Cinco

Eram quase quatro da manhã e Jill permanecia insone.

Dizem que não existe coisa pior do que sentir o peso de uma consciência culpada quando se coloca a cabeça no travesseiro à noite e era exatamente por aquilo que ela passava enquanto se virava de um lado para o outro na cama. Jill odiava o fato, mas as palavras do domador a haviam tocado bem fundo.

Que tipo de filha ficava mais de um ano sem visitar os pais?

Aquele questionamento se repetia de novo e de novo dentro dela, se misturando com todo o resto que a assombrava naqueles dias, e ela precisou parar pra pensar, tentando se lembrar com clareza das datas e circunstâncias. A última vez que tinha vindo ao Texas fora logo depois de ela e Brian decidirem que estavam firmes. Ele a levara a São Petersburgo e ela o trouxera a Spring Creek, ambos com o objetivo de apresentar suas famílias um para o outro. Ao total haviam se passado dezesseis meses desde que aquilo acontecera, ainda que Jill sentisse como se fossem dezesseis semanas. O tempo havia voado e o melhor exemplo estava a menos de trezentos metros de distância da casa dos pais, quase às margens do lago.

Durante aquela última estada no rancho, Jill havia caminhado com o pai por entre as vigas expostas da obra do pavilhão enquanto os construtores trabalhavam na sua fundação. O domador havia dito que estava em Spring Creek a quase um ano, o que significava que a obra havia sido concluída a quase um ano também, e Jill sequer a viu em qualquer outro de seus estágios de desenvolvimento. Nem sequer pedira uma foto!

Em sua defesa, a vida na Changeant estivera um caos no último ano. Ela mal havia tido tempo para respirar, tanto que também nunca mais acompanhara Brian em suas idas à Rússia, algo que o fizera reclamar e que ela achara exagerado. Nem mesmo sua mãe havia reclamado. Porém agora Jill se perguntava se não tinha sido ao contrário, se não fora sua mãe que havia exagerado em sua determinação de não interferir na vida da filha, mesmo que isso significasse permitir que ela se distanciasse quase que completamente.

Quando finalmente adormeceu, Jill teve sonhos agitados cheios de emoções que não reconhecia e imagens borradas num mundo em conflito. Acordou assustada quando o sol já estava alto no céu, uma pontada de dor atravessando seus olhos quando estes se abriram. Sua boca estava seca e a cabeça começava a latejar com a ressaca. Maldito caubói que a fizera misturar bebidas.

Jill trocou o pijama por um vestido fresco e jogou um pouco de água fria no rosto. Café. Ela precisava de café. Saiu do quarto e passou pelo de Collin, cuja porta estava aberta e o ambiente lá dentro em escuridão total. Sorriu. Ela sempre desconfiou que o irmão e Barb não tinham se esquecido. Desceu para a cozinha achando que os encontraria no primeiro andar, mas o lugar estava tão deserto quanto estivera na noite anterior quando ela voltou do pavilhão.

Depois de dar a volta pelos cômodos, Jill foi até a piscina para testar seu último palpite e não encontrou ninguém. Só restava conferir a garagem. Lá dentro ela viu a picape de Collin estacionada numa das vagas, porém o jipe de Barb havia sumido da rampa de acesso do lado de fora. Os dois deviam ter acordado antes dela e decidido sair por aí.

Sem se preocupar muito, Jill voltou para dentro de casa e se serviu de café numa caneca enorme. Seu corpo necessitava de cafeína para combater os efeitos da ressaca e ela estava mais do que ciente daquele fato. Mastigava um pãozinho quando decidira ligar para Barb só para saber se a amiga e Collin tinham planos de voltar para Spring Creek naquela tarde ou se ela teria que jantar sozinha. Discou o número e esperou por vários segundos na linha. Estava quase desistindo, convencida de que Barb não se achava perto do telefone ou que Collin a estava deixando ocupada demais, quando a amiga atendeu.

— Não posso falar agora. – Barb informou séria. Ao fundo Jill podia ouvir latidos de cachorro e o burburinho de pessoas conversando. Barb estava na clínica.

— Espera. – Jill pediu antes que a amiga encerrasse a ligação – Collin não está com você? – quis saber, a satisfação pelo dois terem passado a noite juntos dando lugar ao receio de que não tivessem se acertado, mas Barb não respondeu. Permaneceu em silêncio diante do nome de Collin e Jill sentiu um aperto no coração quando o seu maior receio se confirmou. – O que aconteceu ontem à noite? – indagou, tentando compreender como aquilo poderia ter dado errado.

— Não se faça de sonsa! – Barb respondeu debochadamente num misto de raiva e mágoa, batendo a porta do próprio consultório para que ninguém ouvisse o que tinha a dizer a Jill – Você sabia muito bem o que ia acontecer. – continuou, ríspida – Sabia que nós dois não íamos resistir, da mesma forma que você sabe que não tem volta! Você brincou com a gente, Jill. Comigo e com seu irmão! Espero que esteja satisfeita por ter destruído o que restava da minha amizade com ele. – e desligou.

Em choque, Jill deixou que o telefone caísse de sua mão na bancada da cozinha.

Como Barb podia pensar que ela havia brincado justamente com os sentimentos das duas pessoas, além de seus pais, que ela mais amava no mundo!?

A única coisa que Jill queria quando armou aquele encontro era que o irmão e a melhor amiga se dessem outra chance, que parassem de fingir que haviam superado um ao outro, não que brigassem e se afastassem ainda mais. E se tinha sido tudo tão extremo assim, para onde Collin poderia ter ido?

Jill subiu até o quarto do irmão em busca de pistas que lhe dissessem qualquer coisa, mas tirando o caos na cama bagunçada não havia mais nada fora do lugar de costume. O telefone de Collin, quando Jill tentou ligar, tocou embaixo de uma almofada na mesma poltrona da sala de estar onde ele passara sentado o dia anterior. O violão e caderno de notas haviam sido deixados ali também, perto da lareira, e até seus tênis continuavam no chão, perto da entrada da casa. Ela tentou se acalmar. O carro dele estava na garagem, então Collin permanecia em Spring Creek.

Do deque da piscina, Jill vasculhou o horizonte e as margens do lago, mas o irmão não estava em lugar algum dentro de seu campo de visão. Ela desceu correndo a pequena colina que levava até a estrada de terra batida que cortava a propriedade e foi até o pavilhão. Quando chegou lá, encontrou o caubói escovando um dos cavalos do pai na sombra de uma árvore.

— Meu irmão passou por aqui? – ela indagou, sem sequer desejar um bom dia a Jesse tamanha era o seu nervosismo, mas também porque ainda estava chateada pela forma como ele a tratara na noite anterior.

— Faz umas duas horas. – ele respondeu, parando o que estava fazendo e ajustando o chapéu de aba larga na cabeça para que a claridade do sol não atingisse seus olhos, insuportavelmente tranquilo diante da agitação de Jill – Ele pediu um cavalo e seguiu na direção do riacho. – completou, apontando para o norte por cima dos campos de capim e além, onde algumas cabeças de gado podiam ser vistas pastando.

Jill suspirou fundo. Ela sabia exatamente para onde Collin tinha ido.

— Preciso de um cavalo também. – anunciou, batendo inconscientemente o pé direito no chão, levando a atenção de Jesse até lá e até as botas de borracha à prova de cobras que ela usava por baixo do vestido fino cuja barra quase se arrastava pela poeira.

Jesse coçou o pescoço. As botas tinham sido sugestão sua na noite anterior, mas para caminhar na beira do lago, não cavalgar! E o vestido... Longe dele querer ensinar sobre roupas para uma mulher que trabalhava com moda, mas aquele tecido não oferecia resistência nenhuma contra arbustos, galhos ou qualquer outra coisa cortante que estivessem no caminho dela.

— Vou precisar ir junto? – quis saber, duvidando abertamente das habilidades de Jill como amazona, o que a fez revirar os olhos.

— Eu sei cavalgar. E muito bem! Lisa Trahan foi minha professora. – ela o informou, sentindo o coração se apertar no peito. A mãe de Barb era medalhista olímpica na modalidade de saltos com cavalos e a havia começado a ensinar aos sete anos a montar, mesma época em que começou a ensinar a Barb. E se não fosse por todo o tempo que passara com os Trahan na infância, ela não teria se apaixonado por cavalos, não teria implorado ao pai que lhe desse um e consequentemente aquele domador irritante não estaria ali.

— Tudo bem então. – Jesse assentiu, se resignando a apenas fazer aquilo que Jill queria. Ele entrou no pavilhão e tirou Honey da baia, uma égua mangalarga tranquila, cuja doma tinha sido muito bem feita e que deveria se manter calma não importasse a situação em que Jill as metesse. Jesse selou o animal e verificou as fivelas duas vezes antes de levá-la para onde a filha de seu patrão esperava impaciente.

Até aquele instante, Jill havia se contentado em aguardar do lado de fora do pavilhão enquanto acariciava a crina de Vendaval, o garanhão jovem em quem Jesse estava trabalhando antes de ela chegar. Mas quando vira o domador atravessando os enormes portões do pavilhão trazendo Honey pelos bridões, Jill se aproximou dele sem cerimônias e puxou a barra do vestido até o meio das coxas para depois encaixar o pé esquerdo no estribo da égua. Jesse a segurou pela cintura para a apoiar e ajudar a se levantar na sela. Uma terceira vez ele conferiu as correias e as fivelas além da posição dos estribos antes de passar a guia por cima da cabeça de Honey e a entregar nas mãos de Jill.

— Pronto. – anunciou, dando um passo para trás para observá-la melhor.

— Obrigada. – Jill respondeu, girando Honey para a esquerda para ir na mesma direção que o irmão – Ah! Só mais uma coisa. – ela chamou por ele, fazendo Honey dar alguns passos para trás para voltar a ficar frente a frente com o domador – Você não me deu a chance de te agradecer pelo conselho ontem. Obrigada por isso também.

Sem esperar por uma resposta, Jill incentivou Honey a galopar e a égua respondeu ao comando com entusiasmo.

Um sorriso torto surgiu no rosto de Jesse enquanto ele a observava se afastar com rapidez. Jill certamente era uma pessoa estranha, mas não mentira quando disse que sabia o que fazer em cima de um cavalo.

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