6. Amigos

          Os dias que se seguiram transcorreram tranquilamente. Troquei uma ou outra palavra com Luan, mas nossas conversas não se estendiam muito além disso. No entanto, sua expressão radiante quando recebemos de volta a prova, na qual conquistamos uma belíssima de uma nota 10, iluminou seu rosto. Mesmo que ele não tivesse dito nada, não consegui conter meu sorriso de alegria por perceber que, pelo menos nisso, eu o havia impressionado.

          O final de semana chegou, e com ele a viagem de conferência dos meus pais. Na verdade, eles já haviam partido na noite anterior. Hoje, um sábado de manhã ensolarado, eu aguardava ansiosamente a chegada de Luan à minha casa. Não sei por que estava tão empolgado com isso. Afinal, nosso encontro se resumiria a estudar. Não era a primeira vez que eu recebia um amigo em casa - embora ele não fosse nem meu amigo. No entanto, por alguma razão que eu não conseguia compreender, toda vez que tínhamos a oportunidade de passar tempo juntos, minha empolgação aumentava.

          Quase meia hora depois do horário combinado, ele anunciou sua chegada ao tocar a campainha ao lado do portão. Como Luan não cansa de me surpreender, naquela manhã ensolarada, ele estava vestindo jeans escuros e trajava sua jaqueta preta! Esse garoto definitivamente tinha problemas.

— Desculpa pelo atraso, estava resgatando um gato que ficou preso em uma árvore — disse com as mãos nos bolsos da jaqueta, usando a desculpa mais esfarrapada e mentirosa que poderia imaginar.

          Luan tomou a iniciativa e adentrou a casa antes mesmo que eu lhe desse permissão, como se fosse a coisa mais natural do mundo.

— Pode entrar, não repara na bagunça — comentei de maneira irônica enquanto fechava o portão. Afinal ele não estava mais em meu campo de visão e nem conseguiria mais me escutar.

          Quando voltei para dentro de casa, encontrei Luan já sentado na cadeira diante da mesa da sala de estar. Um cigarro estava entre seus lábios, prestes a ser aceso, mas eu tomei a liberdade de tirá-lo e o joguei na lata de lixo ao lado.

— Nada de fumar na minha casa.

— Desculpa aí, Sr. Certinho — Ele retrucou com sarcasmo.

          Luan ergueu as mãos brevemente em um gesto de rendição, colocando o isqueiro de volta no bolso de sua calça com correntes.

— Cadê sua mochila e seus cadernos? — perguntei com os braços cruzados. — Esqueceu que estamos aqui para estudar?

          Ele deu de ombros, fazendo pouco caso do diálogo.

— Estamos na era da tecnologia, e você quer usar algo tão arcaico quanto cadernos, como os incas faziam?

          Luan pegou seu smartphone do bolso da camiseta quadriculada, como se pretendesse escrever as anotações através dele.

          Suspirei profundamente, tentando manter a paciência. Além de química, ele aparentemente estava precisando de umas boas aulas de história. Ainda assim estava surpreso pelo fato de ele ter um celular. Achei que o fato dele trabalhar desde tão novo significava que ele tinha uma vida miserável, mas o smartphone de última geração em sua mão dizia o contrário. Isso também me fez perceber que sequer tinha o número dele. Apenas anotei meu endereço em um papel alguns dias antes e entreguei para ele.

          Peguei meu caderno e o estendi na direção de Luan, junto com um lápis. Além disso, entreguei a ele a mesma prova que tínhamos feito durante a semana, porém, com as respostas apagadas.

— Tente refazer a prova com o que você sabe. Dessa forma, será mais fácil identificar onde você está enfrentando dificuldades para que eu possa ajudá-lo melhor. Estarei aqui se tiver alguma dúvida.

— Eu tenho uma — Luan disse, após guardar o celular e dar uma rápida olhada na prova à sua frente. Arqueei a sobrancelha, esperando que ele compartilhasse a dúvida. — Como um cara tão jovem como você tem um sobrenome tão de velho como Drummond? — Luan riu após ler meu nome completo na prova.

— Cale a boca, idiota! — Respondi com irritação, movendo a prova pela mesa para o meu lado, a fim de conferir o nome completo dele. — Acha que "Luan Pimentel Montenegro" é muito melhor?

— Muito não. Apenas melhor — Luan inclinou-se na cadeira e soltou uma gargalhada. No entanto, esse gesto fez com que a cadeira cedesse sob seu peso fazendo com que ele caísse no chão da sala. Agora, era a minha vez de rir dele.

          Levou um tempo, mas Luan finalmente decidiu focar nos estudos. Era engraçado vê-lo franzindo a testa, tentando encontrar as respostas no fundo de sua mente, mesmo que não houvesse muita coisa lá. Ainda assim, ele não era uma completa negação em química. Apenas havia alguns tópicos em que ele tinha mais dificuldade do que em outros, e, à medida que as dúvidas surgiam, eu as explicava de maneira que até mesmo alguém com uma cabeça de vento como a dele pudesse compreender.

          Depois de algumas horas de estudo, fui até a cozinha e trouxe alguns sanduíches que havia preparado mais cedo, para darmos uma pausa nos estudos e evitar sobrecarregar os poucos neurônios que deviam restar em sua mente.

— Está uma delícia! Você sabe fazer isso muito bem — ele disse enquanto devorava seu terceiro sanduíche. Do que ele estava falando? Era apenas um lanche comum.

— Não fala enquanto come — o adverti enquanto estava prestes a dar uma mordida no meu primeiro sanduíche, já que as folhas de alface voavam enquanto ele falava.

— Preciso ir ao banheiro. Onde fica?

— Segundo andar, primeira porta à esquerda — apontei para a escadaria ao lado da mesa. Mal terminei de falar, e ele já estava subindo a escada de dois em dois degraus. — E dê descarga!

          Passou algum tempo. E depois mais um tempo. E Luan não voltava. Será que o sanduíche tinha caído mal? Não queria pensar no pior, mas também não era certo deixar um estranho solto na minha casa. Preocupado, decidi verificar o que estava acontecendo.

— Está tudo bem aí, Luan? — perguntei do lado de fora da porta do banheiro. No entanto, não recebi resposta.

          Coloquei a mão na maçaneta e percebi que a porta não estava trancada. Silenciosamente, abri-a apenas para encontrar um banheiro vazio. Luan não estava lá. Decidi então caminhar pelo corredor do segundo andar. Notei que a porta do meu quarto estava aberta, mas eu tinha certeza de que a havia fechado ao sair. Franzi os olhos enquanto entrava no quarto.

          Luan Pimentel estava sentado na minha cama, olhando para a parede azul em frente a ele. Anexada na parede havia uma prateleira com meus três videogames, diversos jogos ao seu lado, uma televisão com suporte e, mais ao canto, meu skate longboard repousava no chão.

— Quem te deu permissão para entrar no meu quarto?

— Olha quantos videogames. Depois ainda vem querer dizer que não é nerd — Luan disse, ignorando minha pergunta irritada. Seu tom naquele momento parecia mais de admiração do que provocação.

          Suspirei e me sentei na cama, mantendo uma distância mínima dele.

— Não é nada demais. A maioria dos garotos joga videogame nas horas vagas. Vai me dizer que você não?

— Nunca tive um — Luan deu de ombros. Fiquei em silêncio, observando-o. Não parecia que aquilo tenha feito falta em sua vida. Mas algo na maneira como ele disse isso deixou a impressão de que havia mais profundidade na história. Como se sua infância tivesse sido privada de algumas coisas.

— Bom, jogar videogame não me torna um nerd ou menos homem do que você. E você joga futebol, por acaso? Afinal, isso é o que se espera de alguém que segue estereótipos e não se considera um "nerd".

— Não, meu esporte não é o futebol — Luan respondeu com um sorriso cativante. Era surpreendente como ele podia alternar entre ser completamente insuportável e um rapaz doce.

— E qual é o seu hobby, então? Além de trabalhar como bartender. Desmontar carros roubados com o James? — Perguntei, observando-o. Luan permaneceu em silêncio, olhando para os videogames. — Você não vai me contar o que fazem naquele ferro-velho? E qual é a relação entre você e aqueles dois garotos do terceiro ano, já que não parecem ser seus amigos?

          Novamente, o silêncio. Eu estava quase desistindo de obter qualquer informação dele quando ele falou de repente:

— O James gostou de você. Ele disse para você aparecer lá qualquer dia desses.

— Eu também achei o James gente boa — admiti, um pouco constrangido.

— Sabe, não sou como você. Rodeado de pessoas, cheio de amigos. Não é fácil para mim confiar em alguém. Eu não tenho amigos de forma geral. Na verdade, o James é o único. Mudando de escola com frequência, eu senti que não podia criar laços com as pessoas. Me tornar amigo de alguém e, em pouco tempo, ser esquecido.

"Não me entenda mal, não sinto falta disso. Hoje em dia, percebi que a maioria dos caras são tão superficiais, e acho os assuntos deles chatos e cansativos. E, sem querer me gabar, mas as garotas com quem converso sempre têm segundas intenções quando tento conversar com elas. Não tenho uma amizade normal com uma garota, como você tem com aquela sua amiga, por exemplo."

          Não respondi; em vez disso, fiquei apenas escutando o que Luan tinha a dizer. Naquele momento, eu conseguia entendê-lo. A única pessoa que ele confiava verdadeiramente era James. E, mesmo que ele não tivesse ideia disso, eu me sentia da mesma forma em relação a Leh. Certamente, eu tinha outros amigos, mas nossas relações eram predominantemente superficiais. Nossas conversas eram pontuadas por temas leves como videogames e interesses amorosos, mas dificilmente nos aprofundávamos em questões mais pessoais.

          Na verdade, nem mesmo a Leh sabia tudo sobre mim. Havia segredos que eu não havia compartilhado com absolutamente ninguém.

— Ainda assim, eu gosto de você — Luan prosseguiu, deixando-me completamente chocado com essa fala repentina. Ele então se virou na minha direção. — Normalmente, as pessoas desistem de tentar se aproximar de mim quando percebem o meu jeito retraído e distante. Mas você continuou determinado a me manter por perto. Se ofereceu até mesmo para me ajudar nos estudos, quando não tinha obrigação nenhuma de fazer isso. Sinto que começamos isso tudo da maneira errada...

          Luan se levantou da cama e caminhou até ficar de pé diante de mim, para só então estender a mão em minha direção. Droga, meu rosto estava ficando vermelho.

— Foi mal pelo dia do extintor. Não era para ter acertado você. Eu devia ter me desculpado antes, mas pelo menos estou fazendo isso agora.

— Bom, "foi mal" não é bem um pedido de desculpas. Você deveria usar o termo correto — eu disse, meio relutante. Seus olhos verdes me encaravam, enquanto ele mantinha a mão estendida em minha direção. — Tudo bem, aceito suas desculpas.

          Retribuí o gesto, apertando sua mão. Mesmo que tenha sido rápido e significasse apenas um acordo de paz, foi a primeira vez que toquei a mão de Luan dessa forma. Sentir a pele macia de seus dedos em meus próprios dedos me deixou ainda mais nervoso com a situação. Ainda assim, confesso que se pudesse teria congelado aquele momento.

          Com nossas mãos ainda unidas, Luan me retirou da cama com um puxão firme, fazendo-me ficar de pé bem próximo a ele. O movimento brusco fez com que nossos peitorais se chocassem, e nossos rostos ficassem bem próximos um do outro. Seus lábios estavam tão próximos dos meus que eu podia sentir sua respiração. Meu coração, que havia parado de bater, agora batia tão rápido que aparentava prestes a sair do peito. Meus olhos castanhos só conseguiam se fixar em seus lábios...

— Vamos, precisamos terminar de estudar — Luan disse, quebrando a proximidade entre nós e soltando nossas mãos. Ele tomou a iniciativa para descer para o andar de baixo. Respirei fundo duas vezes antes de segui-lo.

🤝

          Estudamos por mais um tempo, mas quando a noite começou a cair, Luan informou que precisava partir, já que em breve teria que entrar no trabalho.

          Enquanto eu guardava o material que usamos de volta na minha mochila, o meu agora ex-inimigo avistou uma folha na mesa que havia caído do meu caderno:

— Ah, o formulário de atividades extracurriculares. Eu tinha esquecido que temos que informar a qual clube vamos entrar até segunda — Luan disse, analisando o formulário em branco em suas mãos.

— Um saco, não é? A pior parte do segundo ano é sermos obrigados a entrar em um clube. Nem mesmo sei para qual vou — eu falei, depois de terminar de guardar meu material na mochila.

— Não há nada que você goste? Você vive dizendo que não conto nada sobre mim, mas também sei muito pouco sobre você.

— Bom, é meio constrangedor, mas gosto de escrever poesias — eu disse, um pouco tímido. Porém, ao olhar na direção dele, percebi que Luan estava prestando atenção sem nenhum sinal de julgamento. — Mas nem adianta. Não há um clube de poesia na escola. É necessário ter pelo menos cinco alunos para formar um clube. Vou ter que me conformar e entrar em um clube qualquer.

— Por que você não tenta criar um? Com certeza vai encontrar outros idiotas... quer dizer, amigos que queiram se juntar — Luan tentou me incentivar, se é que isso pode ser chamado de incentivo, enquanto caminhávamos em direção à porta.

— Ah é? E você se juntaria a ele também?

— Sem chance — ele negou imediatamente. — Poesia não é a minha praia. Quer ver? "A rosa é vermelha, a violeta é azul. Coloca meu nome nesse clube e mando você tomar no...".

— Nem precisa terminar de falar — o interrompi. — Isso nem sequer ia rimar. E você, em qual clube vai entrar então?

— Vou entrar no time de basquete — Luan fez uma bolinha de papel com o guardanapo que tinha em mãos e, surpreendentemente, acertou a cesta do lixo do outro lado da sala. — Sou jogador há um tempo.

— Jogador de basquete? Você nem é tão alto assim — eu disse, provocando-o.

— Sou mais alto que você, tampinha — Luan bagunçou meu cabelo com as mãos, e ambos rimos.

          Conforme nos aproximávamos do portão, a luminosidade da lâmpada do meu quintal me fez perceber um arranhão discreto na mão esquerda de Luan. Não parecia ter sido causado por uma pessoa; provavelmente, um gato havia feito aquilo. A história de que ele salvou um gato preso em uma árvore parecia ser verdade.

          Sem mencionar o arranhão, uma ideia repentina surgiu em minha mente:

— Bom, sei que você trabalha todas as noites sem exceção, mas, se conseguir dar um jeito, posso te levar em um certo lugar na quarta-feira à noite. Afinal, você mesmo disse que não sabe muito sobre mim. Seria uma oportunidade para me conhecer um pouco melhor.

— Enigmático ele — Luan comentou, ponderando por um momento. — Bom, vou ver se consigo abrir um espaço na minha agenda.

          Ambos sorrimos um para o outro. Abri o portão por fim, e então Luan começou a se afastar, mas antes que eu pudesse fechá-lo completamente, ele se virou de volta na minha direção.

— A propósito, qual é o seu nome mesmo?

— Vá se fuder — eu disse, irritado, mostrando o dedo do meio para ele. O idiota à minha frente riu da minha irritação.

— Boa noite, Kevin — ele disse, finalmente se virando e indo embora.

          Ele sabia. Era a primeira vez que mencionava meu nome sem zombar dele. Embora fosse algo pequeno, não consegui evitar sorrir de forma boba. 

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