Perdido em suas intenções


24 de dezembro de 2017

A vinda do natal apenas comprovou minha pequena teoria pessimista.

Narcissa — vulgo minha mãe, que virava apenas Narcissa quando eu estava verdadeiramente magoado ou coagido — havia me arrastado para a festa de Natal de Andrômeda.

Sendo sincero, não fui de boa vontade nem totalmente contra gosto, não queria passar o natal na mansão e sabia como aquela situação era importante para mamãe; ela estava se permitindo fazer parte da família novamente. Há anos, Andrômeda tentava contato e Narcissa sempre achou melhor mantê-la longe, uma questão de segurança. Então, ver minha mãe sorrindo o mais aberto que sua educação polida permitia me causou um sentimento gostoso no peito, apenas para compensar o revirar horrível no estômago que me assombrava.

O problema de estar ali não era a filha de minha tia, nem a própria ou seu neto enérgico, passava longe de comida, decoração ou a casa em si. Todo meu nervosismo, medo e desespero era causado pelos outros integrantes e elementos daquela celebração. O salão recheado de pessoas da Ordem me deixava em pânico, era horrível olhar para as pessoas dali e sentir culpa. Parecia que o sangue nas mãos do meu pai estava nas minhas, como se todas as mortes da guerra fossem parcialmente minhas.

A casa de minha tia não era pequena, embora parecesse. Ainda mais com o rebanho de ruivos, parte do corpo docente, os familiares e amigos de Potter, todos ali. O local estava tão recheado de gente que me sentia sufocado. A situação só piorava com o fluxo de pessoas que iam e vinham apenas para cumprimentar, desejar boas festas e deixar algum presente. Mesmo com a minha mente arrumando mil formas de me sentir insuficiente, havia algo que me incomodava de forma surreal.

Céus, Harry e seu grupo tinham algo contra pessoas loiras: em um raio de vinte metros existia apenas Luna e eu com os cabelo claros. Se eu forçasse um pouco mais a visão poderia ver o senhor Lovegood dançando no jardim da frente ao som das vozes de sua cabeça. Sabia que observar esse fato era só minha mente trabalhando para não surtar, mas de algum jeito estava me incomodando de forma real.

— Ei. — Harry chamou do nada, me virei para vê-lo abraçar seu próprio corpo por causa do frio. Esta noite, a temperatura estava alguns graus negativos. Quis abraçá-lo como fazíamos no jardim da Mansão; mas não faria aquilo ali, não tinha esse direito.

— Oi. — voltei meus olhos para o ponto vazio do telhado que antes fitava.

— Por que está aqui fora? — ele perguntou, cauteloso e fungando de leve.

— Muito barulho. Muita gente. — respondi baixinho, me encolhendo com o vento frio que chicoteou meu rosto.

— Quer dizer que você é anti social… — caçoou, tentando deixar o clima leve; eu estava totalmente na defensiva e ele sabia. De uma forma bizarra, Harry aprendeu a me ler.

— Acredite no que quiser. — brandei, de forma amarga, encostando o corpo no tronco da árvore atrás de mim.

Não deveria ter aceitado tudo aquilo, a solidão da mansão nunca me pareceu tão atrativa.

— Vamos entrar, está quase na hora da ceia.

Ele disse e tentou enroscar seu braço no meu, assim como fazia sempre que queria me arrastar para algum cômodo lá em casa. No entanto, de forma instintiva, eu me afastei e corri os olhos pelo quintal da casa, temeroso de alguém ter visto.

E quando os olhos tristes de Harry me alcançaram, o arrependimento veio junto. Se possível, encolhi ainda mais meu corpo, em uma tentativa besta de sumir. Odiava aquele olhar sobre mim, eu podia ver a decepção.

— Eu não estou com fome, depois eu como… em casa de preferência. — murmurei o final baixinho. Eu não queria voltar para a sala, não queria encarar nem ser encarado. Podia ser coisa da minha cabeça, mas me sentia altamente observado.

— Olha, eu sei que esse não é seu natal ideal, mas... — se calou antes de concluir, provavelmente notando que o discurso era igual ao do dia que chegou na mansão.

— Já tive piores. — repeti nosso primeiro diálogo, de quase três meses atrás, obtendo um sorriso em resposta. Aquele sorriso grande e pretensioso.

— Vamos entrar, Draco. — ele pediu, pondo a mão no meu ombro.

— Eu vou entrar — eu disse, simples, e ele pareceu radiante. Ainda mais, quando outra brisa gélida nós atingiu. — mas não porque você pediu, Potter.

— Você deveria me chamar de Harry. — ele ignorou totalmente minha resposta azeda, repetindo seu discurso da semana inteira. Na cabeça dele, era inviável eu ainda o chamar de Potter. E ele tinha razão, mas eu gostava da segurança que essa linha traçada me dava.

— Nos seus sonhos, Potter. — dei um passo maior, pegando dianteira na caminhada até a casa.

Harry apenas riu, e meu estômago revirou de novo, era difícil ficar perto dele sem sentir meu corpo me traindo, era o efeito Potter. Ele podia até não saber, e nunca saberia se dependesse de mim, mas já o chamava de Harry a muito tempo em minha cabeça.

Entramos no casarão, tanto Harry quanto eu estávamos tremendo. Eu tremia bem mais que ele, então o calor da lareira e feitiços de aquecimento da casa foram muito bem vindos, mesmo que não suficientes. Consegui chegar até o centro da sala antes de mamãe me ver e praticamente correr em minha direção. Eu provavelmente estava rosa pelo frio e imunidade nunca foi algo o qual pudesse me gabar, então era uma mania de Narcissa surtar com qualquer friagem que eu pegasse. Foi natural para nós dois quando ela iniciou sua sessão clássica de broncas, feitiços de aquecimento e verificação, fazia anos que eu não prestava atenção no que ela falava, só ouvindo um "hipotermia, Draco!" a cada segundo. Mesmo que eu fizesse uma pequena careta, ainda amava esse cuidado, era um dos poucos que ela não se continha ou fazia às escondidas com medo de meu pai ou de algum Comensal. Era bizarro como mediamos nossas atitudes pelos outros, mas esse combo de pequenos atos, em especial, nunca caiu em desuso. Lembrava que, quando criança, eu brincava no frio apenas para ficar quentinho nos braços da mamãe.

Mas nossa bolha não permaneceu por muito tempo, logo observei nossos arredores, e os olhares eram surpresos em uma tentativa bem falha de ser discreto. Até soltei uma risada baixa que deixei morrer quando Granger arqueou a sobrancelha quase que em desafio.

Era estranho como minha relação com Narcissa era vista por eles, parecia que parte deles esperava ela me pôr no colo para ninar e a outra esperava algo como um imperius.

Não podia julga-los, todos conheciam meu pai e ele nunca foi alguém afetuoso.  Nunca chegou a me bater ou me privar de nada, até porque sempre tentei ser o melhor filho possível. Houve apenas uma vez que afrontei Lucius e nem foi exatamente isso: com doze anos, descobri seus planos para com Ginevra, fiquei apavorado; tanto com a ideia de um basilisco na escola quanto ao diário. Com toda a inocência de uma criança, pedi para ele pegar o diário de volta e falar com Dumbledore sobre o animal vagando por Hogwarts.

Meu pior erro foi acreditar que seria ouvido. Naquela tarde, pela primeira e última vez dei minha opinião, pedi ou direcionei uma fala qualquer a Lucius sem ele ter iniciado a conversa.

Lembrava perfeitamente de seu olhar gélido virar pura raiva, dele sacando a varinha e falando sem nem exitar "Crucio". Honestamente, não sei quanto tempo ele rogou a maldição. Não deve ter sido mais que alguns segundos, mas pareceu uma eternidade. E ali, jogado no chão quando ele saiu e um elfo surgiu em seguida, resolvi que nunca mais iria querer ter a fúria de Lucius sobre mim, preferia mil vezes lidar com a raiva dos outros. Narcissa descobriu por um elfo o ocorrido, pois obviamente ele não iria contar que torturou o filho de doze anos, e eu não tinha coragem para tal. Acreditava piamente ser erro meu, depois dali minha relação com mamãe melhorou e com meu pai virou basicamente burocracia, sempre soube que ele teve um filho por obrigação de manter a linhagem, mas sentir na pele foi um pouco diferente.

Passei anos querendo ser um filho bom o suficiente para ele se gabar com os amigos e subordinados, e invisível o suficiente para não ter que lidar comigo. Foram anos de treinamento para parecer apático ao menosprezo dele. Mais alguns anos para entender que não importava o que eu fizesse, não seria o suficiente.

O meu objetivo desde os doze anos era passar despercebido pelos adultos e afastar os jovens, não queria arrastar ninguém para minha vida em geral. Embora alguns persistentes, como Pansy e Blaise, tivessem quebrado as barreiras. Ali, no meio daquela sala recheada de pessoas que me odiava, eu precisaria resgatar todo o treinamento de Lucius para ficar totalmente invisível.

Apenas passar aquele feriado de forma discreta, agradando minha mãe e deixando Potter voltar para sua vida, me encolhendo na minha própria solidão. Era um bom plano.

Depois dessa data, provavelmente a dupla de amigos de Harry iria implorar para que voltasse para eles. Com o retorno das aulas próximo, ele iria; Potter sairia da minha rotina e, com o tempo, da minha vida. Tudo iria para o seu devido lugar.

Seria Narcissa e Draco novamente, e eu estava bem com isso, tinha que estar.

Era só o que me restava.

— Doninha, vem provar isso aqui. — quase não contive a expressão de choque quando Ronald Weasley me chamou. Ao ver meu choque, ele caminhou em minha direção e quase enfiou na minha boca alguns canapés. Tentei conter meu ultraje pela forma que ele agia como um troglodita.

— Agradeço a oferta. — dispensei, tentando soar educado e retirando a mão suja do meu rosto, quase em pânico.

— Você quem sabe. — deu de ombros enfiando mais alguns na boca e tive que fazer uma careta para a cena, seria até mesmo anti-Draco não demonstrar meu nojo com a atitude.

— Você nunca aprende, Rony. — foi Hermione que o repreendeu, chegando do nada e resmungando para que usasse lenços, jogando-os no rosto dele. Naquela situação, eu quase a agradeci.

— Oi, Draco. — achava engraçado como ela era a única do trio que me chamava pelo nome desde sempre.

— Hermione. — saudei respeitoso, pois assim como ela era a única que me chamava pelo nome, eu fazia o mesmo com ela.

— Hum… desculpa te incomodar mas é que fui comprar os livros do oitavo ano e me falaram que você comprou a última edição de Aplicação de Ingredientes Herbológicos, a próxima leva só chega na semana de volta às aulas e bem…

— Te enviarei o livro e você me devolve em Hogwarts. Já terminei de ler.

— Muito obrigada! — ela sorriu para mim e isso foi totalmente estranho. Senti nojo, mas não dela, de mim.

Tinha plena consciência que aquilo não era um sentimento saudável e que provavelmente era indicativo de crise, e fazia meses que eu não tinha uma crise de ansiedade.

Tenho para mim que pessoas ansiosas, ou pelo menos eu, sempre sabemos quando estamos começando a ter gatilhos, mas preferimos ignorar. Foi isso o que fiz quando assenti para ela. Engoli todo meu mal estar, escondi todo meu incômodo o mais fundo que eu conseguia, no meu âmago.

— Você está bem? — olhei em direção a voz, demorando para assimilar quem estava perguntando.

— S-sim. — cocei a garganta tentando me recompor. — Sim, Luna, estou.

— Oh, você sabe meu nome. — ela sorriu com doçura. Tentei retribuir mas parecia demais para mim no momento, então apenas assenti. — Você tem muitos Zonzóbulos na cabeça, menos do que antes… mas ainda são muitos.

Encarei a garota, confuso. Diferente de quase um ano atrás, ela parecia bem, risonha e avoada como me lembrava em Hogwarts. No dia que Potter chegou na mansão, eu estava com um plano feito para libertá-la e pôr a culpa em um dos comensais de função baixa. Não precisei colocar em prática e ninguém, além de Dobby, sabia do plano. Vê-la bem me trouxe uma certa sensação de paz; como se mesmo com todo o mal, ela tivesse feliz. A constatação boba que chegava toda vez que via alguém bem depois da guerra, era que todos estavam tentando deixar o passado no lugar dele e somente eu, estava sendo consumido.

— Zonzóbulos? — minha respiração parecia um pouco mais regular e agora minha visão conseguia enxergá-la com perfeição, quase lhe agradeci por tirar minha cabeça da culpa e lembranças da guerra.

— Toma. — ela retirou um dos inúmeros colares do pescoço, ele tinha um formato igual ao óculos que usava no quarto ano, algo como uma pequena mão com um círculo na palma. — Assim você pode vê-los e se proteger.

— Não precisa… — recuei um passo para trás porém ela avançou dois para frente quase dando de encontro comigo. Em um movimento rápido, o cordão estava no meu pescoço.

— Você tem que aprender a aceitar presentes, Draco! — ela sorriu novamente e pude notar o exato momento que sua visão captou outra coisa e agora sua atenção era totalmente daquilo.

Soltei o ar que nem sabia que prendia quando ela andou em passos lentos para longe de mim, totalmente dispersa. Eu gostava do jeito leve que ela lidava com tudo, fazia as coisas parecerem simples ao ponto de se tornar chato. Ergui a mão em direção ao pingente colorido, fitando o círculo branco com contornos azuis movendo-se de leve, como água. Lembrei vagamente de já ter visto um parecido com esse no pescoço de Harry e não contive o sorriso com a lembrança. Arrumei o cordão dentro da blusa e me senti infinitamente melhor. Talvez eu conseguisse lidar com aquele natal. E talvez, se fosse bem otimista, conseguisse sobreviver a avalanche de sentimentos que Potter me trazia.

Eu também poderia pôr o passado em seu devido lugar.

Respirei fundo, me sentindo mais no controle. Caminhei em direção a cozinha, almejando um pouco de água e encontrando algo que fez toda a pequena confiança que tinha reunido simplesmente sumir; Ginevra estava prendendo Harry contra o balcão, beijando-o lentamente, ele correspondia enquanto tocava sua cintura de forma quase doce. Pareciam estar em seu próprio mundinho.

Cheguei na conclusão óbvia — enquanto meu estômago revirava e me subia uma ânsia de vômito — que provavelmente não sobreviveria a avalanche Potter.

O pouco de controle não foi o suficiente para lidar com isso, meu peito parecia comprimir-se. Eu sempre soube que eles namoravam, mas não contava com a demonstração efetiva disso. Me senti pequeno mais uma vez naquela noite, cercado de pessoas que me odiavam, e que faziam o certo ao nutrir o sentimento. Nunca fui alguém legal de se estar por perto. Senti meu lábio tremer de leve e minha mão formigar.

Todos naquela noite passaram sua véspera de natal sendo legais, educados e quase dóceis comigo e minha mãe, não sabia até que ponto era boa vontade ou intervenção Potter, mas não me sentia merecedor daquilo. Não me sentia nem sequer merecedor de conviver com Harry, quem dirá de ser recebido de braços abertos por todos que feri e meu pai feriu.

Meu cérebro mandou a noite inteira sinais que eu deveria correr. Meu coração me mandava chorar até secar e meu corpo não conseguia sair dali, impossibilitado de seguir ordens.

E com minha cabeça girando, vendo a cena que não parecia ter fim, foi que cheguei na triste conclusão que havia me apaixonado pelo garoto que sobreviveu. Não igual ao quinto ano quando eu quis beijar-lo depois do um jogo de quadribol mas acabei o azarando. Na época foi fácil esconder o sentimento e nem senti nada quando soube da garota com qual saia na época; dessa vez havia doído, doído muito, tanto que parecia que ia me rasgar.

— Draco? — não sabia dizer com exatidão quando o beijo havia terminado, porém minha visão um pouco borrada conseguia distinguir o casal agora de frente para o balcão, olhando a porta, onde eu estava estático.

— D-desculpe, eu vim buscar algo para beber… não queria interromper. — mesmo que minha voz soasse mais firme do que julguei possível para meu estado, sabia que a expressão de choque ainda deveria estar em meu rosto.

Eu não era capaz de dar mais que aquilo no momento, infelizmente.

Harry me olhou, quase analítico, e Ginevra tinha uma expressão curiosa no rosto. Avancei um passo dentro da cozinha a fim de justificar minha meia verdade. Potter parecia me seguir com os olhos. E a Weasley, quando notou minha confusão, buscou o copo de água, me entregando. Bebi em poucos goles, querendo finalizar o clima ruim. Eu não era idiota; havia rolado mil climas entre Harry e eu, várias conversas e momentos que nunca esquecerei, mas eles tinham uma história. Ela era quem Harry merecia e devia estar desde o início. Minha casa foi sua última opção, e qualquer tipo de história que pudéssemos ter, nem era uma opção para o garoto.

A ruiva olhava para ele como quem diz mil coisas. Eu não entendia dos olhares deles, mas entendia os olhares de Harry para mim. E ele tinha nos olhos um pedido de desculpas mudo. Sorri triste, quase solicito.

Estávamos terminando o que nunca começou.

Deixei o copo no balcão, sentindo o conformismo me invadir; não era a primeira vez que eu queria algo impossível e aprendia da pior forma que não era para mim. Nada que Draco Malfoy quer era o que ele deveria querer.




Notas:

Bem, chegamos ao terceiro capítulo, e daqui para frente é só para frente ksksk pelo menos para mim!

Honestamente gosto muito do desfeixo do próximos capítulos (até o oito mais ou menos), curto muito, de verdade.

Recomendo vocês prestarem atenção nos títulos dos capítulos, todas as minhas histórias tem morais, conselhos etc, e essa não é diferente!

Muito obrigado a todos que estão acompanhando! Um agradecimento especial a @potterfoy que betou este capítulo💜

Amanhã sai quinto capítulo da fanfic maravilhosa da papodeumagamer fiquem de olho!!!!!

É isso até dia 31♥
Ah, o quarto capítulo me fez chorar escrevendo...

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