Dois

Nem tudo aconteceu como Barb havia planejado. Quando Jill e ela chegaram a festa de aniversário de Quentin descobriram que ele estava com Sharon desde o sábado anterior.

Era bem típico de Barb se empolgar sempre que um cara sorria e a paquerava, para depois desistir da ideia no segundo em que as coisas começassem a ficar mais complicadas. Não que ela fosse dar em cima de homem comprometido, ela não era dessas de jeito algum! Mas a regra se aplicava àqueles que mandavam flores no dia seguinte ou que falavam em conhecer os sogros. Estes ela cortava sem medo de ser feliz. Barb estava mais do que satisfeita em ser casada com a profissão de médica veterinária e assim a noite dela e de Jill se estendeu como um culto à amizade.

Por sorte, Barb tinha convencido seu pai, dono da clínica onde ela trabalhava, a ser indulgente e trocar de plantão mesmo antes de saber que Jill estava vindo para o Texas. O problema é que mesmo estando de folga, seu relógio biológico se recusou a fazer o mesmo e decidiu que seria legal a acordar às seis da manhã como de costume, sem se importar se ela havia ido para cama às quatro ou não. Ela só não se levantou porque Jill dormia no sofá da sala do seu pequeno apartamento e não havia motivos para deixar a manhã de outra pessoa tão miserável quanto a sua.

Barb só queria dormir um pouco mais e ficou se revirando na cama, buscando a posição perfeita, que nunca era aquela em que ela estava, até que finalmente conseguiu cochilar quase lá pelas oito, só para ser acordada pouco tempo depois pelo ruído de Jill usando sua máquina de café expresso.

— O sofá te castigou? – Barb perguntou entrando na cozinha, atraída pelo cheiro delicioso de café moído e passado na hora, mas muito consciente de que a amiga parecia não ter descansado muito mais do que ela.

— Já dormi em lugares piores. – Jill respondeu depois de dar um gole da xícara fumegante que tinha nas mãos, educada demais para reclamar do péssimo sofá que Barb tinha.

O apertamento, como seu pai insistia em chamar o lugar que ela havia escolhido para morar, era sim pequeno e sempre a impedia de comprar móveis melhores pela simples razão de não caberem nele, porém isso não mudava o fato de que o imóvel era muito prático.

Barb gostava de Denton, apesar da calmaria eterna da cidadezinha, mas também gostava de ser independente e morando ali, em cima da livraria numa das esquinas mais centrais da cidade, ela tinha acesso a tudo o que precisava à pé, inclusive ao trabalho. Aquilo dava, de certa forma, uma sensação de se estar em uma cidade maior – nem muito grande, nem muito pequena – e a fazia se lembrar dos tempos em que viveu em Lexington no Kentucky, onde havia cursado faculdade.

Existiam muito mais prós do que contras naquela decisão e, na opinião geral de Barb, morar no micro apartamento era muito melhor do que voltar para o rancho da família, distante da cidade vinte quilômetros, mesmo que seu pai fizesse questão de não compreender que ela era adulta e precisava de um pouco de espaço.

Eram quase onze horas da manhã quando ela e Jill pegaram a estrada para fora da cidade. A família da amiga também morava afastada, em um rancho chamado Spring Creek às margens do lago Ray Roberts mais ao norte e Barb havia se oferecido para levar Jill até lá já que os pais dela, David e Rachel estavam de férias no litoral do estado.

David Mcmillan vinha de uma família de pecuaristas e, como a maioria dos fazendeiros da região, era um dos clientes da Clínica Trahan. Fazia anos que Louis, o pai de Barb, atendia o rebanho de Spring Creek, e a parceria entre Clínica e rancho continuava a se renovar. Meses antes, Barb havia assumindo a responsabilidade pelo haras que o pai de Jill havia construído.

Tudo parecia tranquilo exatamente como deveria estar quando Barb estacionou na rampa da garagem da enorme casa dos Mcmillan e as duas tiraram as malas de Jill do jipe para levá-laspara dentro. Elas teriam visto os sinais se não estivessem tão entretidas falando sobre o pedido de casamento que Jill havia recusado no dia anterior, no entanto ambas se assustaram quando entraram na sala de estar e um homem se levantou com agilidade de uma das poltronas de couro que ficava perto da lareira apagada.

— Jesus, Jill! – Collin reclamou, colocando a mão sobre o peito num primeiro momento para em seguida titubear e deixar que o cabo do violão que segurava escorregasse pela sua outra mão até que tocasse o tapete felpudo no chão. Todo o sangue de seu corpo pulsou no ritmo do coração acelerado, fazendo-o sentir como se estivesse prestes a explodir. – Vocês... quase me mataram de susto.

Antes de se levantar da poltrona onde havia passado a manhã inteira trabalhando, tudo o que Collin vira por sua visão periférica fora Jill entrar no cômodo empurrando duas malas de rodinhas. Um instante depois ele viu, atrás da irmã gêmea, a pessoa por quem já não nutria expectativas de encontrar casualmente em Denton quando voltava a Spring Creek, a melhor amiga de Jill desde sempre e também sua ex-namorada da época do colegial, Barbara Trahan.

— O que você está fazendo aqui? – Jill perguntou a ele surpresa, abandonando tudo o que carregava no chão para ir abraçá-lo.

— Eu posso te fazer a mesma pergunta. – ele rebateu, a segurando nos braços por um instante, sua atenção ainda presa em Barb parada no mesmo lugar desde o momento em que seus olhares haviam se cruzado. Ela também não sabia o que fazer, e estava tão atônita quanto ele. Jill deu uma risadinha sem graça e o soltou, obrigando-o a se concentrar em seu rosto.

— Meu motivo vai precisar de uma xícara de café. Talvez uns biscoitos. – ela desconversou num tom de piadinha. Jill também tinha sentindo a tensão instantânea entre ele e Barb, algo que depois de tanto tempo não deveria mais existir. Pelo menos não daquela forma. – Eu vi na internet que você iria fazer três shows na Flórida essa semana.

Collin era um cantor country bem conhecido na região central do país. Havia aprendido a tocar violão com um livreto que comprara numa banca de revistas de Denton aos 10 anos de idade, mas só levou a sério o seu dom para música aos 15 no ensino médio, quando começou a frequentar as aulas de teoria musical da senhora Pattaky.

Antes mesmo de concluir o colegial ele já fazia apresentações em feiras agrícolas e pequenos eventos da região, sempre com músicas que ele mesmo escrevia. Aos 18, lançou o seu primeiro single e aos 19 foi convidado para ir a Nashville. Na mesma época Barb terminara com ele sem lhe dar uma explicação que fizesse sentido.

— Os shows foram cancelados por causa do mau tempo. – Collin explicou para Jill, lutando para permanecer focado no rosto da irmã e não levantar a cabeça à procura do olhar da ex. Ele não podia se deixar levar. Pigarreou. – Resolvi vir pra cá achando que ia estar tudo vazio. Preciso de paz pra terminar umas músicas para o álbum novo. A gravadora está pegando no meu pé pra compor um dueto.

— Collin. Como vai? – Barb se aproximou de repente sem que ele tivesse a chance de antecipar seus movimentos, de se preparar para o contato iminente, e estendeu os braços em sua direção, e Collin se deixou abraçar.

— Bem, e você? – ele respondeu de forma polida como sempre fazia nas ocasiões em que eles eram socialmente obrigados a estar no mesmo ambiente.

— Bem também. – Barb disse sem graça, se afastando e passando a mão pelo cabelo para colocar um dos cachos atrás da orelha antes de se voltar para Jill – Preciso ir. – anunciou para a amiga – Lembrei agora que tenho que visitar um paciente lá em Dorchester às três da tarde.

— Sério? – Jill se entristeceu, tocando o braço de Barb como se daquela forma pudesse fazê-la ficar – Achei que a gente ia passar a tarde juntas.

— Me desculpe. – os lábios de Barb se frisaram de frustração, uma reação que Collin conhecia muito melhor do que queria admitir – Eu me esqueci completamente. Mas se você quiser podemos nos encontrar para jantar na Nonna hoje à noite. – propôs e Jill mirou Collin, que observava a interação das duas em silêncio, sem intenções de interferir em seus planos.

— O que você acha de passar na Nonna, pegar umas lasanhas e trazer pra cá? – Jill quis saber voltando a mirar Barb, transbordando com a expectativa de não ter que abrir mão da companhia da melhor amiga pela do irmão gêmeo, ou vice-e-versa – Você pode dormir aqui.

— É meu plantão amanhã... – Barb refletiu um pouco antes de suspirar fundo – ... mas pode ser. – cedeu com um sorriso meio forçado – Às sete? – propôs, caminhando de costas na direção da saída, não se permitindo ficar nem mais um segundo ali.

— Às sete. – Jill confirmou, acenando para Barb e a observando se aproximar da porta que a levaria de volta à garagem – Até depois. – disse no último instante, antes que a amiga desaparecesse por completo.

Barb retribuiu o aceno e se foi. Sozinhos, os gêmeos Mcmillan se entreolharam.

— Ela mentiu. Você sabe disso não é? – Collin disse.

— Qual foi a última vez que vocês dois se viram? – Jill retrucou, colocando as mãos na cintura. Collin não respondeu. Fazia muito tempo. – Você conhece a Barb. Ela não sabe lidar com imprevistos. – Jill continuou, tocando o braço do irmão e se afastando para ir até suas malas e as empurrar até que não estivessem mais no meio do cômodo e sim alinhadas contra a parede – À noite ela vai estar melhor. Você vai ver.

— Aonde você vai? – Collin perguntou ao ver Jill abrir as enormes portas de vidro que davam para o jardim e para as terras de Spring Creek que iam até onde seus olhos podiam alcançar.

— Vou ver a Caramelo. – a irmã respondeu com um sorriso travesso – Não vou demorar.

Jill deixou Collin para trás e desceu a pequena colina gramada correndo até chegar à estrada de terra batida que a levaria ao novo pavilhão erguido pelo pai e que ela ainda não tinha tido a oportunidade de visitar. Era uma construção comprida e bonita especialmente projetada para acomodar cavalos, com paredes de tijolinho pintadas de branco, janelas altas, portões de madeira polida com dobradiças de ferro fundido e teto em V invertido acinzentado.

Sete anos antes seu pai havia viajado para um feira de equinos e lhe trazido de presente uma potra de pelos amarelados e crina esbranquiçada. Caramelo, como Jill a batizou, foi a primeira de vários outros cavalos de raça que seu pai adquiriu com a intenção de entrar no negócio de treinamento e reprodução. E ele estava investindo alto, bastava olhar para toda estrutura que havia montado em volta do pavilhão.

Dentro do edifício o ambiente era muito mais fresco do que Jill tinha imaginado a princípio. O teto alto e com vigas de madeira expostas garantia que o ar circulasse e se renovasse, impulsionado pelo sistema industrial de ventilação. As baias, feitas também de madeira e grades ornamentadas, possuíam cada uma sua própria plaquinha com o nome do cavalo que acomodavam. Eram mais de trinta, mas apenas seis estavam ocupadas e Jill caminhou diretamente para a que ostentava o nome de Caramelo.

— Olá, garota. – ela sorriu quando a égua colocou a cabeça pela abertura da grade e mordiscou sua mão em busca de petiscos – Lembra de mim? – sussurrou, acariciando o pescoço do animal e observando o volume extra que ela carregava dentro de si. Caramelo estava prenha e, segundo Barb, prestes a dar à luz. Jill estava animada com a possibilidade do parto acontecer durante sua estada em Spring Creek que, na verdade, ela não sabia exatamente por quanto tempo ia durar.

Depois de ter terminado com Brian, Jill soube que não podia continuar em Nova Iorque e apelou para suas férias acumuladas na Changeant alegando problemas pessoais, o que não era mentira. Duas semanas fora o que sua editora chefe lhe dera sem um aviso com antecedência, dividindo os compromissos de Jill entre os outros fotógrafos da revista e dando a ela a possibilidade de estender sua ausência se fosse necessário. O que Jill, do fundo do coração, não tinha a menor ideia se seria.

— Boa tarde. – um homem caminhou na sua direção, a cabeça inclinada para frente, a aba do chapéu cor creme que usava ocultando parte de seu rosto, até que ele a mirou. Era loiro e sua pele queimada pelo sol. Seus olhos eram azuis quase tão brilhantes quanto o céu, mas austeros e cautelosos, muito desconfiados.

— Boa. – Jill respondeu o observando se aproximar da baia onde ela estava – Eu sou Jill Mcmillan. – se apresentou, estendendo a mão para aquele que devia ser o domador que seu pai havia contratado. Com certeza sua mãe já o havia mencionado por telefone, mas ela não conseguia se lembrar de seu nome.

— Jesse Butler. – ele respondeu, apertando a mão dela brevemente em retribuição – Precisa de alguma coisa?

— Eu só vim visitar a Caramelo. – Jill se explicou, indicando a égua na baia, mas Jesse não desviou a atenção que mantinha em seu rosto.

— Nesse caso, não dê comida a ela. – instruiu Jill com seriedade – Caramelo está numa dieta especial, e tem aveia e maçãs dentro da baia. Se precisar de mim, estarei no picadeiro. Com licença. – ele tocou a aba do chapéu num gesto de despedida e voltou pelo mesmo caminho por onde tinha vindo, deixando Jill perplexa e com a visão maravilhosa de um caubói de costas usando Wrangler jeans.

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