ʀᴇᴇɴᴄᴏɴᴛʀᴏ
Engoli a bile e a vontade de chorar com força.
Oh meu Deus!!!
Meu Deus, meu Deus, meu Deus.
- Angel... - disse quase em um sussurro e eu não me lembrava que ele era tão alto.
O fato era que Kelvin estava dentro da casa dos meus avós, bem na minha frente e me encarando com um semblante indecifrável.
Eu abri e fechei minha boca diversas vezes e em nenhuma delas eu consegui proferir uma palavra, nenhum sussurro sequer.
- O que você está fazendo aqui? - Jess perguntou com os dentes cerrados no meu lugar.
- Preciso falar com a Angelina. - respondeu simples, totalmente desarmado.
Eu ergui minhas mãos com as sobrancelhas erguidas, estava totalmente desacreditada com o que estava acontecendo.
Eu não sabia muito o que pensar então virei as costas e me afastei.
Não queria ouvi-lo, não queria vê-lo, não queria nem lembrar o nome dele, achei ter deixado claro isso, mas parece que ele não entendeu.
Em um determinado ponto a caminhada virou corrida, eu queria distância.
A maior possível.
Só parei para me sentar no píer, coloquei a cabeça entre as mãos e chorei.
Não queria ter que passar por isso, aliás esse reencontro era o que eu mais temia desde que ele tentou entrar em contato pela primeira vez.
Relembrar o passado e olhar as cicatrizes nunca foi fácil, e pior ficou agora com ele aqui.
Eu não sei por quanto tempo eu chorei ali sozinha, mas fiquei grata por nem Kelvin, nem Jess, nem ninguém vir atrás de mim.
Olho pra frente e respiro fundo, talvez eu devesse ouvir ele, assim me deixaria em paz logo de uma vez.
Talvez, talvez isso resolveria, não é?
Voltei a abaixar a cabeça e a clamar baixinho pela ajuda de Deus.
Meu celular tocou, peguei achando ser minha mãe, mas a tela denunciou o nome de Thomas.
LIGAÇÃO ON
- Oi Tom. - saudei torcendo pra minha voz não falhar.
- Hey Angel, tudo bem? - perguntou alegre.
- Tudo dentro dos conformes. - forço minha voz sair normal.
- Eu liguei pra avisar que vou mandar minha parte do trabalho por e-mail pra você, quero que dê uma olhada e analise com seu olhar feminino e me diga se está bom ou se muda alguma coisa. - pede e eu sorrio.
- Certo, pode mandar que eu olho sim, posso mandar meu endereço de e-mail por mensagem? - pergunto e deixo escapar uma fungada, torço pra que ele não tenha percebido.
- Pode, pode sim. - permite - Aaanh, Angel? - chama.
- Estou aqui. - fecho os olhos já sabendo que a pergunta viria, só não sabia como a responderia.
- Não querendo me intrometer, mas você estava chorando? - pergunta e eu suspiro.
- Eu estou legal, não precisa se preocupar. - afirmo calma.
- Angel, se precisar eu estou aqui pra te ouvir e... - ia dizendo, mas o interrompo.
- Tom, é pecado eu odiar alguém profundamente? - pergunto, ele se cala e permanece assim por alguns minutos.
- Na bíblia diz para amar os nossos inimigos. - responde me fazendo suspirar - Um exemplo disso foi quando Jesus pediu pra que Deus perdoassem as pessoas que o feriram, porque Ele as amava. - diz - Mas porque a pergunta?
- Uma longa história e... - respiro fundo antes de resolver contar logo de uma vez.
- Eu sinto muito por ele ter te feito passar por isso Angel, mas como você mesmo disse ele era um viciado, normalmente pessoas assim não sabem o que fazem porque são tomadas pelo maligno. - fala - Não menosprezando o sofrimento que ele causou em você, mas converse com ele Angelina, esse ódio precisa sair da sua vida. - aconselha.
- Não sei se consigo Tom. - confesso chorando de novo.
- Eu sei que é difícil liberar o perdão Angel, mas é necessário pra manter nosso coração puro assim como o de uma criança, pois só assim poderemos ver Jesus. - ele diz calmo.
- E como eu faço isso? - suspiro sentindo grande dificuldade de pensar no assunto.
- Comece orando, pois somente Deus pode te ajudar a liberar o perdão. - instrui - E depois, quando você se sentir preparada para isso, converse com ele. - fala e eu esfrego minha testa tensa.
- Eu... - respiro fundo - Você pode orar por mim Tom? Tá difícil lidar com essa raiva, essa dor... - peço confessando.
- Com certeza, vamos orar - fala e eu abaixo minha cabeça, fecho meus olhos. - Senhor meu Deus, estamos na sua presença pra rogar o seu favor pai, visita o coração da Angel, sara as feridas que ainda estão abertas. Purifica a alma dela e a ajuda a liberar o perdão, sabemos pai que a mágoa, o rancor, o ódio nos afasta de Ti Senhor e não podemos perder a sua presença nunca. Ajuda a Angel Senhor, revista ela com seu amor incondicional pelas Almas Senhor, que quando ela olhar para o Kelvin ela não enxergue a pessoa que a feriu e sim uma alma carente da sua misericórdia. - eu só consigo chorar - Pai venha inundar o coração dela de compaixão e a ajuda liberar o perdão, é o que te pedimos Senhor. Amém!
- Obrigada Tom. - digo limpando meu rosto, secando as lágrimas. - É incrível como eu sinto Ele aqui do meu lado. - declaro e ouço o garoto glorificar.
- Ele está ai o tempo todo Angel, pra te ajudar e te sustentar. - diz e eu me sinto abraçada.
- Amém. - fecho os olhos sentindo-me envolta de uma sensação inconfundível, o amor dEle. - Obrigada novamente Tom, eu acho que preciso ir, estou a umas horas fora de casa e acho que eles estão preocupados comigo.
- Isso, pode ir que não tem problema, fica com Deus. - se despede - Não esquece o e-mail. - relembra.
- Pode deixar, assim que desligamos eu já mando, ok? - observo a água que se estendia até a distante margem que era fronteira com a floresta.
- Tudo bem. - se silencia - Angel?
- Ainda estou aqui. - afirmo
- Se precisar de qualquer coisa pode me ligar, certo?
- Obrigada Tom, eu fico grata pelo seu apoio, pode deixar. - sorrio contente.
- Certo, fica com Deus. - se despede.
- Amém, fica com Ele também. - digo e em seguida desligo.
CHAMADA OFF
Ainda olhando pra tela do celular eu respirei fundo, mandei o endereço de e-mail pra ele e então bloqueio o celular. Balanço meus pés descalços dentro da água sentindo uma brisa fresca beijar minha pele, meu cabelo balança e eu sorrio sentindo paz.
- Angelina? - ouço meu nome não muito longe.
Meu pai.
Ele não demora pra sentar ao meu lado e tirar seus sapatos também.
O silêncio predomina por alguns minutos e então ele fala:
- Vai me contar o que aconteceu princesinha? - eu o olho e sorrio.
Deito em seu ombro e respiro fundo, seria a primeira vez que eu iria expor a eles essa parte infeliz da minha adolescência.
- Agora está tudo bem pai. - afirmo com os olhos fechados - Mas a aproximadamente dois anos atrás aconteceram algumas coisas que eu não contei a vocês. - confesso e olho para ele.
- E porque filha? - pergunta com preocupação no semblante.
- Naquela época o senhor e a mamãe estavam naquela correria de exames, expectativas quebradas e a mamãe estava sofrendo muito, o senhor estava preocupado e eu não quis despejar sobre vocês mais problema, então eu preferi me calar e esperar passar. - conto e ele abraça meus ombros.
- Filha, por que fez isso? Nós somos seus pais e estamos aqui pra te ajudar e te proteger de todas as maneiras. - fala e eu sorrio sentindo a emoção chegar.
- E-eu não sei pai. - dou de ombros - Agora vejo que foi insano, eu poderia ter evitado muita coisa se tivesse contado pra vocês. - analiso minhas unhas depois que ele me solta.
- Mas o que aconteceu Angel? - pergunta e eu olho para frente.
- Bom, como o senhor se lembra eu e o Kelvin éramos inseparáveis. - começo calma - Mas então as coisas começaram a mudar depois que o pai dele deixou eles, Kelvin começou a se enturmar com uns garotos esquisitos da escola. - conto - Eu me lembro de ter conversado com ele e ter perguntado se aquilo seria a solução, mas ele riu de mim, mandou eu ir cuidar dos meus próprios problemas e perguntou quando eu tinha descoberto o que seria melhor pra vida dele. - olho pro meu pai.
- Eu sinto muito filha. - afaga minhas costas.
Eu rio fraco.
- Fica ainda pior, eu gostava dele e ele sabia disso. - confesso e me surpreendo quando não me envergonho de expor isso ao meu pai.
- Você gostava dele? - pergunta alto.
- Pai. - o repreendo rindo de sua careta.
- O que mais não sabemos? - franze o cenho.
- Eu tô contando pai, clama - peço sorrindo simples.
Eu o vejo assentir e olhar pras mãos.
- Bom, então depois desse dia ele começou a se envolver cada vez mais com os meninos, daí começo a fumar e logo depois vieram as drogas das pesadas. - conto sentindo meu coração doer.
Eu entendia Kelvin até a parte de tentar refugiar-se nos delírios que a maconha e as outras drogas lhe proporcionava, como eu pesquisei no google, uma sensação de relaxamento, não existe problemas quando se está drogado, mas então ele decidiu que me machucar também era divertido.
- Ele começou a zombar de mim, a fazer comentários, me humilhar, expor meus segredos a todos e isso perdurou até ele ser internado no Rio. - conto sentindo meu nariz arder e as lágrimas ameaçarem cair.
- Por isso passou a não sair, ficava só no quarto, não comia direito, estava sempre triste. - papai comenta e eu sinto sua dor por ter sido impotente, todos diziam que era fase. - Filha, porque não nos contou? - me abraça de lado.
- Me desculpa pai, eu deveria, mas não queria preocupa-los. - digo ainda em seus braços.
- Nós somos seus pais Angelina, nossa obrigação é te proteger de coisas assim. - ele suspira - A Celeste veio hoje ver sua avó, segundo o que sua mãe disse, elas estão aprendendo a bordar juntas e Kelvin veio junto para rever a vovó. - conta calmo - Ele voltou do Rio faz alguns dias.
Eu me afasto de seus braços e encaro a paisagem.
- Quando ele viu sua mãe ela disse que o garoto ficou nervoso e não demorou para arrumar uma desculpa e sair. - continua contando.
- Foi quando nos encontramos, quase um ano e meio depois. - digo baixo.
O silêncio predomina mais uma vez e eu suspiro.
- Eu vou conversar com ele, Kelvin vem tentando contato desde a alguns dias atrás. - conto - Ele falou que precisávamos conversar mais cedo, mas eu não reagi muito bem. - falo calma. - Na real pai, eu nunca mais queria vê-lo, nem se estivesse coberto por ouro. - confesso e papai afaga minhas costas. - Mas eu preciso tirar esse peso que invade meu peito toda vez que eu lembro ou alguém menciona ele.
- Vai ouvi-lo? - pergunta abraçado a meus ombros.
- Vou. - afirmo ainda temerosa.
- Vai perdoa-lo? - eu o encaro, pergunta difícil.
- Se Jesus morreu naquela cruz pra nos dar o perdão, eu tenho a obrigação de pelo menos tentar perdoa-lo pai e se não conseguir agora vou continuar - digo tendo uma guerra interna dentro de mim - Mesmo que mesmo vontade na verdade seja manda-la caçar caquinhos no cocô das vacas. - confesso e ele ri.
- Você é especial minha filha, não tenho dúvida que Deus lhe ajudará a perdoa-lo.
Eu assinto e continuamos ali sentados em silêncio, só observando a grandeza de Deus na natureza.
Quando voltamos pra casa nada parecia como eu imaginava, Jess não estava e mamãe não correu até mim preocupada.
- Ué, cadê a Jess? - pergunta minha mãe quando me vê entrando.
- Achei que ela estava aqui. - digo simples - Eu saí pra dar uma caminhada pelo píer e ela tinha ficado.
- Ah, ela deve ter ido se encontrar com o novo namoradinho. - vovó comenta e meu avô retruca. - Depois ela ia pra casa da amiga. - conta e eu assinto.
- Como foi o dia de vocês lá na oficina? - pergunto me sentando perto do meu avô.
Ainda eram três horas da tarde, eles não costumavam fechar tão cedo.
- Dentro dos conformes, Anderson ficou responsável pelos carros, eu vim aproveitar a presença de vocês. - sorriu e eu abracei seu pescoço.
Mamãe e papai teriam que ir a cidade as cinco horas, pra encontrar com o advogado e mostrar os documentos.
Eu iria com eles, mas ficaria na casa da Carol, Jess programou uma festa do pijama pra que eu pudesse fazer a surpresa, a mãe da loura já sabia e era minha cúmplice também.
Quando deu quatro horas eu subi, peguei uma mochila, coloquei o que iria precisar e desci para me encontrar com meus pais.
Me despedi dos meus avós e entrei no carro.
- Filhota, amanhã onze horas estamos passando pra te pegar, certo? - questiono.
- Tudo bem. - sorrio - Beijinhos carinhosos. - desço do carro e caminho até o grande portão branco.
Toco a campainha e a Heloísa, mãe da Carol atende. Ela abre o portão social e eu caminho para a porta também branca.
- Oi Angel. - cumprimento com um abraço. - Quantas saudades você deixa menina, entra. - sorri calma me dando passagem. - Elas estão lá embaixo, assistindo filme, desde as... - olha no relógio - Desde as duas, Jess foi a última a chegar, elas nem imaginam o que nós estamos tramando.
- Beleza. - rio baixo - Obrigada Helô.
- Não tem que agradecer, pode descer se quiser, só cuidado que está a maior escuridão. - avisa e eu assinto.
Caminho pelo corredor que dava acesso a sala de tevê e o banheiro principal do primeiro andar, no fim tinha uma escadaria que dava acesso ao porão.
Poucas casas aqui no Brasil tem isso e não sei quanto os pais da Carol pagaram para fazer isso nesse terreno, mas tenho certeza que não foi pouco.
Realmente estava um breu, a única coisa que podia-se ouvir era o som alto do filme que passava, quando eu cheguei tirei meus sapatos e coloquei a mochila no chão o mais silenciosamente possível.
Havia três colchões infláveis no chão, todas elas estavam estiradas com almofadas embaixo da cabeça.
O filme não era desconhecido, assistimos mais de trinta vezes, sem brincadeira.
Eu até sabia as falas de cor.
Por um momento eu só observei, esperando chegar o momento certo para me revelar.
- O diário da princesa de novo? - perguntei normalmente.
Kiara, Alícia e Carol olham pra trás, mas a preguiçosa da Nanda continua deitada, Jess se senta observando a cena das meninas com suas bocas abertas em surpresa.
- Galera, eu tô com tanta saudade da Angel que tô até ouvindo ela reclamar do filme. - comenta Nanda ainda prestando atenção na grande tela.
As meninas gritam e eu rio divertida, elas mais que depressa se levantam e correm me abraçar.
- Vocês estão ficando louca... - a morena perde a fala quando olha para trás me vê finalmente.
Ela dá um gritinho também e se levanta correndo.
- Você tá aqui mesmo. - ri de si mesma.
- É eu acho que sim. - sorrio e elas soltaram gritinhos de novo.
Jess nos olhava sorrindo, os braços cruzados ainda sentada no colchão.
- Você sabia disso Jessica? - Carol pergunta e ela ri.
- Mas é lógico que sim, eu sou prima dela. - responde se jogando de costas no colchão.
As meninas avançam sobre ela e começam uma surra de almofadas, eu me junto a elas rindo um monte, mas prefiro sóobservar.
- Já chega, já chega. - pede minha prima - JÁ DEU! - grita e todas param - Sua mãe também sabia. - diz a Carol com um sorriso e as garotas recomeçam as almofadadas.
- Vocês tem noção que parecem crianças do primário? - rio as observando.
- Talvez. - pondera Kiara e elas todas riem.
- Eu estava com saudades. - confesso e elas me abraçam de novo.
Minhas irmãs, era isso o que elas eram para mim.
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