Onze
Com um suspiro de contentamento Jill se espreguiçou na cama, empurrando os lençóis amassados para longe com os pés, e bocejou.
O ângulo da luz que atravessava as cortinas e iluminava a parede oposta dizia a ela que tinha dormido até quase o final da tarde, mas não importava. Caramelo e Amizade estavam bem. Ela e Barb haviam feito as pazes. E ainda havia Jesse.
Fazia muito tempo desde a última vez que Jill se sentira dona de motivos tão bons para se deixar ser feliz e não iria reclamar. Que seu relógio biológico enlouquecesse. Ela o curaria mais tarde com algumas taças de vinho se fosse preciso.
Ao se levantar, Jill abriu as cortinas que davam para a sua varanda e inspirou fundo, sentindo o aroma de terra molhada. A poucos metros dali, molhadores automáticos giravam e espirravam água fresca em todas as direções, regando a horta de sua mãe. Um par de garças voava baixinho na direção do poente, suas asas quase tocando a calma superfície do lago. O verde das árvores parecia se fazer ainda mais intenso naquela luz, cada folha uma pequena esmeralda tremulando na brisa fresca que soprava do sul. Mais do que o lugar onde tinha crescido, Jill percebeu que todas as suas impressões de como seria o paraíso se encaixavam bem ali, em Spring Creek, e que ela não precisava morrer para desfrutar dele.
Cantando ela desceu as escadas e, ao som da própria voz, preparou um sanduíche de pernil defumado enquanto dançava pela cozinha. Comeu sem pressa, tamborilando os dedos pelo balcão no ritmo da música e observando pela janela que dava para o pavilhão a movimentação lá fora. Não havia mais nenhum carro estacionado na entrada da enorme construção, o que só podia significar que Enrico havia ido embora.
E aquilo queria dizer que Jesse também estava acordado. Jill mal conseguia se conter, tamanha era a expectativa de estar a sós com ele mais uma vez.
Ainda havia claridade no céu quando ela caminhou para dentro do pavilhão e encontrou o domador debruçado no portão de uma das baias, observando égua e filhote.
— Tava me perguntando quando é que você iria aparecer. – ele comentou sorridente ao vê-la se aproximar.
Tão ansioso quanto ela, Jesse deu três passos na direção de Jill e a encontrou no meio do corredor. Ele não conseguia tirá-la de sua cabeça e a sua vontade era de pegá-la no colo, levá-la até sua cama, deitá-la lá e trancar a porta do quarto para que nada nem ninguém pudesse atrapalhar o que eles iriam fazer.
Jesse queria tirar a roupa de Jill centímetro por centímetro, abrindo um botão da blusa florida a cada suspiro dela, bem devagar, sem pressa alguma para acabar. E ele queria acariciá-la, sentir a pele dela se arrepiar de prazer contra seus lábios.
Fora só quando aquela chama voltou a se acender dentro de si que percebera o quanto estivera enterrado em tudo o que tinha acontecido no passado. Jesse havia se deixado esquecer como era desejar alguém, como era sentir a adrenalina pulsar por suas veias ao ter certeza de que também era desejado.
A verdade era que eles não deveriam se permitir envolver. Seria melhor para todos se Jill voltasse logo para Nova Iorque e aquela loucura acabasse. Mas... Por Deus! Ela o fazia se sentir vivo.
Todo o seu corpo estremecia quando os olhos verdes dela estavam nele. A cada segundo que passava ao lado de Jill, a cada instante em que a imaginava nua em seus braços ou que a ouvia rir, Jesse sabia que dava mais um passo na direção do ponto de onde não haveria mais volta, onde tudo poderia dar errado.
— Fiquei pensando que talvez você ainda estivesse descansando. – ela o respondeu baixinho por causa da proximidade, a mão procurando pela dele, seus dedos se entrelaçando sem receio, seu olhar o prendendo a ela.
Jesse não tentou resistir. Sua mão livre se enroscou por entre o cabelo solto de Jill quando ele tocou o pescoço esguio dela e, muito consciente daquela carícia, ela fechou os olhos esperando que ele a beijasse. Ao dar por si novamente, todo o peso de seu corpo pressionava o de Jill contra a parede e os dois arfavam, as bocas coladas, a mão dele cheia com um dos seios dela, as dela passeando por sua cintura, ambos inundados de tensão, e Jesse se obrigou a dar um passo para trás.
— Sábado à noite. – ele disse, se afastando o máximo que podia, até que suas costas tocassem a outra parede do corredor onde estavam – A gente podia ir à Denton. – continuou – Sei lá. Talvez jantar, beber umas cervejas no bar. – propôs dando de ombros, tentando fazer parecer que não importava muito, que não havia nenhuma expectativa ali. Não deveria mesmo existir nenhuma.
Ele havia decidido se deixar curtir o lance com Jill depois de muito debater consigo mesmo e jurar que não se deixaria levar. Jesse poderia tê-la em sua cama naquele instante, poderia deixar que tudo se resumisse a um momento, mas sabia que depois se sentiria um canalha.
— Você está me chamando pra sair, caubói? – Jill quis saber colocando as duas mãos na cintura numa pose fingida, metade espanto, metade diversão, o obrigando a revirar os olhos e rir, algo que ela parecia estar ficando especialista em fazer.
— Não me faça me arrepender. – ele reclamou, sentindo o nervosismo tomar conta de si mais uma vez, a vozinha em sua cabeça sussurrando o quão patético ele parecia por tentar dar contexto a algo que nem deveria estar acontecendo. Jill voltaria para Nova Iorque e para a vida glamourosa que levava por lá muito em breve. Tudo o que queria ali com ele era um pouco de diversão e, ela aceitando o convite ou não, era o que ele precisava manter em mente. Diversão. Alguns dias. Sem culpa. Nada mais.
— Longe de mim te fazer mudar de ideia. – Jill respondeu dando alguns poucos passos na direção de Jesse até que fosse o corpo dela pressionando o dele contra a parede – Vou adorar ir com você a Denton no sábado.
As mãos dela deslizaram por ele, subindo por seu peito até que seus braços estivessem enroscados no pescoço de Jesse e, mais uma vez, ele se perdeu nos beijos de Jill Mcmillan.
Naquele instante, Jesse teria se deixado levar. Ele teria desistido de se forçar a esperar um pouco mais e teria sucumbido ao desejo que sentia por Jill se ambos não tivessem ouvido um carro estacionar do lado de fora do pavilhão.
— Você está esperando alguém? – ela quis saber se afastando, fechando os botões da blusa que os dedos famintos dele haviam acabado de abrir.
— Não. – Jesse respondeu engolindo em seco, tomando fôlego. Precisava retomar o controle do próprio corpo. Ele ajeitou a calça jeans e seguiu na direção dos portões com Jill logo atrás.
— Deve ser Barb. – ela comentou, mas ele sabia que não podia ser. Tinha falado com a Dra. Trahan menos de uma hora antes pelo telefone, e teria compartilhado com Jill aquela informação se não tivesse sido surpreendido pela entrada das últimas duas pessoas que esperava ver no pavilhão naquele momento. – Mãe! – foi tudo o que Jill conseguiu pronunciar atrás dele antes de correr na direção dos recém chegados.
Quando viu os pais de mãos dadas caminhando na sua direção, os rostos amorenados por causa das semanas que haviam passado no litoral, ainda usando roupas frescas e descontraídas, o coração de Jill deu uma cambalhota. Ela correu até a mãe e a abraçou como se fizesse anos que não a via e foi correspondida do mesmo jeito, com o mesmo carinho, o mesmo entusiasmo e a mesma saudade.
— Eu disse que ela estaria no pavilhão, David! – Rachel, apertando Jill o máximo que podia, comentou feliz com o marido, que esperava sorridente ao lado das duas a sua vez de abraçar a filha.
— O que vocês estão fazendo aqui? – Jill quis saber um pouco emocionada, se soltando da mãe para ir até o pai.
— É tão bom te ver querida! – David desabafou quando ela o envolveu.
Depois de abraçá-lo bem apertado por um reconfortante instante, Jill se afastou para dar um beijo na bochecha barbeada do pai. Aconchegada em seus braços, ela observou o bigode farto que ele sempre usara e se lembrou de como costumava odiar as cócegas que sentia quando ele o passava nela todas às vezes que a pegava distraída. Jill jamais imaginou que um dia sentiria falta até mesmo das implicâncias incansáveis do pai, mas ali ela estava, quase pedindo a ele que passasse o bigode na sua orelha só para relembrar os velhos tempos.
— Vocês não tinham mais uma semana de férias? – ela insistiu, fazendo questão de mudar o assunto, decidida a não chorar por causa de uma coisa tão boba.
— Jesse ligou mais cedo pra avisar da Caramelo e sua mãe quis voltar. – o pai explicou, indicando com a cabeça o domador atrás de Jill – Desde o dia que você avisou que estava em casa que sua mãe estava querendo isso.
— Seu pai fala como se não tivesse sido ele a decidir que queria voltar hoje de manhã. – a mãe implicou num tom divertido no segundo em que Jill se soltou do pai e se colocou entre os dois, de frente para Jesse.
Morrendo de vergonha, Jill mirou os pés. De repente tinha 15 anos de novo e não sabia como dizer ao pai que estava namorando. Ela era adulta, tinha consciência daquilo, mas não havia nada que pudesse fazer para mudar o que estava prestes a acontecer.
No instante em que encarasse Jesse, Jill sabia que seu rosto queimaria e que ela não conseguiria se impedir de sorrir para ele como uma boba deslumbrada. E não existia uma forma de fazer tudo ficar mais óbvio. Seus pais saberiam exatamente o que os dois faziam no pavilhão sozinhos antes de serem interrompidos por sua chegada e a verdade é que não havia motivos para manter nada em segredo pra ninguém. Jesse também era adulto e ambos eram solteiros. Jill tinha certeza de que ele chegaria à mesma conclusão, que também escolheria levar tudo pelo caminho mais natural, porém, quando finalmente encontrou os olhos azuis do domador, ela sentiu toda a confiança que possuía se esvair como se fosse areia por entre seus dedos.
— Onde está a recém-nascida? – seu pai quis saber, completamente alheio ao que acontecia entre a filha e o empregado e, sem hesitar por nem um segundo, Jesse apontou a direção para o patrão em silêncio, dando as costas para Jill. Ele se lançou num relato detalhado dos acontecimentos enquanto caminhava ao lado de David Mcmillan e, sem acreditar no que tinha acabado de acontecer, Jill se deixou ficar para trás.
Ela teria compreendido se Jesse tivesse escolhido agir como se não houvesse nada acontecendo entre os dois. A teria machucado mais do que ousava admitir, mas ainda assim, Jill teria o entendido. Eles só haviam trocado alguns beijos afinal, e nunca conversado sobre o que estava acontecendo. Só que o que viu em Jesse foi muito mais do que receio em admitir algo que talvez fosse precipitado. Ele havia voltado a se fechar completamente para ela.
— Você não vem, querida? – a mãe perguntou, esperando alguns passos mais à frente, oferecendo a mão para que Jill a tomasse. Já bem afastados, Jill viu o pai e Jesse no fundo do pavilhão, conversando próximos da baia onde Caramelo e Amizade estavam, e se obrigou a colocar um sorriso no rosto.
De mãos dadas com a mãe e com um gosto amargo na boca, ela se juntou aos dois homens e fingiu participar da conversa quando, na verdade, só queria provocar um encontro de olhares com Jesse, mas ele continuava a evitá-la. Quando Rachel disse que estava cansada da viagem e que queria ir para casa, ele mal se despediu antes de murmurar um pedido de licença e dar às costas para o grupo, sumindo pelo portão mais próximo da entrada de seu apartamento e para o mais longe possível.
Confusa, Jill voltou para casa de carona com os pais e os ajudou a levar as malas para dentro de casa. Sua mãe, sabendo que não estaria em condições de cozinhar, havia parado na Nonna ao passar por Denton e comprado uma lasanha congelada de bolonhesa, a preferida de Jill desde sempre. Coube a ela vigiar o forno e arrumar a mesa enquanto os pais tomavam banho e, depois, Jill se sentou à mesa com eles para jantar, mesmo que mal tocando na comida à sua frente com a desculpa de que ainda estava cheia com o sanduíche que havia comido de tarde. Ela estava satisfeita em ouvir as histórias que os pais tinham para contar sobre suas aventuras durante a viagem pelo litoral.
Jill estava sim feliz, exultante por finalmente ter a mãe e o pai em Spring Creek e por saber que Collin voltaria para casa no dia seguinte, mas não conseguia tirar Jesse da cabeça nem o que poderia ter o levado a se comportar daquela forma com ela.
Passava das nove horas quando David e Rachel foram se deitar e Jill decidiu que não suportava mais. Nem mesmo chegar ao fundo daquela garrafa de vinho seria suficiente para a acalmar e era por aquela razão que voltaria ao pavilhão. Ela precisava compreender. E, assim, sem saber se o encontraria acordado ou sequer ter ideia de que ele conversaria com ela, Jill saiu de casa com uma lanterna na mão para ir encontrar com Jesse.
Ela bateu duas vezes na porta do apartamento dele e esperou, a apreensão borbulhando dentro dela. Ainda de longe Jill vira a luz tremulante escapando pelas cortinas das janelas do apartamento e deduzira que Jesse via tevê. No entanto, o encontrar em casa não significava que teria o que havia ido buscar e, quando ele finalmente apareceu, só provou que ela estava certa por pensar daquela forma.
Jesse estava sério, muito sério quando apareceu. Seus olhos, geralmente límpidos e tranquilos, estavam escuros e instáveis, fazendo-a compará-los mentalmente com uma nuvem tempestuosa que se aproximava no seu horizonte, evidenciando ainda mais algo que ela havia percebido dois dias atrás.
Aquela face de homem reservado e calado, de poucos amigos e que só se interessava por suas responsabilidades não era a verdadeira dele. Ela era o esconderijo de Jesse, aonde ele se refugiava e a que ele usava para manter as pessoas à sua volta distantes, a que ele estava usando naquele exato segundo para a afastar.
— Você não deveria estar aqui. – ele disse de mal humor antes mesmo que a porta se abrisse por completo, uma das mãos fechada em punho ao lado do corpo tenso, os lábios frisados numa linha fina de insatisfação. Jill o ignorou.
— Precisamos conversar. – o informou cheia de determinação. Seria necessário muito mais do que uma careta para fazê-la desistir.
— O que você precisa é ir pra casa. – ele retrucou, toda a postura na defensiva. Jill o viu engolir em seco e dar um passo em falso para ela antes de mudar de ideia no último segundo – Também precisa parar de vir aqui.
Bem! Ali estava com todas as letras. Ele estava terminando com ela.
— Mas o que foi que mudou? – Jill quis saber, se sentindo cada vez mais nervosa, mais confusa, com mais vontade de o segurar pelos braços e o sacudir até que ele lhe pedisse desculpas por complicar tanto as coisas – Eu mereço ao menos uma explicação!
— Nada mudou, Jill! – Jesse a garantiu no mesmo tom categórico que ela tinha acabado de usar – Por um instante eu só esqueci o meu lugar no mundo. – ele disse como se confessasse um pecado enorme – Sou funcionário do seu pai. E nós dois? – quis retoricamente saber, primeiro indicando a si mesmo para depois apontar para Jill – Isso jamais vai dar certo. Então é melhor acabar logo antes que alguém se machuque.
Jill piscou repetidas vezes, quase não acreditando no que tinha acabado de ouvir.
Então era aquele o grande problema? Ego?
E Jill achando que tinha começado a resolver o quebra cabeças que Jesse era, que começava a conhecê-lo, que tinha vislumbrado uma pessoa completamente diferente escondida por entre todas aquelas camadas de proteção, alguém que valia realmente a pena.
— Você está dizendo que não podemos ficar juntos porque eu sou filha do seu chefe. É isso? – ela perguntou para ter certeza, metade de si suplicando que ele dissesse que não, que ela tinha entendido tudo errado, que ele estava com tanto medo quanto ela; a outra gritando que não valia a pena, que ele era apenas mais um idiota, que ela deveria dar a ele o que desejava e nunca mais voltar ali quando ele a surpreendeu.
— Não é por isso! – respondeu indignado, a voz tremendo um pouco, desesperado para que Jill acreditasse nele. E ela acreditou. Foi quando viu a esperança se reacender no olhar de Jill que Jesse tomou fôlego e coragem para continuar. – Você é noiva de um cara rico que pode te dar tudo. – ele disse desviando o olhar para o céu e as estrelas inalcançáveis acima deles, tão brilhantes em meio àquela imensidão vazia, tão distantes do alcance de suas mãos – Eu não tenho nada pra te oferecer.
— Primeiro: eu não estou noiva de ninguém. – Jill garantiu, perplexa com o rumo inesperado que aquilo tinha tomado – Segundo: você sabe que eu não amo Brian.
— Da mesma forma que em menos de 10 dias você sabe que está apaixonada por mim? – Jesse quis saber, uma das sobrancelhas enfaticamente arqueada enquanto a fitava, e tudo o que ela pode fazer foi sustentar o enorme peso daquele olhar pelo que lhe pareceu uma agoniante eternidade, sua boca se abrindo e fechando repetidas vezes sem que ela conseguisse formular uma resposta – Foi o que eu pensei. – Jesse concluiu por fim decepcionado – Vá pra casa Jill. E por favor, – ele pediu dando dois passos para trás – não me procure mais.
Sem olhar para trás Jesse fechou a porta atrás de si, se refugiando na solidão de seu apartamento, deixando Jill sozinha, pasma e sem saber o que fazer, pela terceira vez. E última.
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