ᴄᴜᴘɪᴅᴏ
Acordei no outro dia com uma enorme dor de cabeça e constato que provavelmente tenha dormido de mal jeito, pois meu pescoço estava doendo muito. Olho pro meu despertador que ainda não havia tocado e me viro pro lado afim de tentar dormir por mais meia hora. Em vão, quase que automaticamente meu cérebro se conectou a lembrança de ontem e eu franzi o cenho indignada.
Não queria lembrar disso, não queria lembrar dele, a melhor parte de ter me mudado foi ter deixado as lembranças de Kelvin pra trás, disso não tinha duvida. Me levantei minutos depois disposta a tomar um banho e esquecer de uma vez por todas da tal mensagem e o dono dela.
Lavei meu cabelo e depois o sequei deixando os cachos definidos e livres, arrumei minha roupa encima da cama e desci para ajudar minha mãe preparar o café.
- Bom dia mãe, benção. - pedi assim que entrei na cozinha.
- Mas já filha? - pergunta surpresa - Está cedo. - diz e eu apenas sorri
- Eu sei, acordei cedo e perdi o sono. - explica - Já até tomei banho e sequei meu cabelo. - digo estranhando o fato dela não ter escutado.
- Não ouvi, é um pouco difícil de escutar o que acontece no seu quarto. - diz e eu assinto - Quer me ajudar aqui? - chama e rapidamente eu me prontifico
Passamos o café, esquentamos o leite, mamãe comprou pão e picamos algumas frutas. Assim que deu seis horas papai desceu, camisa social branca, uma calça jeans escura e um tênis esportivo, combinava muito bem com o jaleco que colocava na clínica.
- Já está acordada filha? - me dá um beijo na testa
- Perdi o sono. - explico - Bênção pai. - peço e ele sorri para mim
- Deus abençoe.
Nos sentamos a mesa e comemos tranquilamente, mamãe falou o que faria hoje e a agenda estava bem cheia. Visitar imóveis, ir a uma reunião com um possível cliente, depois ir em uma consulta medica, estava corrido para ela hoje.
Foi exatamente por isso que ela me deu vinte reais para pedir um Uber pra voltar pra casa. Não reclamei porque com vintão daria pro Uber e pro almoço. Mais tarde eu peguei minhas coisas, organizei na bolsa, vesti a roupa e arrumei meu cabelo, duas mechas da frente eu coloquei pra trás e prendi com um pequeno elástico.
Desci novamente e encontrei mamãe pronta, conversando com meu pai, que estava de braços cruzados, enquanto retocava o batom nude encarando o espelho da sala.
- Vamos? - chamei e eles olharam pra mim
Meu pai iria me levar hoje, pois mamãe tinha que estar em um centro empresarial as sete horas e a distância era um pouco grande.
- Bênção mãe, espero que seja tão bonito ou mais que aquele que vimos ontem. - sorrio pra ela que tem um leve brilho no olhar.
- Ahan, eu também espero. - ela diz - Deus te abençoe filha.
Saímos de casa todos juntos, entrei no carro de papai e passei o cinto. Em alguns minutos estávamos em frente ao portão do edifícil.
- Beijo pai, fica com Deus. - disse eu já saindo
- Mas e... - para de falar rápido - Ei, ei, volta aqui mocinha. - aumenta a voz e eu me sentei novamente no banco - Não está esquecendo nada, não? - pergunta enquanto eu o olhava confusa
- Aah, desculpa pai - sorrio - Bênção - pedi
- Deus abençoe filha. - disse beijando a minha mão
- Amém, bom trabalho.
- Obrigada princesa. - sorrio, saio e aceno.
Entro na escola e não demoro a encontrar as meninas.
- Bom dia gente. - saúdo sorrindo
- Bom dia - saudaram sorrindo - Já que estamos completas, vamos subir. - disse Malia - Aqui embaixo está muito sem graça.
- Isso porque John não está aqui, porque se tivesse a conversa séria outra. - fala Talia e todas riram
- O que eu deveria saber, mas não sei? - pergunto me sentindo deslocada
- Malia e o Jonathan se gostam a bastante tempo, mas os dois são tímidos demais pra assumirem. - explica Val
- Não é verdade, eu já disse a ele que tenho interesse, mas é ele que não demonstra nada. - ela se defende
- Nem que quer, nem que não quer. - fala Karina
- Eu já disse a elas que o garoto não é dessa vaibe. - intervém Alisson - Olha bem pra ele e analisem o jeito dele, o menino é educado, tem jeito de príncipe, vocês acham mesmo que ele vai simplesmente pular encima? - diz ela
- Eu concordo com a Ali, você tem que ter paciência Mel. - usei seu apelido - John é um garoto de outro mundo, da pra perceber isso de longo, o que você tem que fazer é ser perseverante, mas paciente.
- Eu sei que sim, eu sei que sim - diz parecendo triste - Já estamos nos aproximando do final do ano e ele vai embora ano que vem.
- Calma amiga, até o fim do ano tem chão, ainda estamos em agosto. - tenta acalmar Val
- Amanhã já é setembro. - disse Karina e recebeu um cutucão e uma careta de Talia
- Se você quiser - me calo rapidamente pensando no que eu ia oferecer - Eu posso conversar com ele.
Não gosto de fazer papel de cupido, mas Malia parecia realmente gostar de John. Ela era uma boa pessoa e ele, ele era incrível, iria valer a pena, eu pelo menos esperava.
- Tudo bem, mas não quero que ele saiba que eu sei. - pediu enquanto subimos os dois últimos degraus antes de chegar no nosso andar.
- Tudo bem, certo. - concordo
Os gêmeos já estavam lá encima, junto com Blan e Tom, Anne também estavam com eles. Aos nos verem eles sorriam e a garota acenou.
- Bom dia gente. - digo me sentando no banco de concreto ao lado de Josh.
- Bom dia princesas. - respondeu ele a nós.
- Uau Angel, seu cabelo é lindo solto. - elogia Anne
- Aah, obrigada. - sorrio tímida, nunca fui boa em lidar com elogios.
- E então Angel, quando vai me chamar pra jantar na sua casa? Chamou só o tonto aqui. - fala Josh e eu sinto vontade de soca-lo
- Eu até poderia pensar quando, mas pela sua gracinha nunca. - digo sorrindo, mas com vontade gritar
- Você trouxe a pasta com o trabalho Angel? - perguntou o outro gêmeo tratando de explicar a situação sem argumentos.
- Trouxe, você quer ficar com ela? - perguntei já abrindo minha bolsa
- Quero sim, vou ter aula de biologia agora, daí eu já entrego. - falou calmo
Voltamos a conversar normalmente e o clima tenso que Josh causou com sua piada se esvaio. O sinal tocou e foi cada um pra sua sala, eu que deixava sempre meu celular na bolsa percebi que ele tremia no meu bolso. Eu rapidamente ergui minha mão e pedi licença pra ir ao banheiro, ao ser concedida a permissão levantei rapidamente e sai da sala. Antes mesmo de chegar ao banheiro peguei o aparelho e fitei a tela, lá constava ser uma chamada de um número desconhecido. Com um suspiro eu atendo.
Ligação On
- Alô, quem fala?
- Angelzinha? - ao ouvi isso eu congele, tirei o celular do ouvido na hora e desliguei a chamada.
Ligação Off
Já no banheiro eu me apoio na bancada de granito preto e fico ali por alguns minutos. Eu não estava acreditando no que estava acontecendo não, não, não.
Como podia?
Como ele conseguiu meu número? Como assim? Não, não, não.
Joguei uma água no rosto e voltei pra sala. Valentina me seguiu com o olhar e eu só sorri para ela que claramente percebeu que eu não estava legal.
- Hey Angel? Tá tudo bem? - perguntou Blan e eu assenti
- Tem certeza? - perguntou Tom atrás de mim
- Ahan, não precisam se preocupar. - dou o meu melhor sorriso pra não preocula-los.
Dez minutos depois vejo uma movimentação no meio da sala até a minha carteira.
- A Val mandou te entregar. - disse Blan e colocou um papelzinho na minha mesa.
A movimentação era o povo passando o bilhetinho que a líder da sala mandou.
"Angel, o que aconteceu? Você saiu normal e voltou branca? Estou preocupada. Beijinhos, eu quero saber de tudo depois"
Eu sorri para ela depois de ler o bilhete e voltei minha atenção pra aula, uma, duas, três e finalmente o recreio. Eu comi alguns biscoitos e bebi o leite com café que a escola fez, era doce e estava fervendo, mas estava gostoso. As meninas falavam sobre o time de vôlei e os novos uniformes, Karina, Alisson e até Anne decidiram entrar.
Eu estava tão avoada que eu acho que até concordei que meu nome não era Angelina.
- Angel! - me repreendeu Val alto - Eu disse que ela estava longe - comenta pras outras meninas
- O que que foi gente? - as olho assustada pelo grito
- Estávamos te perguntando qual modelo de uniforme você prefere pro nosso time. - diz Ali com o seu iPhone imponente e caro estendido para mim.
A primeira opção era uma camisa de mangas rosa choque, havia nelas flores desenhadas em branco, assim como o nome do time na frente e o número e o nome da jogadora atrás.
Eu devo ter feito uma careta porque ouvi Val resmungar, com certeza ela tinha escolhido essa, era mesmo a cara dela.
O outro modelo era igual, só que a cor no lugar de rosa era vinho. Eu gostei, muito melhor que rosa choque.
- A segunda opção é claro. - digo repassando o celular a Alisson.
Tina claramente está chateada e então Karina tenta consola-la.
- Amiga, qualquer coisa você compra a vinho e a rosa.
- Ainda não perdemos, as meninas das outras salas ainda tem que escolher. - disse ela.
- Verdade, mas eu acho melhor deixar pra resolver isso amanhã que temos treino e estarão todas na quadra. - fala Talia.
Os meninos não poderiam opinar por três motivos, primeiro eles estavam entretidos assistindo a guerra de rimas que acontecia no palco da escola, segundo porque obviamente não escolheriam o rosa choque e o vinho ganharia sem rodeios e terceiro eles não iriam jogar conosco já que o time era exclusivamente feminino.
A regra é clara, quem não joga não tem direito a escolha, nem a dar opinião se não for pedido.
- Ahan, senão teremos que sair caçando elas pela escola toda. - concordo
Elas voltam a conversar e é inevitável não voltar a viajar.
Kelvin fora uma pessoa muito presente durante todo meu crescimento, éramos vizinhos e durante toda a vida até ano passado estudamos no mesmo colégio, mas infelizmente com o tempo ele deixou que sua vida fosse desviada a caminhos maus e acabou se perdendo nas drogas.
Entre pinos, tragadas, goles e festanças fomos nos afastando cada vez mais, porém ele decidiu que me usaria como o pico do prazer do seu mais novo vício, o sadismo.
Eu não entendia como era que ele podia ver a vida dele se esvair em perdição e querer me levar junto. Ele usava do conhecimento em relação aos meus sentimentos relacionados a sua pessoa pra me judiar, e Kelvin parecia amar aquilo.
Certo dia eu me descobri livre, não precisava passar por aquele tipo de situação, eu era e sou livre, não fui eu que tracei os passos dele pro abismo então não tinha que chorar, nem me culpar, eu não tinha responsabilidades sobre as más escolhas dele.
A amizade acabou quando eu comecei a bloquea-lo da minha vida, redes sociais, número de telefone, amizades em comum, fui deletando tudo o que possivelmente nos ligaria e me faria sofrer.
Porém como obra do destino sempre nos encontrávamos e Kelvin, bêbado ou são, drogado ou não, não hesitava em me martirizar. Palavras cruéis, menções doloridas, minha vida exposta de uma maneira horrível.
Ele estava sendo morto por ele mesmo aos poucos e parecia querer fazer o mesmo comigo. Eu então comecei a não sair, a ir pra escola e todos os recreios me refugiar no banheiro ou na sala das inspetoras.
Eu não abria minha boca, pois era ameaçada e psicologicamente eu não estava bem para debates de como foi que eu havia deixado aquilo chegar tão longe.
Meus pais já tinham preocupações demais pra lidar e se eu exposse os meus seria mais um peso que eles teriam que lidar. Então eu me isolou, fui minha própria psicóloga, não me deixava burlar uma refeição, praticava exercícios, ouvia novas músicas, praticava pintura e maquiagem e com isso aprendi várias técnicas e comecei até estudar uma nova língua, espanhol.
Eu tinha algo em mente, não me deixaria morrer pelas mãos de Kelvin, mas também não permitiria que eu mesma me matasse. Eu não tinha culpa, estava me resguardando dos ataques que ele investia em mim, apenas.
Funcionou, mais ou menos, todos achavam que era uma fase, iria passar, eu era a adolescente que agora estava perdidamente apaixonada pela solidão e pela privacidade que meu quarto me oferecia.
A parede do meu quarto foi parar em uma página de arte do Instagram pela pintura que eu fiz, era um coração esmagado por uma mão grande e repressora dessa situação nascia uma linda, forte e resistente flor.
Essa era a mensagem que eu carregava comigo e ainda quero carregar, os problemas não definem o meu caráter, quem eu sou, mas moldam a minha maneira de enxergar e de enfrentar as dificuldades.
Kelvin foi mandado para o Rio de Janeiro em Setembro do ano passado, estava a quase um ano lá. Os pais já não viam outra maneira de tentar ajudá-lo a não ser interna-lo em uma clínica de reabilitação.
Eles o afastaram das más influências, mas o deixaram sob o poder dos avós que tinham pulso firme por terem sido militares.
Quando a notícia chegou a mim foi como se tirassem toneladas das minhas costas, a primeira semana eu ainda permaneci trancafiada por vontade própria, mas na segunda semana eu fui acampar com minhas amigas. Ficamos três dias na beira do riozinho que havia na fazenda do avô de Alicia e depois voltei a frequentar os shoppings e os cinemas, voltei pras livrarias e a passear pela praça.
Os exercícios passaram ser ao ar livre, me lembro que gostava de dar três voltas ao redor da praça todo final de tarde. As pinturas continuaram, mas dessa vez no quintal da frente de casa, passei a ensinar os filhos dos meus vizinhos de graça.
E agora eu treinava maquiagem nos rostos das minhas amigas, depois reproduzia a make na sexta a noite pra que elas saíssem. Aprendi novas receitas e maratonei muitas séries e assisti várias sagas de filmes, todos muito amados.
A sensação que eu tinha era de pura e plena paz, era a cura que eu estava buscando por muito tempo. Eu era livre, finalmente e completamente.
Mas então, como pode-se ver, tudo o que é bom dura pouco, de maneira nenhuma quero voltar a manter contato. O guri é aquele tipo de pessoa que só de ouvir a voz seu estômago embrulha e você sente vontade correr pra mais longe possível.
Kelvin ainda era meu monstro em forma de gente.
- Angel? - Anne toca meu ombro - Você está bem?
- Estamos preocupadas, você está branca como quando voltou do banheiro. - fala Tina
- Está tudo bem, é só um mal estar. - digo tentando acalma-las e reprimindo o choro.
Kelvin é venenoso e seu veneno ultrapassa qualquer coisa, qualquer distância.
- Angelina, se você quiser compartilhar conosco o que está te pondo pra baixo estamos aqui. - diz Ali segurando a minha mão e abraçando meus ombros.
- Obrigada meninas. - digo grata pelo apoio. - Mas eu não me sinto confortável para expor esse problema, é algo delicado pra mim e... - não aguento e algumas lágrimas caem, seguida por outras e outras.
- Não tem problema, estamos aqui nem que for pra enxugar suas lágrimas e garantir que vai ficar tudo bem. - fala Malia companheira
Alisson aperta mais seu abraço e segura firme uma das minhas mãos, Anne acaricia minhas costas e eu tento parar as lágrimas que escorriam cansadas de serem escondidas e impedidas.
E então como se eu fosse ser arrebatada, sinto-me ser puxada para longe do banco e o rosto de Blan aparece no meu campo de visão.
- O que aconteceu Angelzinha? - pergunta preocupado me envolvendo em seguida em seu abraço.
Sinto que nesse momento os olhos de quase todo o pessoal que estava no pátio está em mim, me forço parar e fungo ao me retirar dos braços dele.
- Eu não estou me sentindo muito bem, mas é só um mal estar que vai passar logo. - garanto e vejo que terei que explicar de novo pois o bando todo vinha que nem gavião para perto de nós.
- O que foi que aconteceu princesa? - pergunta Josh examinando meu rosto
- Não estou legal, acho que é o efeito da gravidez. - digo séria querendo pregar uma peça neles.
- GRAVIDEZ? - pergunta os quatro homens tudo de uma vez.
Eu gargalho ao concluir que havia dado certo.
- Homens e suas gafes. - rio junto das meninas - Estava brincando, não estou grávida, é apenas um mal estar comum. - garanti
Tom assentiu, Josh concordou e arrumou uma mecha do meu cabelo atrás da orelha.
- Se não melhorar pede pra Flávia ligar pros seus pais. - disse preocupado
- Pode deixar, obrigada por se preocuparem galera. - abraço Josh e depois Blan. - Mas eu vou ficar bem, podem ter certeza. - disse e o sinal tocou.
Thomas me acompanhou pra deixar o copo na cozinha da escola, depois encontramos o resto do pessoal no pé da escada nos esperando. Subimos todos juntos e Tina pediu pra que eu fosse lavar meu rosto que ela se encarregaria de pegar meus materiais.
Entreguei a chave a ela e a agradeci, fui ao banheiro lavei meu rosto o sequei, fiz o "número um" e depois de lavar as mãos e sair do local bebi um pouco de água.
Entrei na sala minutos antes do professor e me sentei aliviada por não ter ficado pra fora.
- Tudo bem? - resolveu conferir Blan
Eu assenti com um sorriso simples, sem lhe mostrar os dentes e me voltei pro professor de Arte que também estava trabalhando com as vanguardas.
Todas as aulas foram tranquilas, me distanciaram do meu problema em questão, em história discutimos sobre o Nazimos e suas características bizarras e desumanas. E em inglês interpretamos textos e respondemos questões, ouvimos uma música, cantamos ela e depois a analisamos tentando compreender sem traduzi-la totalmente.
Enfim o almoço, resolvemos ficar no nosso andar mesmo e Malia se prontificou pra buscar nossas marmitas, rapidamente John se ofereceu pra ir com ela e enquanto os dois se afastavam nós, garotas, nos entreolhamos.
Os garotos perceberam nossos risinho e quiseram saber o motivo, mas nós fizemos cara de paisagem e demos uma desculpa qualquer.
Formamos a nossa rodinha e depois que os dois pombinhos chegaram Tom distribuiu as cartas e jogamos três partidas de uno enquanto comíamos mesmo.
Logo depois eles quiseram jogar baralho e foi quando eu, Thomas e Anne deixamos a roda. Nem se eu quisesse conseguiria entender e aprender esse jogo. Naipe, rei e rainha, tem rainha nesse jogo? Independente, são tudo a mesma coisa para mim.
Estávamos em um papo bom, Anne contou que era cristã e os olhos de Tom brilharam, sem malícia, era alegria genuína.
Enquanto os meninos gritavam ferozmente algunns números e "truco", ela continuava compartilhando sua história.
Ela disse também que estudou no Japão por ter anos, quando o pai precisou ser transferido pra empresa de lá pra substituir um funcionário que havia sido demitido.
- A parte mais difícil de morar lá foi a comunicação. - contou - Eu tive que aprender na marra, pois apesar de meus pais e meus irmãos serem fluentes eu ia pra escola sozinha.
- Fala alguma coisa em japonês. - peço e ela sorri
- Koko no shiten ni manējā ga hitsuyō ni naruto sugu ni Burajiru ni modori, chichi wa shōshin shite koko ni tenkin shimashita - disse e eu fiquei fascinada
(ここの支店にマネージャーが必要になるとすぐにブラジルに戻り、父は昇進してここに転勤しました。)
- Meu Deus, eu não entendi nada. - disse Thomas e nós rimos.
- Finge que entendeu guri. - o repreendo brincando
- Eu disse que voltamos pro Brasil assim que a filial daqui precisou de um gerente, meu pai foi promovido e transferido de volta pra cá. - explicou e eu sorri
- Olha que coincidência, todos nós aqui temos descendência estrangeira. - comento
- Eu sou considerado estrangeiro na verdade. - diz Tom - Nasci no Líbano. - conta e resume a história de seus pais
- Que legal Tom e você Angel? - pergunta e eu termino de mastigar o último pedaço da minha lasanha.
- Meu pai nasceu em Austin, no Texas. - contei - Mas eu nasci por aqui mesmo.
- Acho que vou me sentar aqui com vocês - fala Ali se aproximando. - A conversa está melhor do que assistir a esses doidos escandalosos.
Josh escuta, solta um risinho e um grito logo em seguida que chama atenção de alguns alunos. Eu rio baixo e Ali revira os olhos.
Conversamos mais um pouco antes de Blan nos chamar para uma última rodada de Uno antes do sinal bater. Dessa vez eu fui a primeira a ganhar e depois Malia e então Karina.
- Nos mulheres ainda vamos dominar o mundo. - estendo a mão fazendo um higt-five com minhas amigas.
O sinal bate e vai cada um pro seu armário pegar seus materiais. Nos despedimos e vai cada grupo pra sua sala.
Mais duas aulas e somos liberados, caminhamos em conjunto até a saída e as primeiras a irem embora é Valentina e Karina, descobri que por morarem no mesmo condomínio a mãe de Tina dava carona a amiga da filha. Thomas vai quando sua mãe chega e Blan com ele, pois segundo o que me explicaram teriam que fazer o trabalho que deixaram de fazer na segunda.
Logo depois delas Malia e Talia saem para pegar o ônibus, Anne se despede quando o carro preto da mãe aparece e essa acena para nós. Sobra apenas eu, os gêmeos e Alisson.
Josh e Ali conversavam animadamente sobre faculdade e aproveitei essa deixa pra me aproximar de John e encurrala-lo.
- E ai, o que rola entre você e a Malia? - pergunto e o vejo sorrir nervoso
- Garota como você é direta. - empurrou o óculos redondo para cima
- Desculpa se estou invadindo sua privacidade, mas eu queria mesmo saber. - falei sincera
- Nada na verdade - contou simples - Nós nos gostamos - confessa
Isso garoto, é recíproco! - penso e sorrio por dento.
- Mas eu não quero fazer nada sem pensar nas consequências do futuro e machucar nós dois. - fala e eu assenti
Menino sensato.
- Sabe Angel, eu sou o tipo de pessoa que não gosta de brincar com os sentimentos das pessoas pra me retirar depois e deixá-la sofrer.
Ele não faz o tipo mesmo de sádico, porque isso me lembra quem eu não queria lembrar? Enfim, Malia está em boas mãos.
- Mas você precisa se resolver rápido John, pois você pensa que não, mas ela já está sofrendo com a sua falta de posicionamento perante essa questão. - ele suspira
- Eu gosto dela, de verdade, mas não quero tornar isso oficial e me mudar ano que vem e não poder ve-la com tanta frequência. - diz - Acho possível sim relacionamento a distância, mas ele é mais complexo. - se justifica
- Sinceramente, falando como uma amiga, Malia gosta demais de você, e eu acho que vale a pena arriscar pra ver no que dá.
Ele coça a nuca, o assunto é delicado eu sei, e então suspira.
- Eu vou pensar com carinho nisso, eu prometo. - sorriu calmo para mim
Ele é um cara inteligente, estava pondo na ponta do lápis os prós e os contras da situação, claro que a decisão, de sim ou não, estava sendo adiada pelo maior número de contras que ele havia encontrado.
- Eu sei que vai e tenho certeza que no final das contas você chegará a um denominador comum que será bom para ambos. - falei sincera - Mas independente eu torço por vocês.
Ele sorri e volta a ajeitar o óculos e então Ali e Josh se aproximam de nós.
- Papai chegou. - diz o descolado
Nos despedimos e ao abraçar Josh ele me faz prometer que se acontecesse alguma coisa comigo era pra eu contata-lo.
Ah claro!
- Promete princesa? - estreita os olhos e eu demoro a responder. - Angelina. - diz calmo e lentamente meu nome
- Tudo bem. - sorrio vencida
- Promete de dedinho? - estende o mindinho pra mim e eu o olho.
Raios, não pode descumprir esse tipo de promessa.
- Certo. - enlaço meu dedo no dele e ganho um beijo na testa, posso enxergar ali a sinceridade da amizade, mesmo no curto espaço de tempo.
- Tchau meninas. - acena John já no carro e acenamos de volta.
Alisson morava perto da escola, então desci com ela os dois quarteirões e da casa dela chamei um Uber.
Minutos depois estava a caminho de casa, sendo conduzida por uma mulher simpática e toda cheia de história.
Assim que chego, pago, agradeço e pego o número do whatsapp dela para chama-la mais vezes.
Não havia ninguém em casa, a garagem vazia denunciou. Entro com a minha chave e subo direto pro quarto, tomo banho e faço algumas tarefas.
Depois desço a fim de preparar o jantar. Coloco o feijão e um brócolis pra cozinhar, em panelas diferentes. Coloco no forno as coxas de frango, que eu já havia temperado, pra assar e frito alho e cebola pra fazer arroz.
Enquanto espero ele dourar pego alface e pepino na geladeira e então despejo dois copos de arroz na panela e mexo, água e sal e coloco a tampa, abaixando o fogo em seguida.
Pego uma vasilha de inox rasa e decoro com a salada, deixo de lado e vou ver o brócolis. Corto suas "árvores" em pedaços menores e separo dos caules grossos.
Em uma panela derreto manteiga e os jogo lá dentro, deixando que ele refogue, depois jogo cebolinha e então coloco em uma vasilha de vidro com tampa para o calor não fugir.
Desligo o arroz e o experimento, perfeito. Faço o tempero da salada e então ouço a maçaneta da porta girar, da cozinha consigo ver minha mãe entrar na sala.
- Meu Deus do céu o cheiro por aqui está ótimo. - diz colocando a chave do carro sobre o aparador de madeira e vidro fosco.
- Uau, está bom mesmo. - papai entra logo depois dela e caminha até a cozinha enquanto mamãe caminha até a TV para abaixar o volume da música que eu ouvia com um resmungo.
- Obrigada gente. - sorrio mexendo o alho com o qual eu ia temperar o feijão. - Benção pai. - peço assim que ele fica próximo ao ponto de beijar-me na testa.
- Deus abençoe filha. - diz calmo e cheirando a clínica médica - Já está pronto?
- Ainda não, em cinco minutos estará. - digo jogando o tempero quente dentro da panela de pressão e mechedo.
O penúltimo estágio do feijão antes dele ficar pronto.
- Tudo bem, vamos tomar um banho rapidinho antes de juntarmos. - fala mamãe e vem me dar um beijo.
- Benção mãe. - peço e beijo seu rosto também
- Deus abençoe filha. - sorri
Meu pai já havia subido, mas ela permaneceu ali por mais dois minutinhos pra me perguntar se havia corrido tudo bem com o Uber.
Eu a tranquilizei dizendo que havia sido bom e tranquilo a volta pra casa. Ela então também sobe e três minutos depois meu pai desce, ele me ajuda terminar o suco.
Mamãe alguns minutinhos depois também adentra a cozinha, coloco na mesa a assadeira de frango com batatas, junto da salada e do brócolis. Um espetáculo de jantar, modéstia a parte.
Nos sentamos a mesa, cada um se serviu e entre um elogio e outro nós conversamos sobre os nossos dias.
Era sete horas quando tiramos a mesa e mamãe lavou a louça. Guardamos a comida e nos dirigimos a sala, menos a minha mãe que resolveu adiantar um projeto e se esquivou de volta para a sala de jantar e espalhou pela mesa, limpa, seus materiais de trabalho.
Assisti alguns episódios de Friends com meu pai, mas quando deu dez horas eu já não conseguia segurar meus olhos abertos.
- Eu vou deitar. - anuncio e meu pai assente - Benção pai, dorme com Deus. - estendo a mão a ele.
- Deus abençoe filha, dorme com Deus também.
- Amém pai. - sorrio depois de beijar sua mão.
Vou até minha mãe e também lhe peço benção, depois subo e escovos meus dentes, coloco meu pijama e caio na cama após checar minhas mensagens e conferir o dispertador
Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top