8. Sentimentos Profanos

          O grande dia chegou, e com ele minha ansiedade começou a tomar conta de mim. Sempre que essa data se aproximava, eu me sentia assim; era difícil me acostumar com essa sensação. O fato de que alguém me acompanharia pela primeira vez tornava tudo ainda mais agoniante, por mais que a animação aumentasse significantemente de igual maneira, especialmente porque esse alguém era o Luan.

          Mesmo termos no visto mais cedo na escola, combinei de nos encontrarmos ao final da tarde na oficina do James.

— Uau, você está todo engomadinho — James comentou assim que me viu chegar.

          De fato, eu estava usando uma camisa e uma calça social, e definitivamente não teria retribuído o seu abraço se ele estivesse sujo de graxa como da última vez que nos vimos. No entanto, James também estava surpreendentemente limpo e sem vestígios de graxa dessa vez.

          Naquela primeira ocasião, ele estava desmontando carros, mas dessa vez a oficina estava vazia. Minha curiosidade sobre o que James e Luan aprontavam naquele local ainda estava presente, mas decidi deixá-la de lado por hora.

— Cadê o meliante? Não podemos nos atrasar — Falei, olhando ansiosamente para o meu relógio de pulso com medo de perder o horário.

— Calma, Cinderelo. Sua princesa já vai aparecer. Até parece que estão indo para um encontro — James riu em tom de deboche, fazendo com que eu fizesse uma careta em resposta.

          Foi nesse momento que a porta ao fundo da oficina se abriu, e Luan finalmente deu o ar da graça. Ou melhor, o ar da "desgraça". Afinal, mesmo tendo solicitado que ele se vestisse de acordo com o local no qual iriamos, ele não pareceu ter seguido o conselho. Em vez disso, vestia um moletom que lembrava o uniforme de um time esportivo, com cores vermelhas e brancas. O capuz largo proporcionava um toque despojado ao seu visual, enquanto os botões prateados alinhados na frente davam um ar atlético.

— Você é inacreditável — Eu disse, resignado.

— Inacreditavelmente atraente, eu sei — Luan respondeu com autoconfiança, enquanto acendia um cigarro.

— Não quer vir conosco? — Virei-me para James, que ficou surpreso com o convite. — Não é como se fosse um evento exclusivo para nós dois.

— Passo. Tudo o que quero agora é cair na cama e assistir televisão. Divirtam-se vocês dois — James respondeu com um sorriso no rosto enquanto se dirigia para dentro de casa.

          O melhor amigo de Luan parecia genuinamente feliz por ele estar saindo com alguém e tendo uma vida social fora da escola ou do trabalho. James, definitivamente, era uma boa pessoa.

          Eu e Luan começamos a caminhar lentamente em direção ao centro da cidade, à medida que a noite caía e o tempo parecia se fechar.

— Não vai me dizer para onde estamos indo? — Luan perguntou, curioso.

— Esperou tantos dias para saber, o que custa esperar alguns minutos a mais? — Retruquei, sorrindo de canto.

          Naquele momento, não havia percebido, mas Luan estava me olhando mais do que eu imaginava. Ele estava claramente intrigado, pois meu sorriso denunciava o quanto estava contente por tê-lo ao meu lado.

— Nunca levei ninguém lá. Nem mesmo a Leh. E olha que frequento esse lugar há seis meses — Falei sem que ele perguntasse, deixando-o ainda mais intrigado.

— Que diabos de seita é essa que você frequenta? — Luan perguntou, cada vez mais curioso.

— Que mané seita, me respeita! Aliás, chegamos.

          A área ao redor da cúpula espelhada brilhava intensamente, iluminada pelas luzes que envolviam seu interior. O cenário era simplesmente mágico, mas não o suficiente para deixar Luan com a boca aberta, pelo menos não ainda.

          Luan parecia confuso, imaginando se estávamos indo para uma grande livraria, mas estava prestes a descobrir que se tratava de algo relativamente diferente.

          Descemos alguns lances de escadas que levavam à entrada da cúpula. Quando passamos pela porta, o local se revelou em sua plenitude. Era um amplo espaço com várias mesas quadradas e pequenas dispostas por todo o lugar, quase todas ocupadas por pessoas de todas as idades. Algumas delas seguravam livros ou cadernos, enquanto outras pareciam envolvidas em conversas animadas.

          Ao fundo do ambiente, um palco se destacava com um microfone no centro. Era evidente que estávamos em um local onde a expressão artística era valorizada. A atmosfera vibrante, com risos e murmúrios ao fundo, fazia parecer que aquele lugar estava cheio de histórias a serem contadas.

          Eu estava ansioso para compartilhar essa experiência com Luan, torcendo para que ele apreciasse tanto quanto eu. Porém, ao olhar em sua direção, sua expressão não era bem o que eu estava imaginando.

— Pode me explicar?

— É um sarau de poesias. Se lembra? Mencionei naquele dia que gosto de escrever poesias. Uma vez por mês venho aqui. Nós escutamos as poesias uns dos outros, e eu tenho a oportunidade de recitar as minhas próprias para todos. É aqui onde me sinto à vontade de expressar meus sentimentos em forma de versos para todos, sem medo de julgamentos — Expliquei, mas o olhar de decepção vindo daqueles olhos esmeraldas permanecia intocável enquanto ele inspecionava o local com um movimento de cabeça.

— Kevin, que bom que chegou. Hoje começaremos com você, venha — Um senhor de terno e baixa estatura sorriu ao me ver, apontando para o palanque enquanto ia em sua direção.

— Apenas me arrume uma mesa só para mim — Luan sussurrou, um tanto acanhado. Eu não sabia dizer naquele momento se ele apenas não queria dividir a mesa com mais ninguém ou se estava se sentindo constrangido por estar naquele local.

          Levei-o rapidamente a uma das poucas mesas vazias em frente ao palco e, depois disso, me apressei para os bastidores. A poesia que escrevi e recitaria para mais de quarenta pessoas já havia sido entregue anteriormente ao senhor Sérgio e estava em um fichário naquele local. Assim que peguei a folha, saí de trás das cortinas e me dirigi ao microfone.

— Boa noite a todos — Falei, e assim que as palavras saíram de meus lábios, o silêncio respeitoso dominou o ambiente.

          Meu olhar vagou brevemente até a mesa em minha frente, onde Luan estava sentado de maneira totalmente inapropriada, com os pés sobre a mesa e os braços atrás da nuca.

          Respirei fundo, fazendo um esforço consciente para ignorar sua atitude e focar no que realmente importava naquele momento.

          Com cuidado, coloquei a folha com a poesia sobre o púlpito de madeira diante de mim, preparando-me para iniciar a leitura diante de todos os presentes.

— Hoje, vou recitar minha poesia "Sentimentos Profanos" — anunciei no microfone, mas antes de conseguir prosseguir, um som alto interrompeu a atmosfera do local.

          Luan soltou um arroto estrondoso, o que fez todos os olhares se voltarem para ele. Da minha posição no palco, pude notar algumas pessoas rindo da situação.

— Desculpe, foi involuntário. Pode continuar — ele disse, parecendo indiferente à situação constrangedora que criou.

          Enquanto o público ficava dividido entre risos e olhares perplexos, o senhor Sérgio, o organizador voluntário dos encontros mensais, parecia visivelmente irritado.

          Apesar do nervosismo crescente, decidi tomar as rédeas da situação para evitar que Luan fosse expulso. Pigarreei para atrair a atenção de volta para mim e comecei a leitura da poesia:

— Sentimentos Profanos. No âmago da alma, segredos permeiam. Sentimentos profundos, que nas sombras anseiam...

          Outra interrupção de Luan, desta vez em forma de um longo bocejo, com a boca escancarada, enfatizando o quanto ele estava entediado.

          Mesmo após a pausa causada por seu ato, concentrei-me em continuar a leitura:

— No silêncio oculto, corações se entrelaçam...

          Mesmo com a cabeça baixa, percebi, de soslaio, Luan se levantando e, com as mãos nos bolsos, caminhando em direção à porta do local.

— E nas palavras sutis... Nas palavras sutis... Perdi o fio da meada, desculpem — meu nervosismo aumentava enquanto eu procurava retomar o verso.

          Foi nesse momento que percebi que não conseguiria mais. Após tudo o que Luan fez, não havia mais como prosseguir. — Desculpe, senhor Sérgio. Estou indisposto hoje. Realmente, sinto muito.

          Com as bochechas coradas de vergonha, abaixei a cabeça e desci do palco. Tudo ficou ainda mais constrangedor quando parte da plateia aplaudiu, enquanto a outra parte permaneceu sem saber se deveria fazer o mesmo. Era como se aquelas poucas palmas fossem uma esmola para minha humilhação.

          Assim como no primeiro dia em que conheci Luan e o segui para fora da sala de aula, me senti repetindo o ato ao deixar o sarau e ir para o seu lado externo a fim de procurar por ele.

          O tempo fechado de outrora se mostrou irredutível quando, ao sair do ambiente coberto, deparei-me com uma chuva forte e pesada que caía naquela noite. Subi apressadamente os poucos degraus, buscando abrigo sob a cobertura da calçada, tudo isso enquanto meu coração ainda estava acelerado pela situação anterior.

          Contudo, ao olhar para o lado, minha surpresa foi imensa: Luan estava parado no mesmo local, esperando que a chuva diminuísse antes de seguir seu caminho.

— Oh, já acabou?

          Minha frustração com o que havia acontecido momentos antes borbulhava, e assim que a chuva começou a cair ainda mais forte, minha raiva se manifestou.

— Já acabou? Eu vou te dizer o que já acabou... — Com passos decididos, me coloquei na frente dele, a poucos centímetros de distância. — Minha paciência com você, foi isso o que acabou!

          Luan parecia genuinamente confuso com minha raiva e perguntou:

— O que deu em você?

          Minha expressão de raiva se intensificou conforme o som da chuva forte ecoava na rua.

— Você é um verdadeiro babaca. Olha a atitude que você teve lá dentro!

— Vai me culpar agora? — Me deu um leve empurrão me distanciando dele. — A culpa é sua por me trazer para esse negócio chato pra diabo, e ainda esperava que eu ficasse lá e te aplaudisse? Você quer que eu me interesse por algo que não me interessa! Eu te incentivar a fazer algo que gosta é uma coisa, me jogar para dentro disso é outra bem diferente.

— Você quem disse que queria conhecer mais sobre quem eu sou. Isso é ser amigo, isso é apoiar verdadeiramente quem você gosta, se envolver na vida da outra pessoa, não ser egoísta e fazer apenas o que você gosta. Você já ouviu falar em empatia ou socou ela no rabo?

          Luan deu de ombros, tirando o celular do bolso e verificando algo que não consegui avistar.

— Bom, ainda estou em tempo de voltar para a boate. Meu amigo que estava me cobrindo disse que posso voltar. Você está fora de controle hoje. Nos falamos quando você se acalmar...

— Não tem mais tarde porra nenhuma! Não quero mais saber de você ou da sua amizade!

          Resoluto, me aproximei novamente de Luan, nossos corpos quase se tocando. Eu bufava de raiva, enquanto ele parecia mais surpreso com minha "histeria" do que igualmente irritado.

          O isolamento acústico do sarau e o som da chuva forte evitavam que nos ouvissem do interior. Estávamos em um canto da calçada onde ninguém do interior do local poderia nos ver. A rua estava vazia devido à chuva. Éramos apenas eu, Luan e a fraca luz de um poste que nos iluminava. Se as coisas tomassem um rumo mais agressivo, ninguém poderia parar nossa trocação de socos. Ou, talvez, melhor dizendo, ninguém poderia vir me socorrer. Pois, em uma luta contra o Luan, eu claramente levaria a pior.

— Você é um lixo! — falei de forma agressiva, apontando o dedo indicador diretamente para o peito de Luan em um gesto desafiador. — Leh estava certa, eu deveria ter percebido que você seria um bosta de um amigo.

— Cara, cala a boca... — Luan pediu, dando alguns passos para trás. O ato fez com que saísse da proteção da cobertura e ficasse bem no meio da calçada, sob a chuva. Contudo, ele não parecia se importar em se molhar no processo, tudo o que queria era me calar e manter distância.

— Não vou me calar, você vai ouvir, seu porra! É por causa dessas atitudes que ninguém quer ser seu amigo! — De igual forma não tive medo da chuva e o segui, colocando novamente o dedo em seu peito.

— Cala a droga da boca... — Seu cabelo molhado respingava gotas em meu rosto conforme a chuva caia, devido nossa aproximação física.

— Era esse o seu plano, me humilhar no lugar onde me sinto mais confiante sendo eu mesmo?

— Cala... — Luan pediu mais uma vez, mas mais uma vez o ignorei.

— Eu vou transformar sua vida em um inferno a partir de hoje! — Ameacei, com nossos corpos encharcados bem próximos um do outro.

          Em meio a sua impaciência com minha raiva, Luan decidiu fazer algo para me silenciar, algo que eu definitivamente não esperava. Em um movimento repentino, brusco e inesperado, ele inclinou a cabeça e me beijou. Seus lábios tocaram os meus de forma rápida e decisiva.

          A sensação daquele beijo foi eletrizante e desconcertante. Seus lábios eram macios e quentes, contrastando com a fria chuva que nos rodeava. Foi uma sensação completamente inédita para mim, um misto de surpresa, choque e curiosidade.

          Nossos lábios se tocaram por apenas alguns segundos, tempo suficiente para sentir sua respiração acelerada e o gosto da chuva misturado com a doçura dos seus lábios. O beijo foi rápido, mas deixou uma impressão profunda. Fiquei paralisado pela surpresa, incapaz de articular uma única palavra enquanto a chuva caía sobre nós.

          Eu tive, mesmo que por um breve momento, a boca dele sobre a minha. Era a primeira vez que tive a sensação dos lábios de outra pessoa encostado nos meus.

          O plano dele aparentemente havia dado certo, pois o frenesi da minha irritação foi substituído por um silêncio avassalador que era preenchido apenas pela chuva e pelo palpitar frenético do meu coração.

          Tão logo quando separou nossas bocas, Luan deu um passo para trás e se virou de costas sem olhar nos meus olhos. Puxou seu capuz sob sua cabeça, e em meio a chuva torrencial, cada vez mais Luan sumia de minha vista até que desaparecesse de vez do meu campo de visão ao cruzar uma esquina.

          Permaneci parado em meio a chuva naquela calçada, atordoado com o que acabara de ocorrer. Ao refletir sobre o ocorrido, olhei para trás em desespero com receio de que alguém pudesse ter nos vistos. Um suspiro de alívio escapou de meus lábios quando constatei que não havia mais ninguém no local.

          Sob a chuva que me encharcava, uma sensação de purificação tomou conta de mim. Aquele fora meu primeiro beijo, e não apenas isso, mas foi um beijo com um outro garoto, alguém do mesmo sexo que eu.

          Mais do que isso, foi naquele instante que percebi que aquele beijo significou algo ainda mais profundo. Algo que tentei esconder de mim mesmo, mas que agora estava evidente. Minha admiração por Luan não era pura inveja, como pensei outrora, ou mesmo um desejo de querer ser seu amigo. Eu estava começando a me apaixonar por ele. Eu, Kevin Drummond, estava me apaixonando por outro garoto. Assim como o nome da poesia que eu iria recitar essa noite, esse era um sentimento profano. 

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