Quatro

Jill sorria, muito satisfeita consigo mesma, ao escapulir silenciosamente pela porta da cozinha para a brisa da noite. Barb podia posar de durona e negar o quanto quisesse, mas só era necessário colocá-la a um raio de dez quilômetros de distância de Collin para que ela começasse a vacilar. E com toda a proximidade estabelecida entre os dois durante o jantar, as chances dela perder o controle eram altas. Jill baseava suas apostas exatamente naquele fato.

No céu sem nuvens a lua crescente estava alta, quase completamente cheia. Os planos de Jill ao sair da casa se resumiam em deitar-se em uma das espreguiçadeiras à beira da piscina e esperar até que fosse seguro voltar para seu quarto, porém a luz prateada a convidava a caminhar.

Jill nem se lembrava qual fora a última vez que havia saído para passear pelo rancho à noite e se perguntou por que havia deixado de o fazer. Em um dia normal, as temperaturas em Spring Creek alcançavam os trinta graus com facilidade, tornando quase impossível andar pela propriedade. No entanto à noite, quando tudo aquilo que se escondia do sol escaldante vinha à tona em busca de ar fresco, os insetos zumbiam pelos pastos e os sapos coaxavam nas margens do lago, a sensação era a de se caminhar por uma mente vazia.

Na verdade, ela não sabia explicar. No dia anterior, quando decidiu vir para o Texas, um dos pensamentos que lhe ocorreu foi que sentiria falta do ruído contínuo e da agitação de Nova Iorque. Contudo estando ali, em meio à harmonia do silêncio num lugar onde até o tempo parecia desacelerar, ela só conseguia pensar no quanto havia sentido falta de casa sem perceber.

Jill caminhou até às margens do lago e pensou em se sentar no píer para apreciar a tranquilidade noturna quando seu telefone vibrou no bolso traseiro do seu short jeans. Era uma mensagem de Brian.

Sei que aceitei te dar um tempo,
mas sinto muito a sua falta, Jill.
Espero que você tenha chegado
bem.

Ela suspirou. Não queria pensar naquilo. Não queria estragar a sensação de paz que havia acabado de redescobrir. Desligou a tela do telefone, o enfiou de volta no bolso e decidiu que o melhor a se fazer era andar um pouco mais.

Jill seguiu pela margem do lago, indo sempre na direção que a brisa soprava, até chegar próximo ao picadeiro e à parte do lago onde os cavalos tomavam banho. Daquele ponto, ela tinha uma vista única do pavilhão, do redondel e do próprio picadeiro, o primeiro utilizado para domar e o segundo para exercitar os animais. Tudo pareceria exatamente do jeito que deveria estar, se não fosse por uma luz acesa em um dos lados do pavilhão, indicando que ainda tinha gente por lá. Intrigada, Jill resolver investigar.

À medida que ia se aproximando, mais detalhes se revelavam na pouca claridade. Ela não tinha percebido quando estivera mais cedo no pavilhão, mas em uma de suas extremidades, exatamente naquela onde a lâmpada cintilava, janelas e portas tinham sido instaladas na parede branca de tijolinhos. Até uma pequena varanda com degraus de madeira havia sido construída e, ainda de longe, Jill conseguiu distinguir a silhueta de uma pessoa sentada na penumbra.

— Boa noite. – ela cumprimentou, reconhecendo o domador. Jesse. Ele estava sentado numa cadeira de jardim e tinha uma cerveja long neck numa das mãos. O cabelo penteado para trás parecia úmido. Aquela parte do pavilhão devia funcionar como um alojamento e ele parecia morar ali.

— Você não deveria andar por aí de sandálias, principalmente à noite. – Jesse comentou um pouco indignado com o descuido de Jill, sem se levantar de onde estava – Tem cobra na beira do lago, sem contar que você pode pisar num buraco e torcer o pé.

Jill bufou, deixando uma risadinha irônica escapar enquanto subia o lance de degraus que dava acesso à varanda.

— Não sei se você sabe, mas eu cresci nesse rancho. – ela o respondeu no mesmo tom, cruzando os braços e o mirando como se o desafiasse a lhe contradizer – Eu conheço bem o terreno e sei por onde posso andar.

Os olhos de Jesse se estreitaram, o deixando muito sério de repente.

— Se você pisar numa cobra, é certo que ela vai picar seu calcanhar. – ele disse cheio de convicção. Jill chegou a abrir a boca para revidar, mas o domador a tinha deixado sem saber como lidar com ele.

Horas antes Jesse a tratara de uma forma tão bruta que levara até a pensar que podia ter feito algo para o ofender. Porém, como aquilo era possível se eles tinham acabado de se conhecer? E ali estava ele outra vez, a tratando de um jeito que ela não sabia dizer se era condescendente ou realmente preocupado. Aquele homem tinha o dom de deixá-la confusa.

— Cerveja? – ele ofereceu quebrando o silêncio incômodo.

Jesse esticou o braço para alcançar a caixa térmica que Jill ainda não tinha percebido no chão e tirou de lá uma garrafa como a dele, só que molhada por ter estado imersa em gelo derretido. Jill já havia bebido a sua quota diária de álcool na forma de vinho durante o jantar, mas por falta de uma ideia melhor, deu um passo à frente e aceitou a long neck.

Ela sorriu em agradecimento, girando o lacre de metal com um pouco mais de força do que o necessário, quase fazendo a cerveja espirrar em sua cara. Jill tentou disfarçar, analisando a tampinha por um instante antes de a guardar no bolso do short, desejando que Jesse tirasse os olhos dela mas de nada adiantou. Toda a atenção dele continuava focada em Jill.

— Acredita que eu tinha esquecido como que as noites aqui são bonitas? – ela comentou, só percebendo que tinha usado a cartada mais batida de todas quando a última palavra saiu de sua boca. Jesse não parecia do tipo que alimentava conversas longas e vazias sobre o tempo.

— Me lembram o lugar onde eu cresci. – ele respondeu melancólico depois de um tempo, surpreendendo Jill e levando a garrafa à boca para sorver dois goles de cerveja de uma única vez.

Jill o observou com interesse, se perguntando se ele tinha consciência do quanto havia acabado de revelar sobre si mesmo. Jesse sentia muita falta do lugar sobre o qual falava e aquilo a fez soltar um suspiro de empatia. Era muito provável que sua primeira impressão a respeito do domador estivesse errada e ele só fosse uma pessoa solitária. Sua mãe havia comentado algo muito tempo antes sobre ele não ter família no Texas.

— Eu sempre amei Spring Creek. – Jill disse, decidida a tentar fazer amizade mais uma vez. Ela se sentou em umas caixas de madeira que estavam encostadas na parede já que a única cadeira ali estava ocupada por ele. – Logo que me mudei pra Nova Iorque costumava ter sempre o mesmo sonho. – ela se lembrou com um sorriso – Meu irmão e eu devíamos ter dez anos e estávamos brincando no lago. O engraçado é que nosso pai sempre estava sentado na margem pescando, o que ele nunca gostou de fazer. Depois mamãe aparecia com sorvete e torta de maçã, e a gente comia dentro da água porque estava fazendo muito calor.

Rachel, a mãe de Jill, jamais permitiria que os filhos comessem e tomassem banho ao mesmo tempo, independente do quão alta a temperatura do dia estivesse. Ela sempre os obrigava a sentarem à mesa "como pessoas civilizadas", além de esperar meia hora antes de voltar para a água depois das refeições. Jill sempre classificou aquele sonho como bizarro, e nem era pelas coisas improváveis que aconteciam nele, mas sim por ela só o ter tido quando já não morava em Spring Creek.

— Por que você foi embora? – Jesse quis saber de repente, obrigando Jill a deixar suas memórias para mirá-lo um pouco constrangida, sem compreender do que ele falava a princípio – Não me leve a mal. – ele continuou, dando de ombros – Tem quase um ano que trabalho aqui e é a primeira vez que eu te vejo.

Jesse levantou os olhos e encontrou os de Jill. Os dois se encararam. Jill conseguia ver que ele receava que sua falta de tato fosse mal interpretada, mas que sua curiosidade era maior e, principalmente, genuína. Parte da teoria de Jill se confirmou naquele instante e ela percebeu que Jesse também estava questionando se a primeira impressão que tinha tido dela não estava equivocada.

— Eu fui pra lá pra estudar. – Jill explicou, decidida a ser o mais sincera possível com ele – Queria tanto ter sucesso na minha carreira e fiquei tão focada em conseguir isso que me perdi em muita coisa. Foi preciso cair um raio na minha cabeça pra eu perceber que não sabia mais o que estava fazendo.

Jesse assentiu, seus olhos ainda presos aos de Jill,observando-a com atenção.

A imagem que ele tinha dela se formara muito antes de encontrá-la pessoalmente pela primeira vez naquela tarde. Rachel Mcmillan gostava de conversar e sempre contava fatos sobre os filhos, de quem era extremamente orgulhosa. De Jill, tudo o que Jesse ouvira o fizera imaginar a típica garota bem nascida que dava valor para tudo o que não devia, sempre insatisfeita com o que estava ao alcance e desejando mais do que era necessário ter.

Trabalhando como domador, não era a primeira vez que ele encontrava alguém com aquele tipo de atitude. No passado, Jesse aprendera uma lição preciosa que, mesmo se quisesse, jamais conseguiria esquecer. No entanto, contrariando tudo o que acreditava, ali estava ele simpatizando com os problemas de Jill, pensando que ela podia ser uma exceção à regra.

— Um raio com nome e sobrenome. – ele chutou, soando um pouco mais amargo que o normal. Jill ponderou sobre a afirmação de Jesse por alguns segundos, dando um gole da cerveja e frisando os lábios na sequência quando o líquido gelado desceu por sua garganta.

— É. – ela anuiu concordando – Exatamente esse tipo de raio.

Todas às vezes que Rachel se queixava de saudades, defendia a filha dizendo que Jill não tinha tempo para vir visitar os pais por ter muito trabalho e porque precisava dar atenção ao namorado, um milionário russo que quase nunca estava na cidade. Quando aquilo acontecia, Jesse se limitava a ouvir a esposa de seu patrão por respeito a bondade que a mulher sempre demonstrara para com ele, e guardava para si a opinião de que tudo aquilo que ela usava como justificativa para explicar o comportamento da filha era na verdade só um punhado de desculpas vazias.

— Sei que se conselho fosse bom seria vendido em frascos. – ele disse por fim, se levantando da cadeira dobrável e trazendo consigo a caixa térmica, segurando-a por sua alça – Mas você não tem ideia da sorte que tem por ainda ter seu pai e sua mãe. Devia dar mais valor a eles. – completou, lutando contra o nó que havia se formado no fundo da sua garganta – Com licença. – pediu, desesperado para voltar a ficar sozinho – Preciso acordar muito cedo amanhã.

Jesse abriu a porta do estúdio onde morava desde que havia vindo trabalhar em Spring Creek e sumiu dentro do pequeno apartamento. Jill ficou sozinha do lado de fora três vezes mais confusa do que estava antes, se perguntando se era possível que aquele homem fosse bipolar.

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