Canceriana (1ª Parte)


– Depende da situação, do contexto... – foi vago.

Ela sentiu o sangue fugir do rosto e as mãos voltarem a suar.

– Como assim "depende da situação"? Que contexto seria esse? Pra mim, a situação seria eu, você e seus amigos, saindo todos juntos para nos divertir. Você ficaria ou não ficaria comigo?

Se ele não responder, eu mato.

– Não sei, mas acho que não.

Então passamos a tarde toda fazendo amor e, na hora de me mostrar para os amigos, eu não sirvo.

– Ah, entendo. Vem cá, Agnaldo, como você definiria nossa relação? – Laila, forçando a mente a vencer a nuvem alcoólica, tentava parecer natural. Minha voz saiu tremida, aposto que saiu. Que será que ele está pensando?

– Amizade colorida. – falou de chofre, quase sem se sentir, pensando que ainda tinha que tomar banho, se arrumar, para ir encontrar a galera, mas na mesma hora se arrependeu. – Talvez... Não sei, Laila, nossa relação não pode ser definida.

Miserável, por que ainda perco meu tempo, meu Deus? Cinco anos não são cinco meses, nem cinco dias, cinco anos amando, desejando o mesmo homem. E o Heitor? Se eu tivesse um pingo de vergonha na cara, abriria o jogo, diria: Ainda sou casada com o pai dos meus filhos. E amo meu marido, amo. Não, ainda não. Por que ainda não? O que esperava? Que ele mudasse? Depois de cinco anos?

– Acho que já está na hora de eu ir. – olhou para o outro lado, para a piscina.

– Já está tarde para você, não é? – não conseguiu esconder o alívio na voz.

De pensar que, algumas horas atrás, eu estava disposta a largar tudo, marido, filhos, o diabo, se ele me acenasse ao menos com a possibilidade de me assumir.

– Agora eu te falo uma coisa, Agnaldo. Esse negócio de amizade colorida não dá certo.

– Por quê? – surpresa, certa dose de cinismo e enfado mal disfarçado.

– Ora por quê! Estamos aqui desde duas horas da tarde. Já são... Meu Deus, quase onze horas. Estamos aqui conversando, bebendo como dois amigos. Sexo, fizemos, mas o que foi melhor e que mais preencheu esse tempo todo: nossa conversa ou o sexo? – o que estava dizendo? Estava bêbada mesmo, já não dizia mais lé com cré.

– Ah, Laila, mais duradouro foi a conversa, mas melhor foi o... Aí você me coloca numa saia justa.

Fiz merda. Qualquer opção que ele escolhesse, seria uma punhalada no meu peito.

– Pois eu acho que estamos nos tornando bons amigos, sabia? E numa relação assim o sexo só atrapalha. Está resolvido: vamos abolir o sexo. Ou sexo, ou amizade? – Por que não paro de falar? Nunca mais ponho uma gota de álcool na boca. Sei que não posso beber e bebo.

– Ah, não. Sem sexo vai ficar difícil. Não quero abrir mão do sexo, não. – abraçou-a, arrepiou-lhe a nuca com uma carícia ousada.

Sexo. Para ele, eu sou só isso: sexo. Sentiu as mãos suadas, pegajosas. Se estivesse com a saída de banho, as enxugaria. Sentia raiva por sua vagina ser mais interessante do que ela, mas, ao mesmo tempo, orgulhava-se do precário poder que tinha sobre ele. Riu de cócegas e prazer. Afastou-lhe a mão, toda coquete.

– Para. Você não toma jeito. – Como amava aquele rosto. – Preciso ir, está na minha hora. Além do mais, você ainda tem compromisso...

Se ao menos ele dissesse que ela era mais importante do que aquele compromisso.

– Pois é... – foi reticente, estava sem jeito, mas também não lhe deixou dúvidas.

Ela levantou-se de chofre. Se continuasse ali, naquela situação, acabaria chorando. Maldito álcool.

– Está tarde. Eu já vou. – pegou as roupas estendidas na chaise long.

– Você quer que eu lhe leve em algum lugar? Está legal para dirigir? – ela vestia-se atabalhoadamente.

– Não precisa. Já tomei muito do seu tempo. – Não conseguia ficar calada, não adiantava. Nunca mais poria uma gota de álcool na boca, pelo menos não na presença dele.

– Que isso, Laila! Deixa de bobagem! Eu poderia te levar em casa, você deixaria seu carro aqui, e amanhã...

Exatamente, aí eu te convido para subir e te apresento para meus filhos e meu marido. Meu Deus do Céu, o que diria para Heitor? Era muito irresponsável. Estaria com muito bafo? E o cabelo? Cheio de cloro. Se ele já estivesse dormindo, seria uma graça dos céus.

– De forma alguma! Estou ótima.

Meu Deus, sei que não mereço, mas faça o Heitor dormir.

Na porta da frente, ele lhe deu um beijo leve, casto, nos lábios. Tentou ser charmoso, não demonstrar pressa, mas ainda precisava se arrumar, acabaria chegando depois dos amigos na boate.

– Foi bom estar com você...

"... Brincar com você. Deixar correr solto o que a gente quiser." Como uma mulher pode gostar tanto de um homem que a trata assim depois que consegue tudo? Já sei, porque até conseguir o que queria para ele, era uma rainha.

– Também adorei nossa tarde de "amizade colorida". – Já desistira de si, sua maior inimiga era a própria língua.

– Você, hein, Laila, não deixa escapar nada. – riu sem a menor vontade.

Ela também.

– Até a próxima. – Que próxima, Laila, está maluca? Cria vergonha na cara, mulher.

– Que vai ser quando? – ele procurou demonstrar entusiasmo.

– Não sei. Vai depender de você. – Sempre dependia dele, porque, por ela, já estariam juntos há muito tempo e para sempre.

– Então, a gente marca qualquer coisa... Deixa-me ver... Na próxima semana, o que você acha? – o esforço que fazia para esconder a ansiedade era visível.

– Para mim, está bem. – Coisa muito fácil, não tem valor, sua burra. – Tem que ver o dia.

– Então eu te ligo para a gente marcar alguma coisa.

Já vi que aí vem outro daqueles intervalos de meses sem te ver. Ela riu, querendo chorar, e balançou a cabeça. No carro, longe daqui, vou chorar tudo o que tenho para chorar e vou esquecer esse desgraçado.

Mas, mesmo depois que sentou atrás do volante, deu partida e afastou-se da casa dele, o choro não veio, era o momento ideal, queria chorar, precisava chorar, mas os olhos ardiam, secos. Fez cara de choro, forçou-o. Nada. Teve a ideia de ligar para um amigo gay, o mesmo que a aconselhara a viver aquilo de uma vez por todas, já que traição por traição, na concepção dele, ela já traía o marido ao desejar outro. Com certeza, ao contar sua história, ao se dar conta de seu triste papel, as lágrimas viriam.

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