ᴘᴇʀᴅᴀ̃ᴏ

- Bela adormecidaaaaa, vamos acordaaar. - me cutuca Nanda e eu me remexo descontente.

- Eu não faria isso se fosse você, tentei ontem e conheci o lado psicopata que ela desenvolveu nesses dias em São Paulo. - avisa Jess e eu sorrio silenciosamente olhando pro lado contrário delas.

- Sério? - pergunta Nanda.

- É lógico que não, a Jéssica é uma exagerada. - me pronuncio erguendo a cabeça e olhando pra ela que salta da cama.

- Jesus, Maria, José. - exclama com cara de espanto, com a mão no peito e eu rio divertida. - Achei que ainda estava dormindo doida. - reclama se juntando a mim, Jess e as outras que arrumavam as coisas.

Kiara dobrava os lençóis enquanto Alicia esvaziava um for colchões.

Jess estava de pé trocando de roupa, a garota sempre fora assim, munida de pouca vergonha.

Ela tirou o shorts e a regata do pijama pra colocar uma camiseta larga, ela era verde escura e tinha alguns desenhos aleatórios como estampa.

Eu me pus de pé e ajudei as meninas com a organização, não encontrei Carol e quando Nanda disse que iria subir com os lençóis e travesseiros eu me ofereci para ajuda-la.

A garota subiu na frente com uma pilha de travesseiros e eu fui logo atrás com uma igualmente grande de cobertas e lençóis.

Quando chegamos no quarto de Carol não a vi deitada, mas ouvi a descarga do banheiro.

- Já tô descendo. - falo assim que Nanda olha para mim e para a porta sugestiva.

Ela assentiu e logo desceu.

Esperei Caroline sair do banheiro e perguntei se estava tudo bem.

A garota me deu um sorriso terno e me abraçou.

- Eu estou com muita dor de cabeça, mas estou bem. - afirma - Obrigada por ontem, obrigada por tudo. - ela diz olhando nos meus olhos e então volta a me abraçar.

- Não tem que agradecer a mim, agradeça a Deus pelo amor dEle. - digo e ela assente.

- Já agradeci, conversei com Ele hoje de manhã e me sinto bem, me sinto leve Angel, como nunca mais tinha me sentindo desde que ele se foi. - falou feliz, seus olhos brilhavam.

Eu a abracei contente e muito grata ao Senhor.

- Glória a Deus, glória a Deus. - falei sentindo meus olhos lacrimejarem. - Eu fico feliz amiga, fico muito feliz. - digo sincera.

- Meninas, vamos tomar café. - chama Jess na porta do quarto.

Eu e Carol nos soltamos, e é então que noto o olhar preocupado da minha prima.

- Está tudo bem? - pergunta

- Está sim, eu só estou nos meus dias sensíveis e muito chorosa. - fala Carol e eu dou de ombros.

Jess assente e juntas descemos para nos juntar aos pais da loura e ao restante das meninas.

Tomamos café conversando, elas falavam o que pretendiam fazer durante o dia, uma ideia me surgiu de repente e eu sorri.

- Misericórdia, olha lá Jess, ela deu de sorrir do nada agora. - comentou Nanda ainda mexida com a brincadeira de mais cedo da minha prima.

- Para de besteira, eu tive uma ideia. - conto. - Minha avó comentou que hoje ela iria fazer torresmo, não querem ir almoçar lá na casa do lago, não? - pergunta.

- Eu topo, amo um toucinho. - comenta Alicia.

- Eu e Heloísa não vamos porque temos terapia marcada, e depois vou direto para a empresa. - justifica o pai da minha amiga.

- Tudo bem, eu entendo. - digo simples.

- Hoje tem aula, será que não dá ruim? - pergunta Nanda.

- Nada, vou pegar um Uber pra ir pra facul, se quiserem vir comigo a gente divide. - fala Jess.

- Beleza, nós vamos então. - diz Kiara por todas.

Foram os pais da Carol que nos levaram em casa, completamente fora do caminho da clínica deles, mas mesmo assim fizeram questão de ir.

Quando chegamos mamãe ficou feliz em rever minhas amigas, mas algumas recuaram ao ver a mãe de Kelvin.

Eu nada tinha contra ela, muito pelo contrário, dona Celeste era um amor de pessoa e sempre me tratou com respeito e carinho.

Fui a primeira a comprimenta-la dando assim o exemplo para as outras fazerem o mesmo.

O carro não estava lá fora, então imaginei que estaria com Kelvin. Ajudei as meninas com a mesa e mamãe, vovó e Celeste colocaram as comidas na mesa aonde os mais velhos se sentaram.

Eu e as meninas comemos na varanda, sentadas no chão como fazíamos quando pequenas e como meus amigos paulistas fazem na escola.

Conversamos bastante até Jess alertar sobre o horário. Uma fila de meninas entrou em casa, lavando cada uma seu prato e seguindo para o quarto aonde eu estava hospedada para se arrumarem.

Eu ri bastante vendo as cinco disputar por um espaço no minúsculo banheiro do corredor. A nuvem de fumaça dos sprays antitranspirantes que se formou no quarto quando quatro delas resolveram passar juntas.

- Cof-Cof-Cof - tossiu Alicia ao entrar no quarto. - O que é isso gente? Querem me matar sufocada? - questiona enquanto elas riram.

- Eu já até me decompus. - brinco ainda sentada na cama.

- Ai, credo Angelina. - resmungou Nanda com uma careta esquisita e eu ri dela.

- Estou brincando doida. - argumento jogando uma almofada nela.

Ouvimos uma buzina e Jess vai a janela.

- É o Uber gente. - anuncia e Kiara solta um gritinho.

- Eu ainda nem coloquei meu tênis. - diz correndo pra se sentar na cama para se apoiar.

- Anda Kira, não podemos nos atrasar. - fala Carol.

Jess e Alicia já se encaminhavam para sair do quarto quando Nanda fala um "Oh não" preocupado.

- O que foi garota? - pergunto me levantando.

- Meu sutiã quebrou. - diz e tira a alça estourada de dentro da blusa.

- Ah pronto, agora deu. - resmungou Ali. - Lascou amiga.

- Se você não se importar eu posso te emprestar um. - digo indo até minha mala - Está limpo. - garanto e ela assente.

- Obrigada, obrigada. - deixa a bolsa no chão mesmo e vem até mim.

Ela pega o sutiã e pede pra que nos virassemos pro outro lado, rindo nós viramos e ela não demorou para trocar.

Quando estava tudo certo nós descemos, as meninas se despediram e agradeceram os anfitriões da casa, logo depois meus pais e então dona Celeste.

Me despedi delas conforme iam entrando no carro. Devo dizer que o motorista não ficou feliz em ver cinco garotas, mas também não disse nada. Carol que era a mais leve de todas foi no colo de Jess e de Ali.

O carro arrancou dali e eu acenei para minhas amigas que devolveram o gesto.

Eu suspirei e estava voltando pra dentro de casa quando ouvi um carro se aproximar.

Por incrível que pareça eu soube quem era, eu sentia, mas estava hesitante em olhar pra trás.

Assim que pisei na varanda me virei, era o mesmo carro de ontem, mas não consegui ver através do vidro pois o mesmo era escuro.

Sentei-me em uma das cadeiras e saquei meu celular, mania de querer disfarçar.

Entrei no aplicativo de notas e digitei vários "eu te odeio, eu te odeio", quando percebi apaguei todas aquelas palavras e recomecei.

"Eu te perdoo, eu te perdoo..."

Digitei isso até ouvir a porta do carro abrir, então meus dedos paralisaram e meu estômago embrulhou.

Tentei respirar mais devagar e me acalmar, mas assim que ouvi a porta fechar eu ergui meus olhos até ele e meu coração disparou de vez.

Kelvin caminhava calmamente até mim, seus olhos fincados na minha pessoa não deixava muito espaço para eu me acalmar.

- Oi, é... - olha para a porta e eu solto o ar que nem sabia que estava segurando. - Você pode chamar minha mãe para mim, por favor?

Eu assinto no automático e me levanto entrando em casa, uma tremedeira enorme, mas tentei esconder o máximo possível.

- Celeste? - chamo a mulher que estava na sala agora, conversando animadamente enquanto ela e vovó bordavam.

Até mamãe estava se arriscando.

- Oi querida. - sorri amorosa.

- Kelvin está chamando a senhora, ele tá ali na varanda. - digo simples.

- Certo, pede pra ele esperar um minutinho que eu já estou indo. - fala e eu assinto desesperada por ter que enfrentar ele de novo.

Quando saio na varanda o vejo escorado no carro, suspiro aliviada pela distância.

- Ela pediu pra que você esperar um minuto. - aviso alto e ele assente.

Pego meu celular que estava encima do banco e me direciono para a porta de entrada de novo quando o ouço chamar.

- Angel? - não o olhei pois temi, mas paralisei ali mesmo, de costas pea ele. - Angel eu... - Kelvin não termina pois sua mãe abre a porta o calando.

- Kel, eu pedi pra você vir depois das duas filho. - diz sem nem notar o clima diferente. - Mas se você quiser ficar pode entrar, a senhora Eugênia perguntou se você já almoçou?

- Não, ainda não, mas de qualquer maneira não estou com fome. - fala enquanto eu permaneço de costas para ele - Eu volto mais tarde então.

- Tudo bem filho, vai com Deus. - fala ela e eu me sento.

- Amém, fica com Deus vocês também. - diz e sinto seus olhos em mim.

Ela entra e eu reencosto minha cabeça na cadeira e fecho os olhos.

Achei que Kelvin iria insistir em falar comigo, mas a única coisa que ele fez foi respirar fundo e então não ouvi mais nada, quando abri os olhos o vi sentado na minha frente e me assustei, de verdade mesmo.

- Meu Deus... - murmurei com a mão no peito.

- Desculpe, não foi por querer. - afirmou com um sorriso simples nos lábios.

Eu observei seu rosto agora saudável, com cor e diferente do de um ano e meio atrás.

- Olha Angel, - fita as mãos - eu preciso te dizer algumas coisas. - fala baixo e eu me levanto imediatamente.

Não iria permitir que alguém ouvisse, meu pai até poderia já saber, mas minha avó e a mãe dele não precisava ter ciência do ele fez comigo.

- Por favor, aqui não. - digo com a voz controlada, mas com a pulsação a mil.

- Tudo bem.  - assente e fica em pé também. - Aonde você quer...

- Vamos dar uma caminhada. - digo o interrompendo e ele assente.

Sai da varanda e demos a volta na casa, Kelvin permaneceu atrás de mim até sairmos no quintal traseiro da casa dos meus avós.

- Aqui continua lindo como antes. - comenta olhando pra frente com as mãos nos bolsos da calça.

- Creio que esse lugar nunca deixará de ser lindo. - afirmo e o garoto concorda.

- Fiquei sabendo que mudou de cidade. - fala e eu assinto.

- Mudei pra São Paulo. - digo apenas e um silêncio perdura por alguns minutos até ele tomar a palavra de novo.

- Eu estou limpo Angel. - conta enquanto caminhávamos em direção ao lago, eu conseguia sentir sua apreensão, suas mãos não paravam quietas.

Ele as movias pra frente do corpo, pra trás, colocava e tirava do bolso, passava ela pelos cabelos, estava nervoso.

- Que bom, eu fico feliz por você e pela sua família. - digo sentindo meu nariz arder.

- E eu sinto muito pelo que te fiz passar. - diz e uma lágrima escorre pelo meu rosto.

Mantenho minha cabeça baixa, ele não precisa ver que minha ferida ainda estava aberta.

- Sente? - finalmente o olho buscando pela verdade em seus olhos escuros.

- Sinto. - afirmo - Olha, sei que eu fui um idiota.

- Otário. - incluo cruzando meus braços e ainda o olhando com uma sobrancelha erguida enquanto afirmava com a cabeça.

- Tudo bem, isso também. - assente com o cenho franzido.

- Réprobo, sem coração, cruel, imbecil, vacilão, futre. - disparei sem pensar duas vezes e ele abaixou a cabeça. - A minha vontade é te socar Kelvin. - confesso - Mas sei que não compensa. - concluo voltando a andar e o deixando pra trás.

Ouço quando ele suspira pesadamente e limpo mais lágrimas que escorrem.

- Eu concordo com você, eu fui tudo isso mesmo que você disse, mas eu mudei. - argumenta e eu reviro os olhos.

- Mais clichê que isso impossível. - retruquei com um riso desacreditada.

- Angel eu estou falando sério, eu fiquei um ano e meio internado naquele lugar, você não tem noção do que eu passei... - eu o interrompo.

- E por algum acaso você tem noção do que eu passei? - paro para olha-lo. - Você não estava nem ai pra mim, você queria mesmo era me fazer sofrer, tinha prazer nisso... - respiro fundo - Sádico. - murmuro e cruzo os braços tentando me controlar.

Eu queria perdoa-lo e parar de sentir aquele peso no meu coração, mas eu também precisava falar tudo o que segurei por muitos meses.

- Eu sinto muito... - vejo seus olhos cheio de lágrimas quando abro os meus - Nunca vou poder diminuir o estrago que eu fiz, nem fazer desaparecer as suas cicatrizes, mas eu estou aqui te pedindo perdão... - bagunça o cabelo e noto ali uma mania nova - Se você quiser eu me ajoelho, mas...

- Não. - o paro quando o mesmo já se ajoelhada - Eu não preciso que faça isso. - afirmo com uma mão estendida.

- O que que eu preciso fazer então? - questiona se aproximando.

- Kelvin, você tem que entender que o que fez comigo foi sério... - o olho - Poxa, eu te amava... - vejo quando as lágrimas que ele segurava finalmente caem e o garoto de quase dois metros aperta os olhos fechados, talvez doesse agora nele. - E o que você fez foi esfregar meu sentimento no asfalto e brincar com ele, você me humilhou, tem noção do que você causou no meu psicológico? - pergunto não me segurando mais e chorando. - Eu fugia de você por medo de machucar ainda mais, mas ao mesmo tempo eu sofria por vê-lo se afundar cada vez mais e mais. - limpo meu rosto, entretanto as lágrimas não cessaram.

- Me perdoe Angel, eu não quero me justificar e tenho certeza que não tem uma justificativa pro que eu fiz. - ele diz ainda com os olhos fechados.

- E-eu... - travo e as palavras somem, meus olhos se perdem no gramado e por um momento eu quis simplesmente sair dali.

Jesus por favor, me ajude, eu preciso, mas não estou conseguindo.

Oro em silêncio, a luta interna estava acirrada e eu não queria deixar a raiva e a mágoa ganhar, Jesus era mais que isso e com Ele eu sabia que poderia ser também.

O observo, parado na minha frente com todas as guardas baixas, chorando e parecendo destruído, eu poderia me vingar.

Eu poderia xinga-lo e humilha-lo como ele fez comigo, mas...

Uma alma, foi isso que eu enxerguei, uma alma. Como Tom me disse, ele era carente da misericórdia do Senhor.

Como na oração que meu amigo fez meu coração se encheu de compaixão.
Eu já tinha encontrado minha cura, o meu Redentor, o que me libertou dos meus medos e dúvidas e Ele estava me convidando para me libertar do rancor que eu sentia.

Com uma fungada alta a única coisa que eu consegui fazer foi caminhar até ele e o abraçar.

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