanto pra colocar o copo na pia e depois vou pra sala, aonde meu pai estava, vidrado no celular de novo.

- Sua mãe falou que você ia no shopping com seus amigos. - comenta.

- Eu ia, mas quando eu percebi o clima tenso preferi cancelar. - respondi olhando pra ele rapidamente e me voltei para o filme da Marvel que passava

- Entendi. - falou somente.

Mais tarde eu e meu pai subimos pro segundo andar, eu dei um beijo em minha mãe, que já dormia e em seguida eu fui pro meu, fiz minha higiene e fiz o número um antes de dormir, não gostava de acordar de madrugada com a bexiga cheia.

Ao me deitar permaneço mais alguns minutos no celular vendo os posts do Instagram e conversando com meus amigos, Kelvin não tentou mais contato e por mim está ótimo assim, melhor pro meu psicológico. Com certeza eu já estou mais forte, mas não é seguro e nem saudável chegar a beira do precipício e olhar pra baixo, não é?

Bom, eu não sei qual vai ser o cronograma de amanhã, antigamente na minha cidade os fins de semana eram sempre regados de muita atividade, ainda deve ser, minha família e alguns amigos se reuniam na casa do lago dos meus avós, era sempre o máximo.

Eu esperava que fossemos ao clube aquático que mamãe havia mencionado, mas acho que essa opção estava um pouco por fora agora por causa de tudo que estava rolando, conectei meu celular no carregador, me virei pro lado e depois de muitos minutos, dormi.

_________________________
¹ - papai
² - vamos
³ - assobiar
- falso


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