Boneca de Milho (Final)


Chico Rosa rolou para o lado, trêmulo, ofegante de prazer e ódio, saciado e desgraçado.

– Quem foi o primeiro? – Gemeu rouco e grave na sua fúria de traído, a pergunta crucial lhe rasgando a garganta.

– Hein? – Milagre sentiu o sangue congelar.

– Infeliz, não faz eu te matar, não! – Levantou-se atarantado em busca da calça do pijama. – Eu quero saber! Anda, diz! Não, não adianta, não! Chorar, esconder a cara com as mãos não vai diminuir tua desonra, não, sua sem-vergonha. – Deu uma gargalhada de possesso. – E o corno aqui pensando que levava uma moça pro altar. Uma safada mais furada que peneira de urupemba! Umbora, cachorra, diz! Quero saber o nome do fila da puta que a uma hora dessa está se rindo de mim!

– Ninguém! – Milagre gritou toda sua angústia e desespero. — Ninguém! O senhor foi o primeiro. Eu juro! Juro!

– Ah, sua ordinária! — E partiu para cima da mulher com uma gana assassina. Segurou-lhe pela mandíbula, preparando-se para rebentar-lhe a cara a socos.

Milagre fechou os olhos e encomendou a própria alma a Deus. Valei-me, meu Pai Eterno! Chegou minha hora. O marido, porém, limitou sua violência a um empurrão brusco, atirando-a de encontro à cabeceira da cama.

Silêncio. Tensão. Passos nervosos pelo quarto. Emoções violentas e contraditórias.

– Pega tuas coisas qu'eu vou já te deixar na casa do teu pai. – Falou numa mansidão lúgubre de aterrar qualquer cristão.

– Foi numa das noites de insônia que me perseguem desde menina. – Chico virou-se entre surpreso e incrédulo, a mulher conservava o rosto entre as mãos enquanto falava. – Acho que aquela foi a pior... – Levantou lentamente a cabeça e seus olhos se perderam nas lembranças. – Era uma noite quente, um mormaço. Me deu aquela agonia, boca seca, um aperto nas frontes e embaixo... embaixo era que era. Um comichão, um latejamento, uma coceira, chega doía. Parecia que eu tinha o inferno dentro das partes. Me embrenhei milharal adentro. – Voltou a cobrir o rosto com as mãos. – Eu estava pra perder o juízo com aquele fervilhão lá, só quem sentiu é que sabe. Essa minha maldita natureza. – Mordeu a própria mão, virando a cara para o lado, depois, novamente, ficou cega para o presente, o olhar arregalado e um tanto brilhante demais. – Peguei a boneca de milho maior que achei. Descasquei. Rasguei minha camisola. Era de cambraia, fininha, molinha, macia como quê. Enrolei a espiga e... e... me arrombei! Pronto! — Disse o palavrão em desafio, erguendo a cabeça com volúpia e audácia, as narinas dilatadas, os dentes à mostra. Pela primeira vez, mostrava-se a alguém.

– Mentira! Mentirosa! Quer bem que eu acredite que. – Chico, que se quedara estático, boquiaberto com a história da mulher, voltou a andar pelo quarto, nervoso, com raiva e vergonha do desejo que lhe levantava o tecido do pijama. — Ah, égua sem-vergonha! Ordinária!

– Eu juro! Quero morrer leprosa! Quero que Deus me castigue com a pior doença! Eu juro!

– Chega! – Foi ao guarda-roupa, abriu-o. — Não sei pra que desarrumou as malas, só pra arrumar de novo. Umbora! Avia! Arruma logo teus molambos que te devolvo ainda hoje.

– Não! – Gritou todo seu horror, toda sua inocência, e chorou.

Chico parou um instante, imóvel, fitando absorto o interior do guarda-roupa. Silêncio. E uma ideia cruel ocupou-lhe toda a mente, obsessiva, imperiosa, dessas que não deixam margem sequer à razão ou à consciência para contestações, exigem ação imediata.

– Pois bem! Já que jura que é verdade essa sem-vergonhice, por que não faz de novo pr'eu ver? – Toda sua figura, assim, na penumbra, tinha algo de diabólico. Voltou-se lento e seus olhos soltavam chispas de crueldade e lascívia.

– O quê? – Milagre sentiu um frêmito percorrer-lhe o corpo.

– Você ouviu muito bem. Vai fazer de novo e na minha frente. Só acredito assim.

– Não. – Gemeu, encolhendo-se mais ainda na cama.

– Ou faz, ou te devolvo pro teu pai, sol alto, pra todo mundo ver.

– Meu pai não aguenta a humilhação. Morre ou então se mata.

– Escolhe!

E como não houve resposta, saiu alucinado. Foi até o terreiro, tinha plantadas umas poucas fileiras de milho. A madrugada ia alta, tranquila e morna. Pegou a maior boneca de milho que pôde, o inverno não estava bom. E ainda é pequena! Ah, se soubesse, teria zelado mais esses milhos.

Jogou a espiga na cama, foi até a esposa, segurou-lhe pelas alças da camisola. Ela gemeu, paralisada de pânico. Com dois ou três puxões violentos, rasgou-a de cima a baixo, expondo-lhe a nudez.

– Pronto! Faz, anda!

– Ah, cão dos infernos! Maldito! – Rangendo os dentes. Seria ódio a comoção intensa que a fazia tiritar como se com febre, e arfar feito touro enfezado?

Fitaram-se. E naquela troca furibunda de olhares, lâminas agudas e abrasadas, travaram o maior embate de suas vidas. Lutavam entre si e consigo mesmos. Lutavam os escrúpulos, as conveniências, os princípios e todas as máscaras e vernizes que usaram por todas suas vidas, contra o mais poderoso dos adversários: o desejo que se elevava ao mesmo tempo diante dos dois como um árbitro implacável e irresistível.

Num gesto brusco, Milagre agarrou a espiga e enrolou-a na camisola rasgada, olhos fixos nos do marido, o tempo todo.

A onda de prazerfulminante atingiu-os de roldão ao mesmo tempo. Instintos fartos, exauridos,lânguidos, adormeceram lado a lado, bem próximos um do outro.c

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