Doze

Foi na quietude da noite que Barb finalmente se permitiu chorar. Cansada de negar, ela deixou que toda a mágoa presa e acumulada dentro de seu peito encharcasse o travesseiro que abraçava.

Barb se sentia desnorteada, sem chão. Como poderia continuar vivendo em Denton se já não suportava fingir? O que faria se estivesse no carro e uma música dele tocasse no rádio? E se ousasse mais uma vez pensar que fora escrita para ela? Qual desculpa daria para continuar evitando os locais onde corria o risco de o encontrar? Como se sentiria quando as capas de revista anunciassem que ele havia reatado com Jennifer? E que vida seria aquela, constantemente com medo de cruzar o caminho de Collin Mcmillan?

A resposta era: não seria uma vida. E ela estava decidida a não se permitir a ter algo tão importante, algo que só teria a chance de ter uma vez, pela metade.

Esquecer o que sentia estava fora de cogitação. Barb tentara por anos e tudo o que conseguira fora uma lista de affairs decepcionados por ela não ter sido capaz de os corresponder como eles esperavam. E o motivo de ter falhado era simples, mesmo que difícil de aceitar. Não havia espaço para mais ninguém dentro de seu coração, nem nunca haveria.

Sua avó sempre tivera razão. Amar é a maior vulnerabilidade que uma mulher pode enfrentar.

Quem não iria gostar nem um pouco do que ela planejava eram seus pais. Barb havia chegado à conclusão que só havia um jeito de colocar sua vida no rumo que queria e era se afastando o máximo que pudesse do alcance de Collin. Assim, ela decidiu que se aplicaria para um doutorado na Espanha na primeira oportunidade que lhe aparecesse.

Todos que conhecia a apoiariam naquela decisão. Um doutorado era algo que Barb vinha desejando fazer já a algum tempo e serviria como a desculpa perfeita. Ninguém precisava saber exatamente quais eram suas reais motivações, muito menos que não tinha intenções de voltar para o Texas. Depois de se qualificar, ela conseguiria um bom trabalho em alguma cidade europeia e sua família passaria então a ter um novo lugar onde passar suas férias. E fim.

Cansada de refletir e exausta por tanto chorar, não demorou muito mais para que ela caísse em um estado sonolento de semiconsciência onde sua razão se confundia com suas fantasias, mas acordou assustada um tempo depois sem saber o que estava acontecendo, se continuava a sonhar ou se havia voltado à realidade.

Na parede oposta de seu quarto, as luzes neon que compunham o letreiro da locadora de DVDs do outro lado da rua refletiam e coloriam a tinta branca após escapar por um vão na cortina que ela não tinha se dado ao trabalho de fechar antes de ir se deitar. O relógio do criado mudo marcava duas e vinte da manhã e, ao lado, estava o que havia restado de seu telefone.

Barb precisou suspirar fundo. Somente a realidade podia ser tão sufocante.

Então, o que a havia acordado se manifestou mais uma vez. Ela deu um pulo na cama quando a antiga campainha tocou na sua cozinha minúscula pela segunda vez, seguida pela voz dele lá embaixo na rua, em frente a porta de entrada para o seu apartamento.

— Barb, eu sei que você está aí. – Collin disse alto para que não houvesse dúvidas de que seria ouvido no segundo pavimento – Abre a porta e vamos conversar.

Sua primeira reação foi se colocar de pé, se livrar do edredom que a cobria. A seguinte foi se desesperar.

De todos os cenários que havia considerado, Collin aparecendo bêbado na sua porta no meio da madrugada era o mais clichê, absurdo e o que Barb jamais achou que poderia realmente vir a acontecer um dia. Ele não a procurava desde que eles haviam terminado, desde que havia pedido a ele que a deixasse em paz, e agora ela não estava preparada para o enfrentar.

Barb sabia que precisava pensar em alguma coisa, uma forma de sair daquela situação, uma desculpa qualquer, e bem rápido! Só que Collin estava disposto a ir até às últimas consequências para conseguir o que tinha ido buscar ali.

— Me ignorar não vai me fazer ir embora. – anunciou lá de baixo, usando todo o potencial de sua voz profissionalmente treinada – Eu vou ficar aqui a noite inteira se for necessário.

As palavras dele reverberaram pela rua deserta e pelo teto do quarto de Barb. Ela estava congelada, ainda parada no mesmo lugar, encostada contra a parede, com medo de se aproximar da janela e ele a ver pela cortina entreaberta. Nada lhe vinha, nem sequer um pensamento, a não ser a certeza de que a presença dele ali a deixava ainda mais exposta do que já estava.

Foi quando ela notou que a janela de seu vizinho da frente, o senhor Hopkins, antigo funcionário dos correios da cidade, se abria, e que o homem segurava um bastão de beisebol.

— Rapaz. – ele chamou e Barb imaginou o ex se virando na calçada para mirar o velho no segundo andar do prédio do outro lado da rua – Se a Barbara não quer falar contigo, você precisa respeitar a decisão dela. Por isso, a melhor coisa que você tem a fazer é ir embora.

— Senhor Hopkins, sou eu! – Collin respondeu – Collin Mcmillan, filho do David e da Rachel. Não tá me reconhecendo?

— Não me interessa se você é filho da presidente. – o homem respondeu de mal humor da janela, ameaçadoramente balançando o taco nas mãos – Vá embora ou eu vou chamar a polícia.

— Não precisa! – Barb gritou ao se revelar, mal acreditando que estava mesmo interferindo por espontânea vontade na única chance que tinha de se livrar de Collin – Tá tudo bem, senhor Hopkins. Eu vou falar com ele.

— Tem certeza, menina? – o velho quis saber, a mirando desconfiado quando ela abriu mais a cortina e acendeu a luz para se deixar ser vista. Lá embaixo, parado no meio da rua, vestindo jeans e uma jaqueta de couro marrom para se proteger do frio da noite, Collin a encarava.

— Tenho sim! – ela garantiu pigarreando, voltando sua atenção para a janela do vizinho – Me desculpe por ter incomodado o senhor e a senhora Hopkins. Bom resto de noite pra vocês dois.

O velho homem resmungou algo que Barb não compreendeu e acenou uma única vez antes de sumir por trás de sua persiana, apagando a luz do cômodo em que estava na sequência. Ainda parado no meio da rua, Collin esperava por instruções. Com um gesto silencioso de cabeça, Barb sinalizou para que ele voltasse até a calçada, até a porta de entrada de seu apartamento e, quando o viu dar o primeiro passo naquela direção, ela fechou a cortina e se afastou da janela. O momento que mais temia havia chegado.

Sua avó não estava mais ali, mas Barb podia sentir sua desaprovação. Ela não poderia a impedir daquela vez, ainda que suas últimas palavras antes que fosse levada do mundo permanecessem vívidas em suas lembranças. "Estude, querida, e não se permita depender de homem nenhum pra levantar uma palha do chão pra você. Não confie no seu coração se há fumaça no céu."

Barb não se permitiria, assim como estava decidida a não ter o mesmo tipo de vida ao qual a avó precisou se sujeitar. Seu avô, um pianista famoso em Nova Orleans, nunca amara a esposa, pelo menos não do jeito que ela o amou. Ele só pensava em bebidas e mulheres, em festas e gandaias, porque sabia que ela o aceitaria de volta por vergonha, medo de ser humilhada e falta de opção.

Foi o medo de um escândalo o que levou a família de Barb para o Texas. E, quando se tratava de Collin, sempre houvera fumaça no céu. Sua avó fora a primeira a perceber, mesmo que Barb não tivesse lhe dado ouvidos logo que se apaixonou por ele. Fora necessário vê-lo deslumbrado com a fama instantânea no início da carreira para compreender o risco que corria.

Escorada na parede da cozinha, Barb tirou o interfone do gancho para apertar o botão que abriria a porta do térreo, mas hesitou mais uma vez. Aquilo acabaria mal, era a única coisa da qual tinha certeza.

Sua ansiedade borbulhou dentro de si quando ouviu a porta do térreo mecanicamente se abrir e Collin começar a subir as escadas. Ela abriu a segunda porta de entrada, a que dava acesso para sua sala de tevê, e o esperou segurando a maçaneta como se todo o seu mundo dependesse daquilo. E, de certa forma, dependia. Barb sabia que sua única chance de sair ilesa daquela situação era permanecendo impassível, exatamente como o frio pedaço de metal que tocava.

Ao chegar ao tapete de boas vindas, Collin parou e deixou ali os seus sapatos. Ele passou por ela sem dizer uma única palavra e sem a mirar, como se também estivesse com medo do que aconteceria no momento em que ambos precisassem se colocar de frente para o outro e entrou no apartamento.

— Quanto foi que você bebeu para aparecer aqui desse jeito? – Barb disparou, erguendo o queixo e se blindando, o que ouvira quando ligara para ele mais cedo ainda era uma memória fresca e ácida na sua mente, o combustível que precisava para se manter segura.

— Pelo amor de Deus, Barb! – Collin rebateu num tom decepcionado, olhando para ela e suspirando fundo exasperadamente, a fazendo engolir em seco diante do sentimento de impotência que o havia dominado – Até você anda lendo revista de fofoca sensacionalista?

Barb não se orgulhava, mas não conseguia se obrigar a não ler o que a mídia dizia sobre Collin. Quanto mais o tempo passava, mais as palavras de sua vó iam se tornando realidade naquelas notícias encabeçadas por enormes letras maiúsculas e chamativas, e era naquilo a que se agarrava. Se metade dos rumores fossem verdade, tudo teria valido a pena, ela teria evitado viver a mesma vida que a avó, os mesmos sofrimentos, as mesmas humilhações. Só que aquela certeza nunca fez a situação mais fácil e, para piorar, bastou uma olhada mais atenta para constatar que Collin não tinha ido até ela em um momento delirante, corrompido pela bebida ou vai saber o quê, como as revistas insistiam em afirmar que era o seu estado frequente desde que havia terminado com Jennifer. Ele estava completamente sóbrio assim como na maldita noite em que se encontraram em Spring Creek. E, exatamente como naquele dia, sua atenção estava completamente nela.

— O que você veio fazer aqui? – Barb desviou o assunto de forma deliberada, fazendo questão de desviar também o olhar do dele. Ela girou o corpo e ficou de costas pra Collin, se concentrando em nada especial em cima do aparador que ficava ao lado da porta de entrada só para ter um lugar onde se focar e não ter que encará-lo. Seu coração já tinha começado a fraquejar.

— Eu vim porque você não atende minhas ligações. – ele respondeu às suas costas – A gente precisa conversar. – completou baixinho, quase num sussurro, bem mais perto do que tinha estado na frase anterior, ao ponto de Barb sentir o efeito da voz dele contra sua pele e os pelos de sua nuca se eriçarem com a expectativa.

— Não temos nada pra conversar. – ela insistiu tentando se manter firme e a um passo de distância, Collin nada fez para a impedir de se afastar, coisa pela qual ela o agradeceu silenciosamente.

— Barb... – ele recomeçou de onde estava, tomando fôlego por um instante enquanto a assistia colocar entre os dois toda a mobília entulhada na minúscula sala – Você não pode simplesmente dormir comigo e depois fazer de conta que nada aconteceu. Eu quero entender... – ele implorou quando ela voltou a mirá-lo – Eu preciso entender por que você continua me afastando se não há nada que nos impeça de tentar de novo.

— É porque eu quero assim. – ela o respondeu, usando naquelas poucas palavras toda a força de vontade que possuía – Esse é o motivo.

Os olhos verdes de Collin tremularam por um instante e Barb soube que o havia machucado de formas que sequer ousava imaginar.

Antes ela tivesse deixado o senhor Hopkins chamar a polícia. Teria sido mais rápido e fácil de aceitar, mais limpo e menos dolorido.

Barb esperou que Collin desistisse depois do que a ouviu dizer, que dissesse que iria embora, mas ele apenas fechou os olhos e quando voltou a abri-los, parecia mais determinado a conseguir respostas do que nunca.

— Foi pra conversar que você me ligou ontem, não foi? – ele deduziu voltando a se aproximar, dessa vez sem se importar em respeitar os limites que ela havia imposto, a fazendo recuar até a parede sem ter para onde fugir – O que te fez mudar de ideia no meio da ligação? Foi alguma coisa que eu disse? Alguma coisa que saiu no jornal? – Collin quis saber, se referindo aos inúmeros rumores que se iniciavam quase que todos os dias a respeito dele e chegando cada vez mais perto até estar a menos de dois palmos de distância dela – Barb, eu nunca vou voltar para a Jennifer. Eu e ela... – ele suspirou esgotado – Eu achei que não havia mais esperança pra nós dois, Barb. Eu tava tentando seguir com minha vida sem você.

Barb fechou os olhos. Por que ele tinha que dizer aquelas coisas?

— Por favor... Não vamos fazer as coisas mais difíceis do que já são. – foi a sua vez de implorar enquanto lutava para conter o que aquela confissão havia despertado dentro de si.

— A única forma de fazer isso fácil é não resistindo mais. – Collin respondeu, tocando de leve o rosto dela, e fazendo ali um carinho gentil com a ponta dos dedos – Por que você não consegue enxergar? Eu não aguento mais evitar você. – Barb traiu a si mesma e o mirou em meio ao silêncio que se fez. Era impossível não notar que tudo em Collin estava focado em fazê-la compreender, enquanto ele tateava o braço dela em busca de suas mãos, ainda entrelaçadas uma na outra e determinadas a sequer cogitar tocá-lo – Sei que você não acreditou em uma palavra sequer do que eu disse pelo telefone ontem. – ele prosseguiu, pegando as mãos dela nas dele, que não foram capazes de lhe oferecer nenhuma resistência – Mas quando atendi sua ligação, eu tinha acabado de vestir o equipamento de retorno e estava mesmo prestes a subir ao palco. Era uma questão de segundos até que o prefeito de Roswell me anunciasse.

— Você estava no Novo México? – a pergunta cuja resposta mudava muita coisa escapou antes mesmo que ela pudesse se dar conta do que aquilo significava. Roswell, a cidade mundialmente conhecida por suas lendas urbanas, ficava no estado vizinho a quase oitocentos quilômetros de distância.

— Eu teria largado tudo se pudesse. – Collin confirmou as suspeitas – Mas tive que fazer aquele show. Quando desci do palco, peguei um carro e dirigi quase dez horas pra estar aqui, e se você quiser mesmo me mandar embora de novo... Tudo bem. Eu vou. Mas pelo menos me dê uma razão para acreditar que você não me quer. – ele pediu acabando com o espaço que havia entre os dois, prendendo Barb entre ele e a parede, a deixando sem reação – Me prove que o que eu sinto por você não é correspondido. – ele sussurrou desesperado – Me prove e eu juro que nunca mais vou te procurar.

Barb sequer cogitou tentar. Quando sua boca encontrou a dele não havia mais razão em nada a não ser no que estava prestes a acontecer, na necessidade que ambos tinham de se tornar um. Tudo se resumia às mãos de Collin a despindo cheias de uma ânsia dolorida que só quem passa anos esperando por algo é capaz de compreender.

Como ela pôde viver sem aquilo por tanto tempo?

Como pode negar o que estava escrito a ferro em seu coração?

Barb sabia as respostas, mas naquele instante eterno, deitada na sua cama sentindo o peso do corpo de Collin por cima do seu, ela só queria que ele soubesse que sempre pertencera a ele.

Horas haviam se passado quando o encanto daquele momento começou a se dissipar, expondo novamente a realidade das vidas infelizes que ambos levavam longe um do outro. E Barb, presa nos braços de Collin por baixo do edredom, soube que ele se preparava para voltar a tentar convencê-la a lhe dar mais uma chance quando ele suspirou fundo.

— Eu não quero que você fuja dessa vez. – ele disse muito sério quando a mirou e se apoiou sobre um dos cotovelos – A última coisa que eu quero é te assustar, mas não consigo fingir que não existem três palavras lutando pra sair pela minha boca nesse exato momento. – ele confessou antes de suspirar fundo e deixar que a esperança que andava reprimindo se mostrasse em seu rosto – Mas eu sei que você não precisa ouvi-las pra saber como eu me sinto, então esqueça elas, esqueça tudo, e vamos começar devagar. – propôs – Me deixa provar pra você que a gente pode dar certo.

Barb engoliu em seco, pensando em tudo o que sabia, em tudo o que tomara como a verdade absoluta durante sua vida e em todas as mentiras que contara para si mesmo para justificar aquelas verdades.

Ela havia falhado em resistir àquele homem, e sabia que continuaria falhando pelo resto da vida. Poderia continuar criando obstáculos se quisesse, mas a verdade é que estava farta daquela guerra entre seu coração e sua razão.

— Eu deixo. – foi o que ela respondeu antes de Collin voltar a roubar seu fôlego.

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