Canceriana (Final)

– E aí? Deu certo? – o outro perguntou ansioso.

– Esperança! – suspirou e contou tudo. Nada de chorar.

– E agora que você está saindo da casa dele? Mas já são mais de 11 horas, maluca. O que vai falar para o Heitor, sua doida? – a voz do outro lado da linha pareceu irritada.

– Não sei, meu filho. Sei lá, vou dizer que encontrei um pessoal da faculdade na biblioteca, um pessoal que eu não via há muito tempo, sei lá.

– Mas você é muito irresponsável mesmo! Pelo amor de Deus, criatura, tanto que eu te alertei: toma cuidado, toma cuidado!

Ela parou o carro na frente de casa. E a coragem para subir? Precisava chorar antes, precisava chorar para poder encarar o marido. Meu Deus, faça com que ele esteja dormindo.

– Eu sei, eu sei. Mas você sabe como sou quando estou com ele, não sabe?

– Que decepção, viu, Laila, que decepção!

– Não, mas hoje foi o começo do fim. Pode crer.

– Sei. Esse filme, já vi milhares de vezes. Isso que você tem com ele, se é que tem alguma coisa, já começou com um ponto final, só você nunca percebeu e está aí, até hoje, feito besta, sendo usada.

Ah, seu viado amargo e mal-amado! Precisa pisar em cima, chutar cachorro moribundo? Fala isso porque vive num deserto de sentimentos e desejos, porque nunca viveu uma grande paixão.

– Não, eu te juro. Hoje eu vi que preciso esquecer aquele homem. Não dá mais. Eu não sirvo para viver uma situação assim, ter amante, me encontrar às escondidas. Meu amor sente claustrofobia, precisa de ar livre.

– Realmente, aí você disse uma coisa certa: para ter amante, você não serve. – suspirou impaciente. – Quando você pediu minha opinião sobre se devia ou não se encontrar com aquele canalha, eu fui o primeiro a apoiar, a dizer: Vai! Mas, só disse por que pensei que você saberia administrar um caso extraconjugal.

– Pois é, mas não sei. – fala como se "administrar um caso extraconjugal" fosse uma vantagem. Já vi que liguei só para ter raiva. E o pior: nem de raiva consigo chorar.

– Isso deu para ver. Onde já se viu uma mulher casada ficar de duas horas da tarde até uma hora dessas, sem dar nem ao menos satisfação em casa. Que fosse, mas voltasse no máximo até seis. O adultério, para ser seguro e discreto, precisa de luz solar. Depois que o sol se põe, ninguém é confiável. Devia ter ficado umas três horas com ele e pronto, voltado para casa. Mas, não! Nunca se conforma com nada. Francamente, que decepção!

Ia responder, se justificar, quando ouviu o sinal de que havia uma chamada em espera no celular.

– Te ligo já já. Estão me ligando.

Ao desligar, viu surgir no monitor do celular o número dele.

O coração quase parou.

– Alô? – sua voz soou quase maternal, como se falasse com uma criança de colo.

Ele, então, expôs sua apreensão. Teria ficado ela magoada com a insensibilidade dele.

– Não, porque, para não perder sua amizade, abro mão da cama numa boa. Para mim sua amizade é muito mais importante.

Uma nuvem escura desceu sobre ela, escurecendo-lhe o olhar, a voz, a alma.

– Bobagem, Agnaldo. – falou grosso, soturna. – Na próxima semana a gente se vê, não se vê?

– Claro, claro! Que tal na quarta?

– Perfeito.

– E vai ser bom como hoje, não vai? – titubeou.

– Melhor.

– Opa! Agora fiquei empolgado. – riu sem graça.

Despediram-se, a tensão eletrizando o celular.

Na quarta, quando Agnaldo abriu a porta, Laila não deu nem boa tarde, agarrou-o com sofreguidão, o abraço de alguém que se afoga, e beijou-o como se lhe quisesse sorver a alma.

Amaram-se com selvageria, com mansidão, com violência, com suavidades, várias vezes, a tarde toda. Esgotados, suados, ofegantes, prostraram-se na cama, calados, maravilhados, por lentos minutos.

Por fim, ela levantou-se, decidida:

– É, realmente... – falava como se para si, e sempre de costas, enquanto catava as roupas pelo quarto.

– Sim?

– Sim o quê? – pareceu surpreendida.

– Você ia falar alguma coisa...

– Eu? Bobagem. – deu de ombros, vestiu a calcinha.

– Você já vai?

– Vou, já passei tempo demais aqui. – parecia impaciente. – Pode me ajudar aqui? – virou-se de costas, indicando-lhe a presilha do sutiã.

– Que foi, Laila? Aconteceu alguma coisa? Eu fiz algo que lhe ofendesse? – insinuante, falou-lhe próximo ao ouvido, enquanto tentava encaixar os colchetes em suas casinhas.

– Nada. – esquivou-se. – Você até que tentou.

Foi pego de surpresa. Confusão. Cenho franzido, boca entreaberta.

– E quer saber? Eu também tentei. – vestiu a saia e vasculhou o quarto com os olhos, muito concentrada. – Onde está a outra sandália, meu Deus?

– Laila, esper'aí. Eu não estou entendo nada.

– Ah, achei. – sentou-se na beirada da cama para se calçar. – Coisa minha, Agnaldo, coisa minha.

– Não, coisa minha também. Você não está aqui comigo, só nós dois? Dá a entender que está aborrecida, toda impaciente. Alguma coisa há de ter acontecido.

– Aconteceu o que eu já esperava. – foi misteriosa, enquanto vestia a blusa.

– Sim, muito bem. E o que você esperava? – começava a se irritar.

Pegou a bolsa, tirou dela um batom e um estojo redondo com espelho. Começou a se maquiar.

– E então? O que você esperava, Laila? – inseguro. – Você não gostou da nossa tarde?

– Pergunta capciosa. – sorriu irônica. – Assim, assim! É, não foi das piores.

– Espera lá, Laila. "Não foi das piores"?

– Foi legal. – comentou evasiva.

– Não, você disse que "não foi das piores". O que foi? Fiz alguma coisa errada?

– Agnaldo, Agnaldo. Não me faça tanta pergunta. Você pode não gostar das respostas. Vamos deixar como estar e...

– Ah, não. – irritou-se. – Agora vá até o fim. O que é? Não gostou do meu desempenho? É isso?

Suspirou fundo, preparando-se para o golpe de misericórdia.

– Você me obriga a ser desagradável. – demonstrou impaciência. – Está bem, está bem. Não vou dizer, Agnaldo, que foi ruim. Não foi. Mas você não chega aos pés do meu marido.

– O quê? Marido? Que marido?

– Como "que marido"? O meu, ora! Vai me dizer que não sabia que casei de novo?

– Não, não sabia, não. – quase em desespero.

– Ah, bem, e você achou, então, que meus filhos fossem obra e graça do Espírito Santo?

– Eu pensei que você não estava mais com o pai dos seus filhos... – tartamudeou, sentindo-se um perfeito idiota.

– Isola! Deus me livre de me separar. Amo meu marido, amo! E outra: foi bom esse nosso reencontro, sabe. Eu tinha essa dúvida eterna, ficava naquele impasse, com um olhar no passado. Sabe como é memória afetiva.

O queixo de Agnaldo batia no peito.

– Agora não, agora eu percebi muito claramente. É a meu marido que amo, sabe paixão? Pois é. Com você, não, foi uma fantasia adolescente fora de época. Só precisava mesmo dessa conclusão.

– Ah, muito bem. E só agora você percebeu? Na semana passada, queria até sair comigo, se mostrar para Deus e o mundo.

– Se você não percebeu, meu filho, eu estava bêbada. Bebi para cometer o adultério. Mas não adiantou de nada, porque não era dona dos meus sentidos. Por isso, resolvi vir aqui uma segunda vez, para repetir a experiência, dessa vez completamente lúcida.

– Como é que é? Experiência? Foi isso que a gente fez aqui a tarde toda, uma experiência?

– Exatamente, uma experiência. E eu já tenho agora eventos suficientes para embasar uma tese de doutorado sobre amores passados e amores presentes. Ou seja, não preciso mais fazer pesquisa nenhuma. – foi de um cinismo sádico. – Adeus, Agnaldo. E pode deixar que depois vou marcar alguma coisa lá em casa com nossa turma da Universidade e te convido. Assim você vai poder conhecer minha família, certo? Bye!

Mal entrou no carro, já arrependida de tudo. Novamente quis chorar, mas não pôde. Estava tensa demais. Será que depois daquilo ele ainda iria lhe procurar? Seria o fim? Nunca mais? Por que fizera aquilo, meu Deus?

Naquela noite não conseguiu dormir. Sentia calafrios como se estivesse com febre. E o pior era que nem podia se mexer muito na cama para não despertar o marido.

No outro dia, ligou para o amante, mandou mensagens. Nenhuma resposta. Na oitava tentativa de ligação, não suportou a voz mecânica orientando a gravar mensagem após o sinal, e, num rompante de fúria, arremessou o celular pela janela, quinto andar. Quando viu o aparelho desaparecer, lembrou-se que só tinha o número dele gravado ali e em nenhum outro lugar. Quase gritou. Correu para a janela. Talvez tenha caído em um canteiro. Com desespero, viu o celular destroçado no calçada, ou pelo menos alguns pedaços dele. Segurou a cabeça entre as mãos. Saberia o telefone de cor? 845... 8584... 8548... Sentiu uma frieza no estômago como se descesse de carro muito rápido uma ladeira íngreme. Nem dos primeiros quatro números lembrava. E, então, finalmente as lágrimas vieram, aos borbotões, quentes, corrosivas, dilacerantes.

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