Oito

Estava decidido. Jill iria fazer aquilo.

Sem pensar nem mais uma vez – até porque havia passado a tarde inteira pensando – ela entrou na despensa da mãe e pegou uma caixa térmica na prateleira. Colocou dentro seis das garrafas de cerveja que estavam na geladeira e completou jogando cubos de gelo por cima para manter a bebida gelada diante do calor noturno do Texas. Quando tudo estava pronto, tentou levantar a caixa e, como suspeitou, precisou usar as duas mãos por causa do peso. Jill não conseguiria carregá-la por mais do que dez metros. De carro iria então.

Ela deu ré no SUV da mãe até estar o mais próximo possível da porta de entrada da casa e arrastou a caixa pelo chão de madeira até lá. Foi necessário força extra para a levar pelas escadas da entrada até o banco traseiro do carro, mas Jill estava determinada a ir até o fim. Suspirou fundo quando se acomodou no banco do motorista e deu a partida, guiando o carro na direção do pavilhão e sentindo o nervosismo fervilhar em suas veias.

Sentado na varandinha de entrada do pequeno apartamento que, por cortesia de seu patrão, ele ocupava, Jesse observava o céu escuro sem conseguir tirá-la de sua cabeça.

Ele não devia estar pensando em Jill Mcmillan, e sabia daquilo muito bem. Uma coisa era simpatizar com ela, ter chegado à conclusão de que não era a pessoa mesquinha que pensou a princípio. Outra completamente diferente era imaginar qual cheiro teria sua pele, se ela arrepiaria com seu toque, se se entregaria a ele se tentasse beijá-la. Jill era a filha dos donos de Spring Creek, e ele não podia esquecer o quanto devia a David e Rachel Mcmillan por terem o amparado quando ninguém mais o fez.

A princípio, quando viu o clarão dos faróis descendo a colina onde a casa da família ficava, Jesse pensou que podia ser Patrick, o administrador do rancho, pegando um atalho para chegar ao celeiro e a parte da fazenda dedicada a criar gado. No entanto, quando o carro não fez a curva que levaria naquela direção, ele se preocupou. Jill estava sozinha na casa, e poderia estar com problemas.

Seu coração acelerou quando correu para o pátio do pavilhão e reconheceu o carro de Rachel se aproximando pela estradinha de acesso. Jill piscou os faróis quando ele deu a volta pela frente do carro para alcançar a porta do motorista enquanto ela estacionava.

— Tá tudo bem? – quis saber alarmado assim que a porta se abriu para ela descer.

— Depende do seu ponto de vista. – Jill respondeu meneando a cabeça, num tom de brincadeira – Tenho uma caixa térmica com seis cervejas geladas no banco de trás e ninguém para ficar bêbado comigo.

Jesse bufou, fechando os olhos, sentindo o alívio tomar conta de si.

— Você quer ficar bêbada com seis cervejas? – se viu rindo. Ele queria que ela saísse de sua cabeça, mas não podia mais negar a vontade de provocá-la que aumentava a cada instante dentro de si – Vai ser necessário bem mais do que isso pra começar a me deixar tonto.

No dia em que a viu pela primeira vez das vigas do teto do pavilhão, parte dele se sentiu errada por espioná-la, mas a outra não conseguiu sequer se mexer para não a perturbar. Não podia explicar, mas vê-la conversar com os cavalos e observar em seus pequenos gestos quem ela realmente era vir à tona... havia ali uma satisfação que ele não conseguia abrir mão.

— Dá pra deixar de ser estraga prazeres por um instante e só aceitar dividir umas cervejas comigo? – ela pediu exasperada, colocando as mãos na cintura teatralmente – Eu só quero retribuir o favor do outro dia e você está tornando tudo mais difícil assim. – completou brincando, mas o mirando com interesse.

— Tá bom, tá bom. – ele se rendeu, levantando as mãos no ar para mostrar que não iria mais iniciar questões, que faria o que ela desejava sem questionar. Jesse achou que seria suficiente para a deixar satisfeita, mas a expressão dela mudou e Jill levou uma das mãos ao rosto para tentar esconder seu constrangimento.

— Você pode pegar a caixa térmica no banco de trás? – quis saber sem graça, olhando para ele por entre os dedos como se tivesse cometido uma atrocidade – Tá um pouco pesada.

— E como foi que você colocou no carro? – Jesse quis saber, abrindo a porta de trás e puxando a caixa pela alça. Realmente, estava bastante pesada.

— Não me faça essa pergunta! – ela respondeu balançando a cabeça negativamente, fazendo o cabelo curto ondular por seus ombros nus – É certo que amanhã nem vou sair da cama por causa de dor nas costas. Onde podemos nos sentar?

Jesse apontou para o banco embaixo do flamboyant a poucos passos dali e engoliu em seco. Não podia se deixar criar expectativas, mesmo que parecesse que ela estivera procurando desculpas para estar com ele. Fazia dias que Jill estava sozinha na casa da colina e aquela visita provavelmente significava apenas que sentia falta de conversar com outras pessoas.

Um brisa fresca soprou vinda do lago e fez o vestido vermelho que ela usava esvoaçar à sua volta. Era leve e solto, quase da mesma cor das flores nos galhos acima deles, e marcado na cintura por uma cordinha de juta. Deixava não só os ombros, mas também grande parte do colo dela à mostra. Era quase impossível desviar o olhar.

Jill se sentou no banco e sorriu, esperando que ele fizesse o mesmo. Jesse deixou a caixa térmica no chão e a abriu, pegando de lá duas das garrafas, abrindo a primeira e a oferecendo para ela.

Agradecida. – Jill brincou aceitando a cerveja. Ela aguardou que Jesse retirasse a tampa da própria e então levantou a sua em um brinde. – Tim-tim!

— Tim-tim. – ele retribuiu, encostando a garrafa na dela. Os dois deram cada um um gole e, depois, olharam para a quietude do lago, se deixando cair no silêncio.

Em meio ao murmúrio da noite, aquele momento se encaixou como se tivesse sido previsto há milênios e tudo desde então trabalhado para que pudesse acontecer. Jesse estava calmo, ao contrário do que achou que ficaria quando voltasse a estar sozinho com uma mulher, e não se sentia desconfortável. Quando olhou de lado, tentando não chamar a atenção dela, viu que Jill mirava o céu e que estava relaxada como ele.

Jesse poderia ter ficado horas observando os detalhes de longe, como a posição complexa da mão dela caída ao seu lado no banco ou as sardas que desciam pelo seu pescoço e sumiam por baixo do tecido fino do vestido. Só que Jill o mirou, sorrindo um pouco envergonhada por ter encontrado a atenção dele completamente nela, e se remexeu no banco para ficarem frente a frente.

— A gente precisa de um assunto. – ela falou, trocando a cerveja de mãos – Sobre o que você quer conversar?

Ele tomou um gole da própria bebida, comprando tempo enquanto pensava em um assunto que a mantivesse radiante como estava naquele momento.

— Me explique. – pediu, voltando a mirá-la com curiosidade redobrada – Como é que você conseguia dormir no meio do barulho de Nova Iorque?

E, como o previsto, Jill desatou a rir.

— No início eu usava tampões no ouvido, – ela confessou, levando a mão livre à cabeça na altura de sua orelha direita – mas depois acostumei. Você já esteve lá? – quis saber, também focada em Jesse como se eles dois fossem a única coisa que existisse no universo.

— Uma vez. Há muito tempo. – ele anuiu com um suspiro, lembrando os três dias que passara na Big Apple para ir ao show de uma banda australiana da qual era fã quando jovem.

Jill quis saber em detalhes os lugares onde ele esteve naquela época, e deduziu, pelas péssimas descrições de Jesse, que o cachorro quente que ele provara e adorara era o do Nathan's, na Times Square.

Não foi necessário muito mais para que o assunto se voltasse para a vida dela em Manhattan. Jill parecia conhecer cada rua, cada esquina, cada bar, cada cantina, e para ele foi ficando claro o quanto ela amava a dinâmica da cidade. Dentro de Jesse, o fato de que Jill logo deixaria Spring Creek para voltar para a vida agitada ao qual estava acostumada foi se consolidando, tirando de suas mãos a esperança de que ficasse no Texas, ilusão esta que ele sequer percebeu que andava alimentando.

— Você tá muito sério. – ela observou depois de um tempo de silêncio completo por parte dele – Minha conversa está chata, não está? Eu sei, sempre falo demais. – deduziu cruzando os braços e o mirando preocupada.

— Não! Não é isso não. – ele se apressou a negar – Na verdade, – explicou – eu tava pensando aqui se o Brianbaca voltou a perturbar você.

Jesse desviou a atenção para sua segunda garrafa e bebeu em dois goles o que restava de cerveja lá dentro.

Por que raios tinha dito para Jill exatamente o que estava se passando por sua cabeça?

Não era da conta dele se o ex continuasse a tentar fazê-la voltar para o apartamento luxuoso com vista para algum ponto importante de Nova Iorque onde eles certamente moravam. Ou mesmo se Jill iria aceitar reatar, ser feliz e esquecer completamente daquela conversa dos dois embaixo do flamboyant. O quanto antes Jesse admitisse aquilo seria melhor, mas ela deu de ombros.

— Não sei dizer se ele ligou ou não. – Jill respondeu deixando implícito que, para ela, nada daquilo tinha a menor importância e que, para Jesse, também não deveria importar – Meu telefone ficou em casa. Deve ter descarregado a essa hora.

Sem saber o que responder, Jesse admirou Jill Mcmillan em seu provocante vestido vermelho. Ela mordeu o lábio inferior uma vez e desviou os olhos para o próprio colo, só para levantá-los segundos depois, ardendo com o interesse. Havia nela o mesmo desejo que se apoderava dele. Jesse engoliu em seco.

Tudo o que precisava fazer era deslizar pelo banco para chegar mais perto dela. Ele escorregaria a mão pelo cabelo ondulado de Jill, até o afastar de seu rosto para que pudesse encaixar sua mão na curva de seu pescoço. Então a puxaria com cuidado, e observaria extasiado seus olhos verdes se fecharem e a sua boca se entreabrir, desejando que ele a beijasse.

Mais do que tudo naquele momento, Jesse a queria. Só que nada mudava quem ele era, ou o que o tinha levado até Spring Creek. Foi quando se deu conta de que não podia se permitir cometer o mesmo erro uma segunda vez.

— Desculpa. – Jesse se levantou nervoso do banco, sem saber exatamente o que fazer, mas determinado a colocar o máximo de distância possível entre ele e a tentação que Jill tinha se tornado – Amanhã tenho que acordar cedo. Boa noite.

Ele começou a se afastar a passos largos na direção do pavilhão, decidido a não olhar para trás, mas ela o seguiu.

— Espera! – exigiu, o agarrando pelo pulso, o impedindo de continuar, e o girando até que ficasse de frente para ela.

Obrigado a ver o quanto a deixara confusa, o quanto Jill se esforçava para entender o que estava acontecendo, Jesse até tentou lutar contra, mas a verdade é que não estava muito empenhado em resistir.

Ele deu um passo para mais perto, incapaz de evitar Jill por nem mais um segundo. Foi ela quem o tocou primeiro, segurando seu antebraço, disposta a combatê-lo se tentasse fugir. Jesse roçou a mão na cintura dela e ela deu o passo que faltava, acabando com o espaço que havia entre os dois.

Trêmulo, ele a envolveu nos braços e ela o mirou, a respiração entrecortada. Jesse se inclinou e encostou os lábios nos de Jill numa carícia delicada, apenas para saborear sua maciez e se deixar inebriar pelo cheiro de canela de sua pele. Ela suspirou quando ele se afastou para a admirar.

Jesse queria dizer a ela para se afastar dele, para colocar o máximo possível de distância entre os dois. Queria confessar que estava quebrado, que tinha medo de voltar a se machucar, mas, quando deu por si, sua boca estava sobre a de Jill em um beijo furioso, sua língua tocando a dela com intimidade e suas mãos explorando os limites do vestido vermelho, tendo apenas as estrelas como testemunha.

Não havia mais volta. Ele estava perdido.

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