Dez, I

Há cinco anos atrás Jill tivera que aprender a viver protegida pelo vidro de janelas. A atmosfera de Nova Iorque, extremamente poluída e prejudicial, a obrigara a se acostumar a respirar o ar artificial que saída dos dutos de ventilação onde quer que ela estivesse, sem importar se era inverno ou verão lá fora.

Na redação da Changeant, havia um pequeno jardim no terraço onde, às vezes, quando estava frio e o céu claro, ela ia pegar um pouco de sol. No entanto, em casa – no apartamento de Brian na realidade – por todo o tempo em que morou lá, Jill nunca vira uma única janela ser aberta. Como o ex, ela também possuía aversão ao pó escuro que se acumulava nos móveis, precisava admitir, mas estava feliz por nada daquilo ser necessário em Spring Creek.

Antes de ir se deitar, Jill deixara a porta da sua varanda aberta para que a brisa morna que soprava pelas planícies texanas a envolvesse durante seu sono. Ela sempre gostara daquele calorzinho, mas fora depois do primeiro inverno congelante de Nova Iorque que passara a associá-lo a um abraço apertado, daqueles que aquecem a alma. Com a cabeça no travesseiro, Jill acrescentou à sua lista de perguntas sem resposta como foi que se deixou esquecer daquela sensação. Como, em troca, se contentou em tolerar algo que nunca lhe agradou?

Mais cedo, depois de deixar Jesse no pavilhão e voltar pra casa, Jill não conseguira se conter e ligara para os pais. Sua mãe ficara tão feliz! Ela lhe contara que tinha acabado de jantar e que estava sentada na praia com os pés na areia tendo por companhia apenas o marido. Jill sorriu ao ouvir na voz dela o amor que sentia por seu pai, e, não querendo atrapalhar ainda mais a paz dos dois, dera um jeito de desligar antes que Rachel tentasse perguntar como Jill estava lidando com o término ou outro assunto desagradável.

A curta ligação fora sim suficiente para acalmar um pouco sua alma inquieta, mas não ao ponto de lhe devolver a tranquilidade. Quando conseguiu dormir, ela voltou a sonhar com um mundo fora de foco onde nada fazia sentido. Despertou angustiada no meio da madrugada, a princípio achando que ainda sonhava, para compreender no instante seguinte que a mão que sentia no ombro era a de alguém real, a balançando e chamando seu nome repetidamente. Jesse.

— Você me pediu pra te avisar quando o parto começasse. – ele se explicou em tom de desculpa quando Jill o mirou sonolenta. Ela, que estivera deitada de bruços, se virou na cama e se apoiou nos cotovelos. Jesse se afastou dois passos para trás, confuso entre dar meia volta e sair do quarto ou se deixar vê-la por mais cinco segundos. Jill vestia apenas uma calcinha de renda lilás.

– Vou te esperar lá embaixo. – decidiu por fim, desviando o olhar abruptamente, atravessando o cômodo com pressa e tomando o cuidado de fechar a porta atrás de si. Jill riu.

Menos de cinco minutos depois ela desceu as escadas e o encontrou perto da porta de entrada, taciturno e calado.

— Só preciso me calçar. – disse quando passou correndo por ele para ir pegar suas botas de couro na porta da cozinha, a que dava para o jardim, entrada que sempre usava quando saía para caminhar pelo rancho.

Devia ser quase cinco da manhã e Jesse tinha ido buscá-la com a própria caminhonete, um chevy azul claro antigo muito bem conservado que, Jill deduziu, ele devia ter muito apego. Os bancos eram de couro cor creme com costuras à moda antiga e cheiravam a pinho. Estacionado na rampa de entrada da casa, o carro inteiro parecia novo, saído da loja, mesmo que ela tivesse certeza de que era dos anos 70.

— Caminhonete bonita. – comentou, se acomodando no banco do carona ao lado dele.

Em silêncio, Jesse girou a chave na ignição e o motor ronronou suavemente mostrando que não era só o exterior do veículo que estava em ótimas condições. Ele engatou a ré e se virou para trás, para olhar pelo vidro traseiro antes de tirar a caminhonete do lugar.

— Era do meu pai. – disse por fim, a voz sem qualquer inflexão ao mesmo tempo que girava o volante e os colocava em movimento.

Jill o observou disfarçadamente enquanto ele guiava, concentrado em os levar até o pavilhão na colina vizinha. Jesse estava tenso e inquieto, inconsciente de que batia os dedos nervosamente no volante.

Tudo bem. Ele tinha acabado de vê-la quase completamente nua e, pela primeira vez, havia citado o pai numa conversa dos dois. Não era como se Jill o conhecesse a vida inteira, mesmo que soubesse que para várias situações a reação dele fosse se fechar, mas ela podia sentir que havia algo mais acontecendo.

— Você tá preocupado. – ela afirmou no meio do caminho, esperando conseguir qualquer coisa, só que não houve nada. Jill chegou a achar que ele continuaria a ignorá-la, o que só a deu ainda mais certeza de que estava certa, até que Jesse tomou fôlego. Ele a olhou por um segundo antes de voltar a prestar atenção na estrada de terra iluminada pelos faróis.

— As contrações da Caramelo. – esclareceu – Tem alguma coisa errada.

Uma sensação sinistra se instalou dentro de Jill depois de saber daquilo, e o silêncio de Jesse se espelhou nela. Ele estacionou a caminhonete ao lado do jipe de Barb e esperou até que Jill o alcançasse para que ambos entrassem juntos no pavilhão. Lá dentro, Barb estava na frente de uma das baias mais espaçosas conversando com um rapaz. Borboletas invadiram o estômago de Jill quando seu olhar cruzou com o da amiga, quando viu o quanto aquela recaída com Collin a havia afetado. Seus olhos estavam fundos pela falta de sono, e ela parecia muito mais cansada do que o normal para alguém acostumada com plantões regulares. Barb sempre sofrera de insônia.

— Hey! – Jill a cumprimentou, recordando o abraço caloroso que as duas haviam trocado no aeroporto de Dallas menos de uma semana antes, lamentando profundamente não poder o repetir naquele instante.

— Hey. – Barb respondeu num tom neutro e polido, analisando Jill de longe por um breve instante – Esse é Pietro, meu auxiliar. – disse, apontando para o rapaz que a acompanhava e que não deveria ter muito mais do que vinte anos. Pietro deu um passo à frente e estendeu a mão para Jill.

— Jill Mcmillan. – ela se identificou, apertando a mão dele brevemente.

— Você pode se sentar ali dentro. – Jesse explicou ao seu lado assim que a apresentação acabou, indicando a baia que ficava exatamente de frente àquela que sua égua ocupava – A gente tá tentando fazer o mínimo possível de barulho para não deixar a Caramelo ansiosa. Tem umas mantas lá dentro se você sentir frio. Pode demorar ainda.

As instruções embutidas na voz dele eram claras: observe de longe e não nos atrapalhe. Jill julgou aquilo como justo, já que não tinha nada mais do que preces de que tudo corresse bem para oferecer, mas se perguntou se Jesse precisara insistir com Barb para poder ir buscá-la. Conhecendo a amiga como ela conhecia, Jill tinha certeza que sim. A permanência dela dentro daquela baia devia ter sido uma condição com a qual Jesse tivera que concordar antes de trazê-la para o pavilhão.

Um banco havia sido colocado dentro do espaço e duas mantas dobradas esperavam no móvel para serem usadas. Jill pegou a primeira, a cinza, para se sentar em cima, muito ciente do cuidado que Jesse tivera em deixá-las ali para ela, e se acomodou em uma posição que a permitia ver o que acontecia lá fora pelo portão aberto. Barb e Pietro continuavam em suas posições no corredor, espiando por cima da grade para que Caramelo não os visse ali, e Jesse havia subido até o seu ponto de observação nas vigas, ficando quase exatamente acima de Jill.

Fez-se um silêncio quase absoluto por um longo tempo depois disso. Com a cabeça recostada na parede, Jill lutava para não cochilar. Ela estava no meio do caminho entre estar acordada e a inconsciência quando Jesse a assustou, aterrissando ao lado dela, praticamente pulando do teto para o chão, tamanha era a sua pressa em chegar até à baia da frente. Caramelo havia se deitado na cama de feno para logo em seguida se levantar novamente, inquieta.

Jill se limitou a ir até a entrada da sua baia e a ouvir a conversa sussurrada entre os três profissionais. Ela não precisava entender todos os termos técnicos que eles usavam para deduzir que aquele comportamento não tinha sido um bom sinal. Caramelo estava com dor, e, se continuasse sem conseguir parir, Barb teria que intervir antes que o filhote morresse ou pior, que a própria Caramelo se colocasse em risco.

Aquela constatação estava nos olhos de Barb quando ela mirou Jill. Não havia mais nada a ser dito. Jill podia ler em Barb, assim como Barb podia ler em Jill. O medo que ambas sentiam era o mesmo.

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